ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

16 de Julho de 2009 ( *1 )

«Política social — Protecção dos trabalhadores — Insolvência do empregador — Directiva 80/987/CEE — Obrigação de pagar a totalidade dos créditos em dívida até um montante máximo preestabelecido — Natureza dos créditos do trabalhador em relação à instituição de garantia — Prazo de prescrição»

No processo C-69/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Tribunale di Napoli (Itália), por decisão de 29 de Janeiro de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 20 de Fevereiro de 2008, no processo

Raffaello Visciano

contra

Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, K. Schiemann, J. Makarczyk, P. Kūris (relator) e C. Toader, juízes,

advogada-geral: V. Trstenjak,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Fevereiro de 2009,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Raffaello Visciano, por G. Nucifero, avvocato,

em representação do Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS), por V. Triolo, G. Fabiani e P. Tadris, avvocati,

em representação do Governo italiano, por I. Bruni, na qualidade de agente, assistida por W. Ferrante, avvocato dello Stato,

em representação do Governo espanhol, por B. Plaza Cruz, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por C. M. Wissels e C. ten Dam, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por L. Pignataro-Nolin e J. Enegren, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 2 de Abril de 2009,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 3.o e 4.o da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 219).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe R. Visciano ao Istituto nazionale della previdenza sociale (INPS) (Instituto nacional da previdência social), a propósito de créditos salariais em dívida.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3

O primeiro considerando da Directiva 80/987 enuncia:

«[…] são necessárias disposições para proteger os trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, em particular para garantir o pagamento dos seus créditos em dívida […]».

4

O artigo 1.o, n.os 1 e 2, desta directiva prevê:

«1.   A presente directiva aplica-se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação aos empregadores que se encontrem em estado de insolvência na acepção do n.o 1 do artigo 2.o

2.   Os Estados-Membros podem, a título excepcional, excluir do âmbito de aplicação da presente directiva os créditos de certas categorias de trabalhadores assalariados em razão da natureza especial do contrato de trabalho ou da relação de trabalho ou em razão da existência de outras formas de garantia que assegurem aos trabalhadores assalariados uma protecção equivalente à que resulte da presente directiva.

[A lista das categorias de trabalhadores assalariados a que se refere o primeiro parágrafo consta do anexo.]»

5

Nos termos do artigo 2.o, n.o 2, da referida directiva:

«A presente directiva não prejudica o direito nacional no que se refere à definição dos termos ‘trabalhador assalariado’, ‘empregador’, ‘remuneração’, ‘direito adquirido’ e ‘direito em vias de aquisição’.»

6

O artigo 3.o da Directiva 80/987 dispõe:

«1.   Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o, o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e tendo por objecto a remuneração referente ao período situado antes de determinada data.

2.   A data indicada no n.o 1 será, por escolha dos Estados-Membros:

ou a da superveniência de insolvência do empregador,

ou a do aviso prévio de despedimento dado ao trabalhador em causa, por força de insolvência do empregador,

ou a da superveniência da insolvência do empregador ou a da cessação do contrato de trabalho ou da relação de trabalho do trabalhador em causa, ocorrida por força da insolvência do empregador.»

7

Nos termos do artigo 4.o, n.os 1 a 3, desta directiva:

«1.   Os Estados-Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia previstas no artigo 3.o

2.   Quando os Estados-Membros fizerem uso da faculdade prevista no n.o 1, devem:

no caso previsto no n.o 2, primeiro travessão, do artigo 3.o, assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração referente aos três últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho compreendidos no período dos seis meses anteriores à data da superveniência da insolvência do empregador,

no caso previsto no n.o 2, segundo travessão, do artigo 3.o, assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração referente aos três últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho anteriores à data do aviso prévio de despedimento dado ao trabalhador assalariado por força da insolvência do empregador,

no caso previsto no n.o 2, terceiro travessão, do artigo 3.o, assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração referente aos dezoito últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho anteriores à data da superveniência da insolvência do empregador ou à da cessação do contrato de trabalho ou da relação de trabalho do trabalhador assalariado, ocorrida por força da insolvência do empregador. Nestes casos[,] os Estados-Membros podem limitar a obrigação de pagamento à remuneração referente a um período de oito semanas ou a diversos períodos parciais que perfaçam a mesma duração.

3.   Contudo[,] os Estados-Membros podem fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados, a fim de evitar o pagamento das importâncias que excedam a finalidade social da presente directiva.

[…]»

8

O artigo 5.o da referida directiva prevê:

«Os Estados-Membros estabelecem as modalidades da organização do financiamento e do funcionamento das instituições de garantia observando, nomeadamente, os seguintes princípios:

a)

O património das instituições deve ser independente do capital de exploração dos empregadores e ser constituído por forma que não possa ser apreendido no decurso de um processo de insolvência;

b)

Os empregadores devem contribuir para o financiamento, a menos que este seja assegurado integralmente pelos poderes públicos;

c)

A obrigação de pagamento das instituições existirá independentemente da execução das obrigações de contribuir para o seu financiamento.»

9

O artigo 9.o da Directiva 80/987 dispõe:

«A presente directiva não prejudicará a faculdade de os Estados-Membros aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores assalariados.»

10

Nos termos do artigo 10.o, alínea a), desta directiva, esta «não prejudicará a faculdade de os Estados-Membros tomarem as medidas necessárias para evitar abusos».

Legislação nacional

Lei n.o 297/82

11

Para aplicação da Directiva 80/987, a Lei n.o 297, de 29 de Maio de 1982, (GURI n.o 147, de 31 de Maio de 1982), que regula a remuneração a pagar nos casos de cessação da relação de trabalho e contém disposições em matéria de pensão, prevê, no seu artigo 2.o, a criação de um fundo de garantia que tem como objecto substituir-se ao empregador em caso de insolvência deste que o impeça de pagar a indemnização relativa à cessação da relação de trabalho, prevista no artigo 2120.o do Código Civil, a que o trabalhador ou os seus sucessores têm direito (a seguir «Fundo»).

12

Além disso, esta disposição prevê:

«2.

Decorridos quinze dias após o depósito da decisão de verificação e graduação de créditos, tornada executória nos termos do artigo 97.o do Decreto real n.o 267, de 16 de Março de 1942 [GURI de 6 de Abril de 1942, suplemento extraordinário n.o 81], ou após a publicação da sentença referida no artigo 99.o do mesmo decreto, no caso de ter havido oposições ou recursos relativamente ao seu crédito, ou ainda, após a publicação do despacho de homologação da concordata preventiva, o trabalhador ou os seus sucessores podem obter, a seu pedido, o pagamento pelo Fundo da indemnização devida pela cessação da relação de trabalho e dos créditos acessórios, deduzidas as importâncias eventualmente já pagas.

3.

No caso de declaração tardia dos créditos salariais referidos no artigo 101.o do Decreto real n.o 267, de 16 de Março de 1942, o pedido a que se refere o parágrafo anterior pode ser apresentado após a decisão de admissão ao passivo ou após a sentença que decida uma eventual contestação do administrador da insolvência.

4.

No caso de a empresa ser administrativamente coagida à liquidação, o pedido pode ser apresentado decorridos quinze dias após o depósito da decisão de verificação e graduação de créditos a que se refere o artigo 209.o do Decreto real n.o 267 […] ou, no caso de ter havido oposições ou recursos relativamente aos créditos laborais, após a sentença que recaia sobre os mesmos.

5.

Se o empregador não sujeito às disposições do Decreto real n.o 267 […] não pagar a indemnização devida em caso de resolução da relação de trabalho, ou se apenas pagar parte dela, o trabalhador ou os seus sucessores podem pedir ao Fundo o pagamento da indemnização devida pela cessação da relação de trabalho, desde que, na sequência do processo de execução forçada para liquidar o crédito correspondente a essa indemnização, as garantias patrimoniais se tenham revelado insuficientes para a pagar totalmente ou em parte. Não havendo contestação a este propósito, o Fundo procede ao pagamento da indemnização devida.

6.

As disposições dos parágrafos anteriores só se aplicam nos casos em que a resolução da relação de trabalho e o processo de insolvência ou o processo de execução tenham ocorrido após a entrada em vigor desta lei.

7.

O Fundo deve proceder aos pagamentos referidos no segundo, terceiro, quarto e quinto parágrafos do presente artigo no prazo de 60 dias após a apresentação do pedido do interessado. O Fundo fica subrogado nos direitos do trabalhador ou dos seus sucessores relativamente ao privilégio creditório sobre o património dos empregadores previsto nos artigos 2751.o bis e 2776.o do Código Civil relativamente aos montantes que tenha pago.

[…]»

13

Segundo o artigo 94.o do Decreto real n.o 267, de 16 de Março de 1942, um pedido de admissão ao passivo produz os efeitos duma propositura de acção judicial e interrompe o prazo de prescrição.

14

Nos termos dos artigos 2943.o e 2945.o do Código Civil, o prazo de prescrição é interrompido pela notificação do acto introdutivo duma acção judicial até que a respectiva sentença transite em julgado.

Decreto legislativo n.o 80/92

15

Os artigos 1.o e 2.o do Decreto legislativo n.o 80, de 27 de Janeiro de 1992, que transpõe a Directiva 80/987 (GURI de 13 de Fevereiro de 1992, suplemento ordinário n.o 36, p. 26, a seguir «Decreto legislativo n.o 80/92»), regulamentam a garantia dos créditos do trabalho e a intervenção do Fundo, que é gerido pelo INPS.

16

O artigo 1.o, n.o 1, do Decreto legislativo n.o 80/92 dispõe, sob o título «Garantia dos créditos do trabalho»:

«No caso de o empregador ser objecto de uma acção de falência, de concordata preventiva, de liquidação administrativa forçada ou de administração extraordinária […], os trabalhadores assalariados desse empregador ou os seus sucessores podem requerer o pagamento pelo Fundo […] dos seus créditos laborais em dívida, referidos no artigo 2.o»

17

Nos termos do artigo 2.o, n.os 1 a 5, do Decreto legislativo n.o 80/92:

«1.   O pagamento efectuado pelo Fundo […] nos termos do artigo 1.o […] tem por objecto os créditos resultantes de contratos de trabalho, com excepção dos devidos pela cessação da relação laboral, relativos aos três últimos meses da referida relação compreendidos nos doze meses anteriores:

a)

à data da decisão de instauração de um dos processos a que se refere o artigo 1.o, n.o 1;

b)

à data do início da execução forçada;

c)

à data da decisão de liquidação ou de cessação provisória da actividade ou da autorização para prosseguir a actividade empresarial, para os trabalhadores que tiverem continuado a exercer a sua actividade profissional, ou ainda a data da cessação da relação de trabalho se esta tiver ocorrido enquanto a empresa prosseguia a sua actividade.

2.   O pagamento efectuado pelo Fundo nos termos do n.o 1 do presente artigo não pode exceder um montante igual a três vezes o montante máximo da indemnização excepcional de reintegração salarial, deduzidos os descontos para a segurança social.

3.   A percepção dos montantes pagos pelo Fundo ao abrigo deste artigo rege-se pelas disposições dos n.os 2, 3, 4, 5, 7, primeira frase, e 10 do artigo 2.o da Lei n.o 297, de 29 de Maio de 1982. Os montantes pagos pelo Fundo regem-se pelo disposto no artigo 2.o, n.o 7, segunda frase, da mesma lei.

4.   O pagamento referido no n.o 1 do presente artigo não é cumulável, até aos referidos montantes:

a)

com a indemnização excepcional de reintegração salarial recebida no decurso dos doze meses referidos no n.o 1 do presente artigo;

b)

com as remunerações pagas ao trabalhador no decurso do período de três meses referidos no n.o 1 do presente artigo;

c)

com a indemnização por mobilidade concedida, nos termos da Lei n.o 223, de 23 de Julho de 1991, nos três meses seguintes à resolução da relação laboral.

5.   O prazo de prescrição do direito à prestação referida no n.o 1 é de um ano. Os juros e os efeitos da desvalorização monetária são calculados a partir da data da apresentação do pedido».

Processo principal e questões prejudiciais

18

Resulta da decisão de reenvio que R. Visciano exerceu uma actividade profissional assalariada na sociedade de vigilância Metropoli S.c.a.r.l. até 9 de Novembro de 2000, data em que foi alvo de um processo de despedimento colectivo na sequência da instauração dum processo de liquidação administrativa forçada por insolvência decidida por Decreto ministerial de 24 de Outubro de 2000.

19

Em 8 de Junho de 2001, apresentou um pedido ao abrigo dos artigos 1.o e 2.o do Decreto legislativo n.o 80/92 para obter o pagamento pelo Fundo dos créditos em dívida relativamente ao trabalho prestado nos últimos três meses da relação de trabalho.

20

O INPS não lhe pagou a totalidade das remunerações ainda em dívida com o limite de três vezes o montante máximo da indemnização excepcional de reintegração salarial, tendo antes subtraído desse montante os pagamentos por conta dessa remuneração já recebidos do empregador, pelo que apurou assim um montante inferior ao que R. Visciano deveria receber.

21

Na sequência do acórdão de 4 de Março de 2004, Barsotti e o. (C-19/01, C-50/01 e C-84/01, Colect., p. I-2005), R. Visciano intentou uma acção no Tribunale di Napoli, em 30 de Junho de 2005, para que fosse declarado o seu direito a receber a diferença entre o montante que lhe havia sido pago pelo INPS e o montante máximo a que tinha direito, sem qualquer dedução.

22

O INPS invocou a prescrição de um ano aplicável ao crédito, em virtude de se tratar de um crédito que correspondia a uma dívida de natureza social, autónoma e distinta do crédito reivindicado ao empregador, que excluía a assunção desse encargo ao abrigo do Decreto real n.o 267, de 16 de Março de 1942.

23

O órgão jurisdicional de reenvio observa que a jurisprudência da Corte suprema di cassazione tem variado a propósito da qualificação dos montantes em dívida pelo empregador e considera que a possibilidade de julgar a acção procedente depende da questão da prescrição, a qual, por sua vez, depende da qualificação atribuída ao crédito que o demandante invoca.

24

Por consequência, o Tribunale di Napoli decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Os artigos 3.o e 4.o da Directiva 80/987[…], na parte em que prevêem o pagamento aos trabalhadores assalariados dos seus créditos remuneratórios em dívida, permitem que esses créditos, no momento em que são invocados perante a instituição de garantia, sejam privados da sua natureza remuneratória originária e qualificados [de prestação de segurança social], pelo simples facto de o respectivo pagamento ter sido confiado pelo Estado a uma instituição de previdência e de, consequentemente, na legislação nacional, o termo ‘remuneração’ ter sido substituído pelo termo ‘prestação [de segurança] social’?

2)

Tendo em conta a finalidade social da [D]irectiva [80/987], é suficiente que a legislação nacional utilize o crédito remuneratório originário do trabalhador assalariado como um mero termo de comparação, que sirva apenas para determinar per relationem a prestação que se pretende garantir com a intervenção da instituição de garantia, ou é exigível que o crédito remuneratório do trabalhador sobre o empregador insolvente seja protegido graças à intervenção da instituição de garantia, sendo-lhe assegurado um conteúdo, garantias, prazos e modalidades de exercício iguais aos reconhecidos a qualquer outro crédito laboral no mesmo ordenamento jurídico?

3)

Os princípios decorrentes da regulamentação comunitária, em particular os princípios da equivalência e da efectividade, permitem que seja aplicado aos créditos remuneratórios não pagos aos trabalhadores assalariados e relativos a um período estabelecido nos termos do artigo 4.o da Directiva 80/987 um regime prescricional menos favorável do que o aplicado a outros créditos de natureza análoga?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

25

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 3.o e 4.o da Directiva 80/987 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que permita qualificar de «prestações de segurança social» os créditos dos trabalhadores em dívida pelo facto de os mesmos serem garantidos pelo Fundo.

26

A este propósito, há que recordar, por um lado, que o artigo 3.o, n.o 1, da Directiva 80/987 impõe que os Estados-Membros tomem as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia, sem prejuízo do disposto no artigo 4.o da referida directiva, o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e tendo por objecto a remuneração referente ao período situado antes de determinada data (acórdão de 11 de Setembro de 2003, Walcher, C-201/01, Colect., p. I-8827, n.o 31).

27

Por outro lado, a finalidade social da Directiva 80/987 consiste em assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo comunitário de protecção em caso de insolvência do empregador, através do pagamento dos créditos em dívida resultantes de contratos ou de relações de trabalho, respeitantes à remuneração de um determinado período (acórdão Barsotti e o., já referido, n.o 35 e jurisprudência referida).

28

Todavia, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, da Directiva 80/987, é ao direito nacional que compete precisar o termo «remuneração» e definir o seu conteúdo (acórdão de 16 de Dezembro de 2004, Olaso Valero, C-520/03, Colect., p. I-12065, n.o 31 e jurisprudência referida).

29

Por conseguinte, é ao direito nacional que cabe definir a natureza jurídica de créditos como os que estão em causa no processo principal.

30

A este propósito, deve reconhecer-se que a Directiva 80/987 também não precisa os processos jurisdicionais e as regras de prescrição aplicáveis aos créditos dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.

31

Resulta do exposto que se deve responder à primeira questão que os artigos 3.o e 4.o da Directiva 80/987 não se opõem a uma legislação nacional que permite qualificar de «prestações de segurança social» os créditos dos trabalhadores em dívida quando os créditos são pagos por uma instituição de garantia.

Quanto à segunda questão

32

Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, para efeitos de aplicação dos artigos 4.o e 5.o da Directiva 80/987, basta que uma legislação nacional utilize um crédito originário do trabalhador como simples termo de comparação ou se esse crédito deve ser protegido pela intervenção do Fundo como qualquer outro crédito do trabalho.

33

À luz da resposta dada à primeira questão, deve considerar-se que o regime jurídico aplicável aos créditos dos trabalhadores em dívida também deve ser definido pelo direito nacional.

34

Daqui resulta que o crédito salarial originário do trabalhador assalariado pode constituir simplesmente um termo de comparação que permite determinar o montante da prestação a garantir pelo Fundo.

35

Por consequência, há que responder à segunda questão que a Directiva 80/987 não se opõe a uma legislação nacional que utiliza como simples termo de comparação o crédito salarial originário do trabalhador assalariado para determinar a prestação a garantir pela intervenção do Fundo.

Quanto à terceira questão

36

Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, no contexto de um pedido de um trabalhador assalariado para obter de um fundo de garantia o pagamento dos créditos de remuneração em dívida, a Directiva 80/987 se opõe à aplicação de um regime de prescrição menos favorável do que o aplicado a créditos de natureza semelhante.

37

A Directiva 80/987 não contém nenhuma disposição que regule a questão de saber se os Estados-Membros podem estabelecer um prazo de prescrição para a apresentação, por um trabalhador assalariado, de um pedido destinado a obter, de acordo com as modalidades fixadas na referida directiva, o pagamento de remunerações em dívida pelo empregador insolvente.

38

Com efeito, os artigos 4.o, 5.o e 10.o da Directiva 80/987, que permitem aos Estados-Membros não apenas estabelecer as modalidades de organização, financiamento e funcionamento da instituição de garantia mas ainda limitar, em determinadas circunstâncias, a protecção que pretende garantir aos trabalhadores assalariados, não prevêem qualquer limitação no tempo dos direitos que decorrem para os trabalhadores assalariados dessa directiva nem qualquer limitação da possibilidade de os Estados-Membros estabelecerem um prazo de prescrição (v. acórdão de 18 de Setembro de 2003, Pflücke, C-125/01, Colect., p. I-9375, n.o 31).

39

Nestas condições, os Estados-Membros têm, em princípio, a faculdade de prever no seu direito nacional disposições que fixem um prazo de prescrição para a propositura da acção de um trabalhador assalariado para obter, nas condições da Directiva 80/987, o pagamento dos seus créditos de remunerações em dívida, desde que, no entanto, estas disposições não sejam menos favoráveis do que as respeitantes a reclamações internas de idêntica natureza (princípio da equivalência) e não sejam formuladas de modo a tornar na prática impossível o exercício dos direitos reconhecidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v. acórdão Pflücke, já referido, n.o 34 e jurisprudência referida).

40

A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que se deve verificar se a qualificação dos créditos do trabalhador em relação ao Fundo de prestações de segurança social que tenha como consequência não se aplicarem as regras da interrupção do prazo de prescrição aos créditos admitidos ao passivo da insolvência é ou não contrária aos princípios da equivalência e da efectividade.

41

Quanto ao princípio da equivalência, deve observar-se desde logo que o pedido de pagamento de remunerações em dívida do trabalhador assalariado ao Fundo e o pedido desse trabalhador ao seu empregador insolvente não são semelhantes. É esta conclusão que se extrai, nomeadamente, do artigo 4.o da Directiva 80/987, que confere aos Estados-Membros a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia.

42

Por consequência, a existência de regimes de prescrição diferentes não ofende o princípio da equivalência.

43

No que se refere ao princípio da efectividade, o Tribunal de Justiça já considerou compatível com o direito comunitário a fixação de prazos razoáveis de actuação judicial, sob pena de preclusão, no interesse da segurança jurídica que protege simultaneamente o contribuinte e a entidade administrativa em causa (v. acórdão de 17 de Novembro de 1998, Aprile, C-228/96, Colect., p. I-7141, n.o 19 e jurisprudência referida). Com efeito, esses prazos não são susceptíveis de, na prática, impossibilitarem ou dificultarem excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico comunitário.

44

A este respeito, há que recordar que, no que se refere ao pagamento de créditos salariais, que, pela sua própria natureza, se revestem de grande importância para os interessados, a brevidade do prazo de prescrição não deve ter a consequência de os interessados não conseguirem, na prática, respeitar o referido prazo e, assim, não beneficiarem da protecção que a Directiva 80/987 se destina precisamente a garantir-lhes (v. acórdão Pflücke, já referido, n.o 37).

45

A este propósito, o Tribunal de Justiça já decidiu que um prazo de prescrição de um ano para intentar uma acção destinada a obter a reparação de um dano causado pela transposição tardia para o direito interno da Directiva 80/987 parece razoável (v., neste sentido, acórdão de 10 de Julho de 1997, Palmisani, C-261/95, Colect., p. I-4025, n.o 29).

46

Contudo, resulta igualmente do n.o 39 do acórdão de 11 de Julho de 2002, Marks & Spencer (C-62/00, Colect., p. I-6325), que, para cumprir a sua função de garantia da segurança jurídica, um prazo de prescrição deve ser fixado antecipadamente. Uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efectividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza (acórdão de 24 de Março de 2009, Danske Slagterier, C-445/06, Colect., p. I-2119, n.o 33 e jurisprudência referida).

47

No processo principal, deve observar-se que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Decreto legislativo n.o 80/92 fixa o prazo de prescrição em um ano, mas não determina o dies a quo.

48

Por outro lado, o mesmo órgão jurisdicional observa que a jurisprudência da Corte suprema di cassazione começou por qualificar de natureza salarial as prestações pagas pelo Fundo, idêntica à dos salários pagos pelo empregador, qualificação que tinha como consequência serem aplicados os prazos de prescrição e respectivas regras de interrupção estabelecidos no processo de insolvência. Mais tarde, esse tribunal supremo considerou que a obrigação imposta ao Fundo tem por objecto uma prestação de segurança social, independente da obrigação salarial do empregador, o que tem como consequência, entre outras, a inaplicação das regras de interrupção dos prazos de prescrição já referidos.

49

Estas duas conclusões são susceptíveis de criar incertezas jurídicas que podem constituir uma violação do princípio da efectividade, se se verificar que estas incertezas jurídicas podem explicar que a acção de R. Visciano tenha sido intentada fora de prazo, o que compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar.

50

À luz de todas as considerações precedentes, deve, pois, responder-se à terceira questão que, no contexto de um pedido de um trabalhador assalariado para obter de um fundo de garantia o pagamento dos créditos de remuneração em dívida, a Directiva 80/987 não se opõe à aplicação de um prazo de prescrição de um ano (princípio da equivalência). Todavia, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a configuração deste prazo não torna impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos reconhecidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade).

Quanto às despesas

51

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

Os artigos 3.o e 4.o da Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, não se opõem a uma legislação nacional que permite qualificar de «prestações de segurança social» os créditos dos trabalhadores em dívida quando os créditos são pagos por uma instituição de garantia.

 

2)

A Directiva 80/987 não se opõe a uma legislação nacional que utiliza como simples termo de comparação o crédito salarial originário do trabalhador assalariado para determinar a prestação a garantir pela intervenção de um fundo de garantia.

 

3)

No contexto de um pedido de um trabalhador assalariado para obter de um fundo de garantia o pagamento dos créditos de remuneração em dívida, a Directiva 80/987 não se opõe à aplicação de um prazo de prescrição de um ano (princípio da equivalência). Todavia, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se a configuração deste prazo não torna impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos reconhecidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade).

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.