Processo C‑280/08 P

Deutsche Telekom AG

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Artigo 82.° CE – Mercados dos serviços de telecomunicações – Acesso à rede fixa do operador histórico – Preços grossistas pelos serviços de acesso ao lacete local prestados aos concorrentes – Preços de retalho pelos serviços de acesso prestados aos utilizadores finais – Práticas tarifárias de uma empresa dominante – Compressão das margens dos concorrentes – Preços aprovados pela autoridade regulamentar nacional – Margem de manobra da empresa dominante – Imputabilidade da infracção – Conceito de ‘abuso’ – Critério do concorrente igualmente eficaz – Cálculo da compressão das margens – Efeitos do abuso – Montante da coima»

Sumário do acórdão

1.        Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Simples repetição dos fundamentos e argumentos submetidos ao Tribunal de Primeira Instância – Inadmissibilidade – Contestação da interpretação ou da aplicação do direito comunitário feita pelo Tribunal de Primeira Instância – Admissibilidade

[Artigo 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 112.°, n.° 1, alínea c)]

2.        Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Fundamento apresentado pela primeira vez no âmbito do recurso – Inadmissibilidade

(Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 113.°, n.° 2)

3.        Acção por incumprimento – Direito de acção da Comissão – Exercício discricionário

(Artigos 81.° CE, 82.° CE e 226.° CE)

4.        Concorrência – Posição dominante – Abuso – Compressão tarifária das margens – Serviços de acesso à rede de telecomunicações fornecidos pelo operador proprietário da única infra‑estrutura disponível – Decisão da Comissão que declara a existência de um abuso não obstante a aprovação das tarifas pela autoridade nacional de regulamentação – Imputabilidade da infracção

(Artigos 81.° CE e 82.° CE)

5.        Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Fundamentação insuficiente – Admissibilidade

(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.°, primeiro parágrafo)

6.        Concorrência – Regras comunitárias – Infracções – Realização deliberada ou negligente – Conceito – Compressão tarifária das margens resultante de tarifas de uma empresa em posição de monopólio no mercado das prestações grossistas e em posição de quase monopólio no mercado dos serviços a retalho

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 17.°, n.° 2, primeiro parágrafo)

7.        Actos das instituições – Dever de fundamentação – Objecto – Alcance

(Artigo 253.° CE)

8.        Concorrência – Posição dominante – Abuso – Compressão tarifária das margens –Serviços de acesso à rede de telecomunicações fornecidos pelo operador proprietário da única infra‑estrutura disponível – Margem negativa ou insuficiente entre as tarifas para os concorrentes e as tarifas a retalho

(Artigo 82.° CE)

9.        Concorrência – Posição dominante – Abuso – Compressão tarifária das margens – Conceito

(Artigo 82.° CE)

10.      Concorrência – Posição dominante – Abuso – Compressão tarifária das margens –Serviços de acesso à rede de telecomunicações fornecidos pelo operador proprietário da única infra‑estrutura disponível – Cálculo da compressão das margens dos concorrentes

(Artigo 82.° CE)

11.      Concorrência – Posição dominante – Abuso – Compressão tarifária das margens – Igualdade de oportunidades – Inexistência – Consideração das receitas provenientes dos outros serviços de telecomunicações – Exclusão

(Artigo 82.° CE)

12.      Concorrência – Posição dominante – Abuso – Conceito – Comportamentos com efeito restritivo na concorrência

(Artigo 82.° CE)

13.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Infracção grave – Compressão tarifária das margens resultante das tarifas de uma empresa em posição de monopólio – Circunstâncias atenuantes

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1, A, segundo parágrafo)

14.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Poderes da Comissão – Alteração da prática anterior – Violação do princípio da não discriminação – Inexistência

(Regulamento n.° 17 do Conselho)

1.        Resulta dos artigos 225.° CE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de forma precisa os elementos que critica no acórdão de que pede a anulação, bem como os argumentos jurídicos que suportam especificamente esse pedido. Não preenche esse requisito um recurso que, sem sequer conter uma argumentação especificamente destinada a identificar o erro de direito de que está ferido o acórdão recorrido, se limite a reproduzir os fundamentos e argumentos já apresentados no Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, esse recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reexame da petição apresentada no Tribunal de Primeira Instância, o que não é da competência do Tribunal de Justiça.

Contudo, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito da União feita pelo Tribunal de Primeira Instância, os pontos jurídicos analisados em primeira instância podem ser novamente discutidos em segunda instância. Com efeito, se um recorrente não pudesse assim basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados em primeira instância, o processo de recurso de segunda instância ficaria privado de uma parte do seu sentido.

(cf. n.os 24, 25)

2.        O recurso de segunda instância não pode modificar o objecto do litígio no Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, a competência do Tribunal de Justiça, em sede de recurso de segunda instância, é limitada à apreciação da solução jurídica dada aos fundamentos discutidos em primeira instância. As partes não podem, portanto, suscitar no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, um fundamento que não tenham suscitado no Tribunal de Primeira Instância, pois isso seria permitir‑lhes submeter ao Tribunal de Justiça, cuja competência em segunda instância é limitada, um litígio mais amplo do que aquele que foi submetido ao Tribunal de Primeira Instância.

(cf. n.os 34, 42, 49)

3.        Cabe a cada um dos Estados‑Membros tomar todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento, pelas autoridades dos Estados‑Membros, das obrigações impostas pelo direito da União. Os artigos 81.° CE e 82.° CE, conjugados com o artigo 10.° CE, impõem aos Estados‑Membros que não tomem nem mantenham em vigor medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, susceptíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas.

Contudo, quanto à possibilidade de a Comissão propor uma acção por incumprimento contra um Estado‑Membro, uma vez que o acórdão recorrido apenas tem por objecto a legalidade de uma decisão da Comissão tomada nos termos do artigo 82.° CE contra uma sociedade recorrente, o Tribunal de Justiça deve, em sede de recurso de segunda instância, limitar‑se a verificar se os fundamentos de recurso apresentados são susceptíveis de revelar que o exame da legalidade de uma decisão efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância está ferido de erros de direito, independentemente da questão de saber se a Comissão poderia, paralela ou alternativamente, ter adoptado uma decisão de infracção ao direito da União contra o Estado‑Membro em causa.

Assim, embora não se possa excluir a possibilidade de as autoridades regulamentares nacionais terem violado o direito da União, e mesmo que a Comissão pudesse optar por intentar uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE contra um Estado‑Membro, essas eventualidades são irrelevantes para o recurso. No sistema instituído pelo artigo 226.° CE, a Comissão dispõe de um poder discricionário para intentar uma acção por incumprimento, não competindo aos tribunais da União apreciar a oportunidade do seu exercício.

(cf. n.os 45‑47)

4.        Os artigos 81.° CE e 82.° CE só não são aplicáveis se às empresas for imposto um comportamento anticoncorrencial por uma legislação nacional, ou se essa legislação criar um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte. Com efeito, numa situação deste tipo, como resulta das referidas disposições, a limitação da concorrência não é causada por comportamentos autónomos das empresas.

Em contrapartida, os artigos 81.° CE e 82.° CE podem ser aplicáveis se se verificar que a lei nacional deixa subsistir a possibilidade de uma concorrência susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas. A possibilidade de excluir um determinado comportamento anticoncorrencial do âmbito de aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, devido ao facto de o mesmo ter sido imposto às empresas em causa pela legislação nacional existente ou de esta ter eliminado qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, só foi admitida de forma restritiva pelo Tribunal de Justiça. Se uma lei nacional se limitar a encorajar ou a facilitar a adopção de comportamentos anticoncorrenciais autónomos pelas empresas, estas continuam sujeitas aos artigos 81.° CE e 82.° CE. Com efeito, as empresas dominantes têm uma responsabilidade particular de não prejudicarem com o seu comportamento uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum.

A esse respeito, o simples facto de uma empresa dominante no sector das telecomunicações ter sido incentivada, pelas intervenções de uma autoridade regulamentar nacional como a Autoridade Reguladora das Telecomunicações, a manter a aplicação das suas práticas tarifárias que levavam a uma compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes não pode, enquanto tal, eliminar em nada a sua responsabilidade nos termos do artigo 82.° CE.

Com efeito, uma vez que, não obstante essas intervenções, a empresa tinha margem de manobra para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, a compressão das margens é‑lhe imputável. O carácter «culposo» ou não do comportamento que consiste em não utilizar essa margem de manobra não é susceptível de pôr em causa o facto de a empresa dispor de margem de manobra para o adoptar, podendo unicamente ser tomado em conta no âmbito da determinação da ilicitude desse comportamento e na fase da fixação do montante das coimas.

(cf. n.os 80‑85, 88‑89)

5.        A questão de saber se a fundamentação de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância é insuficiente é uma questão de direito que, como tal, pode ser invocada em sede de recurso de segunda instância.

(cf. n.° 123)

6.        Quanto à questão de saber se as infracções às normas da concorrência foram cometidas deliberadamente ou por negligência e são, por isso, puníveis por coima, nos termos do artigo 15, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 17, essa condição está preenchida quando uma empresa não pode ignorar o carácter anticoncorrencial do seu comportamento, tenha ou não tido consciência de violar as normas de concorrência do Tratado.

É esse o caso de uma empresa do sector das telecomunicações que, por um lado, não podia ignorar que, apesar das decisões de autorização da Autoridade Reguladora das Telecomunicações, dispunha de uma margem real de manobra para fixar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais e, por outro, a compressão das margens levava a sérias restrições da concorrência, tendo em conta a sua posição monopolista no mercado grossista dos serviços de acesso ao lacete local e a sua posição quase monopolista no mercado retalhista dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

(cf. n.os 124, 125)

7.        O dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE constitui uma formalidade essencial que se distingue da questão do acerto da fundamentação, que cabe no âmbito da legalidade material do acto recorrido. Nesta perspectiva, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao tribunal competente exercer a sua fiscalização.

A necessidade de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito possam ter em obter explicações. Não é necessário que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto cumpre as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa.

(cf. n.os 130, 131)

8.        O artigo 82.° CE, segundo parágrafo, alínea a), proíbe expressamente que uma empresa em posição dominante imponha directa ou indirectamente preços não equitativos e, nomeadamente, utilize práticas tarifárias que produzam efeitos de expulsão dos seus concorrentes igualmente eficazes, reais ou potenciais, isto é, práticas capazes de dificultar, ou mesmo impossibilitar, o seu acesso ao mercado, ou dificultar, ou mesmo impossibilitar a escolha, aos seus co‑contratantes, entre várias fontes de abastecimento ou parceiros comerciais, reforçando assim a sua posição dominante, recorrendo a meios diferentes daqueles que pertencem a uma concorrência pelo mérito. Nessa perspectiva, qualquer concorrência pelos preços não pode, portanto, ser considerada legítima.

Na medida em que uma empresa em posição dominante no sector das telecomunicações dispõe de uma margem de manobra para reduzir ou eliminar uma compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos tão eficazes como ela, através da alteração dos seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, essa compressão das margens, tendo em conta o efeito de expulsão que pode gerar para esses concorrentes, é susceptível de constituir um abuso na acepção do artigo 82.° CE.

O referido artigo 82.° CE visa, em particular, a protecção dos consumidores por uma concorrência não falseada. A esse respeito, é irrelevante que a empresa tenha que aumentar os seus preços para impedir o abuso.

Essa compressão das margens, ao reduzir ainda mais o grau de concorrência existente num mercado, o dos serviços de acesso aos utilizadores finais, já enfraquecido, precisamente, pela presença da referida empresa, e ao reforçar assim a posição dominante desta nesse mercado, tem também o efeito de os consumidores sofrerem um dano devido à limitação das suas possibilidades de escolha e, portanto, da perspectiva de uma redução, a mais longo prazo, dos preços de retalho, em razão da concorrência de concorrentes pelo menos tão eficazes como ela nesse mercado.

O Tribunal de Primeira Instância não tem, portanto, de demonstrar ainda que os preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local ou os preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais são, em si mesmos, abusivos devido ao seu carácter excessivo ou predatório, consoante o caso.

(cf. n.os 172, 177, 180‑183)

9.        Para avaliar se as práticas tarifárias de uma empresa dominante são susceptíveis de eliminar um concorrente, em violação do artigo 82.° CE, há que seguir um critério baseado nos custos e na estratégia da empresa dominante. A este respeito, uma empresa dominante não pode afastar do mercado outras empresas talvez tão eficazes como ela, mas que, devido à sua menor capacidade financeira, são incapazes de resistir à concorrência que lhes é feita.

Numa situação em que o carácter abusivo das práticas tarifárias de uma empresa dominante resulta do seu efeito de expulsão dos concorrentes, há que basear a sua análise do carácter abusivo unicamente por referência às tarifas e custos da empresa dominante. Com efeito, esse critério permite verificar se uma empresa dominante no sector das telecomunicações tinha condições para, por si própria, propor os seus serviços retalhistas aos utilizadores finais sem ser com prejuízo, se tivesse sido previamente obrigada a pagar os seus próprios preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local. Por conseguinte, esse critério é adequado a determinar se as práticas tarifárias de uma empresa dominante conduzem a um efeito de expulsão dos concorrentes através da compressão das suas margens.

Esse critério justifica‑se ainda mais quando está também em conformidade com o princípio geral da segurança jurídica, uma vez que tomar em conta os custos da empresa dominante lhe permite, tendo em conta a responsabilidade particular que tem nos termos do artigo 82.° CE, apreciar a legalidade dos seus próprios comportamentos. Com efeito, embora uma empresa dominante conheça os seus próprios custos e tarifas, em princípio, não conhece os dos seus concorrentes.

Isto não é posto em causa pelo facto de que os concorrentes da empresa dominante estarem sujeitos a condições jurídicas e materiais menos condicionantes para fornecer os seus serviços de telecomunicações aos utilizadores finais. Com efeito, essa circunstância, admitindo‑a demonstrada, não é susceptível de afectar o facto de uma empresa dominante não poder recorrer a práticas tarifárias susceptíveis de expulsar do mercado em causa concorrentes, pelo menos, igualmente eficazes, nem o facto de uma empresa como essa dever, tendo em conta a sua responsabilidade particular nos termos do artigo 82.° CE, ter a possibilidade de determinar por si própria se as suas práticas tarifárias respeitam essa disposição.

(cf. n.os 198‑203)

10.      Mesmo que, para o assinante, os serviços de acesso e de comunicações possam constituir efectivamente um conjunto, a Comissão pode analisar a existência de uma compressão das margens unicamente a nível dos serviços de acesso, sem incluir os serviços de comunicações, à luz dos princípios da reestruturação tarifária e da igualdade de oportunidades.

A este respeito, não comete nenhum erro de direito o Tribunal de Primeira Instância ao ter em conta o princípio da reestruturação tarifária, resultante da regulamentação relativa ao sector das telecomunicações, para analisar se a Comissão tinha aplicado acertadamente o artigo 82.° CE às práticas tarifárias de uma empresa dominante. Com efeito, uma vez que a regulamentação relativa ao sector das telecomunicações define o quadro jurídico que lhe é aplicável e que, desse modo, contribui para determinar em que condições de concorrência uma empresa dominante exerce as suas actividades nos mercados em causa, constitui um elemento relevante para a aplicação do artigo 82.° CE aos comportamentos dessa empresa, seja para definir os mercados em causa seja para apreciar o carácter abusivo desses comportamentos ou ainda para fixar o montante das coimas.

Isto não é posto em causa pelo facto de o princípio da reestruturação tarifária se aplicar unicamente à empresa dominante e não aos seus concorrentes, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância, para determinar o carácter abusivo das práticas tarifárias da dita empresa dominante, à luz do artigo 82.° CE, se baseou, de acordo com o critério do concorrente igualmente eficaz, na situação e nos custos.

Consequentemente, tendo o Tribunal de Primeira Instância considerado que o reequilíbrio tarifário pretendido pela regulamentação da União relativa ao sector das telecomunicações se devia traduzir, nomeadamente, numa descida das tarifas das comunicações nacionais e internacionais e numa subida da assinatura mensal e do preço das comunicações locais, podia igualmente inferir daí que o princípio da reestruturação tarifária já toma em conta distintamente os preços de retalho pelos serviços de acesso e os preços de retalho pelos serviços de comunicações, na determinação do carácter abusivo das práticas tarifárias da empresa dominante.

(cf. n.os 221, 223‑226)

11.      Um sistema de concorrência não falseada só pode ser garantido se estiver assegurada a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores.

Isto implica que uma empresa dominante no sector das telecomunicações e os seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes sejam postos em pé de igualdade no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais. Este pressuposto não está preenchido quando os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local pagos à empresa dominante só podem ser repercutidos nos seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, oferecendo‑os com prejuízo.

Com efeito, uma vez que, por um lado, o mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais constitui um mercado distinto e, por outro, os serviços de acesso grossista ao lacete local são indispensáveis a concorrentes pelo menos tão eficazes como ela própria, para entrarem eficazmente em concorrência nesse mercado com uma empresa que aí detém uma posição dominante resultante largamente do monopólio legal de que gozava antes da liberalização do sector das telecomunicações, a instituição de um sistema de concorrência não falseada exige que essa empresa dominante não possa, pelas suas práticas tarifárias nesse mercado retalhista, causar imediatamente aos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes uma desvantagem concorrencial nesse mercado, susceptível de impedir ou restringir o seu acesso a esse mercado ou o desenvolvimento das suas actividades nesse mesmo mercado.

Esse é ainda mais o caso quando, uma vez que o eventual fornecimento de outros serviços de telecomunicações aos utilizadores finais, pelos seus concorrentes, através da rede fixa da empresa dominante, exige igualmente que lhe adquiram os serviços de acesso grossista ao lacete local, essa desvantagem concorrencial no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais repercute‑se necessariamente nos mercados desses outros serviços de telecomunicações. Contudo, isso não implica que as receitas desses outros serviços de telecomunicações devam ser tidas em conta para verificar se os concorrentes pelo menos tão eficazes como a empresa dominante estão em situação de desigualdade nas condições de concorrência no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais. Com efeito, esses outros serviços de telecomunicações pertencem a mercados distintos deste.

Assim, há que observar que as práticas tarifárias da empresa dominante no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais põem imediatamente os seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes em pé de desigualdade face a ela própria nesse mesmo mercado, levando a uma compressão das margens desses concorrentes no que respeita aos serviços de acesso.

(cf. n.os 230, 233‑236, 240)

12.      Ao proibir a exploração abusiva de uma posição dominante no mercado, na medida em que isso possa afectar o comércio entre Estados‑Membros, o artigo 82.° CE visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante, que tenham por efeito obstar, por meios diferentes dos que regem uma competição normal dos produtos ou dos serviços com base nas prestações dos operadores económicos, à manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou ao desenvolvimento dessa concorrência. Daí resulta que a existência de práticas tarifárias de uma empresa dominante que levem à compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes constitui uma prática abusiva na acepção do artigo 82.° CE, unicamente se for feita a prova de um efeito anticoncorrencial.

Quanto às práticas tarifárias de uma empresa dominante no sector das telecomunicações que levem à compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos tão eficazes como ela, o efeito anticoncorrencial que a Comissão tem de demonstrar respeita aos eventuais entraves que as referidas práticas tarifárias possam ter causado ao desenvolvimento da oferta no mercado de retalho dos serviços de acesso a utilizadores finais e, portanto, ao grau de concorrência nesse mercado. Essa prática é abusiva na acepção do artigo 82.° CE, uma vez que, ao produzir efeitos de expulsão dos concorrentes da empresa dominante pelo menos tão eficazes como ela, tem condições para dificultar ou mesmo impossibilitar o acesso dos seus concorrentes a esse mercado e aí reforçar, assim, a sua posição dominante, em prejuízo dos interesses dos consumidores.

Quando uma empresa dominante segue efectivamente uma prática tarifária que leve à compressão das margens dos seus concorrentes pelos menos igualmente eficazes, com o objectivo de os expulsar do mercado em causa, o facto de afinal não ter sido atingido o resultado esperado não afasta a qualificação de abuso na acepção do artigo 82.° CE. Contudo, não havendo o menor efeito na situação concorrencial dos concorrentes, uma prática tarifária não pode ser qualificada de prática de expulsão, quando a penetração daqueles no mercado em nada é dificultada por essa prática.

(cf. n.os 251‑254)

13.      A Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação quanto ao método de cálculo das coimas. Este método, circunscrito pelas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, contém diferentes elementos de flexibilidade que permitem à Comissão exercer o seu poder de apreciação em conformidade com essas disposições. Cabe ao Tribunal de Justiça verificar se o Tribunal de Primeira Instância apreciou correctamente o exercício desse poder de apreciação pela Comissão.

A gravidade das infracções ao direito da concorrência da União deve ser determinada em função de um grande número de elementos, como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou taxativa de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração. Entre os elementos que podem entrar na apreciação da gravidade das infracções figuram o comportamento de cada uma das empresas em causa, o papel que desempenhou na determinação da prática em causa, o benefício que daí pôde retirar, a sua dimensão e o valor das mercadorias em causa, bem como o risco que as infracções desse tipo representam para os objectivos da União.

(cf. n.os 271‑274)

14.      O facto de, no passado, a Comissão ter aplicado coimas de certo nível a determinados tipos de infracções não a priva da possibilidade de aumentar esse nível, dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a execução da política de concorrência da União. Com efeito, a aplicação eficaz das regras de concorrência da União exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.

(cf. n.° 294)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

14 de Outubro de 2010 (*)


Índice


I –  Antecedentes do litígio

II –  Tramitação do processo no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

III –  Pedidos das partes

IV –  Quanto ao recurso

A –  Quanto à admissibilidade

B –  Quanto ao mérito

1.  Observações preliminares

2.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito no tratamento da regulação das actividades da recorrente pela RegTP enquanto autoridade regulamentar nacional competente

a)  Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à imputabilidade da infracção

i)  Acórdão recorrido

ii)  Argumentos das partes

iii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

b)  Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa ao princípio da protecção da confiança legítima

i)  Acórdão recorrido

ii)  Argumentos das partes

iii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

c)  Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, relativa ao carácter deliberado ou negligente da infracção ao artigo 82.° CE

i)  Acórdão recorrido

ii)  Argumentos das partes

iii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

d)  Conclusão sobre o primeiro fundamento

3.  Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de direito na aplicação do artigo 82.° CE

a)  Acórdão recorrido

b)  Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à pertinência do critério da compressão das margens para demonstrar um abuso na acepção do artigo 82.° CE

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

c)  Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à adequação do método de cálculo da compressão das margens

i)  Quanto à alegação de aplicação errada do critério do concorrente igualmente eficaz

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal de Justiça

ii)  Quanto à alegação de erro de direito na medida em que os serviços de comunicações e os outros serviços de telecomunicações não foram tidos em conta no cálculo da compressão das margens

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal de Justiça

d)  Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa aos efeitos da compressão das margens

i)  Argumentos das partes

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

e)  Conclusão quanto ao segundo fundamento

4.  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros de direito no cálculo das coimas por não ter sido tomada em consideração a regulação tarifária

a)  Acórdão recorrido

b)  Argumentos das partes

i)  Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa à gravidade da infracção

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal de Justiça

ii)  Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa ao facto de não ter sido tomada em consideração a regulação tarifária como circunstância atenuante

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal de Justiça

iii)  Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à aplicação de uma coima simbólica

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal de Justiça

c)  Conclusão sobre o terceiro fundamento

Quanto às despesas

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Concorrência – Artigo 82.° CE – Mercados dos serviços de telecomunicações – Acesso à rede fixa do operador histórico – Preços grossista pelos serviços de acesso ao lacete local prestados aos concorrentes – Preços de retalho pelos serviços de acesso prestados aos utilizadores finais – Práticas tarifárias de uma empresa dominante – Compressão das margens dos concorrentes – Preços aprovados pela autoridade regulamentar nacional – Margem de manobra da empresa dominante – Imputabilidade da infracção – Conceito de ‘abuso’ – Critério do concorrente igualmente eficaz – Cálculo da compressão das margens – Efeitos do abuso – Montante da coima»

No processo C‑280/08 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 23 de Junho de 2008,

Deutsche Telekom AG, com sede em Bona (Alemanha), representada por U. Quack, S. Ohlhoff e M. Hutschneider, Rechtsanwälte,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada por K. Mojzesowicz, W. Mölls e o. Weber, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

Vodafone D2 GmbH, anteriormente Vodafone AG & Co. KG, anteriormente Arcor AG & Co. KG, com sede em Eschborn (Alemanha), representada por M. Klusmann, Rechtsanwalt,

Versatel NRW GmbH, anteriormente Tropolys NRW GmbH, anteriormente CityKom Münster GmbH Telekommunikationsservice e TeleBeL Gesellschaft für Telekommunikation Bergisches Land mbH, com sede em Essen (Alemanha),

EWE TEL GmbH, com sede em Oldenbourg (Alemanha),

HanseNet Telekommunikation GmbH, com sede em Hamburgo (Alemanha),

Versatel Nord GmbH, anteriormente Versatel Nord‑Deutschland GmbH, anteriormente KomTel Gesellschaft für Kommunikations‑ und Informationsdienste mbH, com sede em Flensburg (Alemanha),

NetCologne Gesellschaft für Telekommunikation mbH, com sede em Colónia (Alemanha),

Versatel Süd GmbH, anteriormente Versatel Süd‑Deutschland GmbH, anteriormente tesion Telekommunikation GmbH, com sede em Estugarda (Alemanha),

Versatel West GmbH, anteriormente Versatel West‑Deutschland GmbH, anteriormente Versatel Deutschland GmbH & Co. KG, com sede em Dortmund (Alemanha),

representadas por N. Nolte, Rechtsanwalt,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh (relator) e P. Lindh, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Novembro de 2009,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de Abril de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Deutsche Telekom AG pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 10 de Abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão (T‑271/03, Colect., p. II‑477, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão 2003/707/CE da Comissão, de 21 de Maio de 2003, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (Processo COMP/C‑1/37.451, 37.578, 37.579 – Deutsche Telekom AG) (JO L 263, p. 9), a seguir «decisão controvertida»).

I –  Antecedentes do litígio

2        Nos n.os 1 a 24 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância expõe da seguinte forma os factos na origem do litígio:

«1      A recorrente, Deutsche Telekom AG, é a empresa de telecomunicações histórica na Alemanha. [...]

2      A recorrente opera a rede telefónica alemã. Antes da liberalização total dos mercados das telecomunicações, dispunha de um monopólio legal no domínio da prestação de serviços de telecomunicações a utilizadores finais através da rede fixa. A entrada em vigor da Telekommunikationsgesetz (Lei alemã das telecomunicações, a seguir ‘TKG’), de 25 de Julho de 1996 (BGBl. 1996 I, p. 1120), em 1 de Agosto de 1996, levou à liberalização dos mercados alemães do fornecimento de infra‑estruturas e da prestação de serviços de telecomunicações. Desde então, a recorrente está em ambos os mercados em concorrência com outros operadores, concorrência que pode assumir vários graus de intensidade.

3      As redes locais da recorrente compõem‑se, cada uma, de vários lacetes locais para os utilizadores finais. A expressão ‘lacete local’ designa o circuito físico que liga o ponto terminal da rede nas instalações do assinante ao repartidor principal ou ao recurso equivalente na rede telefónica pública fixa.

4      A recorrente faculta o acesso aos seus lacetes locais tanto aos demais operadores de telecomunicações como aos utilizadores finais. Relativamente aos serviços de acesso e às tarifas da recorrente, há assim que distinguir entre os serviços de acesso à rede local relativos à prestação de serviços efectuada pela recorrente aos seus concorrentes (a seguir ‘serviços de acesso grossista [ao lacete local]’) e os serviços de acesso à rede local relativos à prestação de serviços efectuada pela recorrente aos seus utilizadores finais (a seguir ‘serviços de acesso [aos] utilizadores finais’).

I – Serviços de acesso grossista [ao lacete local]

5      Com a Decisão n.° 223a do Ministério Federal dos Correios e Telecomunicações [...], de 28 de Maio de 1997, a recorrente foi obrigada a facultar aos operadores da concorrência um acesso completamente desagregado ao lacete local a partir de Junho de 1997.

6      Relativamente às tarifas para os serviços de acesso grossista [ao lacete local] da recorrente, estas dividem‑se em dois elementos, a saber, uma tarifa mensal, por um lado, e uma tarifa única, por outro. [...]

7      As tarifas para os serviços de acesso grossista [ao lacete local] da recorrente devem, nos termos do § 25, n.° 1, da TKG, ser previamente aprovadas pela Regulierungsbehörde für Telekommunikation und Post (Autoridade Reguladora das Telecomunicações e dos Correios, a seguir ‘RegTP’).

8      Neste contexto, a RegTP verifica se as tarifas propostas pela recorrente para os serviços de acesso grossista [ao lacete local] cumprem os requisitos previstos no § 24 da TKG. Deste modo, nos termos do § 24, n.° 1, da TKG, as ‘[t]arifas devem ser determinadas em função dos custos correspondentes a uma prestação eficiente dos serviços’. […]

[...]

II – Serviços de acesso [aos] utilizadores finais

10      Relativamente aos serviços de acesso [aos] utilizadores finais, a recorrente oferece duas opções de base, a saber, a ligação analógica clássica [...] e a ligação digital de banda estreita [...]. Estas duas opções de base que permitem a ligação dos utilizadores finais podem ser oferecidas na rede histórica da recorrente, num circuito sob a forma de pares de fios de cobre (ligações de banda estreita). Esta última oferece também aos seus utilizadores finais ligações de banda larga ([...] ADSL), para as quais a recorrente teve de modernizar as redes [de banda estreita] existentes a fim de poder oferecer serviços de banda larga, por exemplo, o acesso rápido à Internet.

[...]

12      [Os preços de retalho cobrados pela recorrente pelos serviços de acesso aos utilizadores finais] envolvem duas componentes: uma assinatura mensal, que depende da qualidade das ligações e dos serviços disponibilizados, e uma tarifa única pelo estabelecimento ou pela transferência de uma linha [...]

A – Tarifas para as linhas analógicas de utilizadores finais [...] e digitais de banda estreita [...]

13      Os preços de acesso às linhas analógicas de utilizadores finais e [digitais de banda estreita] são fixados dentro de um sistema de limitação máxima dos preços. Nos termos do § 27, n.° 1, segundo período, do § 25, n.° 1, da TKG [...], os preços cobrados aos utilizadores finais pela ligação à rede da recorrente e pelas comunicações não são fixados de forma separada para cada serviço prestado em função dos custos suportados, sendo determinados em conjunto para várias prestações, estando as diferentes prestações reunidas em pacotes.

14      [...] O sistema em causa foi adoptado pela RegTP a partir de 1 de Janeiro de 1998. Para o efeito, a RegTP criou dois pacotes, incluindo, o primeiro, serviços para utilizadores particulares e, o segundo, serviços para profissionais. Os dois pacotes incluíam simultaneamente os serviços de acesso [aos] utilizadores finais [...] e a gama completa da recorrente no sector das chamadas telefónicas como as comunicações locais, regionais, interurbanas e internacionais.

[...]

17      Por força da decisão do [Ministro Federal dos Correios e Telecomunicações] de 17 de Dezembro de 1997, a recorrente teve de reduzir em 4,3% o preço global de cada um dos dois pacotes durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 1999 (primeiro período de limitação máxima dos preços). No final deste primeiro período, em 31 de Dezembro de 1999, a RegTP, por decisão de 23 de Dezembro de 1999, manteve basicamente a composição dos pacotes e baixou os preços em 5,6% para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2001 (segundo período de limitação máxima dos preços).

18      Dentro deste quadro vinculativo de redução dos preços, a recorrente tinha possibilidade de alterar as tarifas dos diferentes elementos de cada pacote depois de obter autorização prévia da RegTP [...] O sistema permitia assim um aumento das tarifas de um ou de vários elementos de um pacote, desde que não excedesse os preços máximos do pacote em causa. [...]

19      Nos dois primeiros períodos de aplicação do sistema de limitação máxima [de 1 de Janeiro de 1998 a 31 de Dezembro de 2001], a recorrente reduziu os preços cobrados aos utilizadores finais em ambos os pacotes, excedendo as taxas de redução estipuladas. Estas reduções tarifárias referiram‑se essencialmente aos custos das comunicações. Pelo contrário, os preços cobrados aos utilizadores finais para as linhas analógicas [...] não foram alterados durante os dois períodos de limitação máxima [...]. Relativamente aos preços cobrados aos utilizadores finais pelas linhas [digitais de banda estreita], a recorrente reduziu durante este mesmo período as tarifas da assinatura mensal [...]

20      Desde 1 de Janeiro de 2002, está em vigor um novo sistema de limitação máxima dos preços [...]. No novo sistema, os dois anteriores pacotes para utilizadores particulares e profissionais foram substituídos por quatro pacotes, que contêm os seguintes serviços: linhas telefónicas (pacote A), comunicações locais (pacote B), comunicações interurbanas nacionais (pacote C) e comunicações internacionais (pacote D).

21      Em 15 de Janeiro de 2002, a recorrente participou à RegTP a sua intenção [de] aumentar em 0,56 euros as assinaturas mensais das linhas analógicas e [digitais de banda estreita]. A RegTP autorizou este aumento [...]

22      Em 31 de Outubro de 2002, a recorrente apresentou um novo pedido de aumento das tarifas cobradas aos utilizadores finais. A RegTP rejeitou parcialmente este pedido [...]

B – Tarifas para as linhas ADSL [...]

23      As tarifas ADSL [...] não são reguladas no âmbito de um sistema de limitação máxima dos preços. Nos termos do § 30 da TKG, estas tarifas podem ser objecto de uma regulação a posteriori.

24      Em 2 de Fevereiro de 2001, depois de ter recebido diversas denúncias de concorrentes da recorrente, a RegTP efectuou uma investigação a posteriori relativamente aos preços ADSL da recorrente, para apurar, se fosse caso disso, a existência de dumping de preços, contrário às regras de concorrência alemãs. A RegTP encerrou o processo em 25 de Janeiro de 2002, depois de ter constatado que o aumento das tarifas que tinha sido anunciado pela recorrente, em 15 de Janeiro de 2002, deixara de apresentar indícios de dumping de preços.»

3        No seguimento de denúncias apresentadas em 1999 por empresas concorrentes da recorrente, a Comissão das Comunidades Europeias adoptou a decisão controvertida, que, em particular nos considerandos 57, 102, 103 e 107, imputa à recorrente a prática de um abuso sob a forma de «compressão das margens» («margin squeeze», a seguir «compressão das margens»), resultante de um desajuste entre as tarifas grossistas dos serviços de acesso ao lacete local e as tarifas de retalho dos serviços que presta aos utilizadores finais.

4        Quanto a esta compressão das margens, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 38 do acórdão recorrido, lembra os termos dos considerandos 102 a 105 da decisão controvertida, que referem o seguinte:

«102      Verifica‑se uma compressão das margens, sempre que o total das tarifas mensais e das tarifas pagas uma única vez à [recorrente] pelo acesso grossista ao lacete local obriga os operadores da concorrência a cobrarem aos seus clientes tarifas mais elevadas do que as facturadas pela [recorrente] aos seus próprios clientes finais por serviços idênticos. Se as tarifas cobradas pelos serviços de acesso grossista ao lacete local aos operadores forem superiores às tarifas cobradas pelos serviços de acesso a retalho aos utilizadores finais, os operadores da concorrência jamais conseguirão realizar lucros, mesmo que a sua eficiência iguale a da [recorrente], já que, além das tarifas de acesso grossista ao lacete local, têm ainda de suportar custo adicionais associados nomeadamente aos serviços de marketing, facturação, cobranças, etc).

103      Ao cobrar aos outros operadores tarifas pelo acesso grossista ao lacete local mais elevadas dos que as que cobra aos seus próprios clientes pelo acesso a retalho à sua rede, a [recorrente] impede que esses operadores ofereçam, a par de simples chamadas telefónicas, serviços de acesso a retalho aos seus próprios clientes [...]

104      [A recorrente] considera que, no caso em apreço, é de excluir a existência de práticas de tarifação com carácter abusivo conducentes a uma compressão das margens, uma vez que as tarifas cobradas pela prestação aos operadores da concorrência de serviços de acesso grossista ao lacete local são fixadas de modo vinculativo pela RegTP [...]

105      Contrariamente à interpretação da [recorrente], a prática abusiva de compressão das margens é, contudo, pertinente para o caso em apreço. Em mercados relacionados, em que os operadores da concorrência adquirem serviços a montante junto do operador histórico imprescindíveis para competir no mercado de produtos ou serviços a jusante, poderá efectivamente ocorrer uma compressão das margens, ou seja, um desajuste dos preços face aos custos entre as tarifas cobradas pelos serviços de acesso grossista [ao lacete local] e as tarifas facturadas pelo acesso a retalho aos utilizadores finais, ambas sujeitas a regulação. Para comprovar a existência de uma compressão das margens é necessário estabelecer primeiramente que existe uma relação não equitativa entre ambos os níveis de tarifação susceptível de levar a uma restrição da concorrência. [...]»

5        Nos termos do artigo 1.° da decisão controvertida, a Comissão conclui, portanto, que «a [recorrente] cometeu, desde 1998, uma infracção contra a alínea a) do artigo 82.° do Tratado CE, ao cobrar tarifas mensais e tarifas de pagamento único não equitativas aos operadores da concorrência e aos seus utilizadores finais pelo acesso à rede local, o que restringiu, em ampla medida, a concorrência no mercado dos serviços de acesso à rede local».

6        Nos termos do artigo 3.° da mesma decisão, a Comissão aplicou à recorrente uma coima no montante de 12,6 milhões de euros por essa infracção.

II –  Tramitação do processo no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

7        Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 30 de Julho de 2003, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão controvertida, a título principal, pedindo, a título subsidiário, a redução da coima nela aplicada.

8        Em apoio do seu pedido de anulação da decisão controvertida, a recorrente apresentava, nomeadamente, um fundamento relativo à violação do artigo 82.° CE e um fundamento relativo a desvio de poder e à violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima.

9        O fundamento relativo à violação do artigo 82.° CE continha várias partes, três das quais importam para o presente recurso, isto é: uma primeira, relativa à inexistência de comportamento abusivo devido à margem de manobra insuficiente de que a recorrente dispunha para evitar a compressão das margens; uma segunda, relativa à ilegalidade do método utilizado pela Comissão para concluir pela compressão das margens; e uma quarta, relativa à inexistência de efeitos da compressão das margens no mercado.

10      O Tribunal de Primeira Instância julgou improcedentes todas essas partes, referindo, nomeadamente, no âmbito dessa análise, nos n.os 150 e 242 do acórdão recorrido, que a recorrente não tinha impugnado, na petição, a definição dos mercados em causa feita na decisão controvertida, segundo a qual se devia distinguir, por um lado, um mercado do serviço grossista de acesso ao lacete local e, por outro, um mercado retalhista de acesso ao lacete local, que abrange um mercado de acesso à banda estreita e um mercado de acesso à banda larga, todos mercados de dimensão nacional.

11      Quanto à primeira parte desse fundamento, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, nos n.os 140 e 151 do acórdão recorrido, que a Comissão podia correctamente considerar na decisão controvertida que, durante o período em causa, a recorrente dispunha de uma margem de manobra suficiente para reduzir a compressão das margens denunciada na referida decisão, alterando os preços de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

12      Quanto à segunda parte do referido fundamento, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou, no n.° 168 do acórdão recorrido, a alegação da recorrente de que o carácter abusivo da compressão das margens só podia resultar do carácter abusivo dos preços de retalho por ela cobrados aos utilizadores finais. Seguidamente, considerou, nos n.os 193, 203 e 206 do acórdão, que fora com razão que a Comissão tinha baseado a sua análise relativa ao carácter abusivo das práticas tarifárias da recorrente, segundo o critério do concorrente igualmente eficaz, apenas na situação específica da recorrente e, consequentemente, nas suas tarifas e nos seus custos, e que tinha tido apenas em consideração as receitas dos serviços de acesso, excluindo as receitas de outros serviços, como sejam os serviços de comunicações, e ao comparar o preço dos serviços de acesso grossista de acesso ao lacete local com os preços cobrados aos utilizadores finais por todos os serviços de acesso, a saber, o acesso à banda estreita e o acesso à banda larga.

13      Quanto à quarta parte do mesmo fundamento, o Tribunal de Primeira Instância referiu, nomeadamente no n.° 237 do acórdão recorrido, que a compressão das margens em causa entravaria, em princípio, o desenvolvimento da concorrência nos mercados retalhistas dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

14      O Tribunal de Primeira Instância julgou também integralmente improcedente o fundamento relativo a desvio de poder e à violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima. No que respeita à alegação de que a Comissão submetia as tarifas praticadas pela recorrente a uma dupla regulação, assim violando os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica, o Tribunal de Primeira Instância indicou, nomeadamente, no n.° 265 do acórdão recorrido:

«Mesmo que não se possa excluir que as autoridades alemãs também violaram o direito comunitário – designadamente as disposições da Directiva [90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações (JO L 192, p. 10)], conforme alterada pela Directiva [96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996 (JO L 74 p. 13)] – ao optarem por um reequilíbrio progressivo entre tarifas de ligações e de comunicações, esse incumprimento, se viesse a ser constatado, não eliminaria a margem de manobra de que a recorrente efectivamente dispunha para reduzir a compressão das margens.»

15      Por outro lado, quanto ao princípio da protecção da confiança legítima, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 269 do acórdão recorrido, que as decisões da RegTP não podiam criar na recorrente essa confiança legítima.

16      Por último, no que respeita à alegação de desvio de poder, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 271 desse acórdão:

«Na decisão [controvertida], a Comissão visa apenas as práticas tarifárias da recorrente e não as decisões das autoridades alemãs. Mesmo que a RegTP tivesse violado uma norma comunitária e mesmo que a Comissão tivesse podido, com esse fundamento, iniciar um processo por incumprimento contra a República Federal da Alemanha, essas eventualidades não seriam de forma alguma susceptíveis de afectar a legalidade da decisão [controvertida]. Com efeito, nessa decisão, a Comissão limitou‑se a declarar que a recorrente cometeu uma infracção ao artigo 82.° CE, disposição que se aplica não aos Estados‑Membros, mas apenas aos operadores económicos. A Comissão não cometeu, consequentemente, qualquer desvio de poder ao proceder a essa constatação com base no artigo 82.° CE.»

17      A recorrente invocava seis fundamentos em apoio do seu pedido de redução da coima, entre os quais um terceiro fundamento, relativo à inexistência de negligência e de dolo, um quarto, relativo à insuficiente tomada em consideração da regulação tarifária no cálculo do montante da coima, e um sexto, relativo à não tomada em consideração de circunstâncias atenuantes. O Tribunal de Primeira Instância julgou improcedentes esses três fundamentos nos n.os 290 a 321 do acórdão recorrido.

18      Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância negou integralmente provimento ao recurso e condenou a recorrente nas suas despesas e nas da Comissão.

III –  Pedidos das partes

19      No presente recurso, a recorrente pede que o Tribunal de Justiça:

–        anule o acórdão recorrido;

–        anule a decisão controvertida;

–        a título subsidiário, reduza, ao abrigo do seu poder de plena jurisdição, a coima que lhe foi aplicada no artigo 3.° da decisão controvertida; e

–        condene a Comissão nas despesas.

20      A Comissão pede que o Tribunal de Justiça negue provimento ao presente recurso e condene a recorrente nas despesas.

21      A Vodafone D2 GmbH, anteriormente Vodafone AG & Co. KG, anteriormente Arcor AG & Co. KG (a seguir «Vodafone»), pede que o Tribunal de Justiça julgue o presente recurso inadmissível ou, pelo menos, improcedente e condene a recorrente nas despesas.

22      A Versatel NRW GmbH, anteriormente Tropolys NRW GmbH, anteriormente CityKom Münster GmbH Telekommunikationsservice e a TeleBeL Gesellschaft für Telekommunikation Bergisches Land mbH, a EWE TEL GmbH, a HanseNet Telekommunikation GmbH, a Versatel Nord GmbH, anteriormente Versatel Nord‑Deutschland GmbH, anteriormente KomTel Gesellschaft für Kommunikations‑ und Informationsdienste mbH, a NetCologne Gesellschaft für Telekommunikation mbH, a Versatel Süd GmbH, anteriormente Versatel Süd‑Deutschland GmbH, anteriormente tesion Telekommunikation GmbH, e a Versatel West GmbH, anteriormente Versatel West‑Deutschland GmbH, anteriormente Versatel Deutschland GmbH & Co. KG (a seguir, em conjunto, «Versatel»), também pediram na audiência a negação de provimento ao recurso, fazendo seus os pedidos da Comissão e da Vodafone.

IV –  Quanto ao recurso

A –  Quanto à admissibilidade

23      A título preliminar, a Vodafone e a Versatel invocam a inadmissibilidade do presente recurso, na medida em que se limita, no primeiro fundamento e na primeira e segunda partes do segundo fundamento, que, no essencial, se destinam a impugnar as apreciações do Tribunal de Primeira Instância sobre a aplicação do artigo 82.° CE às práticas tarifárias em causa da recorrente e o respeito dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, a reproduzir a argumentação apresentada pela recorrente no processo em primeira instância, unicamente, com o objectivo de obter do Tribunal de Justiça o reexame da referida regulamentação.

24      A esse respeito, há que lembrar que resulta dos artigos 225.° CE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de forma precisa os elementos que critica no acórdão de que pede a anulação, bem como os argumentos jurídicos que suportam especificamente esse pedido. Não preenche esse requisito um recurso que, sem sequer conter uma argumentação especificamente destinada a identificar o erro de direito de que está ferido o acórdão recorrido, se limite a reproduzir os fundamentos e os argumentos já apresentados no Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, esse recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reexame da petição apresentada no Tribunal de Primeira Instância, o que não é da competência do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdãos de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.os 34 e 35, e de 30 de Setembro de 2003, Eurocoton e o./Conselho, C‑76/01 P, Colect., p. I‑10091, n.os 46 e 47).

25      Contudo, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito da União feita pelo Tribunal de Primeira Instância, os pontos jurídicos analisados em primeira instância podem ser novamente discutidos em segunda instância. Com efeito, se um recorrente não pudesse assim basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados em primeira instância, o processo de recurso de segunda instância ficaria privado de uma parte do seu sentido (v., nomeadamente, acórdão de 16 de Maio de 2002, ARAP e o./Comissão, C‑321/99 P, Colect., p. I‑4287, n.° 49).

26      Ora, no caso, o presente recurso visa precisamente, no seu primeiro e segundo fundamentos, em conjunto, pôr em causa o entendimento do Tribunal de Primeira Instância em várias questões jurídicas que lhe estavam submetidas em primeira instância sobre a aplicação do artigo 82.° CE às práticas tarifárias em causa da recorrente e o respeito de certos princípios gerais do direito da União. A esse respeito, contém a indicação precisa dos aspectos do acórdão recorrido que critica e os fundamentos e alegações em que se baseia.

27      Daí resulta que o primeiro e segundo fundamentos do presente recurso, em conjunto, não podem ser julgados inadmissíveis. No entanto, há que analisar a admissibilidade das alegações específicas apresentadas em apoio desses fundamentos no âmbito da apreciação de cada um deles.

B –  Quanto ao mérito

28      A recorrente apresenta três fundamentos de recurso, relativos, respectivamente, a erros de direito no tratamento da regulação das suas actividades pela RegTP como autoridade regulamentar nacional competente, a erros de direito na aplicação do artigo 82.° CE e a erros de direito no cálculo das coimas, por não ter sido tida em conta essa regulação.

29      A esse respeito, há que lembrar que, no acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância negou integralmente provimento ao recurso interposto pela recorrente contra a decisão controvertida, considerando, no essencial, que a Comissão, tal como resulta dos n.os 3 a 6 do presente acórdão, lhe tinha aplicado acertadamente uma coima por infracção ao artigo 82.° CE, devido a uma prática tarifária não equitativa que levou à compressão das margens, resultante de um desajuste entre os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local e os preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, dos concorrentes, pelo menos, tão eficazes como ela, não lhes permitindo fazer‑lhe concorrência efectiva na prestação desses serviços.

30      Com esses três fundamentos, a recorrente pretende, no essencial, contestar as apreciações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido sobre:

–        a imputabilidade da infracção devido à sua margem de manobra para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais e a relevância da regulação dos preços dos serviços de telecomunicações pelas autoridades regulamentares nacionais para a aplicação do artigo 82.° CE;

–        a adequação, na apreciação de um abuso na acepção do artigo 82.° CE, do critério da compressão das margens nas circunstâncias do caso presente, tendo em conta a regulação dos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local pelas autoridades regulamentares nacionais, bem como a legalidade do método de cálculo dessa compressão e a análise dos seus efeitos à luz desse mesmo artigo; e

–        a justificação do montante da coima, tendo em conta a regulação do sector das telecomunicações pelas autoridades regulamentares nacionais.

31      Em contrapartida, a recorrente não contesta, em princípio, o facto de se considerar não equitativa, à luz do artigo 82.° CE, a prática tarifária de uma empresa dominante que leve à compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes.

32      Com efeito, a recorrente não critica o Tribunal de Primeira Instância por ter considerado que uma empresa explora de forma abusiva a sua posição dominante, na acepção dessa disposição, quando as suas práticas tarifárias, devido a um desajuste entre os seus preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local e os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais nos mercados em que é dominante, levam a essa compressão. A esse respeito, limita‑se a alegar, no âmbito do segundo fundamento, que a compressão das margens não constitui, no caso, um critério pertinente para constatar que ela cometeu uma infracção ao artigo 82.° CE, pois os seus preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local são objecto de regulação pelas autoridades regulamentares nacionais.

33      Nestas condições, há que analisar os fundamentos do recurso, seguindo a ordem pela qual foram apresentados pela recorrente, ordem essa que corresponde àquela por que os fundamentos foram apresentados e analisados em primeira instância no acórdão recorrido.

1.     Observações preliminares

34      Para analisar o mérito dos fundamentos invocados pela recorrente contra esse acórdão, saliente‑se, em primeiro lugar, que, segundo o artigo 113.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o recurso de segunda instância não pode modificar o objecto do litígio no Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, a competência do Tribunal de Justiça, em sede de recurso de segunda instância, é limitada à apreciação da solução jurídica dada aos fundamentos discutidos em primeira instância. As partes não podem, portanto, suscitar no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, um fundamento que não tenham suscitado no Tribunal de Primeira Instância, pois isso seria permitir‑lhes submeter ao Tribunal de Justiça, cuja competência em segunda instância é limitada, um litígio mais amplo do que aquele que foi submetido ao Tribunal de Primeira Instância (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C‑136/92 P, Colect., p. I‑1981, n.° 59; de 26 de Outubro de 2006, Koninklijke Coöperatie Cosun/Comissão, C‑68/05 P, Colect., p. I‑10367, n.° 96; e de 12 de Novembro de 2009, SGL Carbon/Comissão, C‑564/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 22).

35      Quer no seu recurso quer na audiência, a recorrente alega que não dispunha de margem de manobra para determinar os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local, pois estes são fixados pela autoridade regulamentar nacional, a RegTP. Ora, na realidade, a compressão das margens em causa tem a sua origem no nível excessivo desses preços grossistas, tal como fixados pela RegTP. Portanto, para pôr termo a essa compressão das margens, a Comissão, em vez de adoptar uma decisão nos termos do artigo 82.° CE contra a recorrente, deveria ter intentado uma acção por incumprimento, nos termos do artigo 226.° CE, contra a República Federal da Alemanha, por violação do direito da União. Além disso, é errado considerar que os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local são fixados com base nos custos da recorrente. Esses preços são determinados pela RegTP, com base nos custos de uma prestação eficaz, de acordo com um modelo estabelecido pela autoridade regulamentar nacional.

36      A Comissão e a Versatel alegam, em contrapartida, que os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local são imputáveis à recorrente, pois, segundo o disposto na TKG, esses preços são fixados pela RegTP, com base num pedido apresentado pela recorrente em função dos seus próprios custos. Não pode, portanto, queixar‑se de esses preços serem excessivos. De resto, resulta da decisão controvertida que, quando os seus custos diminuem, a recorrente é obrigada por lei a apresentar um novo pedido à RegTP, a fim de reduzir os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local.

37      A esse respeito, a Versatel alegou na audiência que, desde 1997, a recorrente tinha sistematicamente tentado prejudicar o decurso do processo nacional de fixação dos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local, retirando os seus pedidos de autorização e, apesar de o direito nacional a isso obrigar, sem apresentar a menor prova ou comprovativo dos custos susceptíveis de justificar esses preços grossistas.

38      Contudo, quanto a esses pontos controvertidos, há que observar, em primeiro lugar, que a questão da margem de manobra da recorrente na alteração dos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local não foi discutida no Tribunal de Primeira Instância, tendo este proferido o acórdão recorrido, tomando como assente a hipótese, não impugnada em juízo, de a recorrente não dispor dessa margem de manobra.

39      Com efeito, no n.° 93 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância observou que, ainda que, na decisão recorrida, a Comissão não exclua a possibilidade de a recorrente reduzir as suas tarifas para os serviços de acesso grossista ao lacete local, apenas analisa a questão de saber se a recorrente dispunha de uma efectiva margem de manobra para alterar os preços de retalho que cobrava aos utilizadores finais pelos serviços de acesso.

40      Visto esse critério não ter sido impugnado no Tribunal de Primeira Instância, este limitou‑se a analisar, nos n.os 85 a 152 do acórdão recorrido, para determinar se a compressão das margens dada por provada na decisão controvertida era imputável à recorrente, se a Comissão podia concluir, na decisão, que a recorrente dispunha de uma margem de manobra efectiva para alterar os preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, a fim de eliminar ou reduzir essa compressão das margens. A esse respeito, concluiu, nos n.os 140 e 151 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha considerado acertadamente que essa margem de manobra existia, não obstante a regulação pela RegTP dos preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais.

41      Do mesmo modo, antes de rejeitar, nos n.os 183 a 213 do acórdão recorrido, as alegações da recorrente para impugnar o carácter abusivo e o método de cálculo da compressão das margens dada por provada na decisão controvertida, o Tribunal de Primeira Instância salientou, no n.° 167 desse acórdão, que a Comissão tinha demonstrado unicamente que a recorrente dispunha de margem de manobra para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais.

42      Nestas circunstâncias, não cabe ao Tribunal de Justiça, no presente recurso, analisar em que medida a recorrente poderia eventualmente alterar, como alegam a Comissão e a Versatel, os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local, uma vez que essa análise vai além dos fundamentos discutidos em primeira instância. Qualquer fundamento ou alegação sobre esse ponto excede, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 34 do presente acórdão, os limites do presente recurso, pelo que é inadmissível.

43      Para apreciar o mérito das alegações da recorrente que põem em causa a legalidade do acórdão recorrido, em particular as alegações que impugnam a imputabilidade da infracção a esta última e o carácter abusivo da compressão das margens dada por provada na decisão controvertida, alegações que são o objecto do primeiro e segundo fundamentos do presente recurso, há que tomar por base unicamente a hipótese dada por assente nesse acórdão, segundo a qual a recorrente apenas dispunha de margem de manobra para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, margem essa que, de resto, não é impugnada no presente recurso.

44      Em segundo lugar, há que salientar que o presente recurso não pode, sem alterar o objecto do litígio no Tribunal de Primeira Instância, fazer reparos a esse tribunal por não ter criticado a Comissão pelo facto de não pôr em causa o comportamento das autoridades regulamentares nacionais, na medida em que estas, tendo fixado o preço dos serviços de acesso grossista ao lacete local, num nível excessivo, são as únicas responsáveis pela compressão das margens dada por provada na decisão controvertida.

45      É certo que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, cabe a cada um dos Estados‑Membros tomar todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento, pelas autoridades dos Estados‑Membros, das obrigações impostas pelo direito da União (v., neste sentido, acórdão de 15 de Abril de 2008, Impact, C‑268/06, Colect., p. I‑2483, n.° 85). Por outro lado, os artigos 81.° CE e 82.° CE, conjugados com o artigo 10.° CE, impõem aos Estados‑Membros que não tomem nem mantenham em vigor medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, susceptíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (v., nomeadamente, acórdãos de 16 de Novembro de 1977, GB‑Inno‑BM, 13/77, Colect., p. 753, n.° 31, e de 5 de Outubro de 1995, Centro Servizi Spediporto, C‑96/94, Colect., p. I‑2883, n.° 20).

46      Contudo, quanto à possibilidade de a Comissão propor uma acção por incumprimento contra o Estado‑Membro em causa, uma vez que o acórdão ora recorrido apenas tem por objecto a legalidade de uma decisão da Comissão tomada nos termos do artigo 82.° CE contra a recorrente, o Tribunal de Justiça deve, nesse recurso, limitar‑se a verificar se os fundamentos de recurso apresentados são susceptíveis de revelar que o exame da legalidade de uma decisão efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância está ferido de erros de direito, independentemente da questão de saber se a Comissão poderia, paralela ou alternativamente, ter adoptado uma decisão de infracção ao direito da União contra o Estado‑Membro em causa.

47      Assim, embora, como o próprio Tribunal de Primeira Instância observou, no essencial, nomeadamente nos n.os 265 e 271 do acórdão recorrido, não se possa excluir a possibilidade de as autoridades regulamentares nacionais terem, no caso, violado o direito da União, e mesmo que a Comissão pudesse efectivamente optar por intentar uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE contra a República Federal da Alemanha, essas eventualidades são irrelevantes para o presente recurso. Isto é ainda mais assim quando, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, no sistema instituído pelo artigo 226.° CE, a Comissão dispõe de um poder discricionário para intentar uma acção por incumprimento, não competindo aos tribunais da União apreciar a oportunidade do seu exercício (v., nomeadamente, acórdão de 26 de Junho de 2003, Comissão/França, C‑233/00, Colect., p. I‑6625, n.° 31).

48      Quanto ao alegado carácter excessivo dos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local, invocado pela recorrente, há que observar ainda que, na sua petição no Tribunal de Primeira Instância, em nada tenta pôr em causa a legalidade desses preços face ao direito da União. Com efeito, a recorrente limitou‑se a alegar, por um lado, que, se os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local são fixados pelas autoridades regulamentares nacionais sem que ela os possa alterar, só os preços de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais podem ser abusivos na acepção do artigo 82.° CE e, por outro, que, se a política tarifária dessas autoridades quanto a esses serviços for contrária ao direito da União, cabe à Comissão propor uma acção por incumprimento contra elas.

49      Consequentemente, no âmbito do presente recurso, o Tribunal de Justiça não pode analisar alegações que visem impugnar a legalidade dos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local, nomeadamente devido ao seu carácter alegadamente excessivo relativamente aos custos suportados pela recorrente com a sua prestação (v., a esse respeito, acórdão de 24 de Abril de 2008, Arcor, C‑55/06, Colect., p. I‑2931, n.° 69). Uma vez que essas alegações vão além dos fundamentos discutidos em primeira instância e de acordo com a jurisprudência referida no n.° 34 do presente acórdão, são inadmissíveis no presente recurso.

50      Em terceiro lugar, há que observar que, em primeira instância, a recorrente não impugnou, como o Tribunal de Primeira Instância refere nos n.os 150 e 242 do acórdão recorrido, a definição dos mercados em causa dada pela Comissão na decisão controvertida, segundo a qual, por um lado, o mercado geográfico em causa é o mercado alemão e, por outro, no que respeita aos mercados de serviços em causa, o mercado dos serviços de acesso grossista ao lacete local constitui um único mercado, distinto do mercado retalhista dos serviços de acesso aos utilizadores finais, que inclui dois segmentos distintos, a saber, por um lado, o acesso às linhas de banda estreita e, por outro, o acesso às linhas de banda larga.

51      Do mesmo modo, há que observar que a recorrente em nenhum momento pôs em causa no Tribunal de Primeira Instância a afirmação feita pela Comissão na decisão controvertida, segundo a qual a recorrente detinha uma posição dominante, na acepção do artigo 82.° CE, em todos esses mercados de serviços.

52      Daí resulta que, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 34 do presente acórdão, nem a definição dos mercados em causa feita pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido nem a afirmação de que a recorrente detinha uma posição dominante em todos esses mercados podem ser postas em causa em sede do presente recurso.

53      Em segundo lugar, há que lembrar, mais particularmente quanto à apreciação dos dados de mercado e da situação concorrencial, que não compete ao Tribunal de Justiça, em sede de recurso de segunda instância, substituir a apreciação do Tribunal de Primeira Instância pela sua. Com efeito, nos termos dos artigos 225.° CE e 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, o recurso de segunda instância deve ser limitado às questões de direito. A apreciação dos factos não constitui uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça, salvo no caso de uma eventual desvirtuação dos elementos de facto ou de prova, que não foi invocada no caso vertente (v. acórdão de 15 de Março de 2007, British Airways/Comissão, C‑95/04 P, Colect., p. I‑2331, n.° 78 e jurisprudência aí referida).

54      É à luz destas considerações que convém analisar os fundamentos de recurso invocados pela recorrente.

2.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito no tratamento da regulação das actividades da recorrente pela RegTP enquanto autoridade regulamentar nacional competente

55      O primeiro fundamento invocado pela recorrente divide‑se em três partes, relativas, respectivamente, à imputabilidade da infracção, ao princípio da protecção da confiança legítima e ao carácter deliberado ou negligente da infracção ao artigo 82.° CE.

a)     Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à imputabilidade da infracção

i)     Acórdão recorrido

56      No que respeita à margem de manobra da recorrente para evitar a compressão das margens, o Tribunal de Primeira Instância, depois de lembrar, nos n.os 85 a 89 do acórdão recorrido, os princípios consagrados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, analisou, nos n.os 97 a 152 desse acórdão, se o quadro jurídico alemão, nomeadamente a TKG e as decisões tomadas pela RegTP no período a que se refere a decisão controvertida, eliminava todas as possibilidades de comportamento concorrencial da recorrente ou se lhe deixava uma margem de manobra suficiente para fixar os seus preços a um nível que lhe permitisse eliminar ou reduzir a compressão das margens dada por provada na decisão controvertida.

57      Em primeiro lugar, quanto ao período entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, o Tribunal de Primeira Instância, depois de referir, no n.° 100 desse acórdão, que, no contexto do quadro regulamentar aplicável, a recorrente podia alterar os seus preços, mediante prévia autorização da RegTP, concluiu, no n.° 105 do mesmo acórdão, que a Comissão tinha tido razão ao considerar que, atendendo aos seis pedidos de redução dos preços das comunicações verificados nesse período, a recorrente dispôs então de uma margem de manobra para formular pedidos de aumento de preços de retalho pelos seus serviços de acesso à banda estreita aos utilizadores finais, não deixando de respeitar o limite máximo dos pacotes dos serviços para utilizadores particulares e profissionais.

58      Seguidamente, o Tribunal de Primeira Instância analisou, nos n.os 106 a 124 do acórdão recorrido, se, apesar dessa margem de manobra, a intervenção da RegTP na fixação dos preços de retalho da recorrente pelos serviços de acesso aos utilizadores finais teve a consequência de esta deixar de estar sujeita ao artigo 82.° CE. A esse respeito, considerou, no n.° 107 desse acórdão, que o facto de esses preços de retalho terem de ser aprovados pela RegTP não elimina a responsabilidade da recorrente face ao artigo 82.° CE, uma vez que influi no montante dos seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais através de pedidos de autorização apresentados à RegTP.

59      A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou, nos n.os 108 a 124 do acórdão recorrido, a argumentação da recorrente de que não tem nenhuma responsabilidade, à luz do artigo 82.° CE, pelo facto de a RegTP controlar previamente a compatibilidade dos seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais com o artigo 82.° CE.

60      Nos n.os 109 a 114 desse acórdão, o Tribunal de Primeira Instância referiu que os preços de retalho pelo acesso às linha analógicas se baseavam em decisões tomadas, na vigência da legislação anterior à adopção da TKG, pelo Ministério Federal dos Correios e Telecomunicações, que as disposições da TKG não revelam que a RegTP analisa a compatibilidade dos pedidos de alteração dos preços de retalho pelos serviços de acesso à banda estreita com o artigo 82.° CE, que as autoridades regulamentares nacionais actuam em conformidade com o direito nacional, que este pode ter objectivos que, integrando‑se nas políticas de telecomunicações, são diferentes dos da política de concorrência da União e que as diferentes decisões da RegTP a que a recorrente se refere em apoio da sua argumentação não contêm nenhuma referência ao artigo 82.° CE.

61      Quanto à circunstância de, em várias decisões, a RegTP ter analisado a questão da compressão das margens, o Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 116 a 119 do acórdão recorrido, que o facto de a RegTP, depois de ter constatado a margem negativa entre os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local e os preços de retalho cobrados aos utilizadores finais da recorrente, ter considerado, todas as vezes, que o recurso à subvenção cruzada entre as tarifas pelos serviços de acesso e as tarifas pelos serviços de comunicações devia permitir aos outros operadores oferecerem aos seus utilizadores finais preços concorrenciais demonstra que a RegTP não analisou a compatibilidade dos preços em causa com o artigo 82.° CE ou que, pelo menos, o aplicou erradamente.

62      O Tribunal de Primeira Instância salientou, no n.° 120 do acórdão recorrido, que, em todo o caso, ainda que se admita que a RegTP seja obrigada a analisar a compatibilidade dos preços de retalho para os serviços de acesso aos utilizadores finais, propostos pela recorrente, com o artigo 82.° CE, a Comissão não pode ficar vinculada a uma decisão proferida por uma autoridade nacional na aplicação desse artigo.

63      Além disso, o Tribunal de Primeira Instância referiu, nos n.os 121 a 123 do acórdão recorrido, que o importante, para que uma eventual infracção possa ser imputada à recorrente, é a questão de saber se esta dispunha, à época dos factos do litígio, de uma margem de manobra suficiente para fixar as suas tarifas de retalho para os serviços de acesso à banda estreita aos utilizadores finais, num nível que lhe permitisse eliminar ou reduzir a compressão das margens em causa. O Tribunal de Primeira Instância reiterou, a esse respeito, que a recorrente podia influenciar o montante desses preços de retalho por meio de pedidos de autorização a apresentar à RegTP. Observou ainda que, no seu acórdão de 10 de Fevereiro de 2004, o Bundesgerichtshof confirmou expressamente a responsabilidade da recorrente na formulação desses pedidos e o facto de o quadro jurídico alemão não excluir a possibilidade de a RegTP ter autorizado tarifas que violassem o artigo 82.° CE.

64      Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 124 do acórdão recorrido, que, não obstante a intervenção da RegTP na fixação dos preços de retalho pelos serviços de acesso à banda estreita aos utilizadores finais, a recorrente dispôs, durante o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, de uma margem de manobra suficiente para que sua política tarifária pudesse ser abrangida pelo artigo 82.° CE.

65      Em segundo lugar, quanto ao período posterior a 1 de Janeiro de 2002, depois de observar, nos n.os 144 e 145 do acórdão recorrido, que a recorrente não nega que poderia ter aumentado os seus preços de retalho pelos serviços de acesso à banda larga (ADSL) desde essa data e que, uma vez que os fixa livremente dentro dos limites previstos na lei alemã, as suas práticas tarifárias nesse domínio são susceptíveis de ser abrangidas pelo artigo 82.° CE, o Tribunal de Primeira Instância analisou, nos n.os 147 a 151 desse acórdão, se a recorrente poderia ter reduzido a compressão das margens aumentando os preços de retalho pelos serviços de acesso à banda larga. Os n.os 148 e 149 do acórdão têm a seguinte redacção:

«148      A este respeito, impõe‑se salientar que, uma vez que os serviços de acesso, ao nível dos serviços de acesso grossista [ao lacete local], permitem fornecer, ao nível dos utilizadores finais, todos os serviços de acesso [...], a margem de manobra de que a recorrente dispõe para aumentar as suas tarifas [de retalho pelos serviços de acesso à banda larga] é susceptível de reduzir a compressão das margens entre os preços dos serviços de acesso grossista [ao lacete local], por um lado, e os preços cobrados aos utilizadores finais para todos os serviços de acesso [...], por outro. Uma análise conjunta, ao nível dos utilizadores finais, dos serviços de acesso [...] impõe‑se não somente porque correspondem a uma única prestação de serviços a nível do acesso grossista mas também porque, como a Comissão explicou na decisão [controvertida] sem que a recorrente a tenha contraditado neste ponto, a ADSL não pode ser oferecida aos utilizadores finais de forma isolada, na medida em que implica sempre, por razões técnicas, uma reorganização das linhas de banda estreita [...]

149      As observações da recorrente relativas a uma alegada elasticidade cruzada dos preços entre a ADSL e as ligações de banda estreita assim como entre as diferentes variantes ADSL devem ser rejeitadas. Com efeito, por um lado, estas observações não contradizem a existência de uma margem de manobra da recorrente para aumentar as suas tarifas ADSL. Por outro lado, um aumento limitado das tarifas ADSL teria conduzido a uma tarifa final média mais elevada para os serviços de acesso à banda estreita e à banda larga consideradas no seu conjunto e teria assim reduzido a compressão das margens verificada. Com efeito, há que considerar que, à luz das vantagens da banda larga ao nível da transferência dos dados, os utilizadores finais dos serviços de acesso à banda larga não optariam automaticamente por um regresso à ligação à banda estreita em caso de aumento dos preços cobrados aos utilizadores finais de acesso ADSL.»

ii)  Argumentos das partes

66      Em primeiro lugar, no que respeita ao período entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, a recorrente alega primeiro que o Tribunal de Primeira Instância se baseou erradamente na premissa de que a existência de uma margem de manobra para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais é condição necessária e suficiente para a imputabilidade da infracção. Com efeito, a existência dessa margem de manobra não permite responder à questão de saber se o facto de a recorrente não ter pedido à RegTP autorização para aumentar os preços constituía um acto culposo.

67      Ora, segundo a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta, para este efeito, o facto de a RegTP ter analisado a alegada compressão das margens e considerado que não era restritiva da concorrência. Quando uma empresa dominante está sujeita à regulação de uma autoridade regulamentar nacional criada para o efeito num quadro jurídico orientado para a concorrência e é analisado um determinado comportamento, sem sofrer objecções, pela autoridade regulamentar nacional competente no âmbito desse quadro, a responsabilidade de preservar a estrutura do mercado que incumbe à empresa dominante é suplantada pela responsabilidade dessa autoridade. Numa situação destas, a responsabilidade da empresa dominante limita‑se à obrigação de transmitir à autoridade regulamentar nacional todas as informações necessárias ao controlo do seu comportamento.

68      Nestas condições, a recorrente alega que o n.° 113 do acórdão recorrido está errado, pois a RegTP era obrigada a respeitar o direito da União relativo à concorrência. Do mesmo modo, o n.° 123 desse acórdão está ferido de erro. Com efeito, o Bundesgerichtshof não considerou que a responsabilidade da recorrente de formular pedidos de alteração das suas tarifas implique que deva substituir a apreciação da autoridade regulamentar nacional sobre a aplicação do artigo 82.° CE pela sua própria apreciação. Além disso, o n.° 120 do acórdão recorrido, segundo o qual a compressão das margens lhe deve ser imputada pelo facto de a Comissão não estar vinculada por uma decisão proferida por uma autoridade nacional na aplicação do artigo 82.° CE, não é convincente. Com efeito, por um lado, a questão aqui em apreço refere‑se unicamente à imputabilidade e não à questão de saber se a apreciação da RegTP vincula a Comissão no seu conteúdo. Por outro lado, as autoridades regulamentares nacionais desempenham um papel autónomo no âmbito da criação de um regime de concorrência no sector das telecomunicações. Por último, o princípio da segurança jurídica exige que uma empresa dominante sujeita à regulação nacional possa confiar na exactidão dessa regulação.

69      Com uma segunda alegação, a recorrente sustenta que as considerações que constam dos n.os 111 a 119 do acórdão recorrido são irrelevantes ou estão feridas de erro de direito. Com efeito, o raciocínio do Tribunal de Justiça leva a um círculo vicioso ilegal, ao deduzir do resultado diferente a que chegou que a recorrente não se podia basear no resultado da análise feita pela RegTP. Por outro lado, o conceito de «subvenção cruzada» utilizado por esta não alimentou a menor dúvida quanto à exactidão das suas considerações. Além disso, os n.os 111 a 114 desse acórdão são juridicamente errados pelas razões já referidas no n.° 66 do presente acórdão.

70      Com uma terceira alegação, a recorrente afirma que, ao contrário do que o Tribunal de Primeira Instância entendeu nos n.os 109 e 110 do acórdão recorrido, o facto de os seus preços de retalho para o acesso às linhas analógicas se basearem numa autorização do Ministério Federal dos Correios e Telecomunicações é irrelevante para a análise da imputabilidade. Em contrapartida, a rejeição, pela RegTP, da crítica relativa a uma compressão das margens restritiva da concorrência é determinante.

71      Em segundo lugar, no que respeita ao período entre 1 de Janeiro de 2002 e 21 de Maio de 2003, a recorrente sustenta, com uma primeira alegação, que o acórdão recorrido é errado, pois, como no período anterior, a compressão das margens não lhe é imputável.

72      Com uma segunda alegação, a recorrente considera que o acórdão recorrido contém uma contradição entre a análise da imputabilidade da infracção e o cálculo da compressão das margens. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância exige uma «subvenção cruzada» entre os dois mercados, isto é, o do acesso à banda estreita, por um lado, e o do acesso à banda larga, por outro, quando, no cálculo da compressão das margens, o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta as receitas que os concorrentes auferem pelos serviços de comunicações, nomeadamente por não lhes poder ser oposta a possibilidade de uma «subvenção cruzada» entre dois mercados, a saber, o mercado dos serviços de acesso aos utilizadores finais, por um lado, e o dos serviços de comunicações, por outro.

73      Com uma terceira alegação, a recorrente afirma que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao fazer suposições infundadas sobre a possibilidade de redução da compressão das margens. A consideração, no n.° 149 do acórdão recorrido, de que a elasticidade cruzada dos preços não faz desaparecer a margem de manobra da recorrente para aumentar os seus preços da ADSL, embora exacta, é irrelevante. Contudo, o Tribunal de Primeira Instância não analisou a questão de saber se, e em que medida, um assinante ligado a uma linha de banda estreita desiste de passar a uma linha de banda larga devido ao seu aumento de preço.

74      A Comissão destaca o erro da tese da recorrente de que, por um lado, a infracção não lhe é imputável pois os factos são da responsabilidade da autoridade regulamentar nacional e, por outro, a Comissão não pode intentar uma acção directamente contra uma empresa regulada, num caso que já foi objecto de uma decisão da RegTP. As alegações da recorrente devem, portanto, ser integralmente rejeitadas.

75      A Vodafone alega que a primeira parte do primeiro fundamento é inadmissível, visto que a recorrente se limita a reproduzir a argumentação que tinha apresentado no processo no Tribunal de Primeira Instância, unicamente com o objectivo de conseguir que o Tribunal de Justiça reexaminasse esse argumento. A título subsidiário, as alegações da recorrente devem ser julgadas improcedentes.

76      A Versatel, na audiência, alegou também que o Tribunal de Primeira Instância decidiu bem ao considerar que a recorrente dispunha de suficiente margem de manobra para aumentar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais.

iii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

77      A título preliminar, há que observar que, com esta parte do primeiro fundamento, a recorrente, embora reitere, no essencial, a argumentação apresentada no Tribunal de Primeira Instância, alega, em substância, que este cometeu um erro de direito ao seguir um critério jurídico errado no que respeita à imputabilidade da infracção nos termos do artigo 82.° CE. Ao contrário do que alega a Vodafone, essa parte do primeiro fundamento é, portanto, admissível, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 25 do presente acórdão.

78      Quanto ao mérito da primeira parte do primeiro fundamento, refira‑se que a recorrente critica, no essencial, o Tribunal de Primeira Instância por ter considerado que a compressão das margens dada por provada na decisão controvertida lhe era imputável nos termos do artigo 82.° CE, unicamente, por dispor de margem de manobra para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais. Toda essa parte do primeiro fundamento assenta na premissa de que essa margem de manobra não é condição suficiente para a aplicação do artigo 82.° CE, quando, como no caso, a prática tarifária em causa foi aprovada pela autoridade regulamentar nacional competente em matéria de regulação do sector das telecomunicações, a RegTP.

79      Ora, essa premissa está errada.

80      Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os artigos 81.° CE e 82.° CE só não são aplicáveis se às empresas for imposto um comportamento anticoncorrencial por uma legislação nacional, ou se essa legislação criar um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte. Com efeito, numa situação deste tipo, como resulta das referidas disposições, a limitação da concorrência não é causada por comportamentos autónomos das empresas. Em contrapartida, os artigos 81.° CE e 82.° CE podem ser aplicáveis se se verificar que a lei nacional deixa subsistir a possibilidade de uma concorrência susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas (acórdão de 11 de Novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing, C‑359/95 P e C‑379/95 P, Colect., p. I‑6265, n.os 33 e 34 e jurisprudência aí referida).

81      A possibilidade de excluir um determinado comportamento anticoncorrencial do âmbito de aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, devido ao facto de o mesmo ter sido imposto às empresas em causa pela legislação nacional existente ou de esta ter eliminado qualquer possibilidade de comportamento concorrencial por sua parte, só foi, portanto, admitida de forma restritiva pelo Tribunal de Justiça (v. acórdãos de 20 de Março de 1985, Itália/Comissão, 41/83, Recueil, p. 873, n.° 19; de 10 de Dezembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão, 240/82 a 242/82, 261/82, 262/82, 268/82 e 269/82, Recueil, p. 3831, n.os 27 a 29; e de 9 de Setembro de 2003, CIF, C‑198/01, Colect., p. I‑8055, n.° 67).

82      Desse modo, o Tribunal de Justiça considerou que se uma lei nacional se limitar a encorajar ou a facilitar a adopção de comportamentos anticoncorrenciais autónomos pelas empresas, estas continuam sujeitas aos artigos 81.° CE e 82.° CE (acórdão de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.os 36 a 73, e acórdão CIF, já referido, n.° 56).

83      Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as empresas dominantes têm uma responsabilidade particular de não prejudicarem com o seu comportamento uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão de 9 de Novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 57).

84      Daí resulta que o simples facto de a recorrente ter sido incentivada, pelas intervenções de uma autoridade regulamentar nacional como a RegTP, a manter a aplicação das suas práticas tarifárias que levavam a uma compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes não pode, enquanto tal, eliminar em nada a sua responsabilidade nos termos do artigo 82.° CE (v., neste sentido, acórdão de 30 de Janeiro de 1985, Clair, 123/83, Recueil, p. 391, n.os 21 a 23).

85      Uma vez que, não obstante essas intervenções, a recorrente tinha margem de manobra para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, o Tribunal de Primeira Instância teve razão ao concluir, unicamente por esse motivo, que a compressão das margens em causa lhe era imputável.

86      Ora, no caso, não se pode deixar de observar que, pela argumentação que desenvolve na primeira parte do primeiro fundamento, a recorrente não impugna a existência dessa margem de manobra. Em particular, não impugna as considerações do Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 97 a 105 e 121 a 151 do acórdão recorrido, segundo as quais, no essencial, poderia ter apresentado pedidos de autorização à RegTP, a fim de alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, mais em particular os preços de retalho pelos serviços de acesso à banda estreita, no período entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, e os preços de retalho pelos serviços de acesso à banda larga, no período a partir de 1 de Janeiro de 2002.

87      Em contrapartida, a recorrente limita‑se a destacar, pelas suas várias alegações, o carácter incentivador da intervenção da RegTP, salientando, nomeadamente, por um lado, que essa autoridade regulamentar nacional analisou e aprovou, por si própria, a compressão das margens em causa, simultaneamente, à luz do direito nacional e do direito da União relativo às telecomunicações, bem como do artigo 82.° CE e, por outro, que o Bundesgerichtshof considerou, por acórdão de 10 de Fevereiro de 2004, que a recorrente não pode substituir a RegTP para apreciar se uma prática tarifária é contrária ao artigo 82.° CE.

88      Contudo, pelas razões expostas nos n.os 80 a 85 do presente acórdão, essas circunstâncias em nada são susceptíveis de pôr em causa o facto de essa prática tarifária ser imputável à recorrente, uma vez que está assente que ela tinha margem de manobra para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, pelo que essas circunstâncias são inoperantes contra as apreciações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância nesse ponto.

89      Em particular, a recorrente não pode, a esse respeito, criticar o Tribunal de Primeira Instância por não ter analisado se ela praticou um «acto culposo» ao não utilizar a margem de manobra de que dispunha para pedir autorização à RegTP para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais. Com efeito, o carácter «culposo» ou não desse comportamento não é susceptível de pôr em causa o facto de a recorrente dispor de margem de manobra para o adoptar, podendo unicamente ser tomado em conta no âmbito da determinação da ilicitude desse comportamento e na fase da fixação do montante das coimas.

90      De resto, saliente‑se a esse respeito que, tal como o Tribunal de Primeira Instância considerou no n.° 120 do acórdão recorrido, a Comissão não pode, de qualquer forma, estar vinculada por uma decisão proferida por uma autoridade nacional na aplicação do artigo 82.° CE (v., neste sentido, acórdão de 14 de Dezembro de 2000, Masterfoods e HB, C‑344/98, Colect., p. I‑11369, n.° 48). No caso, a recorrente não contesta, aliás, que as decisões da RegTP não vinculam a Comissão.

91      É certo que, como observa a recorrente, não se pode excluir a possibilidade de as próprias autoridades regulamentares nacionais terem violado o artigo 82.° CE, conjugado com o artigo 10.° CE, caso em que a Comissão poderia intentar uma acção por incumprimento contra o Estado‑Membro em causa. Contudo, isso também não tem influência na margem de manobra da recorrente para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais e, portanto, tal como resulta dos n.os 44 a 49 do presente acórdão, é inoperante, no presente recurso, para contestar as apreciações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância quanto à imputabilidade da infracção à recorrente.

92      Isso vale também para o facto alegado pela recorrente de que a regulação feita pela RegTP tem por objecto abrir os mercados em causa à concorrência. Com efeito, está assente que essa regulação em nada privou a recorrente da possibilidade de alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais e, portanto, de adoptar um comportamento autónomo sujeito ao artigo 82.° CE, uma vez que as normas da concorrência previstas no Tratado CE completam, pelo exercício de uma fiscalização ex post, o quadro regulamentar adoptado pelo legislador da União com vista à regulação ex ante dos mercados das telecomunicações.

93      Do mesmo modo, há que rejeitar a alegação de que, devido à elasticidade cruzada dos preços de retalho pelos serviços de acesso à banda larga e os preços de retalho para os serviços de acesso à banda estreita, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, no n.° 149 do acórdão recorrido, quanto à possibilidade de a recorrente reduzir a compressão das margens a partir de 1 de Janeiro de 2002, aumentado os seus preços de retalho pelos serviços de acesso à banda larga. Com efeito, tal como o Tribunal de Primeira Instância considerou nesse mesmo número, essa alegação em nada desmente a existência de uma margem de manobra da recorrente para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso à banda larga. Além disso, na medida em que a recorrente pretende ainda impugnar o facto de esse aumento ter levado a um preço médio de retalho superior no conjunto dos serviços de acesso à banda estreita e à banda larga, esta alegação deve, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 53 do presente acórdão, ser julgada inadmissível, pois destina‑se a pôr em causa, sem invocar a menor desvirtuação, a apreciação soberana dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido.

94      Por último, quanto à alegação de contradição nos fundamentos, referida no n.° 72 do presente acórdão, também não pode proceder, pois baseia‑se numa premissa errada. Com efeito, embora seja verdade que o Tribunal de Primeira Instância, nomeadamente nos n.os 119 e 199 a 201 do acórdão recorrido, rejeitou a possibilidade, na fase do cálculo da compressão das margens, de subvenção cruzada entre dois mercados distintos, isto é, respectivamente, o dos serviços de acesso aos utilizadores finais e o dos serviços de comunicações aos utilizadores finais, é errado considerar que essa subvenção cruzada seria necessária na fase da análise da imputabilidade da infracção.

95      Com efeito, nos n.os 148 a 150 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a observar que a margem de manobra da recorrente para aumentar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso à banda larga era susceptível de reduzir a compressão das margens resultante do desajustamento entre os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local e os preços de retalho de todos os serviços de acesso aos utilizadores finais. Ao proceder desse modo, o Tribunal de Primeira Instância em nada exigiu uma prática de subvenção cruzada entre os serviços de acesso à banda estreita e os serviços de acesso à banda larga, e isto menos ainda quando, como se refere no n.° 148 do acórdão recorrido, sem impugnação da recorrente no presente recurso, a nível dos serviços de acesso grossista ao lacete local, existe um único mercado de serviços distinto, uma vez que os serviços de acesso prestados a esse nível permitem aos concorrentes da recorrente fornecer aos seus assinantes tanto os serviços de acesso à banda estreita como os serviços de acesso à banda larga, além de estes últimos não poderem, por razões técnicas, ser propostos aos utilizadores finais de forma isolada.

96      Assim, há que julgar parcialmente inadmissível e parcialmente inoperante ou improcedente toda a primeira parte do primeiro fundamento.

b)     Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa ao princípio da protecção da confiança legítima

i)     Acórdão recorrido

97      Depois de lembrar, no n.° 267 do acórdão recorrido, que, em diversas decisões adoptadas durante o período em causa, a RegTP considerou que, embora exista uma margem negativa entre os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local da recorrente e os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, o recurso à subvenção cruzada entre serviços de acesso e serviços de comunicações devia permitir aos outros operadores oferecerem preços concorrenciais aos seus utilizadores finais, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 268 desse acórdão, que as decisões da RegTP não contêm nenhuma referência ao artigo 82.° CE e que resulta implícita mas necessariamente das decisões da RegTP que as práticas tarifárias da recorrente têm um efeito anticoncorrencial, na medida em que os concorrentes da recorrente têm de recorrer a uma subvenção cruzada para poderem continuar a ser competitivos no mercado dos serviços de acesso.

98      Daí o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 269 do acórdão recorrido:

«Nestas condições, as decisões da RegTP não puderam criar na recorrente uma confiança legítima de que as suas práticas eram conformes com o artigo 82.° CE. Importa sublinhar, por outro lado, que o Bundesgerichtshof, no seu acórdão de 10 de Fevereiro de 2004, que anulou o acórdão do Oberlandesgericht Düsseldorf de 16 de Janeiro de 2002, confirmou que ‘o procedimento administrativo de análise [pela RegTP] não exclui a possibilidade prática de uma empresa apresentar uma tarifa através da qual abusa da sua posição dominante e de obter a sua autorização porque o abuso não foi descoberto durante o processo de análise’.»

ii)  Argumentos das partes

99      A recorrente entende que o Tribunal de Primeira Instância aplicou erradamente o princípio da protecção da confiança legítima. Com efeito, visto as decisões da RegTP terem repetidamente negado a existência de uma compressão das margens restritiva da concorrência, criaram no seu espírito uma confiança na legalidade das suas tarifas, digna de protecção.

100    A esse respeito, a recorrente, com uma primeira alegação, afirma que a questão de saber se as decisões da RegTP se referem expressamente ao artigo 82.° CE é irrelevante, uma vez que, de qualquer forma, esta rejeitou a existência de uma compressão das margens restritiva da concorrência.

101    Com uma segunda alegação, a recorrente afirma que, ao contrário do que o Tribunal de Primeira Instância entendeu nos n.os 267 e 268 do acórdão recorrido, não resulta do escrito da RegTP sobre a possibilidade de «subvenção cruzada» com os preços dos serviços de comunicações nem da utilização da expressão «subvenção cruzada» que as suas práticas tarifárias têm um efeito anticoncorrencial.

102    Com uma terceira alegação, a recorrente afirma que a referência, no n.° 269 do acórdão recorrido, a um acórdão do Bundesgerichtshof de 10 de Fevereiro de 2004 é irrelevante. Com efeito, tendo sido proferido depois do período de referência, esse acórdão não pode ser determinante para a questão de saber se a recorrente podia confiar na exactidão das decisões da RegTP durante esse período. Pelo contrário, a recorrente podia ter inferido de um acórdão do Oberlandesgericht Düsseldorf de 16 de Janeiro de 2002 outros elementos que indicavam que podia confiar nas decisões da RegTP, tendo esse tribunal decidido que as decisões dessa autoridade excluíam qualquer infracção ao artigo 82.° CE.

103    A Comissão alega que se essas declarações da RegTP não antecipam a sua apreciação à luz do artigo 82.° CE, também não podem servir de base a uma confiança legítima de que a Comissão virá a seguir o parecer da RegTP. As alegações da recorrente devem, portanto, ser julgadas inoperantes ou improcedentes.

104    A Vodafone entende que a segunda parte do primeiro fundamento é inadmissível, uma vez que a recorrente se limita, no essencial, a repetir os argumentos já invocados no Tribunal de Primeira Instância sobre a importância das anteriores decisões da RegTP, uma vez que as afirmações desta respeitam à possibilidade de subvenção cruzada e ao significado de um acórdão do Oberlandesgericht Düsseldorf. De qualquer forma, essa parte é improcedente, pois a confiança legítima só pode ser criada pela autoridade competente para a situação jurídica em causa.

iii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

105    Há que observar que, com as presentes alegações, a recorrente se limita a alegar, sem desenvolver uma argumentação jurídica susceptível de demonstrar a razão pela qual os n.os 267 a 269 do acórdão recorrido estão feridos de erro de direito, que as decisões da RegTP ou de certos tribunais nacionais lhe puderam criar a confiança legítima de que as suas práticas tarifárias estavam em conformidade com o artigo 82.° CE, reiterando ou desenvolvendo os argumentos já invocados em primeira instância, destinados a demonstrar uma violação do princípio da protecção da confiança legítima pela Comissão.

106    Não se pode deixar de observar que, desse modo, a recorrente visa, pondo assim em causa a decisão controvertida, conseguir um reexame da petição apresentada no Tribunal de Primeira Instância e que, portanto, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 24 do presente acórdão, as suas alegações são, neste ponto, inadmissíveis.

107    Quanto ao resto, na medida em que a recorrente, na sua segunda alegação, contesta que podia deduzir das decisões da RegTP que as suas práticas tarifárias tinham um efeito restritivo da concorrência, há que observar que pretende pôr em causa a apreciação dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância, sem alegar desvirtuação alguma, e que, portanto, essa alegação, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 53 do presente acórdão, deve igualmente ser julgada inadmissível.

108    Por último, na medida em que a terceira alegação de destina a pôr em causa a relevância do acórdão do Bundesgerichtshof de 10 de Fevereiro de 2004, deve ser julgada inoperante, pois tem por objecto um fundamento apresentado por acréscimo em apoio de outras considerações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância (v., neste sentido, acórdão de 2 de Abril de 2009, Bouygues e Bouygues Télécom/Comissão, C‑431/07 P, Colect., p. I‑2665, n.° 148 e jurisprudência aí referida).

109    Com efeito, tal como resulta da utilização da locução «por outro lado», no início do segundo período do n.° 269 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância baseou‑se nas considerações feitas nesse acórdão do Bundesgerichtshof, com o único objectivo de confirmar a conclusão resultante dos fundamentos expostos nos n.os 267 e 268 do acórdão recorrido e que já constava do primeiro período do referido n.° 269, segundo a qual as decisões da RegTP não podiam gerar na recorrente uma confiança legítima em que as suas práticas tarifárias estavam em conformidade com o artigo 82.° CE.

110    Consequentemente, há que julgar a segunda parte do primeiro fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente inoperante.

c)     Quanto à terceira parte do primeiro fundamento, relativa ao carácter deliberado ou negligente da infracção ao artigo 82.° CE

i)     Acórdão recorrido

111    O Tribunal de Primeira Instância julgou improcedente o fundamento da recorrente de falta de fundamentação sobre o carácter deliberado ou negligente da infracção, ao referir, no n.° 286 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida contém uma referência ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 81.° e 82.° do Tratado CE (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), que precisa, no seu primeiro parágrafo, as condições que devem estar preenchidas para a Comissão poder aplicar coimas, entre as quais a condição relativa ao carácter deliberado ou negligente da infracção.

112    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 287 desse acórdão, que, na decisão controvertida, a Comissão expôs detalhadamente os motivos pelos quais considerava que as práticas tarifárias da recorrente eram abusivas, na acepção do artigo 82.° CE, e os motivos pelos quais a recorrente deve ser considerada responsável pela infracção, não obstante as autoridades alemãs terem de aprovar as suas tarifas.

113    O Tribunal de Primeira Instância julgou também improcedente o fundamento da recorrente de inexistência de negligência ou dolo. A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância indicou, no n.° 296 do acórdão recorrido, que a recorrente não podia ignorar que, não obstante as decisões de autorização da RegTP, dispunha de uma real margem de manobra para reduzir a compressão tarifária das margens, nem que essa compressão das margens implicava restrições sérias à concorrência, devido, em especial, à sua posição monopolista no mercado dos serviços de acesso grossista ao lacete local e à sua posição quase monopolista no mercado dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

114    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 298 do acórdão recorrido, que a abertura de um procedimento pré‑contencioso contra a República Federal da Alemanha não afectava os pressupostos de aplicação do artigo 15.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 17, uma vez que a recorrente não podia ignorar, por um lado, que dispunha de uma real margem de manobra para aumentar os preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais e, por outro, que as suas práticas tarifárias impediam o desenvolvimento da concorrência no mercado dos serviços de acesso ao lacete local, no qual o grau de concorrência já era reduzido, devido, designadamente, à sua presença.

115    Por último, no n.° 299 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou a alegação relativa à análise da compressão das margens pela RegTP, pelos fundamentos expostos nos n.os 267 a 269 desse acórdão, que fazem parte dos n.os 97 e 98 do presente acórdão.

ii)  Argumentos das partes

116    A recorrente alega, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido, nos n.os 284 a 289, viola as exigências do artigo 253.° CE, partindo erradamente do princípio de que a imputação da negligência ou de dolo estava suficientemente fundamentada na decisão controvertida. Com efeito, essa decisão não contém nenhuma consideração de direito ou de facto relativa à questão da negligência ou de dolo.

117    Em primeiro lugar, a recorrente alega que não basta, do ponto de vista jurídico, que a Comissão remeta, no segundo ponto do preâmbulo da decisão controvertida, para o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Com efeito, esse ponto do preâmbulo não faz parte da fundamentação da decisão, apenas indicando o fundamento jurídico. De qualquer forma, esse ponto não revela as razões pelas quais a Comissão considera que a infracção foi cometida com dolo ou negligência.

118    Em segundo lugar, a recorrente entende que as considerações materiais da Comissão, a que o Tribunal de Primeira Instância se refere no n.° 287 do acórdão recorrido, não são susceptíveis de fundamentar a imputação de uma infracção dolosa ou negligente ao artigo 82.° CE, pois essas considerações não têm nenhuma relação com a questão da imputabilidade subjectiva do comportamento, isto é, com a questão de saber se a recorrente podia ou não ignorar o carácter anticoncorrencial do seu comportamento.

119    Com uma segunda alegação, a recorrente afirma que a apreciação da culpa pelo Tribunal de Primeira Instância está ferida de falta de fundamentação, pois a fundamentação do acórdão recorrido baseia‑se, além disso, numa aplicação errada do artigo 15.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 17. Com efeito, falta a imputabilidade subjectiva de uma eventual infracção ao artigo 82.° CE. Ora, tendo em conta as decisões da RegTP e a falta de precedente na União Europeia, a recorrente ignorava o carácter alegadamente anticoncorrencial do seu comportamento.

120    Segundo a recorrente, as considerações relativas às decisões da RegTP que constam dos n.os 267 a 269 do acórdão recorrido e para as quais o Tribunal de Primeira Instância remete no n.° 299 desse acórdão não permitem concluir por culpa sua. O facto de a RegTP não se ter expressamente referido ao artigo 82.° CE não é determinante, pois a apreciação da culpa não depende da questão de saber se a empresa em causa está consciente de que o seu comportamento viola o artigo 82.° CE. Por outro lado, nem o conceito de subvenção cruzada utilizado pela RegTP nem o acórdão do Bundesgerichtshof de 10 de Fevereiro de 2004 permitem concluir pela existência de um ilícito cometido pela recorrente. Por último, o Tribunal de Primeira Instância não analisou as conclusões que a recorrente podia extrair do comportamento global da Comissão, resultante não só da abertura de um processo de incumprimento contra a República Federal da Alemanha mas também do facto de a Comissão ter informado a recorrente da sua intenção de não prosseguir o processo aberto contra ela.

121    A Comissão alega que a regulação do sector só é relevante para a questão de saber se a recorrente conhecia o carácter ilegal da sua actuação, mas não para determinar o carácter doloso da infracção. A terceira parte do primeiro fundamento é, portanto, inoperante ou, de qualquer forma, improcedente.

122    A Vodafone considera que a recorrente reproduz de novo a argumentação invocada no Tribunal de Primeira Instância para explicar que não foi cometido ilícito algum. De qualquer forma, a argumentação da recorrente é inadmissível na medida em que exige que o Tribunal de Justiça, no âmbito da análise da fundamentação do acórdão, substitua, por razões de equidade, a apreciação do Tribunal de Primeira Instância pela sua própria apreciação. Quanto ao resto, essa parte é improcedente.

iii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

123    A título preliminar, há que observar que, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 25 do presente acórdão, as presentes alegações, mesmo repetindo em parte a argumentação apresentada no Tribunal de Primeira Instância, são admissíveis, visto que se destinam a criticá‑lo por ter seguido um critério jurídico errado na aplicação do pressuposto do carácter negligente ou doloso da infracção e na fiscalização do respeito desse pressuposto pela Comissão à luz do seu dever de fundamentação. Por outro lado, há que lembrar que a questão de saber se a fundamentação de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância é suficiente é uma questão de direito que, como tal, pode ser invocada em sede de recurso de segunda instância (v., nomeadamente, acórdão de 9 de Setembro de 2008, FIAMM e FIAMM Technologies/Conselho e Comissão, C‑120/06 P e C‑121/06 P, Colect., p. I‑6513, n.° 90).

124    Em primeiro lugar, no que respeita às alegações sobre o bem‑fundado das apreciações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância, há que lembrar, quanto à questão de saber se as infracções foram cometidas deliberadamente ou por negligência e são, por isso, puníveis por coima, nos termos do artigo 15, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 17, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que essa condição está preenchida quando a empresa em causa não pode ignorar o carácter anticoncorrencial do seu comportamento, tenha ou não tido consciência de violar as normas de concorrência do Tratado (v. acórdão de 8 de Novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.° 45, e acórdão Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, já referido, n.° 107).

125    No caso, o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 296 e 297 do acórdão recorrido, entendeu que esse pressuposto estava preenchido, pois, por um lado, a recorrente não podia ignorar que, apesar das decisões de autorização da RegTP, dispunha de uma margem real de manobra para fixar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais e, por outro, a compressão das margens levava a sérias restrições da concorrência, tendo em conta a sua posição monopolista no mercado grossista dos serviços de acesso ao lacete local e a sua posição quase monopolista no mercado retalhista dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

126    Não se pode deixar de observar que esse raciocínio, assente em considerações de facto que, na falta de alegação de desvirtuação, são da apreciação soberana dos factos pelo Tribunal de Primeira Instância, não está ferido de erro de direito.

127    Com efeito, na medida em que a recorrente critica o Tribunal de Primeira Instância por não ter tido em conta as decisões da RegTP e a falta de precedente na União, basta observar que essa argumentação se destina unicamente a demonstrar o facto de a recorrente ignorar a ilicitude do comportamento imputado na decisão controvertida à luz do artigo 82.° CE. Essa argumentação deve, portanto, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 124 do presente acórdão, ser julgada improcedente.

128    Isto vale também para a alegação de o Tribunal de Primeira Instância não ter tido em conta a abertura do procedimento pré‑contencioso contra a República Federal da Alemanha nos termos do artigo 226.° CE. Com efeito, esse facto, mesmo admitindo que a Comissão tivesse informado a recorrente da sua intenção de não prosseguir contra ela o processo de infracção nos termos do artigo 82.° CE, em nada afecta o facto de a recorrente não poder ignorar o carácter anticoncorrencial do seu comportamento. O Tribunal de Primeira Instância não cometeu, pois, nenhum erro de direito, ao considerar, no n.° 298 do acórdão recorrido, que a abertura do processo em causa não tinha nenhuma influência no carácter deliberado ou negligente de uma infracção na acepção do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

129    A alegação da recorrente sobre o n.° 299 do acórdão recorrido deve ser julgada inoperante, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 108 do presente acórdão, uma vez que tem por objecto um fundamento apresentado por acréscimo em apoio das considerações feitas nos n.os 296 e 297 do acórdão recorrido, que são suficientes para demonstrar o carácter deliberado ou negligente da infracção.

130    Em segundo lugar, quanto às alegações relativas à fiscalização, pelo Tribunal de Primeira Instância, da fundamentação da decisão controvertida a respeito do carácter deliberado ou negligente da infracção, há que lembrar que o dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE constitui uma formalidade essencial que se distingue da questão do acerto da fundamentação, que cabe no âmbito da legalidade material do acto recorrido. Nesta perspectiva, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao tribunal competente exercer a sua fiscalização (acórdão de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colect., p. I‑2481, n.° 35).

131    A necessidade de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito possam ter em obter explicações. Não é necessário que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto cumpre as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., nomeadamente, acórdãos de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63, e de 10 de Julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, Colect., p. I‑4951, n.° 166).

132    No caso, quanto à fundamentação da decisão controvertida, o Tribunal de Primeira Instância considerou, por um lado, no n.° 286 do acórdão recorrido, que a dita decisão continha uma referência ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, relativa às condições que devem estar preenchidas para que a Comissão possa aplicar coimas, entre as quais figura a relativa à natureza deliberada ou negligente da infracção, e, por outro, no n.° 287 do referido acórdão, que, nessa mesma decisão, a Comissão expôs detalhadamente os motivos pelos quais considerava que as práticas tarifárias da recorrente eram abusivas e os motivos pelos quais a recorrente deve ser considerada responsável pela infracção constatada, não obstante a aprovação das suas tarifas pelas autoridades regulamentares nacionais.

133    Uma vez que essas considerações revelam os fundamentos da adopção da decisão controvertida, permitiam à recorrente conhecer o raciocínio da Comissão quanto à aplicação à recorrente das condições de abertura de um processo previstas no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, para a aplicação de coimas. Assim, o Tribunal de Primeira Instância podia, sem violar o artigo 253.° CE, concluir daí que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada nesse ponto, à luz dos requisitos resultantes dessa disposição. Improcede, pois, a alegação da recorrente a esse respeito.

134    Na medida em que a recorrente acrescenta, a este respeito, que as considerações da Comissão reproduzidas no n.° 287 do acórdão recorrido são irrelevantes para determinar o carácter deliberado ou negligente de uma infracção, basta observar que, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 24 do presente acórdão, esse argumento, que se destina a pôr em causa o acerto da fundamentação da decisão controvertida, é inadmissível na fase do presente recurso.

135    Em terceiro lugar, no que respeita à fundamentação do acórdão recorrido, há que lembrar que o dever de fundamentação dos acórdãos resulta do artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força dos artigos 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e 81.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância (v. acórdão de 4 de Outubro de 2007, Naipes Heraclio Fournier/IHMI, C‑311/05 P, n.° 51 e jurisprudência aí referida).

136    Segundo jurisprudência assente, a fundamentação de um acórdão deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância, de forma a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional (v., nomeadamente, acórdãos de 14 de Maio de 1998, Conselho/de Nil e Impens, C‑259/96 P, Colect., p. I‑2915, n.os 32 e 33, e de 17 de Maio de 2001, IECC/Comissão, C‑449/98 P, Colect., p. I‑3875, n.° 70).

137    A esse respeito, basta observar que, como já resulta do n.° 125 do presente acórdão, os n.os 296 e 297 do acórdão recorrido revelam de forma clara e inequívoca o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância quanto ao carácter negligente ou intencional da infracção. Improcede, portanto, a alegação de falta de fundamentação do acórdão recorrido nesse ponto.

138    Consequentemente, a terceira parte do primeiro fundamento deve ser julgada parcialmente inadmissível e parcialmente inoperante ou improcedente.

d)     Conclusão sobre o primeiro fundamento

139    Resulta do exposto, no seu conjunto, que o primeiro fundamento deve ser julgado integralmente improcedente.

3.     Quanto ao segundo fundamento, relativo a erros de direito na aplicação do artigo 82.° CE

140    O segundo fundamento invocado pela recorrente divide‑se em três partes, relativas, respectivamente, à pertinência do critério da compressão das margens para demonstrar um abuso na acepção do artigo 82.° CE, à adequação do método de cálculo da compressão das margens e aos efeitos da compressão das margens.

a)     Acórdão recorrido

141    Nos n.os 153 a 207 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou as alegações da recorrente de ilegalidade do método utilizado pela Comissão para dar por provada a existência de uma compressão das margens.

142    Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância julgou improcedente, nos n.os 166 a 168 do acórdão recorrido, a alegação da recorrente de que o carácter abusivo da compressão das margens só podia resultar do carácter abusivo dos seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais. Tendo considerado, no n.° 166 desse acórdão, que, segundo a decisão controvertida, o abuso da recorrente consistia na imposição de preços não equitativos, sob a forma de uma compressão das margens em detrimento dos seus concorrentes, uma vez que a Comissão considera existir essa compressão das margens abusiva se a diferença entre as tarifas de retalho cobradas aos utilizadores finais por uma empresa que domina o mercado e as tarifas grossistas cobradas aos operadores da concorrência pela prestação de serviços equivalentes for negativa ou insuficiente para cobrir os custos específicos dos produtos do operador dominante para prestar serviços aos seus próprios clientes finais, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 167 desse acórdão:

«É verdade que, na decisão [controvertida], a Comissão apenas refere a existência da margem de manobra que a recorrente dispunha para alterar os preços por ela cobrados [pelos serviços de acesso aos utilizadores finais]. No entanto, o carácter abusivo do comportamento da recorrente está relacionado com o carácter não equitativo da diferença entre os seus preços [pelos serviços de acesso grossista ao lacete local] e os preços por ela cobrados [pelos serviços de acesso aos utilizadores finais], que reveste a forma de uma compressão tarifária das margens. Deste modo, atendendo ao abuso constatado na decisão [controvertida], a Comissão não era obrigada a demonstrar na decisão [controvertida] que os seus preços de retalho eram abusivos enquanto tais.»

143    Em segundo lugar, nos n.os 183 a 194 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou a alegação em que a recorrente criticava a Comissão por ter calculado a compressão das margens com base nas tarifas e nos custos da empresa dominante verticalmente integrada, abstraindo da posição específica dos concorrentes no mercado. A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância, depois de salientar, no n.° 185 desse acórdão, que a sua fiscalização das apreciações económicas complexas feitas pela Comissão se limita à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação assim como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder, considerou o seguinte:

«186      Importa recordar, em primeiro lugar, que, na decisão [controvertida], a Comissão analisou se as práticas tarifárias da empresa dominante podiam excluir do mercado um operador económico com um desempenho semelhante ao da empresa dominante. A Comissão baseou‑se, portanto, apenas nas tarifas e nos custos da recorrente, e não na situação específica dos concorrentes, actuais ou potenciais, da recorrente, para apreciar se as práticas tarifárias da recorrente eram abusivas.

187      Com efeito, segundo a Comissão, ‘considera‑se que existe [...] uma compressão das margens, se a diferença entre as tarifas cobradas aos utilizadores finais e as tarifas [grossistas] cobradas aos operadores da concorrência pela prestação de serviços equivalentes for negativa ou insuficiente para cobrir os custos específicos dos produtos do operador que detém uma posição dominante no mercado para prestar serviços aos seus próprios clientes finais no mercado [retalhista]’ [...]. No presente caso, a compressão das margens é abusiva dado que a própria recorrente ‘não estava […] em condições de oferecer serviços aos seus assinantes sem realizar prejuízos caso tivesse que suportar os custos dos serviços de acesso ao lacete local enquanto preço de transferência interno a pagar pelos serviços prestados aos seus próprios assinantes’. [...] Nestas condições, ‘operadores da concorrência, [cujo] grau de eficiência se equipare’ ao da recorrente, só podem ‘oferecer serviços destinados a utilizadores finais a preços competitivos se conseguirem ganhos de eficiência adicionais’ [...]

188      [Há] que observar que, mesmo que, até este momento, o juiz comunitário ainda não se tenha pronunciado expressamente sobre o método a aplicar para efeitos de determinar a existência de uma compressão tarifária das margens, resulta, no entanto, claramente da jurisprudência que o carácter abusivo das práticas tarifárias de uma empresa dominante é em princípio determinado com referência à sua própria situação e, consequentemente, em função das suas próprias tarifas e custos, e não em função da situação dos concorrentes actuais ou potenciais.

[...]

192      Cumpre acrescentar que qualquer outra abordagem poderia violar o princípio geral de segurança jurídica. Com efeito, se a legalidade das práticas tarifárias de uma empresa dominante dependesse da situação específica das empresas concorrentes, designadamente da estrutura dos custos das mesmas, que são dados que não são normalmente do conhecimento da empresa dominante, esta última não poderia apreciar a legalidade dos seus próprios comportamentos.

193      Foi, portanto, com razão que a Comissão baseou a sua análise relativa ao carácter abusivo das práticas tarifárias da recorrente apenas na situação específica da recorrente e, consequentemente, nas tarifas e nos custos desta.

194      Na medida em que há que analisar se a própria recorrente, ou uma empresa tão eficiente como ela, poderia ter proposto os seus serviços destinados a utilizadores finais de outro modo que não com prejuízo, se tivesse sido previamente obrigada a pagar, sob a forma de transferência entre sociedades, essas tarifas relativas a serviços de acesso grossista internos, improcede o argumento da recorrente segundo o qual os seus concorrentes não procuram reproduzir a sua própria estrutura de clientela e podem ir buscar receitas suplementares provenientes de produtos inovadores que só eles oferecem no mercado, em relação aos quais a recorrente não fornece aliás qualquer esclarecimento. Pelos mesmos motivos, não é de aceitar o argumento segundo o qual os concorrentes podem excluir a possibilidade de (pré‑)selecção.»

144    Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou, nos n.os 195 a 206 do mesmo acórdão, a alegação de que a Comissão só tinha tido em conta receitas globais dos serviços de acesso, excluindo as receitas de outros serviços, nomeadamente as receitas das comunicações.

145    A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância referiu, antes de mais, no n.° 196 do acórdão recorrido, que a Directiva 96/19, que distingue, no que respeita à estrutura tarifária dos operadores históricos, entre o encargo de conexão inicial, a taxa mensal e as chamadas locais, interurbanas e internacionais, visava realizar um reequilíbrio tarifário entre esses diferentes elementos, em função dos custos reais, para permitir uma plena concorrência no mercado das telecomunicações e que, concretamente, essa operação se deveria traduzir numa descida dos preços das comunicações nacionais e internacionais e numa subida do encargo de conexão, da assinatura mensal e dos preços das comunicações locais. O Tribunal de Primeira Instância concluiu daí, no n.° 197 do acórdão, que a Comissão tinha, assim, salientado acertadamente que a necessidade de separar as tarifas cobradas pelo acesso à rede e das comunicações já se encontra prevista no princípio da reestruturação tarifária prevista no direito da União.

146    Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância lembrou, no n.° 198 do acórdão recorrido, que um sistema de concorrência não falseada entre a recorrente e os seus concorrentes só pode ser garantido se estiver assegurada a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores económicos. A esse respeito, considerou o seguinte:

«199      Ainda que se admita que, do ponto de vista do utilizador final, os serviços de acesso e de comunicações constituem um todo, não deixa de ser verdade que, para os concorrentes da recorrente, a prestação de serviços de comunicações ao assinante através da rede fixa da recorrente pressupõe o acesso ao lacete local. A igualdade de oportunidades entre o operador histórico proprietário da rede fixa, como a recorrente, por um lado, e os seus concorrentes, por outro, implica assim que os preços para os serviços de acesso sejam fixados a um nível tal que coloquem os concorrentes em pé de igualdade com o operador histórico para a prestação dos serviços de comunicações. Esta igualdade de oportunidades só é verdadeiramente assegurada se o operador histórico fixar os seus preços de retalho [pelos serviços de acesso aos utilizadores finais] a um nível que permita aos concorrentes – que se supõe terem um desempenho igual ao do operador histórico – repercutir todos os custos relacionados com a prestação intermédia [dos serviços de acesso grossista ao lacete local] nos preços de retalho. No entanto, se o operador histórico não respeitar este princípio, os novos operadores só podem oferecer serviços de acesso aos seus utilizadores finais suportando um prejuízo. Seriam assim obrigados a compensar os prejuízos sofridos ao nível do acesso ao lacete local com tarifas elevadas ao nível das comunicações, o que também falsearia as condições de concorrência no mercado das comunicações.

200      Daqui resulta portanto que, ainda que seja correcto, como alega a recorrente, que, do ponto de vista do utilizador final, os serviços de acesso e de comunicações constituem um ‘cluster’, a Comissão considerou com razão no considerando 119 da decisão [controvertida] que, para apreciar a questão de saber se as práticas tarifárias da recorrente falseiam o jogo da concorrência, era preciso examinar a existência de compressão das margens apenas ao nível dos serviços de acesso e, portanto, sem incluir as tarifas das comunicações no seu cálculo.

201      Por outro lado, o cálculo compensatório entre as tarifas de acesso e as tarifas de comunicações, a que a recorrente se refere, confirma já que a recorrente e os seus concorrentes não se encontram em pé de igualdade ao nível do acesso ao lacete local, que, no entanto, constitui a condição necessária para que a concorrência no mercado das comunicações não seja falseada.

202      Seja como for, uma vez que a recorrente desceu fortemente os seus preços para as comunicações durante o período visado pela decisão [controvertida] [...] não se pode excluir que os concorrentes nem sequer tenham tido possibilidades económicas de proceder à compensação sugerida pela recorrente. Com efeito, os concorrentes, que já sofrem uma desvantagem concorrencial em relação à recorrente ao nível do acesso ao lacete local, teriam de praticar tarifas de comunicações ainda mais baixas do que a recorrente para incentivar os potenciais clientes a desactivar a sua assinatura junto da recorrente em troca de uma assinatura subscrita junto daqueles.»

147    No n.° 203 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância concluiu daí que foi acertadamente que a Comissão, para efeitos do cálculo da compressão tarifária das margens, teve apenas em consideração as receitas dos serviços de acesso, excluindo as receitas de outros serviços, como sejam os serviços de comunicações.

148    Por outro lado, depois de indicar, no n.° 223 do acórdão recorrido, que o erro de cálculo admitido pela Comissão a respeito dos custos específicos da recorrente não era susceptível de afectar a legalidade da decisão controvertida, uma vez que o carácter não equitativo, na acepção do artigo 82.° CE, das práticas tarifárias da recorrente está ligado à própria existência de uma compressão das margens, e não à sua margem precisa, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou, nos n.os 234 a 244 desse acórdão, as alegações da recorrente relativas à inexistência de efeitos no mercado, considerando, nomeadamente, o seguinte:

«234      Segundo a Comissão, as práticas tarifárias da recorrente restringiram a concorrência no mercado dos serviços de acesso [aos] utilizadores finais. A Comissão extrai esta conclusão na decisão [controvertida] [...] da própria existência da compressão das margens. Não é necessária qualquer demonstração de um efeito anticoncorrencial, ainda que, a título subsidiário, tenha efectuado esse exame nos considerandos 181 a 183 da decisão [controvertida].

235      Na medida em que, até à entrada de um primeiro concorrente no mercado dos serviços de acesso [aos] utilizadores finais, em 1998, a recorrente detinha um monopólio de facto nesse mercado, o efeito anticoncorrencial que a Comissão está obrigada a demonstrar refere‑se aos eventuais impedimentos que as práticas tarifárias da recorrente possam ter causado ao desenvolvimento da concorrência nesse mercado.

236      A este respeito, há que recordar, por um lado, que a recorrente é proprietária da rede telefónica fixa na Alemanha e, por outro, que é pacífico que, como salienta a Comissão nos considerandos 83 a 91 da decisão [controvertida], não existia na Alemanha, no momento da adopção da referida decisão, qualquer outra infra‑estrutura que tivesse permitido aos concorrentes da recorrente entrar de forma viável no mercado dos serviços de acesso [aos] utilizadores finais.

237      Na medida em que os serviços de acesso grossista [ao lacete local] da recorrente são [...] indispensáveis para permitir a um dos seus concorrentes entrar em concorrência consigo no mercado [de retalho] dos serviços de acesso [aos] assinantes, a compressão das margens entre as tarifas [dos serviços de acesso grossista ao lacete local] e as tarifas de retalho [pelos serviços de acesso aos utilizadores finais] da recorrente entravará, em princípio, o desenvolvimento da concorrência nos mercados [de retalho]. Com efeito, se os preços de retalho praticados pela recorrente forem inferiores às tarifas [dos serviços de acesso grossista ao lacete local] das suas prestações intermédias ou se a margem entre as tarifas [dos serviços de acesso grossista] das prestações intermédias e as [referidas] tarifas de retalho da recorrente for insuficiente para permitir a um operador tão eficaz como a recorrente cobrir os seus custos específicos para a prestação de serviços de acesso aos assinantes, um concorrente potencial tão eficaz como a recorrente só poderia entrar no mercado dos serviços de acesso a assinantes se suportasse prejuízos.

238      É verdade que, como sublinha a recorrente, os seus concorrentes recorrerão normalmente a uma subvenção cruzada, no sentido de que compensarão as perdas sofridas no mercado dos serviços de acesso a assinantes com os lucros decorrentes de outros mercados, como os mercados das comunicações. No entanto, uma vez que a recorrente, enquanto proprietária da rede fixa, não necessita de recorrer a prestações [de serviços de acesso grossista ao lacete local] para poder oferecer serviços aos assinantes e que, contrariamente aos seus concorrentes, não tem consequentemente, devido às práticas tarifárias de uma empresa dominante, de procurar compensar as perdas sofridas no mercado dos serviços de acesso [aos] utilizadores finais, a compressão das margens constatada na decisão [controvertida] falseia o jogo da concorrência não apenas no mercado de acesso [aos] utilizadores finais mas também no mercado das comunicações. [...].

239      Por outro lado, as reduzidas quotas de mercado obtidas pelos concorrentes da recorrente no mercado dos serviços de acesso [aos] utilizadores finais, desde a liberalização do mercado através da entrada em vigor da TKG, em 1 de Agosto de 1996, são prova da existência dos entraves que as práticas tarifárias da recorrente trouxeram ao desenvolvimento da concorrência nesses mercados. [...]

240      Além disso, é pacífico que, se se tomarem em consideração apenas as linhas analógicas, que representavam na Alemanha, no momento da adopção da decisão [controvertida], 75% de todas as linhas, a quota dos concorrentes da recorrente passou de 21%, em 1999, para 10%, em 2002 [...].

[...]

244      [...] Seja como for, a recorrente, que não quantifica a presença dos concorrentes a nível nacional, não apresenta qualquer elemento susceptível de invalidar as constatações efectuadas nos considerandos 180 a 183 da decisão [controvertida] segundo as quais as suas práticas tarifárias entravam efectivamente a concorrência no mercado alemão dos serviços de acesso [aos] utilizadores finais.»

b)     Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à pertinência do critério da compressão das margens para demonstrar um abuso na acepção do artigo 82.° CE

i)     Argumentos das partes

149    Com uma primeira alegação, a recorrente alega que o acórdão recorrido está ferido de falta de fundamentação, pois não analisa o argumento que ela apresentou em primeira instância, segundo o qual a Comissão não deveria ter aplicado o critério da compressão das margens, por causa da fixação das tarifas dos serviços de acesso grossista ao lacete local pela RegTP. Nessa matéria, o acórdão recorrido assenta num círculo vicioso. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância aplica o critério escolhido pela própria Comissão para determinar os elementos em que deve assentar a análise das tarifas da recorrente. A objecção da recorrente respeita, porém, a uma etapa anterior do raciocínio, a saber, a questão do carácter, em qualquer caso, apropriado do critério da compressão das margens escolhido pela Comissão.

150    Com uma segunda alegação, a recorrente afirma que o Tribunal de Primeira Instância aplicou o artigo 82.° CE de forma errada nos n.os 166 a 168 do acórdão recorrido, na medida em que a análise da compressão das margens não é susceptível de demonstrar o carácter abusivo das suas tarifas, uma vez que as tarifas dos serviços de acesso grossista ao lacete local são fixadas de forma vinculativa pela autoridade regulamentar nacional competente.

151    A recorrente considera que, nessa situação, o carácter apropriado do critério do efeito da compressão das margens depende do nível da tarifa dos serviços de acesso grossista ao lacete local fixada pela autoridade, a quem, enquanto tal, não pode, na falta de margem de manobra da empresa regulada, ser imputado um abuso. Com efeito, se a autoridade regulamentar nacional fixar uma tarifa exagerada pelos serviços de acesso grossista ao lacete local, a empresa em posição dominante submetida à regulação é obrigada, pelo seu lado, a aplicar um preço de retalho exagerado pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, a fim de garantir uma margem apropriada. Nesse caso, a empresa é obrigada a escolher entre duas formas diferentes de abuso, ou seja, a compressão das margens ou o aumento abusivo dos preços. A empresa em posição dominante não pode, pois, evitar cometer um abuso.

152    Segundo a recorrente, numa situação como esta, a empresa em posição dominante só comete um abuso quando a tarifa de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais for, enquanto tal, abusivamente baixa.

153    A Comissão entende que o acórdão recorrido está suficientemente fundamentado e que, quanto ao resto, a argumentação da recorrente é improcedente.

154    Segundo a Vodafone, independentemente de as alegações da primeira parte do segundo fundamento serem inadmissíveis por constituírem uma repetição dos argumentos de primeira instância e respeitarem a uma apreciação material errada, são também irrelevantes do ponto de vista material e jurídico.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

155    A título preliminar, refira‑se que, ao contrário do que alega a Vodafone, a primeira parte do segundo fundamento é, por identidade de razões com o que acima se decidiu no n.° 123 do presente acórdão, admissível, uma vez que a recorrente, embora repita no essencial a argumentação apresentada no Tribunal de Primeira Instância, alega que este cometeu um erro de direito ao seguir um critério jurídico errado para efeitos de aplicação do artigo 82.° CE e ao fundamentar de forma insuficiente o acórdão recorrido nesse ponto.

156    Quanto ao mérito da primeira parte do segundo fundamento, há que observar, no que respeita, em primeiro lugar, à alegação de falta de fundamentação do acórdão recorrido, que a recorrente não tem razão ao alegar que o Tribunal de Primeira Instância não respondeu fundamentadamente ao seu argumento de que o critério da compressão das margens é irrelevante quando, como no caso, os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local são fixados por uma autoridade regulamentar nacional e, portanto, não fundamentou suficientemente o carácter apropriado da opção da Comissão pelo critério da compressão das margens para dar por provado um abuso na acepção do artigo 82.° CE.

157    A esse respeito, há que lembrar que o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 166 a 168 do acórdão recorrido, referiu que a Comissão, na decisão controvertida, por um lado, demonstrou unicamente a existência da margem de manobra da recorrente para alterar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais e, por outro, deu por provado que o carácter abusivo do seu comportamento, que consistia na compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos tão eficazes como ela, estava ligado ao carácter não equitativo da margem entre os seus preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local e os referidos preços de retalho, pelo que a Comissão não tinha de demonstrar o carácter abusivo desses preços. Por outro lado, nos n.os 183 a 213 desse acórdão, o Tribunal de Primeira Instância explicou as razões pelas quais improcediam as alegações da recorrente contra o método seguido pela Comissão para calcular essa compressão das margens.

158    Não se pode deixar de observar que, ao proceder desse modo, o Tribunal de Primeira Instância indicou, implícita mas necessariamente, os fundamentos pelos quais a alegada regulação dos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local pelas autoridades regulamentares nacionais não era, no caso, susceptível de obstar a que as práticas tarifárias da recorrente pudessem ser qualificadas de abusivas na acepção do artigo 82.° CE.

159    Com efeito, resulta claramente das considerações feitas nos n.os 166 a 168 e 183 a 213 do acórdão recorrido que aí se afirma que não é o nível dos preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local, os quais, como acima se indica nos n.os 48 e 49 do presente acórdão, não podem ser postos em causa no presente recurso, nem o nível dos preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, que é contrário ao artigo 82.° CE, mas sim a margem entre eles.

160    De acordo com a jurisprudência referida nos n.os 135 e 136 do presente acórdão, a recorrente tinha, portanto, as condições para, da leitura dessas passagens do acórdão recorrido, conhecer as razões pelas quais a alegada regulação dos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local pelas autoridades regulamentares nacionais não tinha, para o Tribunal de Primeira Instância, nenhuma influência na aplicação do artigo 82.° CE no caso presente às suas práticas tarifárias.

161    Daí resulta que os n.os 166 a 168 do acórdão recorrido, conjugados com os n.os 183 a 213 do mesmo acórdão, contêm uma fundamentação suficiente das razões pelas quais o Tribunal de Primeira Instância considerou que, não obstante a fixação dos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local pelas autoridades regulamentares nacionais, a opção da Comissão pelo critério da compressão das margens era apropriado para demonstrar que as práticas tarifárias da recorrente eram abusivas na acepção do artigo 82.° CE.

162    A alegação de falta de fundamentação do acórdão recorrido deve, portanto, ser julgada improcedente.

163    Em segundo lugar, no que respeita à alegação de erro no critério da compressão das margens para dar por provado um abuso na acepção do artigo 82.° CE, há que lembrar que, como se indica nos n.os 31 e 32 do presente acórdão, a recorrente não contesta, com esta alegação, que uma prática tarifária de uma empresa dominante que leva à compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes é susceptível, em princípio, de constituir uma prática abusiva na acepção do artigo 82.° CE. Com essa alegação, afirma, em contrapartida, que, nas circunstâncias do caso, uma vez que os seus preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local são fixados pelas autoridades regulamentares nacionais, o critério da compressão das margens seguido pelo acórdão recorrido não é apropriado para dar por provado que as suas práticas tarifárias são abusivas na acepção do artigo 82.° CE.

164    É certo que, tal como resulta dos n.os 38 a 43 do presente acórdão, no âmbito do presente recurso, há que tomar como base a hipótese, aceite pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido e pela Comissão na decisão controvertida, de a recorrente não dispor de margem de manobra para alterar os referidos preços grossistas.

165    Assim sendo, para demonstrar o carácter inapropriado do critério da compressão das margens, a recorrente não pode, no âmbito da presente alegação, basear‑se na premissa de os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local serem fixados pelas autoridades regulamentares nacionais num nível excessivo. Com efeito, mesmo admitindo, como alegou a recorrente na audiência, que as denúncias de concorrentes na origem da decisão controvertida se baseavam nesse facto, há que considerar que essa premissa, tal como se indica nos n.os 48 e 49 do presente acórdão, excede os limites do presente recurso.

166    Assim, não há que analisar a alegação da recorrente de que o carácter errado do critério da compressão das margens resulta do facto de, no caso, para evitar o abuso imputado, não ter outra escolha, tendo em conta o nível excessivo dos seus preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local, tais como fixados pelas autoridades regulamentares nacionais, senão aumentar abusivamente os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais num nível excessivo, uma vez que esse argumento se baseia numa premissa hipotética que está excluída da fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do referido recurso.

167    Por outro lado, na medida em que a recorrente alega que o carácter apropriado do critério da compressão das margens depende do nível dos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local fixado pela autoridade regulamentar nacional, diga‑se que, como resulta dos n.os 166 a 168 do acórdão recorrido, o carácter abusivo, na acepção do artigo 82.° CE, das práticas tarifárias da recorrente objecto desse acórdão resulta do carácter não equitativo da margem, que leva a uma compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes, entre os preços grossistas em causa e os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais. Tal como precisou o Tribunal de Primeira Instância no n.° 223 desse acórdão, ponto não impugnado no presente recurso, o carácter não equitativo, na acepção do artigo 82.° CE, das práticas tarifárias da recorrente está, portanto, relacionado com a própria existência da compressão das margens, e não com a sua margem precisa.

168    Daí resulta que o nível dos preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local é, em si próprio, irrelevante para pôr em causa as considerações do Tribunal de Primeira Instância quanto à aplicação do artigo 82.° CE às práticas tarifárias em causa.

169    Em contrapartida, para efeitos de análise do mérito da presente alegação, há que analisar se foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância, nomeadamente nos n.os 166 e 168 do acórdão recorrido, considerou que, mesmo admitindo que a recorrente não disponha de margem de manobra para alterar os seus preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local, as suas práticas tarifárias podem, ainda assim, ser qualificadas de abusivas, na acepção do artigo 82.° CE, quando, independentemente da questão de saber se esses preços grossistas e os preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais são, em si próprios, abusivos, a margem entre eles tem um carácter não equitativo, isto é, segundo esse acórdão, quando é negativa ou insuficiente para cobrir os custos específicos dos produtos da recorrente para a prestação dos seus próprios serviços, pelo que não permite a um concorrente tão eficaz como a recorrente entrar em concorrência com ela na prestação dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

170    A esse respeito, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, o artigo 82.° CE é uma expressão do objectivo geral fixado à acção da Comunidade Europeia, a saber, o estabelecimento de um regime destinado a assegurar que a concorrência não seja falseada no mercado comum. Assim, a posição dominante referida no artigo 82.° CE diz respeito a uma situação de poder económico detido por uma empresa, que lhe dá o poder de impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, ao possibilitar‑lhe a adopção de comportamentos independentes, numa medida apreciável, relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e, por fim, relativamente aos consumidores (v. acórdãos de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 38, e de 2 de Abril de 2009, France Télécom/Comissão, C‑202/07 P, Colect., p. I‑2369, n.° 103).

171    No caso, há que lembrar que, como resulta dos n.os 50 a 52 do presente acórdão, a recorrente não nega ter uma posição dominante no conjunto dos mercados de serviços em causa, isto é, tanto o mercado dos serviços de acesso grossista ao lacete local como o mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

172    No que respeita ao carácter abusivo das práticas tarifárias da recorrente, refira‑se que o artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea a), CE, proíbe expressamente que uma empresa dominante imponha directa ou indirectamente preços não equitativos.

173    Por outro lado, a lista das práticas abusivas constante do artigo 82.° CE não é taxativa, de modo que as práticas aí mencionadas constituem apenas exemplos de abuso de posição dominante. Com efeito, a enumeração das práticas abusivas contida nessa disposição não esgota as formas de exploração abusiva de posição dominante proibidas pelo Tratado (v. acórdão British Airways/Comissão, já referido, n.° 57 e jurisprudência aí referida).

174    A esse respeito, há que lembrar que, ao proibir a exploração abusiva de uma posição dominante no mercado, na medida em que isso possa afectar o comércio entre Estados‑Membros, o artigo 82.° CE visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante, que, num mercado em que, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido, têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (v., neste sentido, acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.° 91, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, já referido, n.° 70, de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, Colect., p. I‑3359, n.° 69, British Airways/Comissão, já referido, n.° 66, e France Télécom/Comissão, já referido, n.° 104).

175    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para determinar se, ao aplicar as suas práticas tarifárias, a empresa em posição dominante explorou esta posição de forma abusiva, é preciso analisar todas as circunstâncias e apurar se essa prática tende a suprimir ou a restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, a impedir o acesso dos concorrentes ao mercado, a aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes, colocando-os assim em desvantagem na concorrência, ou a reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, n.° 73, e British Airways/Comissão, n.° 67).

176    Uma vez que o artigo 82.° CE se refere não só às práticas susceptíveis de causar um prejuízo imediato aos consumidores mas também àquelas que lhes causam prejuízo por impedirem uma estrutura de concorrência efectiva, incumbe à empresa que detém uma posição dominante, como recordado no n.° 83 do presente acórdão, uma responsabilidade especial de não impedir, através do seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (v., neste sentido, acórdão France Télécom/Comissão, já referido, n.° 105 e jurisprudência aí referida).

177    Daí resulta que o artigo 82.° CE proíbe, nomeadamente, que uma empresa em posição dominante utilize práticas tarifárias que produzam efeitos de expulsão dos seus concorrentes igualmente eficazes, reais ou potenciais, isto é, práticas capazes de dificultar, ou mesmo impossibilitar, o seu acesso ao mercado, bem como dificultar, ou mesmo impossibilitar aos seus co‑contratantes a escolha entre várias fontes de abastecimento ou parceiros comerciais, reforçando assim a sua posição dominante, recorrendo a meios diferentes daqueles que pertencem a uma concorrência pelo mérito. Nessa perspectiva, qualquer concorrência pelos preços não pode, portanto, ser considerada legítima (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, n.° 73, AKZO/Comissão, n.° 70, e British Airways/Comissão, n.° 68).

178    No caso, há que observar que a recorrente não contesta que, mesmo admitindo que não disponha de margem de manobra para alterar os seus preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local, a margem entre esses preços e os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais é susceptível de produzir um efeito de expulsão dos concorrentes igualmente eficazes, reais ou potenciais, uma vez que o acesso destes aos mercados de serviços em causa é, pelo menos, dificultado devido à compressão das margens que essa margem pode significar para eles.

179    Na audiência, a recorrente alegou, no entanto, que o critério seguido no acórdão recorrido para dar por provado um abuso na acepção do artigo 82.° CE a obrigava, nas circunstâncias do caso, tendo em conta a regulação dos seus preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local pelas autoridades regulamentares nacionais, a aumentar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, em prejuízo dos seus próprios assinantes.

180    É certo que, tal como resulta dos n.os 175 a 177 do presente acórdão, o artigo 82.° CE visa, em particular, a protecção dos consumidores por uma concorrência não falseada (v. acórdão de 16 de Setembro de 2008, Sot. Lélos kai Sia e o., C‑468/06 a C‑478/06, Colect., p. I‑7139, n.° 68).

181    Contudo, o simples facto de a recorrente ter de aumentar os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, para evitar a compressão das margens dos concorrentes tão eficazes como ela, de modo nenhum, é, só por si, susceptível de afastar a pertinência do critério seguido pelo Tribunal de Primeira Instância para dar por provado um abuso na acepção do artigo 82.° CE.

182    Com efeito, essa compressão das margens, ao reduzir ainda mais o grau de concorrência existente num mercado, o dos serviços de acesso aos utilizadores finais, já enfraquecido, precisamente, pela presença da recorrente, e ao reforçar assim a posição dominante desta nesse mercado, tem também o efeito de os consumidores sofrerem um dano devido à limitação das suas possibilidades de escolha e, portanto, da perspectiva de uma redução, a mais longo prazo, dos preços de retalho, em razão da concorrência de concorrentes pelo menos tão eficazes nesse mercado (v., neste sentido, acórdão France Télécom/Comissão, já referido, n.° 112).

183    Nestas condições, na medida em que, tal como lembrado nos n.os 77 a 86 do presente acórdão, a recorrente dispõe de uma margem de manobra para reduzir ou eliminar essa compressão das margens através do aumento dos seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, foi acertadamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou, nos n.os 166 a 168 do acórdão recorrido, que essa compressão das margens, tendo em conta o efeito de expulsão que pode gerar para os concorrentes, pelo menos, tão eficazes como a recorrente, é susceptível de constituir um abuso na acepção do artigo 82.° CE. O Tribunal de Primeira Instância não tinha, portanto, de demonstrar ainda que os preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local ou os preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais eram, em si mesmos, abusivos devido ao seu carácter excessivo ou predatório, consoante o caso.

184    Daí resulta que a alegação da recorrente de erro no critério seguido pelo Tribunal de Primeira Instância para dar por provado um abuso na acepção do artigo 82.° CE deve ser julgada parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

185    Consequentemente, improcede a primeira parte do segundo fundamento.

c)     Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à adequação do método de cálculo da compressão das margens

186    A recorrente alega que, no âmbito da sua análise do método utilizado pela Comissão para calcular a compressão das margens, o acórdão recorrido está ferido de vários erros de direito, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância se baseia, no que respeita a vários aspectos centrais da questão, em critérios não compatíveis com o artigo 82.° CE. A recorrente suscita, a este respeito, duas alegações relativas, por um lado, a uma aplicação errada do critério do concorrente igualmente eficaz e, por outro, a um erro de direito por não terem sido tidos em conta, no cálculo da compressão das margens, os serviços de comunicações e os outros serviços de telecomunicações.

i)     Quanto à alegação de aplicação errada do critério do concorrente igualmente eficaz

–       Argumentos das partes

187    A recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância, ao não ter em conta o facto de ela, enquanto empresa em posição dominante, não estar sujeita às mesmas condições regulamentares dos seus concorrentes e de, por razões materiais, a sua situação concorrencial divergir da dos seus concorrentes, aplicou erradamente aos factos do presente processo o critério do concorrente igualmente eficaz, que se baseia nas próprias tarifas e custos da empresa dominante.

188    Segundo a recorrente, ao contrário do que o Tribunal de Primeira Instância considerou no n.° 188 do acórdão recorrido, não é a situação da empresa em posição dominante que é determinante para a apreciação de um comportamento do ponto de vista do artigo 82.° CE, mas sim a dos concorrentes e a sua possibilidade de concorrerem com essa empresa a nível das prestações, face às condições particulares da concorrência no mercado em causa.

189    A esse respeito, a recorrente refere que é certo que a situação da empresa em posição dominante pode ser um indicador fiável quando as condições históricas, materiais e jurídicas da concorrência no mercado forem idênticas para a empresa em posição dominante e para os seus concorrentes, podendo o critério do concorrente igualmente eficaz constituir, nesse caso, um instrumento útil quando diminui a promoção de concorrentes ineficazes e aumenta a segurança jurídica da empresa em posição dominante. Contudo, não é esse o caso quando os concorrentes estão sujeitos a condições jurídicas ou materiais diferentes. Se essa situação surgir, há que seguir o critério do concorrente igualmente eficaz.

190    Ora, no caso, a recorrente refere que foi obrigada a receber todos os assinantes, independentemente do seu interesse económico. Além disso, do ponto de vista jurídico, foi obrigada a oferecer aos seus clientes a (pré‑)selecção do operador por meio da pré‑selecção, isto é, a selecção duradoura do operador, ou o «call‑by‑call», isto é, a selecção do operador caso a caso. Os seus concorrentes não estão sujeitos a essas obrigações e excluem, em geral, a (pré‑)selecção do operador, comercializando assim as conexões e as comunicações como um produto único.

191    A recorrente entende que, devido às particularidades do processo, deveria ter sido alterado o critério do concorrente igualmente eficaz. Embora fosse possível, para determinar os custos e receitas médios dos seus concorrentes, tomar como base as tarifas dos serviços de acesso grossista ao lacete local e as tarifas de retalho reais pelos serviços de acesso aos utilizadores finais e ainda os custos específicos dos produtos da recorrente, em contrapartida, não se justificaria tomar como base a sua estrutura de clientela. Além disso, teria sido necessário integrar as comunicações e outros serviços de telecomunicações na análise da compressão das margens.

192    Segundo a recorrente, o princípio da segurança jurídica não impõe que se ignorem as anomalias manifestas a nível da estrutura da sua clientela, ou as diferenças entre as condições regulamentares em que a empresa em posição dominante e os seus concorrentes exercem as suas actividades.

193    A Comissão salienta que a recorrente não se pode defender afirmando que não era tão eficaz como as suas concorrentes, pois o direito da concorrência não protege as empresas ineficazes. A argumentação da recorrente é, portanto, improcedente.

194    A Vodafone alega que a presente alegação é inadmissível. Com efeito, a recorrente reproduz a argumentação que invocou no Tribunal de Primeira Instância e no procedimento na Comissão. Além disso, apresenta essencialmente alegações que não estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Justiça. De qualquer forma, o critério do concorrente igualmente eficaz constitui o critério apropriado para verificar se um comportamento pode levar a efeitos de exclusão do mercado. Os argumentos da recorrente são, pois, improcedentes.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

195    A título preliminar, refira‑se que, ao contrário do que a Vodafone sustenta, esta alegação, embora repita, em parte, a argumentação apresentada em primeira instância, é admissível, pois, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 25 do presente acórdão, critica o Tribunal de Primeira Instância por ter seguido, ao recorrer ao critério do concorrente igualmente eficaz, apesar de a recorrente não estar sujeita às mesmas condições jurídicas e materiais dos seus concorrentes, um critério jurídico errado para efeitos de aplicação do artigo 82.° CE às práticas tarifárias em causa e, portanto, por ter cometido um erro de direito nesse ponto.

196    Quanto ao mérito dessa alegação, há que lembrar que, tal como resulta no n.° 186 do acórdão recorrido, e tal como também resulta dos n.os 4 e 12 do presente acórdão, o critério do concorrente igualmente eficaz seguido pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido consiste em analisar se as práticas tarifárias de uma empresa dominante criam o risco de afastar do mercado um operador económico tão eficaz como essa empresa, com base, unicamente, nas tarifas e custos dessa empresa, e não na situação específica dos seus concorrentes, reais ou potenciais.

197    No caso, tal como resulta do n.° 169 do presente acórdão, os custos da recorrente foram tomados em conta pelo Tribunal de Primeira Instância para determinar o carácter abusivo das suas práticas tarifárias, quando a margem entre os seus preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local e os seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais era positiva. Em tal caso, com efeito, o Tribunal de Primeira Instância entendeu que a Comissão podia acertadamente considerar essas práticas tarifárias como não equitativas, na acepção do artigo 82.° CE, uma vez que essa margem era insuficiente para cobrir os custos específicos dos produtos da recorrente para a prestação dos seus próprios serviços.

198    A esse respeito, há que lembrar que o Tribunal de Justiça já considerou que, para avaliar se as práticas tarifárias de uma empresa dominante são susceptíveis de eliminar um concorrente, em violação do artigo 82.° CE, há que seguir um critério baseado nos custos e na estratégia da própria empresa dominante (v. acórdãos, já referidos, AKZO/Comissão, n.° 74, e France Télécom/Comissão, n.° 108).

199    A esse respeito, o Tribunal de Justiça salientou, nomeadamente, que, com efeito, uma empresa dominante não pode afastar do mercado outras empresas talvez tão eficazes como ela, mas que, devido à sua menor capacidade financeira, são incapazes de resistir à concorrência que lhes é feita (v. acórdão AKZO/Comissão, já referido, n.° 72).

200    No caso, uma vez que o carácter abusivo das práticas tarifárias em causa no acórdão recorrido resulta da mesma forma, tal como decorre dos n.os 178 e 183 do presente acórdão, do seu efeito de expulsão dos concorrentes da recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, no n.° 193 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha tido razão ao basear a sua análise do carácter abusivo das práticas tarifárias da recorrente, unicamente, por referência às suas tarifas e custos.

201    Com efeito, tal como o Tribunal de Primeira Instância observou, no essencial, nos n.os 187 e 194 do acórdão recorrido, uma vez que esse critério permite verificar se a recorrente tinha condições para, por si própria, propor os seus serviços retalhistas aos utilizadores finais sem ser com prejuízo, se tivesse sido previamente obrigada a pagar os seus próprios preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local, era adequado a determinar se as práticas tarifárias da recorrente conduziam a um efeito de expulsão dos concorrentes através da compressão das suas margens.

202    Esse critério justifica‑se ainda mais quando, como, no essencial, indica o Tribunal de Primeira Instância no n.° 192 do acórdão recorrido, está também em conformidade com o princípio geral da segurança jurídica, uma vez que tomar em conta os custos da empresa dominante lhe permite, tendo em conta a responsabilidade particular que tem nos termos do artigo 82.° CE, apreciar a legalidade dos seus próprios comportamentos. Com efeito, embora uma empresa dominante conheça os seus próprios custos e tarifas, em princípio, não conhece os dos seus concorrentes.

203    Isto não é posto em causa pelo facto, alegado pela recorrente, de que os seus concorrentes estão sujeitos a condições jurídicas e materiais menos condicionantes para fornecer os seus serviços de telecomunicações aos utilizadores finais. Com efeito, essa circunstância, admitindo‑a demonstrada, não é susceptível de afectar o facto de uma empresa dominante, como a recorrente, não poder recorrer a práticas tarifárias susceptíveis de expulsar do mercado em causa concorrentes, pelo menos, igualmente eficazes, nem o facto de uma empresa como essa dever, tendo em conta a sua responsabilidade particular nos termos do artigo 82.° CE, ter a possibilidade de determinar por si própria se as suas práticas tarifárias respeitam essa disposição.

204    Assim, há que julgar improcedente a alegação da recorrente relativa à aplicação errada do critério do concorrente igualmente eficaz.

ii)  Quanto à alegação de erro de direito na medida em que os serviços de comunicações e os outros serviços de telecomunicações não foram tidos em conta no cálculo da compressão das margens

–       Argumentos das partes

205    Com esta alegação, a recorrente afirma que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, ao não ter em conta, na análise da prática tarifária em causa, além dos serviços de acesso aos utilizadores finais, os serviços de comunicações e outros serviços de telecomunicações a eles fornecidos. Esse método não é compatível com o estado da ciência económica nem com a prática decisória de outras autoridades competentes na Europa e nos Estados Unidos. Está também em contradição com as realidades do mercado, visto que nem os utilizadores finais, no âmbito da sua escolha de operador, nem os operadores, no âmbito da estrutura da sua oferta, consideram as conexões de forma isolada.

206    Em primeiro lugar, a recorrente alega que, do ponto de vista económico, a análise da compressão das margens só dá indicações sobre um entrave à concorrência quando tem em conta todas as receitas e custos ligados à prestação de serviços intermédios. Com efeito, no caso de empresas que oferecem vários produtos que propõem serviços intermédios que podem ser utilizados para diferentes serviços aos utilizadores finais, há que analisar a compressão das margens em diferentes níveis de agregação. No caso, a análise da compressão das margens feita pelo Tribunal de Primeira Instância está, portanto, incompleta. Ora, os concorrentes da recorrente podiam excluir a (pré‑)selecção dos operadores e oferecer de forma agrupada as conexões, as comunicações e outros serviços fornecidos através do lacete local.

207    Em segundo lugar, a recorrente alega que os n.os 196 a 202 do acórdão recorrido assentam em vários erros de direito. A questão de saber se, para dar por provada uma compressão das margens, a Comissão podia não ter em conta as tarifas das comunicações depende da questão jurídica de princípio relativa ao método a utilizar para determinar a existência de uma compressão das margens no âmbito de empresas que oferecem vários produtos. O Tribunal de Primeira Instância não se pode subtrair a essa apreciação, salientando o carácter restrito da sua fiscalização.

208    Em primeiro lugar, a recorrente alega que os n.os 196 e 197 do acórdão recorrido, respeitantes ao princípio de direito da União relativo à reestruturação tarifária, são juridicamente errados.

209    Antes de mais, a recorrente entende que, a este respeito, o acórdão recorrido está em contradição com o seu n.° 113, onde o Tribunal de Primeira Instância, para fundamentar a imputabilidade da infracção à recorrente, salientou que os objectivos da regulamentação relativa ao sector das telecomunicações podem divergir face aos da política de concorrência da União. Ora, nos n.os 196 e 197 desse mesmo acórdão, o Tribunal de Primeira Instância inferiu de um princípio regulamentar que se impõe uma análise distinta dos serviços de acesso e dos serviços de comunicações no cálculo da compressão das margens à luz do artigo 82.° CE.

210    Seguidamente, a recorrente alega que os n.os 196 e 197 do acórdão recorrido estão insuficientemente fundamentados, pois o Tribunal de Primeira Instância não expõe por que razões a sua concepção é exacta, nem analisa as objecções por ela suscitadas, em particular o facto de o princípio da reestruturação tarifária se aplicar unicamente a ela própria e de os seus concorrentes oferecerem de forma agrupada os serviços de acesso e de comunicações.

211    Por último, a recorrente alega que os n.os 196 e 197 do acórdão recorrido estão materialmente errados e violam o artigo 82.° CE. Com efeito, por um lado, o princípio da reestruturação tarifária não fornece critérios para a aplicação do artigo 82.° CE, visando unicamente que os Estados‑Membros reduzam a carga financeira de empresas responsáveis pelo fornecimento de um serviço universal. Por outro lado, uma vez que a recorrente não está sujeita às mesmas condições regulamentares dos seus concorrentes, o princípio da reestruturação tarifária só se aplica a ela própria. Em contrapartida, esse princípio nada diz sobre as possibilidades de concorrência dos seus concorrentes. Assim, o princípio da reestruturação tarifária permite concluir pela exclusão, por razões normativas, do agrupamento dos serviços de acesso e dos serviços de telecomunicações ligados ao lacete local, para efeitos de análise da compressão das margens.

212    Em segundo lugar, a recorrente alega que os n.os 199 a 202 do acórdão recorrido, relativos à igualdade de oportunidades, são juridicamente errados.

213    Antes de mais, a recorrente entende que o n.° 199 do acórdão recorrido não está suficientemente fundamentado, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância deveria ter analisado a questão de saber que serviços se baseiam no lacete local como serviços intermédios, pois só do resultado dessa análise poderia o Tribunal de Primeira Instância tirar conclusões quanto à igualdade de oportunidades entre a recorrente e um ou outro concorrente. Com efeito, a igualdade de oportunidades será assegurada quando uma análise global de todas as tarifas e custos de todos os serviços de telecomunicações baseados no lacete local revele que os preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local, acrescidos dos custos específicos dos produtos, não excedem os preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais.

214    Seguidamente, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância viola as leis da lógica. Com efeito, parte do princípio, no n.° 238 do acórdão recorrido, de que a recorrente não sofre nenhum prejuízo pela disponibilização de conexões telefónicas a utilizadores finais e que, portanto, não tem de proceder a compensações por meio de receitas das comunicações. Ora, o Tribunal de Primeira Instância considerou que os preços dos serviços de acesso da recorrente aos seus utilizadores finais são inferiores aos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local e reconhece que estes são fixados em função dos custos da recorrente. A suposição do Tribunal de Primeira Instância de que a recorrente não suporta nenhum custo por serviços de acesso é, pois, manifestamente errada e incompatível com as premissas aceites pelo Tribunal de Primeira Instância.

215    Por outro lado, a recorrente alega que a exposição do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 202 do acórdão recorrido, é contraditória. Com efeito, o ponto de vista segundo o qual os seus concorrentes deviam praticar tarifas de comunicações ainda mais baixas do que as suas, para incentivarem os potenciais clientes a rescindir a sua assinatura junto dela, está em contradição directa com o critério do concorrente igualmente eficaz, segundo o qual só a estrutura dos custos e tarifas da recorrente é determinante.

216    Por último, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância lhe aplica um critério jurídico errado quanto à repartição do ónus da prova, uma vez que, nos n.os 201 e 202 do acórdão recorrido, se limita a referir que «não se pode excluir» a possibilidade de os concorrentes não terem disposto de uma possibilidade de compensar eventuais perdas geradas por conexões telefónicas por meio de receitas das comunicações, apesar de a recorrente ter tentado demonstrar, na petição em primeira instância, que era possível efectuar uma subvenção cruzada.

217    A Comissão entende que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao confirmar o critério da Comissão nos n.os 195 a 207 do acórdão recorrido. Conclui pela improcedência dos argumentos da recorrente.

218    A Vodafone sustenta que esta alegação é inadmissível. Com efeito, a recorrente reproduz a argumentação que invocou no Tribunal de Primeira Instância e no procedimento na Comissão. Além disso, suscita essencialmente alegações que não estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Justiça. De qualquer forma, o Tribunal de Primeira Instância analisou suficientemente as alegações da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

219    A título preliminar, refira‑se que, ao contrário do que alega a Vodafone, e por identidade de razões com o que foi decidido no n.° 155 do presente acórdão, a presente alegação, mesmo reiterando em parte a argumentação apresentada em primeira instância, é admissível, uma vez que pretende criticar o Tribunal de Primeira Instância por ter seguido, recorrendo aos critérios da reestruturação tarifária e da igualdade de oportunidades, um critério jurídico errado para efeitos da aplicação do artigo 82.° CE às práticas tarifárias em causa.

220    Quanto ao mérito dessa alegação, há que observar que, no que respeita, em primeiro lugar, ao carácter alegadamente incompleto da análise da compressão das margens efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, por não ter em conta que o acesso aos serviços de acesso grossista ao lacete local permite aos concorrentes proporem aos seus assinantes uma oferta agrupada de serviços que incluem nomeadamente as comunicações, essa alegação se baseia numa leitura errada do acórdão recorrido.

221    Com efeito, tal como resulta claramente dos n.os 199 e 200 desse acórdão e ao contrário do que alega a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância de modo nenhum excluiu a possibilidade de, para o assinante, os serviços de acesso e de comunicações constituírem efectivamente um conjunto, tendo sim considerado que, mesmo se fosse esse o caso, a Comissão podia analisar a existência de uma compressão das margens unicamente a nível dos serviços de acesso, sem incluir os serviços de comunicações. Tal como resulta dos n.os 196 a 201 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância extraiu essa conclusão, nomeadamente, da análise efectuada pela Comissão sobre os princípios da reestruturação tarifária e da igualdade de oportunidades.

222    Daí resulta que esta alegação deve, nessa medida, ser julgada improcedente.

223    Em segundo lugar, na medida em que a presente alegação é relativa às considerações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância, sobre o princípio da reestruturação tarifária, há que observar, antes de mais, que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao ter em conta, nos n.os 196 e 197 do acórdão recorrido, esse princípio, resultante da regulamentação relativa ao sector das telecomunicações, para analisar se a Comissão tinha aplicado acertadamente o artigo 82.° CE às práticas tarifárias da recorrente.

224    Com efeito, uma vez que a regulamentação relativa ao sector das telecomunicações define o quadro jurídico que lhe é aplicável e que, desse modo, contribui para determinar em que condições de concorrência uma empresa como a recorrente exerce as suas actividades nos mercados em causa, constitui, tal como já resulta dos n.os 80 a 82 do presente acórdão, um elemento relevante para a aplicação do artigo 82.° CE aos comportamentos dessa empresa, seja para definir os mercados em causa seja para apreciar o carácter abusivo desses comportamentos ou ainda para fixar o montante das coimas.

225    Isto não é posto em causa pelo facto, alegado pela recorrente, de o princípio da reestruturação tarifária se aplicar unicamente a ela própria, e não aos seus concorrentes. Com efeito, pelas razões expostas nos n.os 196 a 203 do presente acórdão, foi acertadamente que o Tribunal de Primeira Instância, para determinar o carácter abusivo das práticas tarifárias em causa à luz do artigo 82.° CE, se baseou, de acordo com o critério do concorrente igualmente eficaz, na situação e nos custos da empresa dominante.

226    Consequentemente, tendo o Tribunal de Primeira Instância considerado, no n.° 196 do acórdão recorrido, sem impugnação da recorrente no presente recurso, que o reequilíbrio tarifário pretendido pela regulamentação da União relativa ao sector das telecomunicações se devia traduzir, nomeadamente, numa descida das tarifas das comunicações nacionais e internacionais e numa subida da assinatura mensal e do preço das comunicações locais, podia igualmente inferir daí, no n.° 197 desse acórdão, que o princípio da reestruturação tarifária já toma em conta distintamente os preços de retalho pelos serviços de acesso e os preços de retalho pelos serviços de comunicações, na determinação do carácter abusivo das práticas tarifárias recorrente.

227    Contrariamente ao que alega a recorrente, não há nenhuma contradição de fundamentos entre estas considerações e a que consta do n.° 113 do acórdão recorrido, segundo a qual a regulamentação nacional relativa ao sector das telecomunicações pode ter objectivos diferentes dos da política de concorrência da União. Com efeito, esse facto não tem relação alguma com a questão de saber se a regulamentação do sector das telecomunicações pode ser tida em conta para efeitos de aplicação do artigo 82.° CE aos comportamentos de uma empresa dominante. Em particular, em nada implica, ao contrário do que supõe a recorrente, que essa regulamentação possa ser totalmente ignorada na aplicação do artigo 82.° CE.

228    É igualmente sem razão que a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância fundamentou de forma insuficiente o acórdão recorrido nesse ponto. Com efeito, tal como resulta da análise exposta, o Tribunal de Primeira Instância indicou claramente, nos n.os 196 e 197 desse acórdão, de que modo o princípio da reestruturação tarifária constitui um elemento susceptível de permitir à Comissão não ter em conta os serviços de comunicações para efeitos do cálculo da compressão das margens. Por outro lado, tal como resulta do n.° 221 do presente acórdão, o Tribunal de Primeira Instância tratou, nos n.os 199 e 200 do acórdão recorrido, o argumento da recorrente de que os seus concorrentes oferecem de forma agrupada os seus serviços de acesso e de comunicações. Do mesmo modo, expôs, nos n.os 186 a 194 desse acórdão, as razões pelas quais a Comissão podia basear a sua análise do carácter abusivo das práticas tarifárias em causa, unicamente, por referência à situação específica da recorrente. Ao proceder desse modo, o Tribunal de Primeira Instância respeitou o que impõe o artigo 36.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, que lhe é aplicável por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, desse Estatuto e do artigo 81.° do seu Regulamento de Processo, tais como lembrados nos n.os 135 e 136 do presente acórdão.

229    Daí resulta que, nestes diversos pontos, a presente alegação deve ser julgada improcedente.

230    Em terceiro lugar, na medida em que a presente alegação se refere às considerações do Tribunal de Primeira Instância quanto à igualdade de oportunidades, há que lembrar que, segundo a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, um sistema de concorrência não falseada só pode ser garantido se estiver assegurada a igualdade de oportunidades entre os diferentes operadores (v., nomeadamente, acórdãos de 13 de Dezembro de 1991, GB‑Inno‑BM, C‑18/88, Colect., p. I‑5941, n.° 25; de 22 de Maio de 2003, Connect Austria, C‑462/99, Colect., p. I‑5197, n.° 83; de 20 de Outubro de 2005, ISIS Multimedia Net e Firma O2, C‑327/03 e C‑328/03, Colect., p. I‑8877, n.° 39; e de 1 de Julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, Colect., p. I‑4863, n.° 51).

231    No caso, a recorrente não contesta que, tal como o Tribunal de Primeira Instância observou, no essencial, nomeadamente, nos n.os 199, 236 e 237 do acórdão recorrido, na falta de uma infra‑estrutura alternativa, o acesso dos seus concorrentes aos serviços de acesso grossista ao lacete local na rede fixa detida pela recorrente é indispensável para lhes permitir entrar de forma viável nos mercados retalhistas dos serviços aos utilizadores finais e aí fazer‑lhe concorrência efectiva (v., neste sentido, acórdão Arcor, já referido, n.° 103).

232    Por outro lado, tal como lembrado no n.° 50 do presente acórdão, a recorrente não contesta que tanto o mercado dos serviços de acesso grossista ao lacete local como o mercado retalhista dos serviços de acesso aos utilizadores finais constituem mercados distintos, nomeadamente face aos mercados de retalho relativos ao fornecimento de outros serviços de telecomunicações. Além disso, tal como indicado no n.° 51 do presente acórdão, a recorrente também não contesta deter uma posição dominante no mercado dos serviços de acesso grossista ao lacete local e no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

233    Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, nos n.os 199 e 237 do acórdão recorrido, que a igualdade de oportunidades implica que a recorrente e os seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes sejam postos em pé de igualdade no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais e que não é esse o caso quando os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local pagos à recorrente só podem ser repercutidos nos seus preços de retalho pelos serviços de acesso aos utilizadores finais, oferecendo‑os com prejuízo.

234    Com efeito, uma vez que o mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais constitui um mercado distinto e que os serviços de acesso grossista ao lacete local são indispensáveis a concorrentes pelo menos tão eficazes como ela própria, para entrarem eficazmente em concorrência nesse mercado com uma empresa que, como a recorrente, aí detém uma posição dominante resultante largamente do monopólio legal de que gozava antes da liberalização do sector das telecomunicações, a instituição de um sistema de concorrência não falseada exige que essa empresa dominante não possa, pelas suas práticas tarifárias nesse mercado retalhista, causar imediatamente aos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes uma desvantagem concorrencial nesse mercado, susceptível de impedir ou restringir o seu acesso a esse mercado ou o desenvolvimento das suas actividades nesse mesmo mercado.

235    Esse é ainda mais o caso quando, uma vez que o eventual fornecimento de outros serviços de telecomunicações aos utilizadores finais, pelos seus concorrentes, através da rede fixa da recorrente, exige igualmente que lhe adquiram os serviços de acesso grossista ao lacete local, essa desvantagem concorrencial no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais repercute‑se necessariamente, tal como o Tribunal de Primeira Instância refere, no essencial, no n.° 199 do acórdão recorrido, nos mercados desses outros serviços de telecomunicações.

236    Contrariamente ao que alega a recorrente, isso não implica, porém, que as receitas desses outros serviços de telecomunicações devam ser tidas em conta para verificar se os concorrentes pelo menos tão eficazes como a recorrente estão em situação de desigualdade nas condições de concorrência no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais. Com efeito, esses outros serviços de telecomunicações pertencem a mercados distintos deste. O Tribunal de Primeira Instância podia, portanto, no n.° 199 do acórdão recorrido, não os incluir na sua análise para efeitos de verificar se a igualdade de oportunidades era respeitada no mercado em causa.

237    A recorrente também não tem razão quando invoca um vício de fundamentação nesse ponto. Com efeito, o raciocínio feito pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 199 e 237 do acórdão recorrido não está ferido de falta de fundamentação, pois permite que a recorrente, de acordo com a jurisprudência referida nos n.os 135 e 136 do presente acórdão, conheça os fundamentos pelos quais o Tribunal de Primeira Instância entendeu que a igualdade de oportunidades devia ser assegurada no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

238    Improcede também a alegação de violação das leis da lógica, por resultar do n.° 238 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância se baseou na premissa errada e contraditória de que a recorrente não sofre perdas no mercado dos serviços de acesso aos utilizadores finais, que tenha de compensar noutros mercados, quando afirma que os preços de retalho da recorrente por esses serviços são inferiores aos preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local fixados com base nos custos.

239    Com efeito, por um lado, há que lembrar que, como referido nos n.os 48 e 49 do presente acórdão, a premissa factual dessa argumentação não pode ser considerada demonstrada no presente recurso, uma vez que a questão de saber se os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local estão em conformidade com os custos da recorrente não faz parte dos fundamentos discutidos no Tribunal de Primeira Instância.

240    Por outro lado, há que observar que, ao dar por provado, nos n.os 199 e 237 do acórdão recorrido, que as práticas tarifárias da recorrente no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais põem imediatamente os seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes em pé de desigualdade face a ela própria nesse mesmo mercado, levando, tal como resulta nomeadamente dos n.os 166 a 168 e 194 desse acórdão, a uma compressão das margens desses concorrentes no que respeita aos serviços de acesso, o Tribunal de Primeira Instância demonstrou suficientemente que a igualdade de oportunidades não era respeitada no mercado em causa e, portanto, que não estava aí assegurado um sistema de concorrência não falseada. Assim, o Tribunal de Primeira Instância de modo nenhum tinha de analisar ainda se essa igualdade era respeitada em mercados distintos, tal como o dos serviços de comunicações, e, portanto, se uma violação do artigo 82.° CE podia também ser declarada nesses mercados. Daí resulta que as considerações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 238 desse acórdão são feitas por acréscimo.

241    Daí resulta que, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 108 do presente acórdão, a presente argumentação da recorrente deve ser julgada inoperante.

242    Do mesmo modo, uma vez que se dirigem contra fundamentos apresentados por acréscimo, as críticas da recorrente sobre os n.os 201 e 202 do acórdão recorrido devem igualmente ser julgadas improcedentes. Com efeito, à semelhança do n.° 238 desse acórdão, esses fundamentos, introduzidos, respectivamente, pelas locuções «por outro lado» e «seja como for», dizem também respeito, por acréscimo, à questão da medida em que as práticas tarifárias em causa puderam afectar as condições de concorrência nos outros mercados de retalho diferentes dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

243    Daí resulta que a presente alegação deve, portanto, nestes diversos pontos, ser julgada, conforme os casos, inoperante ou improcedente.

244    Por último, quanto ao resto, na medida em que a recorrente, com a segunda parte do segundo fundamento, critica o Tribunal de Primeira Instância por ter efectuado uma fiscalização excessivamente restrita da decisão controvertida e por ter seguido um método incompatível com o estado da ciência económica, com a prática decisória de outras autoridades competentes e com as realidades do mercado, a presente alegação é, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 24 do presente acórdão, inadmissível, uma vez que não identifica o erro de direito cometido pelo Tribunal de Primeira Instância.

245    Assim, há que julgar a segunda parte do segundo fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente inoperante ou improcedente.

d)     Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa aos efeitos da compressão das margens

i)     Argumentos das partes

246    Com uma primeira alegação, a recorrente afirma que o Tribunal de Primeira Instância rejeita acertadamente o entendimento da Comissão de que não é necessária nenhuma demonstração de um efeito anticoncorrencial. Contudo, no âmbito da sua análise dos efeitos, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 237 do acórdão recorrido, baseia‑se numa compressão das margens, levando unicamente em conta tarifas relativas aos serviços de acesso. Além disso, no n.° 238 desse acórdão, o Tribunal de Primeira Instância baseia‑se na premissa errada de que os concorrentes da recorrente são prejudicados em relação a ela nas práticas de subvenção cruzada entre os serviços de acesso e os serviços de comunicações aos utilizadores finais.

247    Com uma segunda alegação, a recorrente sustenta que as considerações do Tribunal de Primeira Instância sobre os efeitos anticoncorrenciais da prática em causa estão feridas de erros de direito. Na verdade, no n.° 239 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância limita‑se a indicar que a quota de mercado dos concorrentes da recorrente nos mercados dos serviços de acesso à banda larga e dos serviços de acesso à banda estreita se manteve pequena, sem fazer consideração alguma sobre o nexo de causalidade entre essas quotas de mercado e a alegada compressão das margens. Ora, no domínio das telecomunicações, não seria surpreendente uma lenta penetração do mercado por operadores de rede, tendo em conta os investimentos necessários à infra‑estrutura da rede do lacete local.

248    Por outro lado, a recorrente entende que o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 240 do acórdão recorrido, efectuou uma leitura errada do considerando 182 da decisão controvertida, uma vez que este refere o recuo, não da quota de mercado dos concorrentes no domínio das linhas analógicas mas sim da quota das linhas analógicas no conjunto dos serviços de acesso fornecidos pelos concorrentes aos utilizadores finais.

249    A Comissão contesta a afirmação da recorrente de que o Tribunal de Primeira Instância rejeitou o seu critério quanto à desnecessidade de prova de um efeito anticoncorrencial no caso de compressão das margens. De qualquer forma, os argumentos da recorrente são improcedentes.

ii)  Apreciação do Tribunal de Justiça

250    Para analisar a terceira parte do segundo fundamento, há que observar desde logo que o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 234 a 244 do acórdão recorrido, rejeitou acertadamente a argumentação da Comissão no sentido de que a própria existência de uma prática tarifária de uma empresa dominante que conduza à compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes constitui uma prática abusiva na acepção do artigo 82.° CE, sem necessidade da prova de um efeito anticoncorrencial.

251    Com efeito, há que lembrar que, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 174 do presente acórdão, ao proibir a exploração abusiva de uma posição dominante no mercado, na medida em que isso possa afectar o comércio entre Estados‑Membros, o artigo 82.° CE visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante, que tenham por efeito obstar, por meios diferentes dos que regem uma competição normal dos produtos ou dos serviços com base nas prestações dos operadores económicos, à manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou ao desenvolvimento dessa concorrência.

252    O Tribunal de Primeira Instância considerou, portanto, sem cometer nenhum erro de direito, no n.° 235 do acórdão recorrido, que o efeito anticoncorrencial que a Comissão tem de demonstrar, no que respeita a práticas tarifárias de uma empresa dominante que levem à compressão das margens dos seus concorrentes pelo menos igualmente eficazes, respeita aos eventuais entraves que as práticas tarifárias da recorrente possam ter causado ao desenvolvimento da oferta no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais e, portanto, ao grau de concorrência nesse mercado.

253    Com efeito, tal como já resulta dos n.os 177 e 178 do presente acórdão, uma prática tarifária como a que está em causa no acórdão recorrido, adoptada por uma empresa dominante como a recorrente, constitui uma prática abusiva na acepção do artigo 82.° CE, uma vez que, ao produzir efeitos de expulsão dos concorrentes pelo menos tão eficazes como ela, através da compressão das suas margens, tem condições para dificultar ou mesmo impossibilitar o acesso dos seus concorrentes a esse mercado e aí reforçar, assim, a sua posição dominante, em prejuízo dos interesses dos consumidores.

254    É certo que, quando uma empresa dominante segue efectivamente uma prática tarifária que leve à compressão das margens dos seus concorrentes pelos menos igualmente eficazes, com o objectivo de os expulsar do mercado em causa, o facto de afinal não ter sido atingido o resultado esperado não afasta a qualificação de abuso na acepção do artigo 82.° CE. Contudo, não havendo o menor efeito na situação concorrencial dos concorrentes, uma prática tarifária como a que está em causa não pode ser qualificada de prática de expulsão, quando a penetração daqueles no mercado em nada é dificultada por essa prática.

255    No caso, como referido no n.° 231 do presente acórdão, uma vez que os serviços de acesso grossista ao lacete local prestados pela recorrente são indispensáveis aos seus concorrentes para penetrarem de modo eficaz nos mercados de retalho da prestação de serviços aos utilizadores finais, o Tribunal de Primeira Instância teve razão, como já resulta dos n.os 233 a 236 do presente acórdão, ao entender, no n.° 237 do acórdão recorrido, que uma compressão das margens, resultante da margem entre os preços dos serviços de acesso grossista ao lacete local e os preços de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais, entrava, em princípio, o desenvolvimento da concorrência nos mercados de retalho dos serviços aos utilizadores finais, uma vez que um concorrente tão eficaz como a recorrente só com prejuízo é que pode exercer as suas actividades no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

256    Ora, a recorrente não impugna este facto. Pelas razões já expostas nos n.os 233 a 236 do presente acórdão, a alegação de não terem sido tidas em conta as receitas da eventual prestação de outros serviços de telecomunicações aos utilizadores finais deve ser julgada improcedente. Quanto ao argumento relativo ao n.° 238 do acórdão recorrido, sobre a possibilidade de subvenção cruzada, deve ser julgado inoperante, pelas razões indicadas nos n.os 238 a 241 do presente acórdão.

257    Por outro lado, no n.° 239 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância deu por provado, o que, na falta de alegação de desvirtuação, é da sua apreciação soberana dos factos, que «as reduzidas quotas de mercado obtidas pelos concorrentes [...] no mercado [de retalho] dos serviços de acesso [aos] utilizadores finais, desde a liberalização do mercado através da entrada em vigor da TKG, em 1 de Agosto de 1996, são prova da existência dos entraves que as práticas tarifárias da recorrente trouxeram ao desenvolvimento da concorrência nesses mercados». A esse respeito, ao contrário do que alega a recorrente, resulta claramente da expressão «trouxeram» que o Tribunal de Primeira Instância deu efectivamente por provado um nexo de causalidade entre as práticas tarifárias da recorrente e as reduzidas quotas de mercado adquiridas pelos concorrentes. A alegação da recorrente nesse ponto é, portanto, improcedente.

258    Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no n.° 244 desse acórdão, o que também não é contestado no presente recurso, que a recorrente não tinha apresentado nenhum elemento susceptível de invalidar as considerações feitas na decisão controvertida, segundo as quais as suas práticas tarifárias entravam efectivamente a concorrência no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

259    Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância decidiu bem ao considerar que a Comissão tinha demonstrado que essas práticas tarifárias da recorrente geraram efeitos concretos de expulsão dos concorrentes pelo menos tão eficazes como ela.

260    Esta conclusão não é posta em causa pela crítica da recorrente ao n.° 240 do acórdão recorrido. Com efeito, mesmo que, a esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância tivesse feito uma leitura errada da decisão controvertida, esse erro era irrelevante para o presente recurso, uma vez que tem por objecto um fundamento apresentado por acréscimo, em suporte, nomeadamente, dos n.os 237 e 239 desse acórdão, resultando da análise acima exposta que são suficientes para demonstrar que o Tribunal de Primeira Instância decidiu acertadamente que a prática tarifária em causa produziu efeitos de expulsão no mercado de retalho dos serviços de acesso aos utilizadores finais.

261    Por conseguinte, a terceira parte do segundo fundamento deve ser julgada parcialmente inoperante e parcialmente improcedente.

e)     Conclusão quanto ao segundo fundamento

262    Resulta do exposto que o segundo fundamento deve ser julgado integralmente improcedente.

4.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros de direito no cálculo das coimas por não ter sido tomada em consideração a regulação tarifária

a)     Acórdão recorrido

263    Nos n.os 306 a 321 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou improcedentes os fundamentos da recorrente, relativos, respectivamente, a não terem sido suficientemente tidas em conta a regulação tarifária no cálculo do montante da coima e as circunstâncias atenuantes.

264    No que respeita à gravidade da infracção, o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 310 a 313 do acórdão recorrido, considerou o seguinte:

«310      Importa notar que, contrariamente ao que a recorrente alega, a Comissão pôde qualificar de grave a infracção para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001 [...]. Com efeito, as práticas tarifárias criticadas reforçam as barreiras à entrada nos mercados recentemente liberalizados e põem assim em perigo o bom funcionamento do mercado comum. Para este efeito, cumpre recordar que as [Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [...] do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir ‘orientações’)] (ponto 1 A, segundo parágrafo) qualificam os comportamentos de uma empresa em posição dominante destinados a excluir os seus concorrentes de graves, ou mesmo muito graves, quando são cometidos por uma empresa numa situação de quase monopólio.

311      Quanto à intervenção da RegTP na fixação das tarifas da recorrente, há que recordar que, na determinação do nível da sanção, o comportamento da empresa em causa pode ser apreciado à luz da circunstância atenuante que o quadro jurídico nacional constitui [...].

312      Na audiência, a Comissão explicou que a redução da coima em 10% que foi concedida tendo em consideração o facto de ‘as tarifas de retalho [pelos serviços de acesso aos utilizadores finais] [e as tarifas] cobradas pela [recorrente] [...] pelos serviços de acesso grossista [ao lacete local da recorrente] [...] [serem reguladas] por disposições reguladoras sectoriais à escala nacional’ (decisão recorrida, n.° 212) se refere à intervenção da RegTP na fixação dos preços da recorrente e ao facto de esta autoridade nacional ter examinado sucessivas vezes, durante o período visado pela decisão recorrida, a questão relativa à existência de uma compressão das margens resultante das práticas tarifárias da recorrente.

313      Atendendo à margem de que a Comissão dispõe na determinação do montante da coima [...], há que considerar que a Comissão tomou correctamente em consideração os elementos mencionados no número anterior ao reduzir o montante de base da coima em 10%.»

265    O Tribunal de Primeira Instância rejeitou, seguidamente, nos n.os 315 a 320 do acórdão recorrido, a argumentação da recorrente de que, à semelhança da empresa dominante na Decisão 2001/892/CE da Comissão, de 25 de Julho de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (COMP/C‑1/36.915 – Deutsche Post AG – Intercepção de correio transfronteiriço) (JO L 331, p. 40, a seguir «decisão Deutsche Post»), a Comissão lhe deveria ter aplicado uma coima simbólica.

266    A esse respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou, em particular, nos n.os 317 a 319 do acórdão recorrido, o seguinte:

«317      [...] [H]á que assinalar que a situação da recorrente é substancialmente diferente da situação da empresa visada pela decisão Deutsche Post.

318      Com efeito, resulta [...] da decisão Deutsche Post [...] que a Comissão considerou adequado aplicar apenas uma coima simbólica à empresa visada por essa decisão por três motivos: em primeiro lugar, o comportamento da empresa em causa estava em conformidade com a jurisprudência dos tribunais alemães; em segundo lugar, não existia jurisprudência comunitária relativamente ao contexto específico dos serviços de correio transfronteiriço visados; e, em terceiro lugar, a empresa em causa comprometeu‑se a adoptar um procedimento para o tratamento da correspondência transfronteiriça de entrada susceptível de evitar dificuldades práticas e, eventualmente, de facilitar a detecção de futuras infracções à livre concorrência.

319      No presente caso, em primeiro lugar, cumpre observar que o único acórdão dos órgãos jurisdicionais alemães a que a recorrente se refere é o acórdão do Oberlandesgericht Düsseldorf, proferido em 16 de Janeiro de 2002, ou seja, no período durante o qual a decisão [controvertida] qualificou a infracção de pouco grave [...]. De qualquer modo, este acórdão foi anulado pelo acórdão do Bundesgerichtshof de 10 de Fevereiro de 2004. Em segundo lugar, resulta da decisão [controvertida] [...] que a Comissão aplicou os mesmos princípios que estiveram na base da [D]ecisão [88/518/CEE da Comissão, de 18 de Julho de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.°] do Tratado [CE] (IV/30.178 – Napier Brown/British Sugar) (JO L 284, p. 41)] [...]. Ora, na sua comunicação de 22 de Agosto de 1998, sobre a aplicação das regras da concorrência aos acordos de acesso no sector das telecomunicações, intitulada «Enquadramento, mercados relevantes e princípios» [JO C 265, p. 2] (n.os 117 a 119), a Comissão já tinha anunciado que pretendia aplicar os princípios da [D]ecisão [88/518] ao sector das telecomunicações. [...] Por último, em terceiro lugar, a recorrente, no presente processo, não adoptou qualquer compromisso para evitar qualquer outra infracção futura.»

b)     Argumentos das partes

267    O terceiro fundamento da recorrente divide‑se em três partes, relativas, respectivamente, à gravidade da infracção, ao facto de não ter sido devidamente tomada em consideração a regulação tarifária como circunstância atenuante e à aplicação de uma coima simbólica.

i)     Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa à gravidade da infracção

–       Argumentos das partes

268    A recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, na medida em que nem os argumentos da Comissão nem os fundamentos do acórdão recorrido, nos seus n.os 306 a 310, sustentam a afirmação de que, no período de 1 de Janeiro de 1998 a 31 de Dezembro de 2001, cometeu uma infracção grave na acepção das orientações.

269    Além disso, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta o facto de que, segundo o ponto 1, A, das orientações, os comportamentos de exclusão «poderão», é certo, constituir infracções graves, mas que não é necessariamente o caso. Assim, o Tribunal de Primeira Instância não analisou os argumentos contra uma qualificação da infracção como grave, nomeadamente a pequena contribuição da recorrente para a infracção, que foi reconhecida no n.° 312 do acórdão recorrido, para reduzir o montante de base em 10%.

270    A Comissão conclui pela rejeição destes argumentos por serem inoperantes ou improcedentes.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

271    Há que lembrar que, de acordo com jurisprudência assente, a Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação quanto ao método de cálculo das coimas. Este método, circunscrito pelas orientações, contém diferentes elementos de flexibilidade que permitem à Comissão exercer o seu poder de apreciação em conformidade com o disposto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 (v. acórdão de 3 de Setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, Colect., p. I‑7191, n.° 112 e jurisprudência aí referida).

272    Nesse âmbito, compete ao Tribunal de Justiça verificar se o Tribunal de Primeira Instância apreciou correctamente o exercício do referido poder de apreciação pela Comissão (acórdãos de 29 de Junho de 2006, SGL Carbon/Comissão, C‑308/04 P, Colect., p. I‑5977, n.° 48, e de 25 de Janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, Colect., p. I‑829, n.° 134).

273    A esse respeito, resulta de jurisprudência assente que a gravidade das infracções ao direito da concorrência da União deve ser determinada em função de um grande número de elementos, como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou taxativa de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (v., nomeadamente, acórdão de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 241; acórdão Dalmine/Comissão, já referido, n.° 129; e acórdão de 3 de Setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, Colect., p. I‑7415, n.° 54).

274    Entre os elementos que podem entrar na apreciação da gravidade das infracções figuram o comportamento de cada uma das empresas em causa, o papel que desempenhou na determinação da prática em causa, o benefício que daí pôde retirar, a sua dimensão e o valor das mercadorias em causa, bem como o risco que as infracções desse tipo representam para os objectivos da União (v., por analogia, acórdão de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 129, e acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 242).

275    No caso, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao considerar, no n.° 310 do acórdão recorrido, que a Comissão podia qualificar de grave a infracção cometida pela recorrente no período entre 1 de Janeiro de 1998 e 31 de Dezembro de 2001, uma vez que as práticas tarifárias em causa, ao reforçarem as barreiras à entrada nos mercados recentemente liberalizados, punham em perigo o bom funcionamento do mercado interno. Com efeito, tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, práticas de exclusão como esta, cometidas por empresas dominantes, constituem infracções particularmente graves ao artigo 82.° CE (v., neste sentido, acórdão de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, n.° 51, e acórdão AKZO/Comissão, já referido, n.° 162).

276    Assim, nos termos do ponto 1‑A, segundo parágrafo, das orientações, esses comportamentos de exclusão dos concorrentes do mercado podem ser acertadamente qualificados de infracção grave, ou mesmo muito grave, quando são cometidos por uma empresa em situação de quase monopólio.

277    A reduzida contribuição para a infracção, alegada pela recorrente, tendo em conta a regulação das suas tarifas pela RegTP, não põe isto em causa, uma vez que o papel desempenhado pela empresa na infracção não é, em princípio, um elemento obrigatório, mas unicamente um elemento relevante, entre outros, para se apreciar a gravidade da infracção (v., neste sentido, acórdão Dalmine/Comissão, já referido, n.° 132).

278    Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, como o Tribunal de Primeira Instância referiu no n.° 311 do acórdão recorrido, na determinação do nível da sanção, o comportamento da empresa em causa pode ser apreciado à luz da circunstância atenuante que o quadro jurídico nacional constituía (v., neste sentido, acórdão de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 620, e acórdão CIF, já referido, n.° 57).

279    Assim, foi também com razão que o Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 311 a 313 do acórdão recorrido, considerou que a Comissão, atendendo à margem de que dispõe na determinação do montante da coima, tinha tomado correctamente em consideração o papel limitado da recorrente, em face da intervenção da RegTP na fixação das suas tarifas, ao reduzir o montante de base da coima em 10%.

280    Por outro lado, como resulta do exposto, com as considerações feitas nos n.os 310 a 313 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância fundamentou suficientemente esse acórdão, uma vez que revelou claramente, de acordo com a jurisprudência referida nos n.os 135 e 136 do presente acórdão, por que é que a infracção era grave e não justificava uma qualificação diferente em razão do papel desempenhado pela recorrente.

281    Consequentemente, há que julgar improcedente a primeira parte do terceiro fundamento.

ii)  Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa ao facto de não ter sido tomada em consideração a regulação tarifária como circunstância atenuante

–       Argumentos das partes

282    A recorrente observa que, no considerando 212 da decisão controvertida, a Comissão teve unicamente em conta a existência de uma regulação sectorial a nível nacional, mas não o teor da regulação, nomeadamente, a análise e a rejeição da existência de uma compressão das margens, restritiva da concorrência, pela RegTP.

283    A recorrente entende que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao não criticar a Comissão por não ter tido em conta outras duas circunstâncias atenuantes na acepção do ponto 3 das orientações. Com efeito, devido à análise e à rejeição da existência de uma compressão das margens anticoncorrencial numa série de decisões, ficou convencida da legalidade do seu comportamento. Além disso, a infracção foi cometida, quando muito, por negligência.

284    A Comissão entende que estas alegações da recorrente são improcedentes.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

285    Em primeiro lugar, no que respeita à alegação relativa à circunstância de não ter sido tomado em consideração o facto de a RegTP ter rejeitado a existência de uma compressão das margens, há que observar que essa alegação se baseia numa leitura errada do acórdão recorrido.

286    Com efeito, no n.° 312 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância indicou expressamente, o que, na falta de alegação de desvirtuação, é da sua apreciação soberana dos factos, que a redução da coima em 10%, pela Comissão, na decisão controvertida, para ter em consideração o facto de as tarifas de retalho cobradas pela recorrente aos utilizadores finais pelos serviços de acesso e os preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local serem objecto de regulação sectorial à escala nacional, se referia tanto à intervenção da RegTP na fixação dos preços da recorrente como à circunstância de essa autoridade nacional ter examinado várias vezes, durante o período em causa, a questão relativa à existência de uma compressão das margens resultante das práticas tarifárias da recorrente.

287    Nestas condições, há que julgar improcedente esta alegação da recorrente.

288    Em segundo lugar, no que respeita à alegação relativa ao carácter negligente da infracção, há que lembrar que o Tribunal de Primeira Instância expôs, nos n.os 295 a 298 do acórdão recorrido, as razões pelas quais a alegação de inexistência de negligência ou de dolo da recorrente devia ser julgada improcedente. Tal como resulta dos n.os 124 a 137 do presente acórdão, a análise das alegações da recorrente suscitadas no âmbito da terceira parte do primeiro fundamento do presente recurso não revelou nenhum erro de direito ou falta de fundamentação de que estivessem feridos esses fundamentos.

289    Ora, pela presente alegação, a recorrente limita‑se a afirmar que a infracção foi cometida, quando muito, por negligência. Com isso, pede ao Tribunal de Justiça, sem alegar a menor desvirtuação, que aprecie os factos por si próprio. De acordo com a jurisprudência referida no n.° 53 do presente acórdão, esta alegação é, portanto, inadmissível em sede do presente recurso.

290    Consequentemente, há que julgar a segunda parte do terceiro fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

iii)  Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à aplicação de uma coima simbólica

–       Argumentos das partes

291    A recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 319 do acórdão recorrido, violou o direito à igualdade de tratamento, ao não lhe aplicar uma coima simbólica, como na decisão Deutsche Post, apesar de também estarem preenchidos, no caso presente, os três pressupostos exigidos pela Comissão, nessa decisão, para o efeito.

292    A esse respeito, a recorrente refere, em primeiro lugar, que se comportou em conformidade com a jurisprudência dos tribunais alemães, pois a RegTP considerou várias vezes, no período em causa, que a alegada compressão das margens não é anticoncorrencial. É irrelevante que o acórdão do Oberlandesgericht Düsseldorf de 16 de Janeiro de 2002 tenha sido anulado em 2004 pelo Bundesgerichtshof, uma vez que essa anulação resulta da possibilidade de uma excepção não aplicável ao caso presente e que só após a prolação deste segundo acórdão é que a recorrente podia partir do princípio de uma possível responsabilidade nos termos do artigo 82.° CE. Em segundo lugar, no período em causa, não houve nenhuma jurisprudência aplicável dos tribunais da União. A comunicação de 22 de Agosto de 1998, referida no n.° 319 do acórdão recorrido, não pode ser qualificada de «jurisprudência» e nada diz sobre a questão determinante de saber se uma compressão das margens pode ser dada por provada nos casos de tarifas reguladas. Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância contradiz‑se, uma vez que, no n.° 188 do acórdão recorrido, ele próprio refere que o juiz da União ainda não se pronunciou expressamente sobre o método a aplicar para efeitos de determinar a existência de uma compressão das margens. Em terceiro lugar, um compromisso de pôr fim à infracção não pode constituir uma condição vinculativa para a aplicação de uma coima simbólica, quando, como no caso, a detecção da alegada infracção não coloca nenhuma dificuldade, apenas se discutindo a apreciação do comportamento.

293    A Comissão alega que a alegação da recorrente é irrelevante e, subsidiariamente, improcedente.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

294    Há que lembrar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o facto de, no passado, a Comissão ter aplicado coimas de certo nível a determinados tipos de infracções não a priva da possibilidade de aumentar esse nível, dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a execução da política de concorrência da União. Com efeito, a aplicação eficaz das regras de concorrência da União exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 109).

295    De qualquer forma, no caso, o Tribunal de Primeira Instância expôs detalhadamente, nos n.os 317 a 320 do acórdão recorrido, as razões pelas quais a situação da recorrente devia ser considerada fundamentalmente diferente da situação da empresa a que se referia a decisão Deutsche Post.

296    Ora, não se pode deixar de observar que, com a presente argumentação, a recorrente se limita, no essencial, a contestar as apreciações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância a esse respeito, alegando que está na mesma situação da empresa visada pela decisão Deutsche Post, uma vez que os três fundamentos pelos quais a Comissão aplicou uma coima simbólica nessa decisão também se verificam no caso presente, sem, no entanto, alegar uma desvirtuação dos factos nem indicar por que razões essa apreciação está ferida de um ou mais erros de direito.

297    Daí resulta que a recorrente, na realidade, com esta argumentação, que, no essencial, repete o que já foi alegado no Tribunal de Primeira Instância, pretende obter um reexame da petição aí apresentada, o que, de acordo com a jurisprudência referida no n.° 24 do presente acórdão, está fora da competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso de segunda instância.

298    Por outro lado, na medida em que a recorrente invoca uma contradição de fundamentos com o n.° 188 do acórdão recorrido, a sua alegação deve ser julgada improcedente. Com efeito, o facto, aí referido pelo Tribunal de Primeira Instância, de o juiz da União ainda não se ter pronunciado expressamente sobre o método a aplicar para efeitos de determinar a existência de uma compressão das margens em nada é contraditório com a afirmação, no n.° 319 desse mesmo acórdão, de que, pelo seu lado, a Comissão já tinha aplicado os princípios contidos na decisão controvertida e anunciado a sua aplicação ao sector das telecomunicações.

299    Consequentemente, há que julgar a terceira parte do terceiro fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

c)     Conclusão sobre o terceiro fundamento

300    Decorre do exposto que o terceiro fundamento improcede na íntegra.

301    Daí resulta que há que negar provimento ao presente recurso.

 Quanto às despesas

302    Nos termos do artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão, a Vodafone e a Versatel pedido a condenação da recorrente e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas da presente instância.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Deutsche Telekom AG é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.