Processo C-123/08

Dominic Wolzenburg

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Amsterdam)

«Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão-quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção europeu e procedimentos de entrega entre Estados-Membros — Artigo 4.o, ponto 6 — Motivos de não execução facultativa de um mandado de detenção europeu — Execução em direito nacional — Pessoa detida que é nacional do Estado-Membro de emissão — Não execução de um mandado de detenção europeu, pelo Estado-Membro de execução, subordinada a uma permanência durante um período de cinco anos no seu território — Artigo 12.o CE»

Conclusões do advogado-geral Y. Bot apresentadas em 24 de Março de 2009   I ‐ 9624

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de Outubro de 2009   I ‐ 9660

Sumário do acórdão

  1. Direito comunitário — Princípios — Igualdade de tratamento — Discriminação em razão da nacionalidade — Proibição — Âmbito de aplicação

    (Artigo 12.o, primeiro parágrafo, CE)

  2. União Europeia — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros — Motivos de não execução facultativa de um mandado de detenção europeu

    (Directiva 2004/38 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 16.o, n.o 1, e 19.o; Decisão-quadro 2002/584 do Conselho, artigo 4.o, ponto 6)

  3. União Europeia — Cooperação policial e judiciária em matéria penal — Decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros — Motivos de não execução facultativa de um mandado de detenção europeu

    (Artigo12.o, primeiro parágrafo, CE; Decisão-quadro 2002/584 do Conselho, artigo 4.o, ponto 6)

  1.  Um nacional de um Estado-Membro que reside legalmente noutro Estado-Membro tem o direito de invocar o artigo 12.o, primeiro parágrafo, CE contra uma legislação nacional que fixa as condições em que a autoridade judiciária competente pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa da liberdade. Com efeito, os Estados-Membros não podem, no quadro da implementação de uma Decisão-quadro, adoptada com fundamento no Tratado CE, infringir o direito comunitário, especialmente as disposições do Tratado CE relativas à liberdade reconhecida a qualquer cidadão da União de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros.

    (cf. n.os 43, 45, 47, disp. 1)

  2.  O artigo 4.o, ponto 6, da Decisão-quadro 2002/584, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, deve ser interpretado no sentido de que o Estado-Membro de execução não pode, além de uma condição relativa à duração da permanência neste Estado, subordinar a aplicação do motivo de não execução facultativa de um mandado de detenção europeu previsto nessa disposição a exigências administrativas suplementares, como a posse de uma autorização de residência por tempo indeterminado. Com efeito, os artigos 16.o, n.o 1 e 19.o da Directiva 2004/38, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados-Membros, não prevêem, em relação aos cidadãos da União que tenham residido legalmente no território de outro Estado-Membro por um período de cinco anos consecutivos, a emissão, a seu pedido, de um documento que comprove o carácter permanente da residência, mas não impõe tal formalidade. O valor de tal documento é declarativo e probatório, mas não pode ter valor constitutivo.

    (cf. n.os 51, 53, disp. 2)

  3.  O artigo 12.o, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação do Estado-Membro de execução nos termos da qual a autoridade judiciária competente desse Estado recusa dar execução a um mandado de detenção europeu emitido contra um dos seus nacionais para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade, ao passo que, tratando-se de um nacional de outro Estado-Membro com um direito de permanência baseado no artigo 18.o, n.o 1, CE, tal recusa está subordinada à condição de essa pessoa ter permanecido legalmente e de forma ininterrupta durante um período de cinco anos no território do referido Estado-Membro de execução.

    A este respeito, o princípio do reconhecimento mútuo, que está subjacente à economia da Decisão-quadro 2002/584, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, implica, nos termos do artigo 1.o, n.o 2, desta última, que os Estados-Membros são, em princípio, obrigados a dar execução a um mandado de detenção europeu. Com efeito, com excepção dos casos de não execução obrigatória previstos no artigo 3.o da mesma decisão, os Estados-Membros apenas podem recusar dar execução a tal mandado nos casos enumerados no artigo 4.o desta. Daqui resulta que um legislador nacional que, fazendo uso das possibilidades que lhe são oferecidas pelo artigo 4.o, opta por limitar as situações em que a sua autoridade judiciária de execução pode recusar entregar uma pessoa procurada, mais não faz do que reforçar o sistema de entrega instituído pela Decisão-quadro a favor de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Neste contexto, os Estados-Membros dispõem necessariamente, ao dar execução a este artigo 4.o, designadamente ao seu ponto 6, de uma margem de apreciação clara.

    O motivo de não execução facultativa enunciado no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão-quadro 2002/584 tem por objectivo, designadamente, permitir dar especial relevância à possibilidade de aumentar as oportunidades de reinserção social da pessoa procurada no fim da pena em que foi condenada. Consequentemente, é legítimo que o Estado-Membro de execução apenas prossiga tal objectivo relativamente às pessoas que tenham demonstrado um grau de integração real na sociedade do referido Estado-Membro. O mero requisito da nacionalidade para os seus próprios nacionais, por um lado, e o requisito de residência ininterrupta ao longo de um período de cinco anos para os nacionais dos outros Estados-Membros, por outro, podem ser considerados susceptíveis de garantir que a pessoa procurada está suficientemente integrada no Estado-Membro de execução. Este requisito de residência durante um período ininterrupto de cinco anos, não ultrapassa aquilo que é necessário para alcançar o objectivo que visa assegurar um grau de integração real no Estado-Membro de execução das pessoas procuradas que são nacionais de outros Estados-Membros.

    (cf. n.os 57, 58, 61, 67, 68, 73, 74, disp. 3)