ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

9 de Julho de 2009 ( *1 )

«Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão — Regulamento (CE) n.o 261/2004 — Artigos 5.o, n.o 1, alínea c), e 7.o, n.o 1, alínea a) — Convenção de Montreal — Artigo 33.o, n.o 1 — Transportes aéreos — Pedidos de indemnização dos passageiros contra companhias aéreas em caso de cancelamento de voos — Lugar em que é realizada a prestação — Competência judiciária em caso de transporte aéreo de um Estado-Membro para outro Estado-Membro por uma companhia aérea estabelecida num Estado-Membro terceiro»

No processo C-204/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), por decisão de 22 de Abril de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de Maio de 2008, no processo

Peter Rehder

contra

Air Baltic Corporation,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász (relator), G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

advogado-geral: M. Poiares Maduro,

secretário: N. Nanchev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 1 de Abril de 2009,

vistas as observações apresentadas:

em representação de P. Rehder, por J. Kummer, Rechtsanwalt,

em representação da Air Baltic Corporation, por G.-S. Hök, Rechtsanwalt,

em representação do Governo alemão, por M. Lumma e J. Kemper, na qualidade de agentes,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

em representação do Governo letão, por E. Eihmane e U. Dreimanis, na qualidade de agentes,

em representação do Governo do Reino Unido, por L. Seeboruth, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A.-M. Rouchaud-Joët e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe P. Rehder à Air Baltic Corporation (a seguir «Air Baltic») resultante do cancelamento do voo que tinha reservado na referida companhia para viajar de Munique (Alemanha) para Vilnius (Lituânia).

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3

O Regulamento n.o 44/2001 entrou em vigor em 1 de Março de 2002 e, nos termos do seu artigo 68.o, n.o 1, substitui a Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, conforme posteriormente alterada (JO 1998, C 27, p. 1, a seguir «Convenção de Bruxelas»).

4

O primeiro considerando deste regulamento enuncia que «[a] Comunidade [se atribuiu] como objectivo a manutenção e o desenvolvimento de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça em que seja assegurada a livre circulação das pessoas. Para criar progressivamente tal espaço, a Comunidade deve adoptar, entre outras, as medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que sejam necessárias para o bom funcionamento do mercado interno».

5

Nos termos do segundo período do segundo considerando do Regulamento n.o 44/2001, «[s]ão indispensáveis disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados-Membros abrangidos pelo presente regulamento».

6

O primeiro período do décimo primeiro considerando do referido regulamento estabelece que «[a]s regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular-se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, excepto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão».

7

O décimo segundo considerando do mesmo regulamento enuncia que «[o] foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça».

8

As regras de competência estabelecidas pelo Regulamento n.o 44/2001 constam do seu capítulo II, que compreende os artigos 2.o a 31.o

9

O artigo 2.o, n.o 1, do mesmo regulamento, que faz parte da secção 1 do referido capítulo II, sob a epígrafe «Disposições gerais», prevê:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

10

O artigo 3.o, n.o 1, do mesmo regulamento, incluído na mesma secção 1, dispõe:

«As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

11

Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, que consta do seu capítulo II, secção 2, intitulado «Competências especiais»:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:

1)

a)

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)

Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c)

Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)».

12

O artigo 60.o, n.o 1, do referido regulamento prevê:

«Para efeitos da aplicação do presente regulamento, uma sociedade ou outra pessoa colectiva ou associação de pessoas singulares e colectivas tem domicílio no lugar em que tiver:

a)

A sua sede social;

b)

A sua administração central; ou

c)

O seu estabelecimento principal.»

13

O artigo 71.o, n.o 1, do mesmo regulamento dispõe:

«O presente regulamento não prejudica as convenções em que os Estados-Membros são partes e que, em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a execução de decisões.»

14

O Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91 (JO L 46, p. 1), estabelece o princípio da indemnização dos passageiros no âmbito dos transportes aéreos internacionais em caso de cancelamento de um voo. O artigo 5.o deste regulamento, sob a epígrafe «Cancelamento», dispõe:

«1.   Em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a:

[…]

c)

Receber da transportadora aérea operadora indemnização nos termos do artigo 7.o, salvo se [tiverem sido informados do cancelamento]:

[…]»

15

O artigo 7.o, n.o 1, do mesmo regulamento, intitulado «Direito a indemnização», prevê:

«Em caso de remissão para o presente artigo, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de:

a)

250 euros para todos os voos até 1500 quilómetros;

[…]»

16

Nos termos do artigo 12.o, n.o 1, do referido regulamento:

«O presente regulamento aplica-se sem prejuízo dos direitos dos passageiros a uma indemnização suplementar. A indemnização concedida ao abrigo do presente regulamento pode ser deduzida dessa indemnização».

Convenção de Montreal

17

A Convenção para a unificação de certas regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal, em 28 de Maio de 1999 (a seguir «Convenção de Montreal»), foi assinada pela Comunidade Europeia em 9 de Dezembro de 1999 e aprovada em seu nome pela Decisão 2001/539/CE do Conselho, de 5 de Abril de 2001 (JO L 194, p. 38). Esta Convenção entrou em vigor, no que respeita à Comunidade, em 28 de Junho de 2004. O seu artigo 19.o, sob a epígrafe «Atrasos», dispõe:

«A transportadora é responsável pelo dano resultante de atraso no transporte aéreo de passageiros, bagagens ou mercadorias. […]»

18

O artigo 33.o, n.o 1, da Convenção de Montreal, intitulado «Jurisdição», tem a seguinte redacção:

«A acção por danos deve ser intentada, à escolha do autor, no território de um dos Estados Partes, seja perante o tribunal da sede da transportadora, do estabelecimento principal desta ou do estabelecimento em que tenha sido celebrado o contrato, seja perante o tribunal do local de destino.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19

P. Rehder, residente em Munique, tinha reservado através da Air Baltic, cuja sede social está situada em Riga (Letónia), um voo de Munique para Vilnius. A distância entre Munique e Vilnius é ligeiramente inferior a 1500 quilómetros. Aproximadamente 30 minutos antes da hora prevista da partida, os passageiros foram informados do cancelamento do voo. O requerente, após uma alteração da sua reserva pela Air Baltic, apanhou um voo para Vilnius via Copenhaga, e chegou ao seu destino mais de 6 horas depois da hora a que devia normalmente ter chegado no voo inicialmente reservado.

20

Numa acção intentada no Amtsgericht Erding, no foro do qual se situa o Aeroporto de Munique, P. Rehder pediu que a Air Baltic fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização no montante de 250 euros, nos termos dos artigos 5.o, n.o 1, alínea c), e 7.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 261/2004. Considerando que os serviços de transporte aéreo foram prestados no lugar de partida do avião, o que implica que o lugar de cumprimento da obrigação contratual, no sentido do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.o 44/2001, seria o do aeroporto de partida, no caso em apreço, o Aeroporto de Munique, o Amtsgericht Erding declarou-se competente para conhecer do pedido de indemnização de P. Rehder.

21

Ao julgar o recurso interposto pela Air Baltic, o Oberlandesgericht München, considerando que os serviços de transporte aéreo são prestados no lugar da sede social da companhia que assegura o voo, anulou a decisão do órgão jurisdicional de primeira instância. P. Rehder interpôs recurso de «Revision» deste acórdão do órgão jurisdicional de segunda instância para o Bundesgerichtshof.

22

O órgão jurisdicional de reenvio observa que a questão de saber se o Amtsgericht Erding é competente para conhecer do caso em apreço depende da interpretação do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.o 44/2001. Assinala que, quanto ao primeiro travessão da mesma disposição, relativo à venda de bens, o Tribunal de Justiça começou por considerar que esta regra de competência especial em matéria contratual consagra o lugar de entrega como critério de conexão autónomo, susceptível de se aplicar a todos os pedidos baseados num mesmo contrato de compra e venda de bens, e não apenas aos baseados na própria obrigação de entrega (acórdão de 3 de Maio de 2007, Color Drack, C-386/05, Colect., p. I-3699, n.o 26). A seguir, o Tribunal de Justiça declarou que a referida regra é igualmente aplicável em caso de pluralidade de lugares de entrega de mercadorias e que, neste caso, é necessário entender por lugar de cumprimento o lugar que assegura o elemento de conexão mais estreito entre o contrato e o órgão jurisdicional competente. Esse elemento de conexão mais estreito verifica-se, regra geral, no lugar da entrega principal, que deve ser determinado em função de critérios económicos (acórdão Color Drack, já referido, n.o 40). Finalmente, o Tribunal de Justiça considerou que, se não se puder determinar o lugar da entrega principal, cada um dos lugares de entrega apresenta um elemento suficiente de proximidade com os elementos materiais do litígio e que, nesse caso, o requerente pode demandar o requerido no tribunal do lugar de entrega da sua escolha (acórdão Color Drack, já referido, n.o 42).

23

Todavia, o Bundesgerichtshof sublinha que o Tribunal de Justiça indicou expressamente, por outro lado, no n.o 16 do acórdão Color Drack, já referido, que estas considerações se limitam unicamente ao caso de pluralidade de lugares de entrega num único Estado-Membro e não são determinantes para a resposta a dar em caso de pluralidade de lugares de entrega em vários Estados-Membros.

24

Assim, o Bundesgerichtshof interroga-se se, tendo em conta os objectivos do Regulamento n.o 44/2001, segundo os quais importa unificar e tornar previsíveis as regras de competência, bem como determinar um lugar único de cumprimento, o qual é, em princípio, o lugar que apresenta o elemento de conexão mais estreito entre a contestação e o órgão jurisdicional competente, será adequado interpretar da mesma maneira o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.o 44/2001 e concentrar, em princípio, num lugar único de cumprimento igualmente a competência judiciária para conhecer de litígios relativos a obrigações resultantes de um contrato de transporte aéreo internacional, não obstante o facto de que, no âmbito de um contrato desse tipo, não é fácil determinar de modo inequívoco o lugar onde são realizadas, no essencial, as prestações de serviços.

25

Tendo em conta estas considerações, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento [n.o 44/2001] deve ser interpretado no sentido de que, no caso de voos de um Estado-Membro da Comunidade para outro Estado-Membro, também se deve considerar que o lugar de cumprimento único das obrigações contratuais é o lugar de cumprimento da prestação principal, que deve ser determinado com base em critérios económicos?

2)

Havendo que determinar um lugar de cumprimento único da obrigação: que critérios devem ser tidos em consideração para a sua determinação? O lugar de cumprimento único será, designadamente, o lugar da partida do voo ou o lugar da chegada?»

Quanto às questões prejudiciais

26

Antes de proceder ao exame das questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, deve assinalar-se, a título preliminar, que certas observações apresentadas no Tribunal de Justiça suscitaram a questão da aplicabilidade, numa situação como a do processo principal, do artigo 33.o da Convenção de Montreal para determinar o órgão jurisdicional competente.

27

Note-se, a este respeito, que o direito alegado no caso em apreço pelo requerente no processo principal, que se baseia no artigo 7.o do Regulamento n.o 261/2004, constitui um direito a indemnização fixa e uniformizada do passageiro, na sequência do cancelamento de um voo, direito que é independente da reparação de danos no quadro do artigo 19.o da Convenção de Montreal (v. acórdão de 10 de Janeiro de 2006, IATA e ELFAA, C-344/04, Colect., p. I-403, n.os 43 a 46). Assim, os direitos baseados, respectivamente, nas referidas disposições do Regulamento n.o 261/2004 e da Convenção de Montreal são regulados por quadros normativos diferentes.

28

Daqui decorre que, tendo o pedido no processo principal sido apresentado com base apenas no Regulamento n.o 261/2004, deve ser examinado à luz do Regulamento n.o 44/2001.

29

Através das suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça, no essencial, que esclareça como deve ser interpretada a expressão «o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados» constante do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.o 44/2001, no caso do transporte aéreo de pessoas de um Estado-Membro com destino a outro Estado-Membro, no contexto de um pedido de indemnização baseado no Regulamento n.o 261/2004.

30

Na realidade, com essas questões, pergunta-se ao Tribunal de Justiça se, no caso de uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal, se deve aplicar à expressão indicada a mesma interpretação que foi dada pelo Tribunal de Justiça ao primeiro travessão daquela disposição no acórdão Color Drack, já referido, em caso de pluralidade de lugares de entrega de mercadorias num mesmo Estado-Membro.

31

No n.o 18 do acórdão Color Drack, já referido, o Tribunal de Justiça baseou-se, para responder à questão colocada, na génese, nos objectivos e na sistemática do Regulamento n.o 44/2001.

32

A este respeito, o Tribunal de Justiça começou por recordar que a regra de competência especial prevista no artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 em matéria contratual, que completa a regra da competência de princípio do foro do domicílio do requerido, responde a um objectivo de proximidade e tem como fundamento a existência de um elemento de conexão estreito entre o contrato e o órgão jurisdicional chamado a examinar o mesmo (acórdão Color Drack, já referido, n.o 22).

33

Em seguida, o Tribunal de Justiça notou que, no que toca ao lugar de cumprimento das obrigações decorrentes de contratos de venda de bens, o Regulamento n.o 44/2001 define, no seu artigo 5.o, n.o 1, alínea b), primeiro travessão, este critério de conexão autonomamente, para reforçar os objectivos de unificação das regras de competência judiciária e de certeza jurídica. Assim, neste caso, o lugar de entrega de mercadorias é consagrado como critério de conexão autónomo, susceptível de se aplicar a todos os pedidos baseados num mesmo contrato de compra e venda (acórdão Color Drack, já referido, n.os 24 e 26).

34

À luz dos objectivos de proximidade e de certeza jurídica, o Tribunal de Justiça declarou que a regra enunciada no artigo 5.o, n.o 1, alínea b), primeiro travessão, do Regulamento n.o 44/2001 é igualmente aplicável em caso de pluralidade de lugares de entrega de mercadorias num mesmo Estado-Membro, devendo entender-se que apenas um tribunal deve ser competente para conhecer de todos os pedidos baseados no contrato (acórdão Color Drack, já referido, n.os 36 e 38).

35

Finalmente, em caso de pluralidade de lugares de entrega de mercadorias num mesmo Estado-Membro, o Tribunal de Justiça considerou que o lugar que assegura o elemento de conexão mais estreito entre o contrato e o órgão jurisdicional competente é o da entrega principal, que deve ser determinado em função de critérios económicos, e que, se não se puder determinar o lugar da entrega principal, cada um dos lugares de entrega apresenta um elemento suficiente de proximidade com os elementos materiais do litígio, caso em que o requerente pode demandar o requerido no tribunal do lugar de entrega da sua escolha (acórdão Color Drack, já referido, n.os 40 e 42).

36

Importa sublinhar que as considerações nas quais o Tribunal de Justiça se baseou para chegar à interpretação adoptada no acórdão Color Drack, já referido, são igualmente válidas em relação aos contratos de prestação de serviços, incluindo os casos em que essa prestação não é realizada num único Estado-Membro. Com efeito, as regras de competência especial previstas no Regulamento n.o 44/2001 em matéria de contratos de compra e venda de bens e de prestação de serviços têm a mesma génese, prosseguem a mesma finalidade e ocupam o mesmo lugar na sistemática estabelecida por esse regulamento.

37

Os objectivos de proximidade e de certeza jurídica, que são prosseguidos pela concentração da competência judiciária no lugar de prestação dos serviços, em virtude do contrato em causa, e pela determinação de uma competência judiciária única para todas as pretenções baseadas nesse contrato, não podem ser apreciados de modo diferente na hipótese de pluralidade de lugares de prestação dos serviços em causa em Estados-Membros diferentes. Com efeito, uma diferenciação desse tipo, além de não encontrar apoio nas disposições do Regulamento n.o 44/2001, contradiz a finalidade que presidiu à adopção deste, que, através da unificação das regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, contribui para o desenvolvimento de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, bem como para o bom funcionamento do mercado interno no seio da Comunidade (v. primeiro e segundo considerandos do Regulamento n.o 44/2001).

38

Por consequência, na hipótese de pluralidade de lugares de prestação de serviços em Estados-Membros diferentes, importa igualmente determinar o lugar que garante o elemento de conexão mais estreito entre o contrato em causa e o órgão jurisdicional competente, em particular aquele onde, em virtude desse contrato, deve ser realizada a principal prestação de serviços.

39

A este respeito, impõe-se observar desde já que, como sublinhou o órgão jurisdicional de reenvio, o lugar da sede ou do estabelecimento principal da companhia aérea em causa não apresenta a necessária conexão estreita com o contrato. Com efeito, as operações e acções praticadas a partir desse lugar, em particular a colocação à disposição de uma aeronave e de uma tripulação adequadas, constituem medidas logísticas e preparatórias com vista à execução do contrato de transporte aéreo e não serviços cuja prestação estaria relacionada com o conteúdo do contrato propriamente dito. O mesmo é válido quanto ao lugar da celebração do contrato de transporte aéreo e da emissão do bilhete.

40

Os serviços cuja prestação corresponde ao cumprimento das obrigações decorrentes de um contrato de transporte aéreo de pessoas são, com efeito, o registo assim como o embarque dos passageiros e o acolhimento destes últimos a bordo do avião no lugar de descolagem estipulado no contrato de transporte em causa, a partida da aeronave à hora prevista, o transporte dos passageiros e das suas bagagens do lugar de partida para o lugar de chegada, o acompanhamento dos passageiros durante o voo e, finalmente, o desembarque destes, em condições de segurança, no lugar de aterragem e à hora que esse contrato fixa. Deste ponto de vista, os eventuais lugares de escala da aeronave também não apresentam um elemento de conexão suficiente com o essencial dos serviços resultantes do referido contrato.

41

Ora, os únicos lugares que apresentam uma conexão directa com os referidos serviços, prestados no cumprimento das obrigações decorrentes do objecto do contrato, são os de partida e de chegada do avião, sendo certo que a expressão «lugares de partida e de chegada» deve ser entendida como os que estão estipulados no contrato de transporte em causa, celebrado com uma única companhia aérea que é a transportadora operadora.

42

Todavia, deve assinalar-se a este respeito que, ao invés das entregas de mercadorias em lugares diferentes, que constituem operações distintas e quantificáveis para determinar a entrega principal em função de critérios económicos, os transportes aéreos constituem, devido à sua própria natureza, serviços prestados de maneira indivisível e unitária desde o lugar de partida ao lugar de chegada do avião, de modo que não se pode distinguir, neste caso, em função de um critério económico, uma parte distinta da prestação que constituiria a prestação principal, realizada num lugar preciso.

43

Nestas condições, quer o lugar de partida quer o lugar de chegada do avião devem ser considerados, ao mesmo título, os lugares da prestação principal dos serviços que são objecto de um contrato de transporte aéreo.

44

Cada um desses dois lugares apresenta um elemento suficiente de proximidade com os elementos materiais do litígio e, portanto, assegura a conexão estreita pretendida pelas regras de competência especial, enunciadas no artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, entre o contrato e o órgão jurisdicional competente. Por conseguinte, quem pede uma indemnização com base no Regulamento n.o 261/2004 pode demandar o requerido, em virtude da escolha que lhe cabe efectuar, no órgão jurisdicional do foro onde se situa um dos referidos lugares, ao abrigo do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.o 44/2001.

45

Tal faculdade de escolha reconhecida ao requerente não só respeita o critério da proximidade mas satisfaz igualmente a exigência de certeza jurídica, na medida em que permite quer ao requerente quer ao requerido identificar facilmente os órgãos jurisdicionais que podem ser chamados a decidir. Acresce que está em conformidade com o objectivo da segurança jurídica, dado que a escolha do requerente é limitada, no âmbito do artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.o 44/2001, a dois órgãos jurisdicionais. Importa ainda lembrar que o requerente conserva a possibilidade de se dirigir ao órgão jurisdicional do domicílio do requerido, previsto no artigo 2.o, n.o 1, do referido regulamento, isto é, no caso em apreço, em virtude do artigo 60.o, n.o 1, do mesmo regulamento, ao órgão jurisdicional do foro onde a transportadora aérea tem a sua sede social, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal, o que está em conformidade com o artigo 33.o da Convenção de Montreal.

46

De resto, esta faculdade de escolha, mesmo quando se trata de órgãos jurisdicionais situados em Estados-Membros diferentes, é também reconhecida ao requerente pela jurisprudência assente do Tribunal de Justiça no âmbito da competência especial em matéria extracontratual, prevista no artigo 5.o, n.o 3, da Convenção de Bruxelas e igualmente no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 (v., designadamente, acórdãos de 30 de Novembro de 1976, Bier, dito «Mines de potasse d’Alsace», 21/76, Colect., p. 677, n.os 24 e 25, e de 10 de Junho de 2004, Kronhofer, C-168/02, Colect., p. I-6009, n.o 16 e jurisprudência referida).

47

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às duas questões submetidas que o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.o 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de transporte aéreo de pessoas de um Estado-Membro com destino a outro Estado-Membro, realizado com base num contrato celebrado com uma única companhia aérea que é a transportadora operadora, o tribunal competente para conhecer de um pedido de indemnização baseado nesse contrato de transporte e no Regulamento n.o 261/2004 é aquele, à escolha do requerente, em cujo foro se situa o lugar de partida ou o lugar de chegada do avião, tal como esses lugares são estipulados no referido contrato.

Quanto às despesas

48

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

O artigo 5.o, n.o 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, em caso de transporte aéreo de pessoas de um Estado-Membro com destino a outro Estado-Membro, realizado com base num contrato celebrado com uma única companhia aérea que é a transportadora operadora, o tribunal competente para conhecer de um pedido de indemnização baseado nesse contrato de transporte e no Regulamento (CE) n.o 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91, é aquele, à escolha do requerente, em cujo foro se situa o lugar de partida ou o lugar de chegada do avião, tal como esses lugares são estipulados no referido contrato.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.