CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 6 de Julho de 2010 1(1)

Processo C‑565/08

Comissão Europeia

contra

República Italiana

«Advogados – Honorários – Obrigação de observância de limites máximos vinculativos»





1.        A presente acção por incumprimento tem por objecto a legislação italiana que, segundo a Comissão, estabelece honorários máximos vinculativos para as actividades dos advogados.

2.        Segundo a Comissão, a obrigação de os advogados respeitarem honorários máximos constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento, na acepção do artigo 43.° CE, e uma restrição à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 49.° CE. Tendo em conta que a referida obrigação se mostra inadequada para defender os objectivos de interesse geral e, de qualquer modo, mais restritiva do que o necessário para alcançar os referidos objectivos, tal restrição é insusceptível de justificação.

3.        A República Italiana fundamentou a sua defesa alegando, a título principal, que não existe, na sua ordem jurídica, um princípio que proíba que se excedam os honorários máximos aplicáveis às actividades dos advogados. Apenas a título subsidiário procurou demonstrar que o estabelecimento de limites máximos visa garantir o acesso à justiça, a protecção dos destinatários dos serviços e a boa administração da justiça.

 Quadro jurídico nacional

4.        De modo geral, a remuneração das profissões liberais, entre as quais figura necessariamente a de advogado, no quadro de um contrato de prestação de serviços, rege‑se pelo artigo 2233.° do Código Civil italiano, que dispõe:

«A remuneração, se não for acordada entre as partes e não puder ser determinada segundo as tabelas ou os usos vigentes, é fixada judicialmente, após parecer da associação profissional a que o prestador de serviços pertence.

Em qualquer caso, o montante da remuneração deve ser adaptado à importância do trabalho e à dignidade da profissão.

Os acordos celebrados entre os advogados ou estagiários habilitados e os respectivos clientes com vista à fixação das remunerações profissionais são nulos, excepto se celebrados por escrito.»

5.        As disposições específicas respeitantes à remuneração dos advogados constam do Decreto‑lei régio n.° 1578, de 27 de Novembro de 1933, convertido na Lei n.° 36, de 22 de Janeiro de 1934, na redacção que lhe foi dada posteriormente, que constitui o diploma de base que regula a profissão de advogado em Itália.

6.        O artigo 57.° do Decreto‑lei régio estabelece:

«Os critérios de determinação dos honorários e compensações de despesas devidos aos advogados e aos procuratori [mandatários] em matéria penal e extrajudicial (2) são fixados, de dois em dois anos, por deliberação do Conselho Nacional da Ordem dos Advogados. São igualmente determinados pelo Conselho Nacional da Ordem dos Advogados os honorários relativos às acções penais tramitadas nos órgãos jurisdicionais de recurso e no Supremo Tribunal Militar.

As deliberações que fixam os critérios referidos no parágrafo anterior devem ser aprovadas pelo Ministério da Justiça.»

7.        As condições aplicáveis aos critérios referidos no artigo 57.° encontram‑se especificadas no artigo 58.° do mesmo diploma, que dispõe:

«Os critérios referidos no artigo anterior são estabelecidos em função do valor dos litígios e do grau hierárquico da autoridade demandada, bem como, em matéria penal, tendo em conta a duração do processo.

Por cada acto ou conjunto de actos, são fixados honorários máximos e mínimos.

Em matéria extrajudicial, deve tomar‑se em consideração o valor do processo.»

8.        Após ser objecto das deliberações do Conselho Nacional da Ordem dos Advogados, nos termos do artigo 57.° do decreto‑lei régio, a tabela dos honorários dos advogados deve ser aprovada pelo Ministro da Justiça, depois de obtido o parecer do Comitato interministeriale dei prezzi (Comité Interministerial dos Preços), nos termos do artigo 14.°, vigésimo parágrafo, da Lei n.° 887, de 22 de Dezembro de 1984, e de ter sido consultado o Consiglio di Stato (Conselho de Estado), nos termos do artigo 17.°, n.° 3, da Lei n.° 400, de 23 de Agosto de 1988. O último decreto ministerial que regulamenta os honorários dos advogados adoptado nos termos supramencionados é o Decreto n.° 127, de 8 de Abril de 2004 (a seguir «decreto ministerial n.° 127/2004»).

9.        O artigo 60.° do decreto‑lei régio dispõe que a liquidação dos honorários é efectuada pela autoridade judicial com base nos referidos critérios, atendendo à gravidade e ao número de questões tratadas. Essa liquidação deve situar‑se dentro dos limites máximos e mínimos fixados. Contudo, em casos excepcionalmente importantes, tendo em conta o carácter específico dos litígios e quando o valor intrínseco da prestação o justifique, o juiz pode ultrapassar o limite máximo fixado pela tabela. Inversamente, pode, quando o processo se revista de simplicidade, fixar honorários inferiores ao limite mínimo. Em ambos os casos, a decisão do juiz deve ser fundamentada.

10.      No que respeita aos honorários praticados pelos advogados face aos clientes, o artigo 61.° do decreto‑lei régio estabelece:

«Os honorários cobrados pelos advogados aos seus clientes, tanto em matéria judicial como extrajudicial, são determinados, salvo acordo específico, com base nos critérios estabelecidos no artigo 57.°, tendo em conta a gravidade e o número das questões tratadas.

Estes honorários, tendo em conta a natureza especial dos litígios, o valor ou o resultado da prestação, podem ser mais elevados do que os calculados para serem suportados pela parte condenada nas despesas.

[…]»

11.      No que respeita aos honorários dos advogados em matéria cível, o artigo 24.° da lei n.° 794, de 13 de Junho de 1942, relativa aos honorários dos advogados a título das prestações judiciais em matéria cível (a seguir «lei n.° 794/1942»), dispõe que os honorários mínimos definidos na tabela para prestações de serviços dos advogados, em matéria cível, não são derrogáveis, sendo nula a convenção em contrário

12.      O artigo 13.° da Lei n.° 31, de 9 de Fevereiro de 1982, relativa à livre prestação de serviços pelos advogados nacionais dos Estados‑Membros da Comunidade Europeia, que transpõe a Directiva 77/249/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados (3), dispõe: «são devidos aos advogados referidos no artigo 1.°, pelas prestações profissionais efectuadas, os direitos e compensações estabelecidos em matéria judicial e extrajudicial pela regulamentação profissional em vigor».

13.      Sublinhe‑se que, durante a fase pré‑contenciosa do presente processo, a regulamentação italiana relativa à remuneração das profissões liberais e, consequentemente, também dos advogados, foi alterada pelo Decreto‑lei n.° 223, de 4 de Julho de 2006, convertido na Lei n.° 248, de 4 de Agosto de 2006 (a seguir «decreto‑lei n.° 223/2006»). O artigo 2.°, intitulado «Disposições urgentes para a protecção da concorrência no sector dos serviços profissionais», dispõe:

«1.      Em conformidade com os princípios comunitários da livre concorrência e da livre circulação das pessoas e serviços, e com o objectivo de assegurar aos utilizadores uma possibilidade de escolha efectiva no exercício dos seus direitos e uma possibilidade de comparação dos serviços oferecidos no mercado, a partir da data de entrada em vigor do presente decreto são revogadas as disposições legislativas e regulamentares que, no que respeita às profissões liberais e às actividades intelectuais, estabelecem:

a)      tabelas fixas ou mínimas obrigatórias e, consequentemente, a proibição de estabelecer, por via contratual, remunerações subordinadas à realização dos objectivos prosseguidos;

[…]

2.      O disposto no número anterior não prejudica as normas relativas ao exercício das profissões no âmbito do serviço nacional de saúde pública ou de uma relação contratual com este, bem como eventuais tabelas máximas previamente estabelecidas, de modo geral, no âmbito da protecção dos utilizadores. Em caso de liquidação judicial e de assistência judiciária, o órgão jurisdicional procede à liquidação das despesas e honorários, com base na tabela de honorários. Nos processos de concurso, as entidades adjudicantes podem utilizar as tabelas, devidamente consideradas como adequadas, enquanto critério ou base de referência para a determinação dos honorários.

3.      As regras deontológicas e convencionais, como os códigos de conduta que acolham as disposições referidas no n.° 1, serão adaptados até 31 de Janeiro de 2007, designadamente através da adopção de medidas destinadas a assegurar a qualidade dos serviços profissionais. Não se procedendo à adaptação, a partir desta mesma data, as disposições que contrariem o estabelecido no mesmo número serão sempre consideradas nulas.»

 Procedimento pré‑contencioso e tramitação no Tribunal de Justiça

14.      Considerando que a regulamentação italiana relativa às actividades extrajudiciais dos advogados podia ser incompatível com o artigo 49.° CE, a Comissão, em 13 de Julho de 2005, enviou uma notificação para cumprir à República Italiana. Esta respondeu por ofício de 19 de Setembro de 2005.

15.      Posteriormente, a Comissão completou por duas vezes a análise efectuada na notificação para cumprir. Numa primeira notificação complementar para cumprir, datada de 23 de Dezembro de 2005, considerou incompatíveis com os artigos 43.° CE e 49.° CE as normas italianas que estabeleciam a obrigação de respeitar tabelas vinculativas para as actividades judiciais e extrajudiciais dos advogados. A República Italiana respondeu por ofícios de 9 de Março de 2006, de 10 de Julho de 2006 e de 17 de Outubro de 2006.

16.      Numa segunda notificação complementar, datada de 23 de Março de 2007, a Comissão reagiu à nova regulamentação italiana na matéria, ou seja, o decreto‑lei n.° 223/2006. A República Italiana respondeu por ofício de 21 de Maio de 2007.

17.      Em seguida, por ofício de 3 de Agosto de 2007, a Comissão solicitou às autoridades italianas informações sobre as regras relativas ao sistema de reembolso das despesas apresentadas pelos advogados. A República Italiana respondeu por ofício de 28 de Setembro de 2007.

18.      Insatisfeita com as observações apresentadas pela República Italiana, a Comissão enviou‑lhe um parecer fundamentado no dia 4 de Abril de 2008, alegando incompatibilidade entre as disposições nacionais que impõem aos advogados a obrigação de respeitar honorários mínimos e os artigos 43.° CE e 49.° CE.

19.      Apesar dos argumentos aduzidos pelas autoridades italianas na sua resposta ao parecer fundamentado de 9 de Outubro de 2008, a Comissão intentou a presente acção, na qual pede que o Tribunal de Justiça declare que, ao adoptar normas que impõem aos advogados a obrigação de respeitarem honorários máximos, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.° CE e 49.° CE, e condene a República Italiana nas despesas do processo.

20.      Por despacho de 5 de Junho de 2009, o Tribunal de Justiça autorizou a República da Eslovénia a intervir em apoio da Comissão.

21.      A República Italiana requereu a realização de audiência, a qual teve lugar em 24 de Março de 2010, tendo estado presentes os agentes da República Italiana e da Comissão.

 Apreciação

22.      O pedido da Comissão parte do pressuposto de que a legislação italiana contém disposições que impõem aos advogados a obrigação de respeitarem honorários máximos. De acordo com a argumentação apresentada pela Comissão na petição e na audiência, pode observar‑se que a Comissão acusa a República Italiana não da existência de honorários máximos vinculativos no que toca à liquidação das despesas pela autoridade judicial, explicitamente prevista no artigo 60.° do decreto‑lei régio, mas da obrigação de respeitar esses honorários no relacionamento entre advogado e cliente, uma vez que essa mesma obrigação limita a livre negociação da remuneração dos advogados.

23.      Se assim fosse, isto é, se fizessem parte da legislação italiana disposições que impõem aos advogados a obrigação de respeitarem honorários máximos nas relações com os clientes, não seria difícil, partindo do acórdão Cippola e o. (4), em que o Tribunal de Justiça qualificou uma obrigação análoga relativa ao respeito de honorários mínimos como restrição à livre prestação de serviços, reconhecer que a obrigação em questão constitui uma restrição à livre prestação de serviços, ou mesmo à liberdade de estabelecimento, incumbindo portanto à República Italiana demonstrar que esta restrição pode ser justificada por objectivos de interesse geral.

24.      Ora, a República Italiana contesta precisamente que seja imposta aos advogados a obrigação de respeitarem honorários máximos nas relações com os clientes. Por esta razão, antes de analisar a questão de saber se a obrigação imposta aos advogados de respeitarem honorários máximos constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento na acepção do artigo 43.° CE, bem como uma restrição à livre prestação de serviços na acepção do artigo 49.° CE, apreciarei previamente a questão de saber se a obrigação referida faz parte da ordem jurídica italiana.

25.      Para começar, devo recordar que a tabela italiana para as actividades dos advogados que, para cada acto ou série de actos, fixa um limite máximo e um limite mínimo, já foi examinada três vezes pelo Tribunal de Justiça. A primeira vez foi no acórdão Arduino (5), em que o Tribunal de Justiça analisou o procedimento de aprovação da tabela que estabelece honorários mínimos e máximos face aos artigos 10.° CE e 81.° CE, com o objectivo de verificar se a referida tabela constituía uma medida estatal ou uma decisão de intervenção em matéria económica de um operador privado. Nesta ocasião, o Tribunal de Justiça declarou que os referidos artigos do Tratado não se opõem a que um Estado‑Membro adopte uma medida legislativa ou regulamentar que aprove, com base num projecto elaborado por uma ordem profissional de advogados, uma tabela que estabeleça honorários mínimos e máximos dos membros da profissão (6).

26.      A mesma declaração figura no acórdão Cipolla e o. (7). Neste acórdão, para além da conformidade da tabela italiana dos honorários dos advogados com as exigências do direito comunitário da concorrência, o Tribunal de Justiça abordou a questão da relação entre a proibição absoluta da derrogação, por acordo, dos honorários mínimos fixados na referida tabela e o princípio de livre prestação de serviços. A este respeito, o Tribunal de Justiça observou que essa proibição constituía uma restrição à livre prestação de serviços, susceptível, em princípio, de ser justificada pelos objectivos de protecção dos consumidores e da boa administração da justiça. O Tribunal considerou que competia ao órgão jurisdicional nacional verificar se a regulamentação italiana em causa respondia verdadeiramente aos objectivos referidos e se as restrições que impõe não eram desproporcionadas em relação a esses objectivos (8).

27.      Depois, no despacho Hospital Consulting e o. (9), o Tribunal de Justiça reiterou a sua posição quanto à conformidade da tabela italiana dos honorários dos advogados com as exigências do direito comunitário da concorrência. Neste processo, as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça eram relativas à proibição de o órgão jurisdicional, quando se pronuncia sobre o montante das despesas que a parte vencida deve pagar à outra parte, derrogar os honorários mínimos fixados pela referida tabela.

28.      Parece‑me importante realçar que, tanto no acórdão Cipolla e o. como no despacho Hospital Consulting e o. a argumentação do Tribunal de Justiça incidiu apenas sobre a proibição de derrogar os honorários mínimos. As referidas decisões não abordam, de modo algum, a eventual proibição de derrogar os honorários máximos apesar de, no processo que deu origem ao acórdão Cipolla e o., o órgão jurisdicional de reenvio ter questionado o Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade do princípio da proibição absoluta de derrogar os honorários dos advogados com o princípio da livre prestação de serviços (10).

29.      Por ocasião dos factos que deram lugar aos acórdãos, já referidos, Arduíno e Cipolla e o., e ao despacho, já referido, Hospital Consulting e o. a existência de uma proibição de derrogar os honorários mínimos não era contestável. Esta proibição estava expressamente formulada no artigo 24.° da Lei n.° 794/1942 e a sua violação era punida com a nulidade de qualquer acordo derrogatório, bem como no artigo 4.°, n.° 1, do decreto ministerial n.° 127/2004, em cujos termos os honorários mínimos dos advogados não são derrogáveis (11).

30.      A obrigação de respeitar honorários mínimos e, portanto, o carácter obrigatório dos mesmos, foi suprimida pelo Decreto‑Lei n.° 223/2006, que derroga assim, enquanto lex posterior, a Lei n.° 794/1942 e o decreto ministerial n.° 127/2004.

31.      À semelhança da existência da proibição de revogar os honorários mínimos na ocasião dos factos que deram lugar aos acórdãos, já referidos, Arduíno e Cipolla e o., e ao despacho, já referido, Hospital Consulting e o., também não é contestável a existência, na legislação italiana, de honorários máximos para as actividades dos advogados.

32.      No entanto, parece não ser essa a acusação que Comissão faz à República Italiana. Com efeito, a Comissão critica o carácter obrigatório dos honorários máximos nas relações entre advogados e clientes, na medida em que constitui uma limitação da liberdade contratual destes últimos. Na opinião da Comissão, a legislação italiana em questão proíbe os advogados de, mediante acordo, derrogarem os honorários máximos.

33.      A este respeito, há que recordar que a República Italiana não é o único Estado‑Membro cuja ordem jurídica estabelece uma tabela com limites mínimos e máximos aplicáveis aos honorários dos advogados (12).

34.      Admito que essa tabela pode desempenhar uma função moderadora que protege os sujeitos de direito contra a fixação de honorários excessivos e permite conhecer antecipadamente as despesas inerentes aos serviços prestados pelos advogados, tendo designadamente em conta a assimetria de informação existente entre advogados e clientes.

35.      Como já referi, no centro das preocupações reveladas pela Comissão está o alegado carácter obrigatório dos honorários máximos que, segundo esta, são aplicáveis às actividades dos advogados, designadamente por força dos artigos 57.° e 58.° do decreto‑lei régio, do artigo 24.° da Lei n.° 794/1942, do artigo 13.° da Lei n.° 31, de 9 de Fevereiro de 1982, das disposições pertinentes do decreto ministerial n.° 127/2004 e do Decreto‑Lei n.° 223/2006, está (13).

36.      Com base na regulamentação italiana, tal como foi apresentada pela Comissão e depois explicada pela República Italiana tanto nos articulados como na audiência, considero que a premissa da Comissão relativa à proibição de derrogar os honorários máximos é inexacta.

37.      Resulta expressamente do artigo 2233.° do Código Civil italiano, enquanto lex generalis, bem como do artigo 61.° do decreto‑lei régio, enquanto lex specialis, que o acordo entre um advogado e o seu cliente prevalece sobre a tabela estabelecida pelo decreto ministerial n.° 127/2004. Num caso concreto, só na falta de acordo é que a tabela é aplicada para determinar os honorários de um advogado. Daí resulta que o advogado e o cliente dispõem de uma possibilidade de estabelecer, por acordo, os honorários do advogado, por exemplo, em função do tempo utilizado, por definição prévia ou ainda em função do resultado.

38.      Esta observação também não é posta em causa pelo artigo 2.° do Decreto‑Lei n.° 223/2006, nos termos do qual a derrogação das disposições legislativas e regulamentares no sector dos serviços profissionais que estabelecem tabelas fixas ou mínimas obrigatórias não afecta eventuais honorários máximos. Em minha opinião, resulta da referida disposição que o carácter dos eventuais honorários mínimos permaneceu inalterado. Assim, uma vez que os honorários máximos aplicáveis às actividades dos advogados não tinham carácter vinculativo nas relações entre advogados e clientes antes da adopção do decreto‑lei n.° 223/2006, não podem assumir esse carácter depois da adopção do decreto acima indicado.

39.      Além disso, contrariamente ao artigo 2.°, n.° 1, do Decreto‑Lei n.° 223/2006, o termo «obrigatório» não figura no n.° 2 da mesma disposição em relação aos honorários máximos.

40.      Atenta a jurisprudência segundo a qual o alcance das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais deve ser apreciado tendo em conta a interpretação que delas fazem os órgãos jurisdicionais nacionais (14), para que a acção intentada pela Comissão possa ser acolhida é necessário demonstrar que os órgãos jurisdicionais italianos entendem os honorários máximos como tendo carácter obrigatório.

41.      Na petição, a Comissão alegou, sem indicar exemplos concretos, que resultava de jurisprudência constante da Corte suprema di cassazione que a proibição de derrogar a tabela de honorários do advogado implica a nulidade de qualquer acordo em contrário entre as partes interessadas. A República Italiana respondeu que a jurisprudência indicada incidia apenas sobre os honorários mínimos.

42.      Na audiência, a Comissão referiu‑se aos acórdãos da Corte suprema di cassazione n.° 12297/2001, n.° 9514/96 e n.° 19014/2007, sem entregar cópia dos mesmos ao Tribunal de Justiça. Afirmou que, nestes acórdãos, a Corte suprema di cassazione considerou que as tabelas de honorários mínimos e máximos têm por função limitar a autonomia contratual. A República Italiana respondeu que esses acórdãos são relativos a enquadramentos regulamentares completamente diferentes.

43.      Apesar de os acórdãos referidos não terem sido juntos aos autos, analisei um deles, o acórdão n.° 12297/2001, acessível através da Internet. Resulta desta análise que o mesmo é apenas relativo à liquidação das despesas judiciais e não à liberdade contratual de fixação de honorários na relação entre o cliente e o seu advogado.

44.      Tendo em conta as considerações precedentes, é possível efectuar uma recapitulação.

45.      Em primeiro lugar, cabe à Comissão provar a existência de uma obrigação que impõe aos advogados o respeito de honorários máximos e que os proíbe de derrogar, por acordo, os referidos honorários máximos.

46.      A Comissão provou que existem limites máximos na matéria. Na realidade, este elemento não era contestado pela República Italiana. No entanto, não conseguiu demonstrar que os referidos limites são obrigatórios no sentido de que impedem que os advogados os derroguem mediante acordo celebrado com os clientes. A análise da regulamentação italiana relativa à remuneração dos advogados não revela a existência dessa proibição expressa de derrogar os honorários máximos, à semelhança da proibição de derrogar os honorários mínimos aplicável até à alteração ocorrida com o decreto‑lei n.° 223/2006.

47.      Em segundo lugar, a Comissão não demonstrou que, apesar da inexistência dessa proibição expressa, os órgãos jurisdicionais nacionais interpretam a regulamentação em causa no sentido de que os honorários mínimos constituem os limites da liberdade contratual dos advogados e dos seus clientes. Tanto quanto sei, os acórdãos da Corte suprema di cassazione referidos pela Comissão na audiência (15), mas que não foram juntos aos autos, não corroboram a afirmação da Comissão. Além disso, a República Italiana observou correctamente que os acórdãos em questão são relativos a quadros regulamentares diferentes do que é objecto do presente processo.

48.      Resulta da análise precedente que o pedido da Comissão deve ser julgado improcedente.

49.      Quanto às despesas, nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Não tendo a República Italiana pedido a condenação da Comissão nas despesas, cada uma das partes deverá suportar as suas próprias despesas.

50.      Nos termos do artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, o Estado‑Membro que interveio no litígio suportará as suas próprias despesas. Consequentemente, a República da Eslovénia suportará as suas despesas.

 Conclusão

51.      Com base nas considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que decida do seguinte modo:

«1)   A acção é julgada improcedente.

2)     A República Italiana suportará as suas próprias despesas

3)     A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas

4)     A República da Eslovénia suportará as suas próprias despesas.»


1 – Língua original: francês.


2 –      Apesar de a referida disposição apenas mencionar expressamente os honorários e compensações de despesas em matéria penal e extrajudicial, na jurisprudência do Tribunal de Justiça a mesma é expressamente referida como abrangendo igualmente os honorários e compensações de despesas em matéria civil (v., por exemplo, acórdãos de 19 de Fevereiro de 2002, Arduino, C‑35/99, Colect., p. I‑1529, n.° 6; de 5 de Dezembro de 2006, Cipolla e o., C‑94/04 e C‑202/04, Colect., p. I‑11421, n.° 4, e despacho de 5 de Maio de 2008, Hospital Consulting e o., C‑386/07, Colect., n.° 5).


3 – JO L 78, p. 17.


4 – Já referido.


5 – Já referido.


6 – Em contrapartida, face a uma tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários, o Tribunal de Justiça considerou que a regulamentação italiana que impõe a uma organização profissional a adopção da referida tabela é contrária ao artigo 85.° CE, dado tratar‑se de uma decisão de associação de empresas e não de uma medida estatal (acórdão de 18 de Junho de 1998, Comissão/Itália, C‑35/96, Colect., p. I‑3851).


7 – Já referido.


8 – No seu pedido, a Comissão chamou a atenção para a observação da Corte d’Appello di Torino (Tribunal de Segunda Instância de Turim), órgão de reenvio no processo Cipolla e o., efectuada no acórdão de 26 de Maio de 2008 (Cipolla contra Portoleze, Fazari), nos termos do qual «a fixação de honorários mínimos não derrogáveis não é um instrumento para a protecção dos consumidores, aos quais – habitualmente – não são aplicáveis os custos da tabela profissional, e os quais – devido à assimetria de informação […] não têm condições para apreciar o efeito multiplicador desempenhado pela fragmentação das rubricas dos direitos e dos honorários em relação à duração do processo, sobre o resultado final do custo da prestação remunerada, independentemente da qualidade do serviço prestado, o que prejudica a boa administração da justiça».


9 – Já referido.


10 – É certo que o advogado‑geral M. Poiares Maduro, no n.° 66 das conclusões no processo que deu origem ao acórdão Cipolla e o., já referido, declarou que a tabela italiana comportava igualmente honorários máximos, que os advogados que exercem em Itália não podiam ultrapassar. O advogado‑geral P. Léger pronunciou‑se de forma semelhante, no n.° 94 das conclusões no processo que deu origem ao acórdão Arduíno, já referido, sobre o decreto ministerial n.° 585, de 5 de Outubro de 1994, que antecedeu o decreto ministerial n.° 127/2004. No entanto, tendo em conta a legislação italiana invocada nas conclusões referidas, o fundamento exacto destas observações também não é claro, como não o é a resposta à questão de saber se estas observações são unicamente aplicáveis à liquidação das despesas pela autoridade judicial ou também às relações entre advogados e clientes.


11 – No pedido, a Comissão afirma erradamente que a disposição referida proíbe quaisquer derrogações aos honorários e direitos fixados para os serviços dos advogados. Na realidade, a referida proibição abrange apenas os honorários mínimos.


12 – A título exemplificativo, refiram‑se as tabelas alemã, descrita no n.° 7 do acórdão de 11 de Dezembro de 2003, AMOK (C‑289/02, Colect., p. I‑15059), checa (vyhláška Ministerstva spravedlnosti č. 177/1996 Sb. o odměnách advokátů a náhradách advokátů za poskytování právních služeb) e eslovaca (vyhláška Ministerstva spravodlivosti Slovenskej republiky č. 655/2004 Z. z. o odmenách a náhradách advokátov za poskytovanie právnych služieb).


13 – A este propósito, parece‑me necessário manifestar dúvidas quanto à questão de saber de que maneira o carácter obrigatório dos honorários máximos pode ser inferido do artigo 24.° da Lei n.° 794/1942, que se limita a estabelecer a proibição de derrogação dos honorários mínimos fixados pela tabela para as prestações judiciais em matéria civil, sob pena de nulidade de qualquer acordo revogatório.


14 – Acórdão de 9 de Dezembro de 2003, Comissão/Itália (C‑129/00, Colect., p. I‑14637, n.° 30).


15 – Recorde‑se que, no pedido, a Comissão se limitou a afirmar que resulta de jurisprudência constante da Corte suprema di cassazione «que a proibição de derrogar a tabela profissional do advogado implica a nulidade de quaisquer acordos em contrário entre as partes interessadas, de algum modo, pela prestação» [sic], sem, no entanto, dar qualquer exemplo concreto.