ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

11 de Fevereiro de 2010 ( *1 )

«Código Aduaneiro Comunitário — Artigo 24.o — Origem não preferencial das mercadorias — Transformação ou operação de complemento de fabrico determinante da origem — Blocos de silício originários da China — Triagem, trituração e purificação dos blocos, bem como peneiração e calibragem dos grãos em função do seu tamanho, e respectivo acondicionamento na Índia — Dumping — Validade do Regulamento (CE) n.o 398/2004»

No processo C-373/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Finanzgericht Düsseldorf (Alemanha), por decisão de 30 de Julho de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em , no processo

Hoesch Metals and Alloys GmbH

contra

Hauptzollamt Aachen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, P. Lindh, A. Rosas, U. Lõhmus (relator) e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Julho de 2009,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Hoesch Metals and Alloys GmbH, por H. Bleier, Rechtsanwalt,

em representação do Conselho da União Europeia, por J.-P. Hix, na qualidade de agente, assistido por G. M. Berrisch e G. Wolf, Rechtsanwälte,

em representação da Comissão Europeia, por R. Lyal, H. van Vliet e B.-R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 24.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»), e a validade do Regulamento (CE) n.o 398/2004 do Conselho, de , que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de silício originário da República Popular da China (JO L 66, p. 15).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Hoesch Metals and Alloys GmbH (a seguir «Hoesch») ao Hauptzollamt Aachen (autoridade aduaneira de Aachen), a propósito da determinação da origem não preferencial do silício proveniente da China e que foi submetido a diferentes operações de tratamento na Índia.

Quadro jurídico

Acordo sobre as regras de origem

3

O Acordo sobre as regras de origem (OMC-GATT 1994), anexo à Acta Final assinada pela Comunidade Europeia, em Marraquexe, em 15 de Abril de 1994, e aprovada em seu nome pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de , relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO 1994, L 336, p. 1), tem por objectivo harmonizar as regras de origem e institui, durante um período transitório, um programa de trabalho de harmonização.

Regulamentação aduaneira comunitária

4

O artigo 24.o do código aduaneiro dispõe:

«Uma mercadoria em cuja produção intervieram dois ou mais países é originária do país onde se realizou a última transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, economicamente justificada, efectuada numa empresa equipada para esse efeito e que resulta na obtenção de um produto novo ou represente uma fase importante do fabrico.»

5

Os artigos 35.o a 40.o bem como os Anexos 10 e 11 do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.o 2913/92 (JO L 253, p. 1), precisam, para certos produtos, as transformações ou as operações de complemento de fabrico determinantes do carácter de produto originário, nos termos do disposto no artigo 24.o do código aduaneiro. O silício-metal não faz parte dos produtos abrangidos por essas disposições.

6

A posição 2804 da Nomenclatura Combinada que constitui o Anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 256, p. 1), conforme alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1789/2003 da Comissão, de (JO L 281, p. 1, a seguir «NC»), tem a seguinte redacção:

«2804

Hidrogénio, gases raros e outros elementos não-metálicos:

[…]

Silício

28046100

— —

Que contenham, em peso, pelo menos 99,99% de silício

28046900

— —

Outro

[…]»

Regulamentação comunitária em matéria de medidas antidumping

7

As disposições relativas à instituição de direitos antidumping por parte da Comunidade Europeia figuram no Regulamento (CE) n.o 384/96 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações object[o] de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO L 56, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 461/2004 do Conselho, de (JO L 77, p. 12, a seguir «regulamento de base»).

8

O artigo 3.o, n.o 1, do regulamento de base prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, entende-se por ‘prejuízo’, salvo disposição em contrário, um prejuízo importante causado à indústria comunitária, uma ameaça de prejuízo importante para a indústria comunitária ou um atraso importante na criação dessa indústria, sendo interpretado em conformidade com o disposto no presente artigo.»

9

O artigo 5.o do mesmo regulamento rege a abertura dos processos de inquérito inicial destinados a determinar a existência, a amplitude e os efeitos de uma prática de dumping alegada numa denúncia.

10

O artigo 9.o, n.o 4, do referido regulamento dispõe:

«Quando os factos definitivamente estabelecidos provarem a existência de dumping e de prejuízo dele decorrente e o interesse da Comunidade justificar uma intervenção nos termos do artigo 21.o, será instituído um direito antidumping definitivo pelo Conselho, sob proposta da Comissão, após consulta do comité consultivo. A proposta é aprovada pelo Conselho, excepto se este, deliberando por maioria simples, decidir rejeitá-la, no prazo de um mês a contar da data da sua apresentação pela Comissão. Quando estiverem em vigor direitos provisórios, será apresentada uma proposta de medidas definitivas, o mais tardar, um mês antes da data de caducidade dos referidos direitos. O montante do direito antidumping não excederá a margem de dumping estabelecida, devendo, no entanto, ser inferior à margem de dumping, caso um direito inferior seja suficiente para eliminar o prejuízo para a indústria comunitária.»

11

Nos termos do artigo 11.o do regulamento de base:

«[…]

2.   Uma medida antidumping definitiva caducará cinco anos após a sua criação ou cinco anos a contar da data da conclusão do reexame mais recente que tenha abrangido simultaneamente o dumping e o prejuízo, a menos que se determine num reexame que a caducidade da medida poderia conduzir a uma continuação ou reincidência do dumping e do prejuízo. Um reexame da caducidade terá lugar por iniciativa da Comissão ou a pedido dos produtores da Comunidade, ou em seu nome, mantendo-se a medida em vigor até serem conhecidos os resultados do reexame.

Será iniciado um reexame da caducidade sempre que o pedido contenha elementos de prova suficientes de que a caducidade das medidas poderia dar origem a uma continuação ou reincidência do dumping e do prejuízo. Esta probabilidade pode, por exemplo, ser indicada por elementos de prova da continuação do dumping e do prejuízo ou por elementos de prova de que a eliminação do prejuízo se deve, em parte ou exclusivamente, à existência de medidas, ou por elementos de prova de que a situação dos exportadores ou as condições de mercado são tais que implicam a possibilidade de ocorrerem novas práticas de dumping que causem prejuízo.

[…]

5.   Serão aplicáveis a qualquer reexame realizado nos termos dos n.os 2, 3 e 4 do presente artigo as disposições relevantes do presente regulamento no que respeita aos processos e à tramitação processual, com excepção das que dizem respeito aos prazos. Os reexames efectuados nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 serão realizados prontamente e devem normalmente ser concluídos num prazo de 12 meses a contar da data do seu início. […]

6.   […] Sempre que os reexames o justifiquem, as medidas serão revogadas ou mantidas nos termos do n.o 2 ou serão revogadas, mantidas ou alteradas nos termos dos n.os 3 e 4 pela instituição comunitária responsável pela sua adopção. […]

[…]»

12

Pelo Regulamento (CEE) n.o 2200/90, de 27 de Julho de 1990 (JO L 198, p. 57), o Conselho criou, pela primeira vez, um direito antidumping definitivo sobre as importações de silício-metal originárias da China. Na sequência de um aviso de caducidade das medidas previstas no Regulamento n.o 2200/90, publicado em Fevereiro de 1995, foi apresentado à Comissão um pedido de reexame acompanhado de elementos de prova do dumping a que está sujeito o produto em causa, elementos que foram considerados suficientes para justificar a abertura de um inquérito. Atendendo às conclusões desse inquérito, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.o 2496/97, de , que cria um direito antidumping definitivo sobre as importações de silício-metal originário da República Popular da China (JO L 345, p. 1).

13

O considerando 24 do Regulamento n.o 2496/97 enuncia:

«[…]

A margem de dumping, expressa em percentagem do preço de exportação CIF, franco-fronteira comunitária, ascendeu a 68,1%.»

14

O artigo 1.o, n.o 2, do referido regulamento dispõe:

«A taxa do direito antidumping definitivo aplicável ao preço líquido, franco-fronteira comunitária, do produto não desalfandegado, é de 49%.»

15

Após a publicação, em Março de 2002, de um aviso de caducidade iminente das medidas antidumping, foi apresentado à Comissão um pedido de reexame nos termos do artigo 11.o, n.o 2, do regulamento de base. Terminado esse reexame, o Conselho decidiu, por meio do Regulamento n.o 398/2004, manter as medidas instituídas pelo Regulamento n.o 2496/97.

16

O considerando 27 do Regulamento n.o 398/2004 enuncia:

«Em conformidade com o disposto no n.o 11 do artigo 2.o do regulamento de base, a margem de dumping foi estabelecida com base numa comparação entre os valores normais médios ponderados e os preços de exportação médios ponderados, tal como acima determinados. Esta comparação revelou a existência de dumping. Verificou-se que a margem de dumping, expressa em percentagem do preço CIF fronteira comunitária do produto não desalfandegado, era significativa (ou seja, 12,5%), se bem que bastante inferior ao nível detectado em inquéritos anteriores.»

17

O quadro 6 do preâmbulo daquele regulamento, relativo ao volume de vendas de silício da indústria comunitária na Comunidade, é o seguinte:

«1998

1999

2000

2001

PI

Toneladas

86 718

114 587

133 568

128 219

136 421

Índice

100

132

154

148

157

Evolução anual

 

+ 32%

+ 17%

– 7%

+ 6%»

18

O considerando 51 do Regulamento n.o 398/2004 enuncia:

«Entre 1998 e o período de inquérito, as vendas da indústria comunitária a clientes independentes na Comunidade registaram um aumento de 57%.»

19

O quadro 8 do preâmbulo do referido regulamento, que apresenta as partes de mercado detidas pela indústria comunitária no mercado do silício, indica:

«1998

1999

2000

2001

PI

Percentagem do mercado

29,8%

35,2%

34,3%

34,3%

36,7%

Índice

100

118

115

115

123»

20

Nos termos do considerando 54 do Regulamento n.o 398/2004:

«A parte de mercado detida pela indústria comunitária aumentou de 29,8% em 1998 para 36,7% durante o período de inquérito, o que coincidiu com o aumento dos seus volumes de produção e de vendas na sequência da abertura de uma nova instalação de produção na Comunidade. O maior aumento ocorreu entre 1998 e 1999 (+ 5,4% do mercado) com o estabelecimento de novas instalações de produção na União Europeia. Entre 2001 e o período de inquérito verificou-se um aumento menor (+ 2,4 pontos percentuais).»

21

Os considerandos 71 a 74 desse regulamento têm a seguinte redacção:

«(71)

Tal como foi explicado e demonstrado acima, entre 1998 e 2000 a indústria comunitária pôde tirar partido de um crescimento do mercado de 34%, bem como de um aumento importante do seu volume de vendas e da sua parte de mercado. Posteriormente, no entanto, tanto o seu volume de vendas como a sua parte de mercado estagnaram, tendo a sua situação financeira (preços, rendibilidade e fluxo de caixa) registado uma forte deterioração.

(72)

Todavia, após uma análise mais aprofundada, foi possível determinar que os principais desenvolvimentos positivos registados pela indústria comunitária ocorreram entre 1998 e 2000. A partir de 2000 não se verificaram quaisquer melhorias.

(73)

A evolução positiva constatada entre 1998 e 2000 pode ser atribuída às decisões tomadas pela indústria comunitária em 1998, de investir em novas instalações de produção na Comunidade. Entre 1998 e 2000, as capacidades de produção da União Europeia registaram um aumento de 26%, tendo passado de 125000 toneladas para 158000 toneladas. Estas decisões haviam sido tomadas em resposta às medidas antidumping aplicadas às importações de silício da China que, tal como foi indicado no considerando 1, haviam sido prorrogadas em 1997. […] Conclui-se, assim, que a indústria comunitária pôde tirar partido das medidas antidumping aplicadas às importações de silício da China. Entre 2000 e o período de inquérito, a situação da indústria comunitária registou uma deterioração, tendo os preços diminuído nomeadamente 46 euros por tonelada, a rendibilidade 7,1 pontos percentuais, o fluxo de caixa 59% e os investimentos 55%. Durante o período de inquérito, a indústria comunitária registou uma situação deficitária. Por todos estes motivos, considera-se que, durante o período de inquérito, a indústria comunitária se encontrava numa situação especialmente delicada e vulnerável.

[…]

(74)

O volume das importações objecto de dumping originárias da China aumentou substancialmente durante o período considerado e é bem provável que, na ausência das medidas antidumping em vigor, volumes muito superiores do produto considerado venham a ser canalizados para o mercado comunitário a preços extremamente baixos e, sobretudo, muito inferiores aos preços praticados pela indústria comunitária. Tendo em conta o nível do direito antidumping actualmente em vigor, a diferença de preço entre o produto importado e o que é produzido pela indústria comunitária poderia ultrapassar os 35%, em caso de caducidade das medidas.»

22

Nos termos do artigo 1.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 398/2004:

«1.   É instituído um direito antidumping definitivo sobre as importações de silício [da subposição] 28046900 [da NC] originárias da República Popular da China.

2.   A taxa do direito antidumping definitivo aplicável ao preço líquido, franco-fronteira comunitária, do produto não desalfandegado, é de 49%.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23

Em 15 de Junho e , a Hoesch declarou ao Hauptzollamt Duisburg (serviço aduaneiro principal de Duisburgo), silício-metal, sob a subposição 28046900 da NC, para a sua introdução em livre prática. A recorrente tinha importado esse produto da Índia e declarado este país como país de origem.

24

Todavia, resulta da decisão de reenvio que o silício-metal em causa no processo principal era proveniente da China e que tinha sido entregue, em blocos de dois metros por três metros, à sociedade Metplast estabelecida na Índia. Esta sociedade submeteu então esses blocos a diversas operações, por meio das quais estes foram triados, triturados e purificados. Os grãos resultantes da trituração foram peneirados, posteriormente calibrados em função da sua espessura e, por fim, acondicionados. A purificação do silício foi realizada através da eliminação, parcialmente manual e parcialmente mecânica, das escórias indesejadas presentes nos grãos de silício resultantes da trituração dos blocos. Em seguida, o ferro livre presente no silício foi extraído através de tratamento magnético. O grau de pureza do silício-metal elevava-se, após todas as operações efectuadas pela referida sociedade, a mais de 98,5%, sendo este o grau considerado necessário, segundo a Hoesch, para que o silício-metal possa ser utilizado no fabrico de ligas de alumínio. Contudo, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não era conhecido o grau de pureza do silício antes de ser importado da China.

25

Na sequência de inquéritos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), o Hauptzollamt Aachen concluiu que o silício-metal em causa no processo principal não tinha sido submetido a uma transformação ou a uma operação de complemento de fabrico substancial na Índia e que, por esse motivo, não se podia considerar que era originário deste país. Assim, entendeu que se devia considerar que esse produto era originário da China. Através de dois avisos de liquidação de 6 de Junho de 2007, aquela autoridade exigiu à Hoesch, nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 398/2004, o pagamento a posteriori de direitos antidumping, no montante de 99974,74 euros.

26

Por meio do recurso que interpôs no Finanzgericht Düsseldorf, a Hoesch requereu a anulação dos referidos avisos, alegando que o silício em causa tinha sido submetido, na Índia, a uma transformação ou a uma operação de complemento de fabrico substancial, devendo, por conseguinte, considerar-se que o silício é originário desse país. Segundo esta sociedade, através da trituração dos blocos de silício, estes foram transformados em grãos, e a purificação destes, que envolveu um volume de trabalho considerável, permitiu aumentar o grau de pureza do silício. Além disso, a Hoesch alega a invalidade do Regulamento n.o 398/2004.

27

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a decisão do recurso depende da questão de saber se o tratamento efectuado na Índia constitui uma transformação ou uma operação de complemento de fabrico determinante da origem na acepção do artigo 24.o do código aduaneiro, caso em que o silício-metal importado não ficará sujeito aos direitos. Em caso de resposta negativa, questiona a validade do Regulamento n.o 398/2004.

28

Considera que não está em causa conhecer o alcance que podem ter as denominadas regras «de lista» elaboradas pela Comissão para precisar os conceitos do artigo 24.o do código aduaneiro e que estão disponíveis no seu sítio Internet.

29

Nestas condições, o Finanzgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 24.o do [Código Aduaneiro] deve ser interpretado no sentido de que a triagem, a limpeza e a trituração de blocos de silício-metal, bem como as subsequentes peneiração, selecção e acondicionamento dos grãos de silício resultantes da trituração, constituem uma transformação ou uma operação de complemento de fabrico que determina a origem da mercadoria?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão: o Regulamento [n.o 398/2004] é válido?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

Observações submetidas ao Tribunal de Justiça

30

A Hoesch considera, antes de mais, que a origem não preferencial do silício-metal deve ser determinada exclusivamente com base no artigo 24.o do código aduaneiro e que, no litígio do processo principal, estão reunidos todos os requisitos de aplicação desta disposição, pelo que a operação em causa no processo principal deve ser considerada uma transformação ou uma operação de complemento de fabrico substancial determinante da origem não preferencial do referido produto.

31

Segundo esta sociedade, as operações, efectuadas na Índia, a que o silício importado da China foi sujeito devem ser consideradas uma transformação substancial do mesmo, podendo o conceito de transformação substancial ser definido, neste caso, como uma alteração dos materiais precursores a ponto de estes adquirirem outras características. Com efeito, após a operação de trituração, os blocos de silício perderam a sua forma inicial. A Hoesch invoca igualmente a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a última transformação de um produto só é «substancial», na acepção do artigo 24.o do código aduaneiro, se o produto obtido apresentar propriedades e uma composição específicas próprias que não possuía antes dessa transformação (v., neste sentido, acórdão de 26 de Janeiro de 1977, Gesellschaft für Überseehandel, 49/76, Recueil, p. 41, n.o 6, Colect., p. 25). No litígio do processo principal, a operação de purificação eliminou as impurezas contidas nos blocos de silício, alterou a finalidade do silício e permitiu, assim, a sua utilização numa liga de alumínio.

32

A Hoesch alega, em seguida, que a exigência de alteração de uma subposição pautal prevista nas regras de lista, ao contrário do que sucede com numerosas regras relativas à origem das mercadorias, não figura entre as condições previstas no artigo 24.o do código aduaneiro. Assim, a alteração de uma posição pautal não constitui uma condição para a aplicação do referido artigo 24.o Além do mais, as regras de lista e as notas introdutórias ao capítulo 28 das referidas regras (a seguir «notas introdutórias») não apresentam carácter vinculativo, porquanto não foram objecto de publicação no Jornal Oficial da União Europeia e estão unicamente disponíveis na Internet e em língua inglesa. A Hoesch considera que se, não obstante, as notas introdutórias fossem invocadas, confirmariam a origem não preferencial do produto em causa no processo principal. Com efeito, resulta das referidas notas introdutórias que as operações de purificação e de trituração do silício podem constituir, em certas condições, uma transformação ou uma operação de complemento de fabrico substancial determinante da sua origem. Segundo a Hoesch, essas condições estão reunidas no litígio do processo principal.

33

Pelo contrário, a Comissão sugere que sejam tomadas em consideração as regras de lista e as notas introdutórias, para assegurar, designadamente, uma aplicação uniforme da legislação aduaneira e uma aplicação conforme dessa legislação com as obrigações contraídas pela Comunidade no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Com efeito, segundo a Comissão, aquelas regras mencionam resultados provisórios das negociações efectuadas no âmbito do trabalho de harmonização do comité das regras de origem daquela organização, previsto no acordo sobre as regras de origem.

34

Além disso, segundo a Comissão, o recurso, nas regras de lista, ao critério da alteração de uma subposição pautal, critério segundo o qual se deve considerar que a mercadoria em causa sofre a sua última transformação ou operação de complemento de fabrico substancial unicamente quando a sua subposição pautal é alterada, justifica-se de um ponto de vista técnico, na medida em que, no litígio do processo principal, esse critério toma em consideração as operações necessárias para a produção do silício-metal e os seus objectivos de fabrico. Com efeito, a classificação do silício nas subposições 280461 ou 280469 da NC assenta no seu grau de pureza, a saber, respectivamente, para a primeira subposição, num grau igual ou superior a 99,9% e, para a segunda, num grau inferior a 99,9%, correspondendo, assim, não só à utilização que dele é feita mas também ao trabalho necessário ao fabrico desse produto. A Comissão alega ainda que, no litígio do processo principal, não é possível efectuar uma distinção objectiva e real entre o produto de base, a saber, o silício sob a forma de blocos de metal, e os grãos de silício-metal obtidos por triagem e, depois, por peneiração, selecção e acondicionamento, visto estas operações não terem alterado as propriedades nem a composição do silício-metal, que continua a ser silício metalúrgico que só é utilizado no fabrico de ligas de alumínio.

35

Todavia, apoiando-se nas notas introdutórias n.os 3 e 4, a Comissão considera que, apesar de não haver alteração da posição pautal, a purificação e a trituração do silício são susceptíveis, em certas circunstâncias, de constituir uma transformação ou uma operação de fabrico substancial determinante da origem, desde que, por um lado, a purificação represente uma fase de fabrico no decurso da qual são eliminadas pelo menos 80% das impurezas existentes ou que, no final desta, se obtenha um nível de pureza que permita uma utilização específica do produto existente ou, por outro, a trituração corresponda a uma redução deliberada do silício conducente a um resultado determinado. Ora, a Comissão refere que, segundo as constatações do órgão jurisdicional de reenvio, não ficou provado que tenham sido eliminadas pelo menos 80% das impurezas. Além disso, a Comissão observa que os grãos de silício assim obtidos foram peneirados, o que significa que tinham tamanhos diferentes antes da peneiração. Não se pode, portanto, considerar que se efectuou uma redução deliberada e controlada dos blocos de silício.

Resposta do Tribunal de Justiça

36

Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a triagem, a trituração e a purificação de blocos de silício, bem como a peneiração, a selecção e o acondicionamento subsequentes dos grãos de silício resultantes da trituração, constituem uma transformação ou uma operação de complemento de fabrico determinante da origem, na acepção do artigo 24.o do código aduaneiro.

37

Resulta do artigo 24.o do código aduaneiro que, quando vários países intervieram na produção de uma mercadoria, se considera que esta é originária do país onde se realizou a última transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, economicamente justificada, efectuada numa empresa equipada para esse efeito e que resulta na obtenção de um produto novo ou representa uma fase importante do fabrico.

38

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que resulta do artigo 5.o do Regulamento (CEE) n.o 802/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, relativo à definição comum da noção de origem das mercadorias (JO L 148, p. 1; EE 02 F1 p. 5), disposição que precedeu o artigo 24.o do código aduaneiro, mas que está redigida em termos idênticos, que o critério determinante é o da última transformação ou complemento de fabrico substancial (acórdãos de , Brother International, C-26/88, Colect., p. 4253, n.o 15, e de , Asda Stores, C-372/06, Colect., p. I-11223, n.o 32).

39

No que respeita à aplicabilidade das regras de lista, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão de 10 de Dezembro de 2009, HEKO Industrieerzeugnisse (C-260/08, Colect., p. I-11571, n.os 20 e 21), que, embora as regras de lista elaboradas pela Comissão contribuam para a determinação da origem não preferencial das mercadorias, estas regras não têm efeito vinculativo. Por conseguinte, o teor destas regras deve ser conforme com as regras de origem, como a do artigo 24.o do código aduaneiro, e não pode alterar o seu alcance. Esta apreciação é igualmente válida para as notas introdutórias.

40

Do mesmo modo, embora os actos de direito derivado pertinentes devam ser interpretados à luz dos acordos aprovados no âmbito da OMC, não deixa de ser verdade que, actualmente, o acordo sobre as regras de origem só institui um programa de trabalho de harmonização durante um período transitório. Não constituindo este acordo uma harmonização completa, os membros da OMC dispõem de uma margem de apreciação quanto à adaptação das suas regras de origem (acórdão HEKO Industrieerzeugnisse, já referido, n.o 22).

41

Resulta destas considerações que, quando interpretam o artigo 24.o do código aduaneiro, os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros podem recorrer tanto às notas introdutórias como às regras de lista, desde que tal não conduza à alteração deste artigo (v. acórdão HEKO Industrieerzeugnisse, já referido, n.o 23).

42

Relativamente à questão da pertinência do critério da alteração de uma subposição pautal, critério que resulta das regras de lista, para determinar se as operações em causa no processo principal constituem uma transformação ou uma operação de complemento de fabrico determinante da origem, na acepção do artigo 24.o do código aduaneiro, o Tribunal de Justiça já declarou que não basta procurar os critérios definidores da origem das mercadorias na classificação pautal dos produtos transformados, uma vez que a pauta aduaneira comum foi concebida em função de exigências próprias e não em função da determinação de origem dos produtos (v. acórdãos Gesellschaft für Überseehandel, já referido, n.o 5; de 23 de Março de 1983, Cousin e o., 162/82, Recueil, p. 1101, n.o 16, e HEKO Industrieerzeugnisse, já referido, n.o 29).

43

O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, embora seja verdade que a alteração da posição pautal de uma mercadoria, causada pela operação de transformação desta, constitui uma indicação do carácter substancial da sua transformação ou da sua operação de complemento de fabrico, não é menos certo que uma transformação ou uma operação de complemento de fabrico pode apresentar um carácter substancial, ainda que a posição não seja alterada (acórdão HEKO Industrieerzeugnisse, já referido, n.o 35). Esta apreciação pode ser igualmente transposta para o critério da alteração de uma subposição pautal.

44

Daqui resulta que devem ser tidos em consideração outros critérios, além do critério relativo à alteração de uma subposição pautal, para saber se as operações de transformação em causa no processo principal são as que determinam a origem, à luz das condições previstas no artigo 24.o do código aduaneiro.

45

A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a determinação da origem das mercadorias se deve basear numa distinção objectiva e real entre produto de base e produto transformado, atendendo essencialmente às qualidades materiais específicas de cada um destes (v. acórdãos, já referidos, Gesellschaft für Überseehandel, n.o 5; Cousin e o., n.o 16; e HEKO Industrieerzeugnisse, n.o 29).

46

Importa igualmente recordar que a última transformação ou operação de complemento de fabrico só é «substancial», na acepção do artigo 24.o do código aduaneiro, se o produto obtido apresentar propriedades e uma composição específicas próprias que não possuía antes desta transformação ou operação de complemento de fabrico. Operações que afectem a apresentação de um produto para efeitos da sua utilização, mas que não impliquem uma alteração qualitativa importante das suas propriedades, não são susceptíveis de determinar a origem do referido produto (v. acórdãos Gesellschaft für Überseehandel, já referido, n.o 6; de 23 de Fevereiro de 1984, Zentrag, 93/83, Recueil, p. 1095, n.o 13; e HEKO Industrieerzeugnisse, já referido, n.o 28).

47

Além disso, o Tribunal de Justiça precisou que as operações de transformação de um produto que não impliquem uma alteração substancial das suas propriedades e da sua composição, por consistirem apenas numa repartição e numa alteração da sua apresentação, não constituem, em contrapartida, uma alteração qualitativa suficientemente caracterizada que permita que se considere que causou o fabrico de um produto novo ou que constitui uma fase de fabrico importante do referido produto (v., neste sentido, acórdão Zentrag, já referido, n.o 14).

48

Importa notar que, no litígio do processo principal, a escolha da classificação do silício nas subposições pautais 280461 ou 280469 da NC assenta no grau de pureza do silício, a saber, respectivamente, para a primeira subposição, num grau igual ou superior a 99,9% e, para a segunda, num grau inferior a 99,9%. Há que considerar, à semelhança da Comissão, que esta diferença de classificação corresponde tanto à diferença de utilização do silício como ao trabalho necessário ao seu fabrico.

49

No caso vertente, as operações de transformação, efectuadas na Índia, compreendem a triagem, a trituração, a purificação, a peneiração, a selecção e o acondicionamento do silício. No que respeita, em primeiro lugar, à triagem, à peneiração, à selecção e ao acondicionamento do silício, resulta do processo submetido ao Tribunal de Justiça que estas operações não lhe alteraram as propriedades nem a composição, visto que este, após estas operações de transformação, continua a ser silício metalúrgico que, segundo os dados não contestados que constam daquele processo, se destina ao fabrico de ligas com alumínio.

50

Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, por um lado, a moagem em diferentes graus de finura de um produto de base não pode ser considerada uma transformação ou uma operação de complemento de fabrico substancial do mesmo, dado que tem unicamente por efeito alterar a consistência desse produto e a sua apresentação para efeitos da sua posterior utilização, não acarretando uma alteração qualitativa significativa do produto de base. Por outro, o controlo de qualidade através da triagem, a que é sujeito o produto moído, e o seu acondicionamento dizem apenas respeito às exigências da comercialização do produto e não afectam as suas propriedades substanciais (v., no que respeita à determinação da origem da caseína bruta, acórdão Gesellschaft für Überseehandel, já referido, n.o 7).

51

Afigura-se assim que a triagem dos blocos de silício-metal, por um lado, e a peneiração, a selecção e o acondicionamento subsequentes dos grãos de silício resultantes da sua trituração, por outro, não podem ser considerados operações susceptíveis de determinar a origem do silício-metal.

52

No que respeita, em segundo lugar, às operações de purificação e de trituração de um produto, resulta das notas introdutórias que estas duas operações podem determinar a origem do produto sujeito a essas operações, ainda que a sua subposição pautal não seja alterada. Nos termos da nota introdutória n.o 3, é o que sucede com a purificação, caso esta seja efectuada durante uma fase de fabrico do produto no decurso da qual sejam eliminadas pelo menos 80% das impurezas existentes. O mesmo acontece, nos termos da nota introdutória n.o 4, com a trituração, quando esta corresponda à redução voluntária e controlada do produto, através de um método diferente do simples esmagamento, em partículas com características físicas ou químicas diferentes dos materiais precursores.

53

A este respeito, importa constatar que os critérios resultantes das notas introdutórias n.os 3 e 4 permitem ter em conta a alteração qualitativa significativa das propriedades do silício, a distinção objectiva e real entre produto de base e produto transformado e o destino a dar ao silício. São, pois, conformes com a jurisprudência recordada nos n.os 45 a 47 do presente acórdão. Dado que os referidos critérios não alteram o alcance do artigo 24.o do código aduaneiro, justifica-se o recurso aos mesmos, nas circunstâncias do litígio do processo principal.

54

Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que os critérios previstos nas notas introdutórias n.os 3 e 4 não estão preenchidos no litígio do processo principal, por não se ter provado que a operação de purificação em causa no processo principal eliminou 80% das impurezas existentes e por não ser possível demonstrar que a trituração em causa no processo principal corresponde à redução voluntária e controlada dos blocos de silício em partículas. Nestas condições, as operações de purificação e de trituração do silício, como as efectuadas na Índia, não constituem uma transformação ou operação de complemento de fabrico substancial, na acepção do artigo 24.o do código aduaneiro, à luz da qual se pode considerar que o produto obtido é originário do Estado onde essas operações foram realizadas.

55

Atendendo ao exposto, há que responder à primeira questão que a triagem, a trituração e a purificação de blocos de silício, bem como a peneiração, a selecção e o acondicionamento subsequentes dos grãos de silício resultantes da trituração, como efectuados no litígio do processo principal, não constituem uma transformação ou uma operação de complemento de fabrico determinante da origem, na acepção do artigo 24.o do código aduaneiro.

Quanto à segunda questão

56

Caso se considere que o silício-metal em causa no processo principal é originário da China, o órgão jurisdicional de reenvio, na segunda questão, interroga-se sobre a validade do Regulamento n.o 398/2004. Mais precisamente, interroga-se sobre a questão de saber, por um lado, se o Conselho cometeu um erro de apreciação ao basear-se numa premissa errada quando determinou a existência do prejuízo causado à industria comunitária e, por outro, se o facto de no Regulamento n.o 398/2004 a taxa do direito antidumping ter sido mantida nos 49% é compatível com o artigo 9.o, n.o 4, do regulamento de base.

Observações preliminares

57

Importa notar, em primeiro lugar, que, através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio apenas considerou necessário, como resulta da decisão de reenvio, pedir ao Tribunal de Justiça um controlo da validade do Regulamento n.o 398/2004, relativamente à existência do prejuízo causado à indústria comunitária e à manutenção, neste regulamento, da taxa do direito antidumping.

58

A Hoesch considera que o Regulamento n.o 398/2004 é inválido pelo facto de, por um lado, comportar um erro manifesto de apreciação na determinação do nexo de causalidade entre as importações de origem chinesa e o prejuízo sofrido pela indústria comunitária e, por outro, não respeitar o prazo processual para efectuar o reexame das medidas antidumping.

59

Segundo jurisprudência assente, o procedimento previsto no artigo 267.o TFUE assenta numa nítida separação das funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, pelo que compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, à luz das especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão de 26 de Junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o., C-305/05, Colect., p. I-5305, n.o 18).

60

Nestas condições, não há que alargar a apreciação da validade do Regulamento n.o 398/2004 a fundamentos não referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio (v., por analogia, acórdão Ordre des barreaux francophones et germanophone e o., já referido, n.os 17 a 19).

61

Em segundo lugar, há que recordar que, no domínio da política comercial comum, particularmente em matéria de medidas de defesa comercial, as instituições comunitárias dispõem de um amplo poder de apreciação em razão da complexidade das situações económicas, políticas e jurídicas que têm de examinar (acórdão de 27 de Setembro de 2007, Ikea Wholesale, C-351/04, Colect., p. I-7723, n.o 40 e jurisprudência aí referida).

62

Além disso, é jurisprudência assente que a determinação da existência de um prejuízo causado à indústria comunitária impõe uma apreciação de situações económicas complexas, devendo a fiscalização jurisdicional dessa apreciação ser limitada, assim, à verificação da observância das regras processuais, da exactidão material dos factos tomados em consideração para efectuar a escolha contestada, da ausência de erro manifesto na apreciação desses factos ou da inexistência de abuso de poder (v. acórdãos Ikea Wholesale, já referido, n.o 41 e jurisprudência aí referida, e de 28 de Fevereiro de 2008, AGST Draht- und Biegetechnik, C-398/05, Colect., p. I-1057, n.o 34).

63

É à luz das considerações que precedem que há que examinar a validade do Regulamento n.o 398/2004.

Quanto à determinação do prejuízo causado à indústria comunitária

64

O órgão jurisdicional de reenvio observa, em primeiro lugar, que as dúvidas que sente em relação à validade do Regulamento n.o 398/2004 têm origem no acórdão do Tribunal Geral de 14 de Março de 2007, Aluminium Silicon Mill Products/Conselho (T-107/04, Colect., p. II-669), que anulou o artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 2229/2003 do Conselho, de , que institui um direito antidumping definitivo e cobra definitivamente o direito antidumping provisório instituído sobre as importações de silício[-metal] originário da Rússia (JO L 339, p. 3), por, nomeadamente, o Conselho ter cometido erros manifestos de apreciação na determinação do prejuízo causado à indústria comunitária. O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que o regulamento anulado por aquele acórdão incidia sobre os mesmos períodos de inquérito e de referência que os relativos ao Regulamento n.o 398/2004 e que a evolução económica do mercado comunitário do silício é idêntica para esses dois regulamentos, pelo que o Regulamento n.o 398/2004 devia ser anulado pelos mesmos motivos.

65

A este respeito, há que afirmar que aqueles dois regulamentos se distinguem num ponto essencial. Com efeito, o Regulamento n.o 2229/2003 instituiu, pela primeira vez, direitos antidumping sobre as importações de silício-metal originário da Rússia e foi adoptado na sequência de um primeiro inquérito conduzido nos termos do artigo 5.o do regulamento de base. Assim, o Conselho estava obrigado a demonstrar que a indústria comunitária sofria um prejuízo que era causado pelas referidas importações. Pelo contrário, o Regulamento n.o 398/2004 mantém medidas antidumping sobre as importações de silício originário da China, medidas que estão em vigor desde 1990, tendo assim sido adoptado na sequência de um reexame efectuado nos termos do artigo 11.o, n.o 2, do regulamento de base. A este respeito, importa recordar que um processo de reexame é, em princípio, objectivamente diferente do processo de inquérito inicial, que é regulado por outras disposições do mesmo regulamento [acórdão de 27 de Janeiro de 2005, Europe Chemi-Com (Deutschland)/Conselho, C-422/02 P, Colect., p. I-791, n.o 49].

66

Com efeito, a diferença objectiva existente entre estes dois processos reside no facto de as importações sujeitas a um processo de reexame serem as que já foram objecto da criação de medidas antidumping definitivas e em relação às quais foram, em princípio, apresentados elementos de prova bastantes para demonstrar que a supressão dessas medidas favorecia provavelmente a continuação ou o ressurgimento do dumping e do prejuízo. Em contrapartida, quando as importações estão sujeitas a um inquérito inicial, este tem precisamente por objectivo determinar a existência, o grau e o efeito de qualquer dumping alegado, embora a abertura desse inquérito pressuponha a existência de elementos de prova suficientes para justificar a abertura desse processo [acórdão Europe Chemi-Com (Deutschland)/Conselho, já referido, n.o 50].

67

Com efeito, resulta do artigo 11.o, n.o 2, do regulamento de base que a manutenção das medidas antidumping após a data em que normalmente caducam só é possível quando se demonstrar, no decurso de um reexame, que a caducidade das medidas «poderia conduzir a uma continuação ou reincidência do dumping e do prejuízo». Decorre do exposto que as constatações do Tribunal Geral no acórdão Aluminium Silicon Mill Products/Conselho, já referido, relativas à existência de um prejuízo no âmbito do exame da validade do Regulamento n.o 2229/2003, não são pertinentes, enquanto tais, para apreciar a validade do Regulamento n.o 398/2004.

68

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que existe uma contradição entre, por um lado, a segunda frase do considerando 71 do Regulamento n.o 398/2004, nos termos da qual o volume de vendas e a parte de mercado da indústria comunitária «estagnaram» após 2000, e, por outro, as indicações relativas ao volume de vendas e à parte de mercado da indústria comunitária, que figuram nos quadros 6 e 8 do preâmbulo do referido regulamento.

69

A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que resulta do referido quadro 6 que, entre 1998 e 2000, as vendas de silício da indústria comunitária registaram um aumento de 54%, ao passo que, entre 2000 e o período de inquérito, essas vendas cresceram cerca de 2,1%. Além disso, o quadro 8 daquele regulamento indica que a parte de mercado detida pela indústria comunitária passou de 29,8% para 34,3%, entre 1998 e 2000, e de 34,3% para 36,7%, entre 2000 e o período de inquérito.

70

Daqui resulta que, embora seja verdade que o volume de vendas de silício e a parte de mercado detida pela indústria comunitária aumentaram durante o período de inquérito, também é certo que, tendo em conta que se verificou um aumento significativo do volume de vendas entre 1998 e 2000, a saber, de 54%, a indústria comunitária deixou de evoluir a partir do ano 2000, podendo assim considerar-se que estagnou. Por conseguinte, não há contradição entre, por um lado, os quadros 6 e 8 do preâmbulo do Regulamento n.o 398/2004 e, por outro, o considerando 71 do mesmo regulamento.

71

Em seguida, importa salientar que resulta do considerando 72 do Regulamento n.o 398/2008, cujo teor não é contestado, que, a partir do ano 2000, não se verificou nenhuma melhoria significativa na evolução da indústria comunitária. De igual modo, o considerando 73 desse regulamento, que também não foi contestado, enuncia que, entre 2000 e o período de inquérito, a situação da indústria comunitária registou uma deterioração e se tornou particularmente delicada e vulnerável durante o período de inquérito.

72

Por último, por força do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2496/97, a taxa do direito antidumping definitivo aplicável às importações de silício-metal originário da China, do produto não desalfandegado, era de 49%. É, pois, verosímil que as partes de mercado das importações chinesas de silício eram menos significativas do que teriam sido se não tivessem sido impostos direitos antidumping. Neste contexto, visto que decorre do considerando 74 do Regulamento n.o 398/2004, cujo teor não é contestado, que o volume das importações objecto de dumping originárias da China aumentou substancialmente durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e o termo do período de inquérito e que é provável que, sem as medidas antidumping então vigor, tivessem sido canalizados para o mercado comunitário volumes nitidamente superiores do produto considerado, a preços extremamente baixos e inferiores aos preços praticados pela indústria comunitária, o Conselho concluiu, acertadamente, que existia um risco elevado para a indústria comunitária, caso o silício proveniente da China fosse importado sem imposição de direitos antidumping.

73

Nestas condições, o Conselho não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação, ao concluir que, em caso de supressão das medidas antidumping, era provável que ressurgisse um prejuízo para a indústria comunitária.

Quanto à manutenção da taxa do direito antidumping

74

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a manutenção da taxa do direito antidumping em 49%, prevista no artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 398/2004, é compatível com o artigo 9.o, n.o 4, última frase, do regulamento de base, quando a margem de dumping, que era de 68,1% segundo o considerando 24 do Regulamento n.o 2496/97, era apenas de 12,5% por força do considerando 27 do Regulamento n.o 398/2004.

75

A esse respeito, a Hoesch alegou que, segundo o artigo 9.o, n.o 4, do regulamento de base, que é igualmente aplicável aos reexames realizados ao abrigo do artigo 11.o, n.o 5, do referido regulamento, não se pode fixar uma taxa aduaneira superior à margem antidumping.

76

Há que notar que, como foi indicado nos n.os 66 e 67 do presente acórdão, no âmbito do reexame das medidas antidumping prestes a caducar, realizado ao abrigo do artigo 11.o, n.o 2, do regulamento de base, as autoridades comunitárias têm apenas de determinar se a caducidade dessas medidas favorece a continuação ou o ressurgimento do dumping e do prejuízo, caso em que as referidas medidas são mantidas. No caso contrário, as medidas antidumping são revogadas. Esta afirmação é confirmada pela redacção do artigo 11.o, n.o 6, do referido regulamento, segundo o qual, se os reexames o justificarem, as medidas são revogadas ou mantidas por força do n.o 2 desse artigo, ao passo que do referido n.o 6 resulta que as medidas podem não só ser revogadas ou mantidas mas também alteradas por força do disposto nos n.os 3 e 4 desse artigo. Por conseguinte, um reexame de medidas prestes a caducar não pode levar à alteração das medidas em vigor.

77

Por outro lado, atendendo ao requisito previsto no artigo 9.o, n.o 4, última frase, do regulamento de base, o montante do direito antidumping «não excederá a margem de dumping estabelecida, devendo, no entanto, ser inferior à margem de dumping, caso um direito inferior seja suficiente para eliminar o prejuízo para a indústria comunitária». Ora, tendo em conta a economia geral e os objectivos do sistema em que esse artigo se insere, este não é aplicável ao processo previsto no artigo 11.o, n.o 2, do referido regulamento. Além disso, como indicado no número precedente do presente acórdão, as autoridades comunitárias só podem, no âmbito do reexame de medidas antidumping efectuado ao abrigo do artigo 11.o, n.o 2, do regulamento de base, manter ou revogar as referidas medidas.

78

No caso vertente, as autoridades comunitárias concluíram, na sequência desse reexame, que a caducidade das medidas antidumping levaria provavelmente ao ressurgimento do prejuízo. Foi, pois, correctamente e em conformidade com o disposto no artigo 11.o, n.os 2 e 6, do regulamento de base que o Conselho decidiu manter em 49% a taxa do direito antidumping.

79

Tendo em conta o exposto, há que responder à segunda questão que o seu exame não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade do Regulamento n.o 398/2004.

Quanto às despesas

80

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

1)

A triagem, a trituração e a purificação de blocos de silício, bem como a peneiração, a selecção e o acondicionamento subsequentes dos grãos de silício resultantes da trituração, como efectuados no litígio do processo principal, não constituem uma transformação ou uma operação de complemento de fabrico determinante da origem, na acepção do artigo 24.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário.

 

2)

O exame da segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio não revelou nenhum elemento susceptível de afectar a validade do Regulamento (CE) n.o 398/2004 do Conselho, de 2 de Março de 2004, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de silício originário da República Popular da China.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.