CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

YVES BOT

apresentadas em 29 de Outubro de 2009 ( 1 )

Processo C-405/08

Ingeniørforeningen i Danmark, que age em representação de Bertram Holst

contra

Dansk Arbejdsgiverforening, que age em representação da Babcock & Wilcox Vølund ApS

«Política social — Informação e consulta dos trabalhadores — Directiva 2002/14/CE — Transposição da directiva através de uma lei e de uma convenção colectiva — Efeitos da convenção colectiva para um trabalhador que não é membro da organização sindical signatária da referida convenção — Artigo 7.o — Protecção dos representantes dos trabalhadores — Exigência de uma protecção reforçada contra o despedimento — Inexistência»

1. 

O presente pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 2002/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, que estabelece um quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores na Comunidade ( 2 ).

2. 

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Ingeniørforeningen i Danmark (Federação dos Engenheiros dinamarquesa, a seguir «IDA»), em representação de B. Holst, antigo trabalhador da sociedade Babcock & Wilcox Vølund ApS (a seguir «BWV»), à Dansk Arbejdsgiverforening (Confederação Patronal da Dinamarca, a seguir «DA»), em representação da BWV, relativamente ao despedimento de B. Holst por esta empresa.

3. 

A questão principal que se coloca neste processo consiste em determinar se o artigo 7.o da Directiva 2002/14, nos termos do qual «[o]s Estados Membros asseguram que os representantes dos trabalhadores gozam, no exercício das suas funções, de protecção e garantias suficientes que lhes permitam realizar de forma adequada as tarefas que lhes são confiadas», implica que esses representantes devem beneficiar de uma protecção reforçada contra o despedimento.

4. 

Nas presentes conclusões, proporemos ao Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, que declare que a Directiva 2002/14 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que uma convenção colectiva seja aplicável a um trabalhador que não é membro de uma organização sindical signatária dessa convenção.

5. 

Em segundo lugar, convidaremos o Tribunal de Justiça a considerar que o artigo 7.o da Directiva 2002/14 deve ser interpretado no sentido de que não impõe que os representantes dos trabalhadores beneficiem de uma protecção reforçada contra o despedimento. Esclarecemos que, todavia, resulta deste artigo, lido em conjugação com o artigo 8.o, n.os 1 e 2, da mesma directiva, que os representantes dos trabalhadores devem poder submeter a fiscalização, baseando-se eventualmente nas disposições nacionais aplicáveis a todos os trabalhadores e que os protegem contra o despedimento sem justa causa, a questão de saber se o seu despedimento é ou não motivado pela sua qualidade ou pelas suas actividades de representantes dos trabalhadores e, se for esse o caso, reclamar a punição desse comportamento do empregador.

I — Quadro jurídico

A — Regulamentação comunitária

6.

Segundo o artigo 1.o da Directiva 2002/14:

«1.   A presente directiva tem por objectivo estabelecer um quadro geral que defina requisitos mínimos quanto ao direito à informação e à consulta dos trabalhadores nas empresas ou nos estabelecimentos situados na Comunidade.

2.   As regras em matéria de informação e de consulta são definidas e implementadas de acordo com a legislação e as práticas nacionais em matéria de relações laborais em cada um dos Estados-Membros, de modo a assegurar o seu efeito útil.

3.   Na definição ou implementação das regras em matéria de informação e de consulta, o empregador e os representantes dos trabalhadores devem actuar num espírito de cooperação e no respeito pelos seus direitos e obrigações recíprocos, tendo em conta os interesses da empresa ou do estabelecimento e os dos trabalhadores.»

7.

Os representantes dos trabalhadores são definidos no artigo 2.o, alínea e), da Directiva 2002/14 como sendo os « representantes dos trabalhadores previstos nas legislações e/ou nas práticas nacionais».

8.

O artigo 4.o, n.o 1, desta directiva dispõe que «[n]a observância dos princípios enunciados no artigo 1.o e sem prejuízo das disposições e/ou práticas em vigor, mais favoráveis aos trabalhadores, os Estados-Membros determinam as regras de exercício do direito à informação e à consulta a nível adequado, de acordo com o presente artigo».

9.

Além disso, o artigo 5.o da referida directiva dispõe que «[o]s Estados-Membros podem confiar aos parceiros sociais a nível apropriado, incluindo a nível da empresa ou do estabelecimento, a tarefa de definir livremente e em qualquer momento, por via de acordo, as regras em matéria de informação e de consulta dos trabalhadores. Esses acordos e os acordos vigentes na data a que se refere o artigo 11.o, bem como quaisquer subsequentes renovações desses acordos, podem prever, no respeito dos princípios enunciados no artigo 1.o e nas condições e nos limites fixados pelos Estados-Membros, disposições diversas das referidas no artigo 4.o»

10.

Nos termos do artigo 7.o da Directiva 2002/14, «[o]s Estados-Membros asseguram que os representantes dos trabalhadores gozam, no exercício das suas funções, de protecção e garantias suficientes que lhes permitam realizar de forma adequada as tarefas que lhes são confiadas».

11.

Além disso, o artigo 8.o desta directiva tem a seguinte redacção:

«1.   Os Estados-Membros devem adoptar medidas adequadas em caso de incumprimento do disposto na presente directiva pelo empregador ou pelos representantes dos trabalhadores. Devem assegurar, nomeadamente, a existência de procedimentos administrativos ou judiciais que permitam fazer respeitar as obrigações decorrentes da presente directiva.

2.   Os Estados-Membros devem estabelecer sanções adequadas aplicáveis em caso de violação das disposições da presente directiva pelo empregador ou pelos representantes dos trabalhadores. Essas sanções devem ser efectivas, proporcionadas e dissuasivas.»

12.

Por último, o artigo 11.o, n.o 1, da Directiva 2002/14 prevê que «[o]s Estados-Membros aprovam as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva até 23 de Março de 2005 ou asseguram-se de que os parceiros sociais introduzem, por via de acordo, as disposições necessárias, devendo os Estados-Membros tomar todas as disposições necessárias para que possam, a qualquer momento, garantir os resultados impostos pela [referida] directiva. Do facto devem informar imediatamente a Comissão».

B — Regulamentação nacional

1. Lei relativa à informação e à consulta dos trabalhadores

13.

A Directiva 2002/14 foi transposta para o direito dinamarquês através da Lei n.o 303, de 2 de Maio de 2005, relativa à informação e à consulta dos trabalhadores (lov nr. 303 om information og høring af lønmodtagere) (a seguir «lei de 2005»), que entrou em vigor em .

14.

Segundo o § 3 da lei de 2005, esta não é aplicável no caso de a obrigação de o empregador informar e consultar os trabalhadores resultar de uma convenção colectiva cujo conteúdo corresponda, no mínimo, às disposições da Directiva 2002/14.

15.

O § 8 da lei de 2005 dispõe que «[o]s representantes dos trabalhadores que devem ser informados e consultados em nome dos trabalhadores estão protegidos contra o despedimento ou qualquer outra deterioração das suas condições de trabalho da mesma forma que os representantes do pessoal das mesmas categorias profissionais ou equivalentes».

16.

Resulta da decisão de reenvio que esta disposição remete para a protecção geral contra o despedimento dos delegados do pessoal e dos delegados sindicais prevista em quase todas as convenções colectivas dinamarquesas (com excepção do pessoal de direcção). Essa protecção implica que o empregador tem a obrigação de demonstrar a existência de razões imperativas para proceder ao despedimento desta categoria de representantes do pessoal e que o despedimento não pode ser evitado, por exemplo, despedindo outro trabalhador no seu lugar.

2. Lei relativa aos trabalhadores por conta de outrem

17.

Todos os trabalhadores abrangidos pela lei relativa aos trabalhadores por conta de outrem (funktionærloven, a seguir «FL») estão protegidos contra o despedimento sem justa causa, nos termos do § 2 b da FL, que confere o direito a uma indemnização até ao montante de seis meses de salário se o despedimento não puder ser considerado um despedimento com justa causa à luz do comportamento do trabalhador ou da situação da empresa.

18.

Resulta da decisão de reenvio que a protecção prevista no § 2 b da FL é inferior àquela de que beneficia um representante do pessoal por força das convenções colectivas que prevêem a obrigação de provar a existência de razões imperativas.

3. O Samarbejdsaftalen

19.

Trata-se de um acordo de cooperação celebrado entre as duas grandes confederações sindical e patronal dinamarquesas, a saber, a Landsorganisationen i Danmark (Confederação Geral do Trabalho da Dinamarca, a seguir «LO») e a DA, relativo à organização e ao funcionamento dos conselhos de empresa (a seguir «Samarbejdsaftalen»). Em 23 de Março de 2005 entrou em vigor uma nova versão deste acordo.

20.

O Samarbejdsaftalen constitui uma das medidas para a transposição da Directiva 2002/14 por via convencional. Aplica-se às empresas com mais de 35 trabalhadores assalariados e inclui disposições que prevêem a criação de um conselho de empresa composto por representantes da direcção e representantes dos trabalhadores.

21.

Por força deste acordo, um representante dos trabalhadores que não exerça também as funções de delegado do pessoal tem direito, em caso de despedimento, a um pré-aviso acrescido de seis semanas relativamente ao pré-aviso a que teria direito, por exemplo, por força da FL. Contudo, um representante dos trabalhadores não poderá beneficiar destas seis semanas adicionais se o pré-aviso for mais longo do que aquele seria concedido a um delegado do pessoal da mesma categoria profissional.

22.

Resulta das explicações fornecidas pelo Vestre Landsrete (Dinamarca), que as alterações introduzidas no Samarbejdsaftalen em 2005 permitiram a representação no conselho de empresa de todas as categorias profissionais abrangidas por uma convenção colectiva, mesmo as que não sejam representadas por uma das partes signatárias do Samarbejdsaftalen. Também passou a ser permitida a presença de representantes de qualquer grupo de pessoas que exerçam a mesma profissão ou que tenham seguido uma formação específica. Incluem-se aqui as categorias profissionais ou de pessoas não abrangidas por uma convenção colectiva, como, por exemplo, os engenheiros.

II — Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23.

B. Holst foi contratado em 1 de Julho de 1984 pela BWV, ao abrigo de um contrato individual de trabalho, como engenheiro de projectos. Tem o estatuto de trabalhador por conta de outrem e, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, está abrangido pela FL.

24.

Em 2001, B. Holst foi eleito pelo colégio dos engenheiros para o conselho de empresa da BWV, como trabalhador representante dos engenheiros. Este conselho, que foi constituído em conformidade com o Samarbejdsaftalen, é composto por representantes da direcção e por representantes dos trabalhadores. No referido conselho, os representantes dos trabalhadores incluíam representantes dos trabalhadores organizados no seio da LO e representantes de outras categorias de trabalhadores.

25.

Juntamente com outros trabalhadores, B. Holst foi alvo de um despedimento motivado pela redução dos efectivos da empresa. O despedimento foi-lhe notificado em 24 de Janeiro de 2006, com um pré-aviso de seis meses.

26.

B. Holst é membro da IDA. Esta Federação dos Engenheiros dinamarquesa não pertence à LO e não celebrou uma convenção colectiva com a BWV, quer para os engenheiros quer para outra categoria de trabalhadores.

27.

A BWV tem cerca de 240 trabalhadores. É membro da associação patronal Dansk Industri (a seguir «DI»). A DI é membro da DA.

28.

Em 8 de Novembro de 2006, a IDA, actuando em representação de B. Holst, intentou uma acção de indemnização no Byretten i Esbjerg (tribunal de primeira instância de Esbjerg) (Dinamarca), em que pedia, ao abrigo da FL, a condenação da BWV no pagamento de uma indemnização pelo despedimento de B. Holst. A IDA considerava que o despedimento não se baseava em razões objectivas. Alegou também que, como representante dos trabalhadores no conselho de empresa, B. Holst beneficiava de uma protecção especial contra o despedimento por força do artigo 7.o da Directiva 2002/14, isto é, uma protecção superior à prevista na FL.

29.

A DI, na qualidade de representante da BWV, pediu que a acção fosse julgada improcedente, alegando, nomeadamente, que o pré-aviso a que B. Holst tinha direito, tanto nos termos da FL como nos termos do Samarbejdsaftalen, preenchia os requisitos da Directiva 2002/14, tal como resultam do seu artigo 7.o

30.

As partes do processo principal acordaram submeter o litígio ao órgão jurisdicional de reenvio e foi nessa fase que a DA passou a representar a BWV.

31.

Considerando que, para a decisão da causa principal, era necessária uma interpretação da Directiva 2002/14, o Vestre Landsret decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Existe desacordo entre as partes no processo principal sobre a questão de saber se a Directiva 2002/14 […] foi correctamente transposta pelo Acordo de Cooperação entre a DA e a LO. Neste contexto, pretende-se que seja esclarecido se as normas comunitárias se opõem a uma transposição da directiva que tenha por efeito que grupos de trabalhadores estejam abrangidos por uma convenção colectiva entre partes que não representam o grupo profissional em causa quando a convenção colectiva não é aplicável a esse grupo profissional[.]

2)

Na hipótese de a Directiva 2002/14/CE ter sido correctamente transposta, relativamente a [B. Holst], pelo Acordo de Cooperação entre a DA e a LO, pretende-se que seja esclarecido se o seu artigo 7.o foi correctamente transposto, quando se [demonstre] que aquele acordo não prevê um nível elevado de protecção de determinados grupos profissionais contra o despedimento[.]

3)

Na hipótese de [B. Holst] estar abrangido pela lei de [2005], pretende-se que seja esclarecido se [, relativamente aos representantes dos trabalhadores,] a exigência prevista no artigo 7.o da directiva [2002/14] ‘de protecção e garantias suficientes que lhes permitam realizar de forma adequada as tarefas que lhes são confiadas’ se opõe a uma transposição do artigo 7.o da directiva [2002/14] através do § 8 da lei [de 2005], cuja redacção é a seguinte: ‘[o]s representantes [dos trabalhadores] que devem ser informados e consultados em nome dos trabalhadores estão protegidos contra o despedimento ou qualquer outra deterioração das suas condições de trabalho da mesma forma que os [representantes do pessoal das mesmas categorias profissionais ou equivalentes]’, no caso de a transposição não prever um nível elevado de protecção contra o despedimento relativamente a grupos profissionais que não estão abrangidos [por uma] convenção colectiva[.]»

32.

A IDA, a DA, o Reino da Dinamarca e a Comissão das Comunidades Europeias apresentaram observações escritas e orais sobre estas questões.

III — Análise

A — Quanto à primeira questão

33.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se a Directiva 2002/14 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a que uma convenção colectiva seja aplicável a um trabalhador que não é membro de uma organização sindical signatária dessa convenção.

34.

A resposta a esta questão decorre directamente do acórdão de 18 de Dezembro de 2008, Ruben Andersen ( 3 ). Nesse processo foi submetida ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial proveniente do Højesteret (Dinamarca), a propósito da interpretação de diversas disposições da Directiva 91/533/CEE do Conselho, de , relativa à obrigação de a entidade patronal informar o trabalhador sobre as condições aplicáveis ao contrato ou à relação de trabalho ( 4 ).

35.

No seu acórdão, o Tribunal de Justiça, por um lado, declarou que o artigo 8.o, n.o 1, da Directiva 91/533 deve ser interpretado no sentido de não se opõe a uma legislação nacional que prevê que uma convenção colectiva que assegura a transposição para o direito nacional das disposições dessa directiva é aplicável a um trabalhador mesmo quando este não seja membro de uma organização sindical signatária dessa convenção colectiva. Por outro, considerou que o artigo 8.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Directiva 91/533 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um trabalhador que não seja membro de uma organização sindical signatária de uma convenção colectiva que regula a relação de trabalho deste último, possa ser considerado «abrangido por» essa convenção, na acepção da referida disposição.

36.

Para chegar a esta interpretação, o Tribunal de Justiça baseou-se principalmente na faculdade que a Directiva 91/533 confere aos Estados-Membros de deixar aos parceiros sociais a tarefa de instituir, designadamente através da adopção de convenções colectivas, as disposições necessárias para transpor essa directiva ( 5 ). Afirmou que a faculdade reconhecida desta forma aos Estados-Membros pela referida directiva é conforme à jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual os Estados-Membros podem deixar a realização dos objectivos de política social visados por uma directiva nesse domínio, em primeiro lugar, ao cuidado dos parceiros sociais ( 6 ).

37.

O Tribunal de Justiça precisou também que esta faculdade não dispensa os Estados-Membros da obrigação de garantir, através de medidas legislativas, regulamentares ou administrativas adequadas, que todos os trabalhadores possam beneficiar da protecção que lhes é conferida pela Directiva 91/533 em toda a sua extensão, devendo a garantia do Estado intervir em todos os casos em que não exista protecção efectiva assegurada de outro modo, designadamente quando essa falta de protecção se deva à circunstância de os trabalhadores em questão não estarem sindicalizados ( 7 ).

38.

Feita esta precisão, o Tribunal de Justiça concluiu daí que a Directiva 91/533, em si mesma, não se opõe a uma legislação nacional que prevê que um trabalhador, que não é membro de uma organização sindical signatária de uma convenção colectiva que transpõe as disposições dessa directiva, não está, apenas por esse motivo, impedido de beneficiar, em aplicação dessa convenção colectiva, da protecção prevista pela referida directiva em toda a sua extensão ( 8 ). Além disso, referiu, no âmbito do exame da segunda questão, que, uma vez que a categoria de pessoas susceptíveis de serem abrangidas por uma convenção colectiva pode, como é designadamente o caso de uma convenção colectiva que declara ser de aplicação geral, ser totalmente independente do facto de essas pessoas possuírem ou não a qualidade de membros de uma organização sindical signatária dessa mesma convenção, a circunstância de uma pessoa não ser membro dessa organização sindical não tem, por si própria, por efeito subtrair essa pessoa à protecção jurídica conferida pela convenção colectiva em causa ( 9 ).

39.

O Tribunal de Justiça reconheceu, assim, que o direito comunitário, no caso em apreço a Directiva 91/533, não se opõe a que o âmbito de aplicação de uma convenção colectiva que transpõe uma directiva vá para além dos trabalhadores que são membros das organizações sindicais signatárias dessa convenção colectiva. Essa directiva não tem, portanto, influência sobre a determinação do âmbito de aplicação pessoal das convenções colectivas de transposição. O que importa, para estar em conformidade com as exigências previstas na referida directiva, é que cada Estado-Membro assegure, em última instância, que nenhum grupo de trabalhadores seja excluído da protecção prevista por essa directiva.

40.

Além disso, o Tribunal de Justiça incumbiu o órgão jurisdicional de reenvio de verificar diversos aspectos destinados a assegurar a transposição correcta da Directiva 91/533. Convidou, assim, o órgão jurisdicional de reenvio a verificar se a legislação dinamarquesa reconhece efectivamente a todos os trabalhadores abrangidos pelo âmbito de aplicação da convenção colectiva em causa, sejam ou não membros de uma organização sindical, o direito de invocar, perante os órgãos jurisdicionais nacionais, as disposições protectoras dessa convenção colectiva, de forma a que todos esses trabalhadores beneficiem da mesma protecção ( 10 ). Segundo o Tribunal de Justiça, incumbe também ao órgão jurisdicional nacional verificar se um trabalhador como R. Andersen está coberto pela referida convenção colectiva ( 11 ).

41.

O raciocínio assim desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito da Directiva 91/533 pode, na nossa opinião, ser perfeitamente transposto para a Directiva 2002/14. Com efeito, esta revela do mesmo modo a vontade do legislador comunitário de autorizar os Estados-Membros a deixarem aos parceiros sociais a tarefa de adoptar as disposições necessárias para atingir os objectivos estabelecidos na referida directiva. A este respeito, basta reportarmo-nos ao vigésimo terceiro considerando da Directiva 2002/14 e aos seus artigos 1.o, n.o 2, 5.o e 11.o, n.o 1. Além disso, a referida directiva não é apta para definir o âmbito de aplicação pessoal das convenções colectivas de transposição, pelo que o importante é que cada Estado-Membro adopte as disposições necessárias para assegurar, nomeadamente pela introdução de um sistema de protecção aplicável a título subsidiário, que os objectivos visados pela Directiva 2002/14 são alcançados.

42.

Na nossa opinião, há que, de forma semelhante ao que o Tribunal de Justiça decidiu no seu acórdão Ruben Andersen, já referido, responder ao órgão jurisdicional de reenvio que a Directiva 2002/14 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que uma convenção colectiva seja aplicável a um trabalhador que não é membro de uma organização sindical signatária dessa convenção.

43.

Por último, há que esclarecer que devem ser decididas pelo órgão jurisdicional de reenvio as questões, debatidas no Tribunal de Justiça, de saber, por um lado, se um representante dos trabalhadores como B. Holst está ou não abrangido pelo Samarbejdsaftalen e, por outro, se, apesar do facto de não ser membro de uma organização sindical signatária do Samarbejdsaftalen, pode invocar nos órgãos jurisdicionais nacionais as disposições protectoras desse acordo.

B — Quanto às segunda e terceira questões

44.

Ao submeter as suas segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio parte de duas hipóteses diferentes, consoante sejam aplicáveis a um representante dos trabalhadores como B. Holst o Samarbejdsaftalen ou o mecanismo de protecção subsidiário previsto na lei de 2005. Vimos que cabe a este órgão jurisdicional determinar qual a norma nacional de transposição aplicável a B. Holst.

45.

Importa, portanto, ultrapassar esse problema de direito nacional e examinar em conjunto as segunda e terceira questões, na medida em que ambas visam obter uma interpretação do artigo 7.o da Directiva 2002/14. Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se este artigo deve ser interpretado no sentido de que impõe que os representantes dos trabalhadores beneficiem de uma protecção reforçada contra o despedimento.

46.

O exame do teor do referido artigo e a tomada em consideração do objectivo da Directiva 2002/14 levam-nos a responder negativamente a esta questão.

47.

Recorde-se que, nos termos do artigo 7.o desta directiva «[o]s Estados-Membros asseguram que os representantes dos trabalhadores gozam, no exercício das suas funções, de protecção e garantias suficientes que lhes permitam realizar de forma adequada as tarefas que lhes são confiada». Esta formulação utilizada pelo legislador comunitário deixa uma ampla margem de apreciação aos Estados-Membros e aos parceiros sociais para adoptarem as medidas que considerem necessárias ao bom exercício das missões dos representantes dos trabalhadores. Não é imposta qualquer medida específica. Poder-se-ia, por exemplo, imaginar que o legislador comunitário exigisse, de forma mais pormenorizada, que os representantes dos trabalhadores dispusessem dos locais e do material necessários para exercer as suas funções, ou ainda que beneficiassem de formações ou do direito a uma ausência ao trabalho remunerada. Nada disto resulta expressamente dos termos do artigo 7.o da Directiva 2002/14, tal como não resulta a exigência de uma protecção reforçada dos representantes dos trabalhadores contra o despedimento.

48.

Deve-se também observar que resulta tanto do artigo 137.o, n.o 2, CE, que constitui a base jurídica desta directiva, como do décimo oitavo considerando e do artigo 1.o, n.o 1, da mesma directiva, que esta visa instituir um quadro geral que defina requisitos mínimos quanto ao direito à informação e à consulta dos trabalhadores nas empresas e estabelecimentos situados na Comunidade ( 12 ). O carácter geral do quadro assim estabelecido, da mesma forma que a constatação de que a Directiva 2002/14 prevê apenas requisitos mínimos, coadunam-se mal, na nossa opinião, com uma interpretação que visa suprir a falta de precisão do artigo 7.o da referida directiva, atribuindo-lhe um conteúdo que vai no sentido de uma protecção reforçada dos representantes dos trabalhadores contra o despedimento.

49.

É por isso que consideramos que o artigo 7.o da Directiva 2002/14 deve ser interpretado no sentido de que não impõe que os representantes dos trabalhadores beneficiem de uma protecção reforçada contra o despedimento.

50.

Mas, na nossa opinião, não deixa de ser verdade que decorre do artigo 7.o da Directiva 2002/14, lido em conjugação com o artigo 8.o, n.os 1 e 2, desta mesma directiva, que os representantes dos trabalhadores devem beneficiar de uma protecção efectiva contra as medidas desfavoráveis ou discriminatórias que contra eles podem ser tomadas pelos empregadores durante o seu mandato, e mesmo depois do seu termo, em especial em caso de despedimento fundado na sua qualidade ou nas suas actividades de representantes dos trabalhadores. O despedimento dos representantes dos trabalhadores por um motivo baseado no exercício das suas tarefas seria, com efeito, incompatível com a exigência de que eles devem estar em condições de realizar de forma adequada as tarefas que lhes foram confiadas.

51.

Os representantes dos trabalhadores que são alvo de um despedimento devem, portanto, poder submeter a fiscalização no âmbito de processos administrativos ou judiciais, ou mesmo através de arbitragem profissional, o motivo desse despedimento. Se se revelar que o despedimento foi motivado por razões relacionadas com o exercício das funções de representante dos trabalhadores, esse comportamento do empregador deve ser objecto de sanções adequadas, isto é, de sanções efectivas, proporcionadas e dissuasivas.

52.

Assim, o patamar mínimo de protecção dos representantes dos trabalhadores confrontados com a decisão do seu empregador de os despedir reside, portanto, na possibilidade de estes submeterem a fiscalização a questão de saber se esse despedimento é ou não motivado pela sua qualidade ou pelas suas actividades de representantes dos trabalhadores e, se for esse o caso, poderem reclamar a punição desse comportamento do empregador.

53.

Se confrontarmos agora o direito dinamarquês com a interpretação que, na nossa opinião, deve ser feita do artigo 7.o da Directiva 2002/14, consideramos que esse direito é conforme com o que esse artigo prevê, na medida em que não se situa aquém do patamar mínimo de protecção, como acabámos de o definir.

54.

A descrição feita no Tribunal de Justiça das diferentes normas adoptadas no direito dinamarquês com vista à transposição da Directiva 2002/14 demonstra que um representante dos trabalhadores pode beneficiar de um grau de protecção em matéria de despedimento que difere consoante ele esteja abrangido por uma convenção colectiva ou por uma lei de transposição.

55.

Assim, a protecção de um representante dos trabalhadores que está abrangido pelo Samarbejdsaftalen e que não é, ao mesmo tempo, um delegado do pessoal reside essencialmente, e dentro de certos limites, no benefício de um pré-aviso acrescido de seis semanas. Pelo contrário, se um representante dos trabalhadores não estiver abrangido por essa convenção colectiva e estiver, por outro, sujeito à aplicação do mecanismo de protecção subsidiário previsto na lei 2005, beneficia potencialmente da mesma protecção que é conferida aos delegados do pessoal das mesmas categorias profissionais ou equivalentes, pelo que o seu despedimento só pode ocorrer por razões imperativas.

56.

A existência destas diferenças na protecção que é conferida aos representantes dos trabalhadores em caso de despedimento não nos parece, em si mesma, ser incompatível com o previsto na Directiva 2002/14. Pelo contrário, estas diferenças resultam ao mesmo tempo da margem de apreciação que a directiva confere aos Estados-Membros e da faculdade que ela atribui a esses Estados para confiar aos parceiros sociais a transposição dessa directiva. De resto, a possibilidade dessas variações é expressamente reconhecida pelo legislador comunitário no artigo 5.o da Directiva 2002/14, quanto à definição das modalidades de informação e de consulta dos trabalhadores.

57.

A existência de diferenças na protecção conferida aos representantes dos trabalhadores em caso de despedimento decorre também do carácter mínimo das exigências impostas pela Directiva 2002/14, o que permite a adopção de disposições ou práticas que lhes sejam mais favoráveis. É assim possível constatar, como acontece no caso em apreço, que uma lei de transposição desta directiva protege melhor os representantes dos trabalhadores contra o despedimento que uma convenção colectiva que também transpõe a referida directiva. O inverso também pode acontecer.

58.

Independentemente da via escolhida para transpor esta directiva, e, em especial, o seu artigo 7.o, o que importa é que o direito nacional garanta o respeito do patamar mínimo previsto neste artigo, isto é, que um representante dos trabalhadores despedido possa submeter a fiscalização, baseando-se eventualmente nas disposições nacionais aplicáveis a todos os trabalhadores e que os protegem contra o despedimento sem justa causa, a questão de saber se esse despedimento é ou não motivado pela sua qualidade ou pelas suas actividades de representante dos trabalhadores e, se for esse o caso, reclamar a punição desse comportamento do empregador. Consequentemente, quando um trabalhador desempenhou a função de representante dos trabalhadores, o exercício dessa função deve poder ser tomado em consideração para determinar se o seu despedimento se baseia em razões concretas e objectivas ou se deve ser considerado sem justa causa.

59.

Na nossa opinião, o direito dinamarquês cumpre esta exigência, dado que resulta das observações submetidas ao Tribunal de Justiça que um representante dos trabalhadores, como B. Holst, tem sempre, enquanto trabalhador abrangido pelo âmbito de aplicação da FL, a possibilidade de invocar o §2 b desta lei, que, recorde-se, prevê uma indemnização que pode ir até seis meses de salário se o despedimento não for considerado um despedimento com justa causa face ao comportamento do trabalhador ou à situação da empresa. Na medida em que, nos termos deste artigo, o despedimento de um representante dos trabalhadores motivado pela sua qualidade ou pelo exercício das suas actividades de representante dos trabalhadores pode ser considerado um despedimento sem justa causa, que expõe o empregador a sanções, o direito dinamarquês respeita, na nossa opinião, o núcleo duro da protecção dos representantes dos trabalhadores que resulta do artigo 7.o da Directiva 2002/14, lido em conjugação com o artigo 8.o, n.os 1 e 2, desta mesma directiva.

60.

Por todas estas razões, consideramos que, embora o artigo 7.o da Directiva 2002/14 deva, na nossa opinião, ser interpretado no sentido de que não impõe que os representantes dos trabalhadores beneficiem de uma protecção reforçada contra o despedimento, resulta, todavia, deste artigo, lido em conjugação com o artigo 8.o, n.os 1 e 2, da mesma directiva, que os representantes dos trabalhadores devem poder submeter a fiscalização, baseando-se eventualmente nas disposições nacionais aplicáveis a todos os trabalhadores e que os protegem contra o despedimento sem justa causa, a questão de saber se o seu despedimento é ou não motivado pela sua qualidade ou pelas suas actividades de representantes dos trabalhadores e, se for esse o caso, reclamar a punição desse comportamento do empregador.

IV — Conclusão

61.

À luz de todas as considerações que precedem, propomos ao Tribunal de Justiça que declare que:

«1)

A Directiva 2002/14 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, que estabelece um quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores na Comunidade Europeia, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que uma convenção colectiva seja aplicável a um trabalhador que não é membro de uma organização sindical signatária dessa convenção.

2)

O artigo 7.o da Directiva 2002/14 deve ser interpretado no sentido de que não impõe que os representantes dos trabalhadores beneficiem de uma protecção reforçada contra o despedimento. Resulta, contudo, deste artigo, lido em conjugação com o artigo 8.o, n.os 1 e 2, da mesma directiva, que os representantes dos trabalhadores devem poder submeter a fiscalização, baseando-se eventualmente nas disposições nacionais aplicáveis a todos os trabalhadores e que os protegem contra o despedimento sem justa causa, a questão de saber se o seu despedimento é ou não motivado pela sua qualidade ou pelas suas actividades de representantes dos trabalhadores e, se for esse o caso, reclamar a punição desse comportamento do empregador.»


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO L 80, p. 29.

( 3 ) C-306/07, Colect., p. I-10279.

( 4 ) JO L 288, p. 32.

( 5 ) Acórdão Andersen, já referido, n.os 24 e 35.

( 6 ) Ibidem (n.o 25 e jurisprudência referida).

( 7 ) Ibidem (n.o 26).

( 8 ) Ibidem (n.o 27).

( 9 ) Ibidem (n.o 34).

( 10 ) Ibidem (n.os 28 e 29).

( 11 ) Ibidem (n.o 37).

( 12 ) Acórdão de 18 de Janeiro de 2007, Confédération générale du travail e o. (C-385/05, Colect., p. I-611, n.o 36).