CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 6 de Julho de 2010 1(1)

Processo C‑137/08

VB Pénzügyi Lízing Zrt.

contra

Ferenc Schneider

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Budapesti II. és III. Kerületi Bíróság (Hungria)]

«Directiva 93/13/CEE – Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – Competência interpretativa do Tribunal de Justiça – Poder e dever do órgão jurisdicional nacional de examinar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula atributiva de jurisdição – Critérios de apreciação – Princípios de direito comunitário da equivalência e da efectividade – Princípio dispositivo no processo civil nacional – Princípios do processo de decisão prejudicial»





I –    Introdução

1.        O presente processo tem por base um pedido de decisão prejudicial do Budapesti II. és III. Kerületi Bíróság (tribunal das 2.ª e 3.ª circunscrições de Budapeste, a seguir: órgão jurisdicional de reenvio) nos termos do artigo 234.° CE (2), que apresentou ao Tribunal de Justiça um conjunto de questões sobre a interpretação da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (3).

2.        O pedido de decisão prejudicial resulta de um litígio entre a VB Pénzügyi Lízing Zrt. (a seguir: demandante no processo principal) e Ferenc Schneider (a seguir: demandado no processo principal), relativo ao reembolso de um empréstimo. Nele é suscitada, entre outras, a questão do papel atribuído ao Tribunal de Justiça na garantia da aplicação uniforme do nível de protecção dos direitos do consumidor previsto na Directiva 93/13 em todos os Estados‑Membros da União Europeia. A resposta a esta questão deve ser dada à luz da actual jurisprudência do Tribunal de Justiça, sobretudo do acórdão de 4 de Junho de 2009 no processo C‑243/08, Pannon (4).

II – Quadro normativo

A –    Direito comunitário

1.      Estatuto do Tribunal de Justiça

3.        O artigo 23.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça dispõe que:

«Nos casos previstos no n.° 1 do artigo 35.° do Tratado UE, no artigo 234.° do Tratado CE e no artigo 150.° do Tratado CEEA, a decisão do órgão jurisdicional nacional que suspenda a instância e que suscite a questão perante o Tribunal é a este notificada por iniciativa desse órgão. Esta decisão é em seguida notificada, pelo secretário do Tribunal, às partes em causa, aos Estados‑Membros e à Comissão, bem como ao Conselho ou ao Banco Central Europeu, se o acto cuja validade ou interpretação é contestada deles emanar, e ao Parlamento Europeu e ao Conselho, se o acto cuja validade ou interpretação é contestada tiver sido adoptado conjuntamente por estas duas instituições.

No prazo de dois meses a contar desta última notificação, as partes, os Estados‑Membros, a Comissão e, se for caso disso, o Parlamento Europeu, o Conselho e o Banco Central Europeu têm o direito de apresentar ao Tribunal alegações ou observações escritas.

Nos casos previstos no artigo 234.° do Tratado CE, a decisão do órgão jurisdicional nacional é igualmente notificada pelo secretário do Tribunal aos Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que não sejam Estados‑Membros, bem como ao Órgão de Fiscalização da EFTA mencionado no referido acordo, que têm o direito de apresentar ao Tribunal alegações ou observações escritas, no prazo de dois meses a contar da notificação e quando esteja em causa um dos domínios de aplicação desse acordo.

…»

4.        Com a entrada em vigor, em 1 de Dezembro de 2009, do Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça também foi alterado (5). No entanto, com estas alterações procedeu‑se unicamente a algumas precisões relativamente aos processos de decisão prejudicial, agora regulados no artigo 267.° TFUE.

2.      A Directiva 93/13

5.        Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, a Directiva 93/13 tem por objectivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.

6.        O artigo 3.°, n.° 1, da directiva prevê:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

7.        O artigo 6.°, n.° 1, da mesma directiva determina:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respectivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas».

8.        O artigo 7.°, n.° 1, da directiva tem a seguinte redacção:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

B –    Direito nacional

9.        Do despacho de reenvio resulta que o legislador húngaro transpôs a Directiva 93/13 em várias fases. As disposições actualmente vigentes resultam das modificações introduzidas pela Lei III de 2006, entre as quais se incluem os artigos 205.°/A, 205.°/B e 209.° a 209.°/B do Código Civil húngaro (a seguir «CC»).

10.      De acordo com o artigo 205.°/A, n.° 1, do CC, qualificam‑se de cláusulas contratuais gerais as cláusulas contratuais definidas prévia e unilateralmente por uma das partes com o fim de celebrar uma pluralidade de contratos, sem participação da outra parte e sem que sejam objecto de negociação individual entre as partes.

11.      Nos termos do artigo 205.°/A, n.° 2, do CC, a parte que se sirva das cláusulas contratuais assume o ónus de provar que as cláusulas do contrato foram objecto de negociação individual entre as partes. A mesma regra aplica‑se igualmente no caso de litígio entre as partes quanto a saber se estas negociaram individualmente as cláusulas contratuais definidas prévia e unilateralmente pela parte que celebrou o contrato com o consumidor.

12.      Por força do artigo 205.°/A, n.° 3, do CC, para efeitos de qualificação como condições gerais de contratação são irrelevantes a extensão e forma das cláusulas, o modo como estão consignadas no contrato e o facto de se encontrarem redigidas no documento contratual ou em documento separado.

13.      De acordo com o artigo 205.°/B, n.° 1, do CC, as cláusulas contratuais gerais só passam a integrar o contrato se quem as aplicar tiver dado à outra parte a possibilidade de conhecer o seu conteúdo e se tiverem sido aceites pela outra parte de forma expressa ou através de comportamento que mostre a sua aceitação.

14.      Nos termos do 205.°/B, n.° 2, do CC, a outra parte deve ser especialmente informada das cláusulas contratuais gerais que sejam substancialmente diferentes da prática contratual habitual ou da legislação em matéria de contratos ou que sejam distintas de uma estipulação previamente aplicada entre as partes. Essas cláusulas só passarão a integrar o contrato se a outra parte as tiver aceite expressamente após ter sido informada das mesmas com especial cuidado.

15.      De acordo com o artigo 205.°/C do CC, se existirem divergências entre as cláusulas contratuais gerais e as demais cláusulas do contrato, são estas últimas que integram o contrato.

16.      Segundo o artigo 209.°, n.° 1, do Ptk, as cláusulas contratuais gerais e as cláusulas de um contrato celebrado com o consumidor que não tenham sido negociadas individualmente são abusivas se, violando a exigência de boa‑fé e lealdade, estipularem unilateral e infundadamente os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato, em prejuízo da parte contratante que não tiver estipulado as cláusulas.

17.      Nos termos do artigo 209.°, n.° 2, do CC, para determinar o carácter abusivo de uma cláusula deverão ser examinadas todas as circunstâncias que deram lugar à celebração do contrato, bem como a natureza do serviço contratado e a relação da cláusula em questão com as demais cláusulas do contrato ou com outros contratos.

18.      Por força do artigo 209.°, n.° 5, do CC, não pode qualificar‑se de abusiva uma cláusula contratual imposta por uma norma jurídica ou estipulada em conformidade com o disposto numa norma jurídica.

19.      De acordo com o artigo 209.°/A, n.° 1, do CC, as cláusulas abusivas que integrem o contrato como cláusulas contratuais gerais podem ser impugnadas pela parte lesada.

20.      Nos termos do artigo 209.°/A, n.° 2, do Ptk, são nulas as cláusulas abusivas dos contratos celebrados com os consumidores que tenham sido integradas nesses contratos como cláusulas contratuais gerais, prévia, unilateralmente e sem negociação individual, pela parte que contrata com o consumidor. A nulidade só pode aproveitar ao consumidor.

21.      Relativamente ao procedimento de decisão prejudicial, o legislador húngaro alterou o Código de Processo Civil húngaro através da Lei XXX, de 2003. Por força da referida alteração, os tribunais húngaros são obrigados, nos termos do artigo 155.°/A, n.° 2, do Código de Processo Civil húngaro, a enviar os seus pedidos de decisão prejudicial simultaneamente ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e, a título informativo, ao Ministro da Justiça.

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

22.      O processo principal tem por base um litígio relativo ao reembolso de um empréstimo, com o qual o demandado no processo principal pretendia financiar a compra de um veículo. A demandante celebrou o contrato de mútuo no âmbito da sua actividade económica, enquanto o demandado o assinou a 14 de Abril de 2006 na qualidade de consumidor. Quando o demandado deixou de cumprir as suas obrigações assumidas por força do referido contrato, a demandante resolveu o contrato e exigiu ao demandado que pagasse os montantes em dívida.

23.      A demandante no processo principal solicitou a emissão de uma injunção de pagamento mas não a requereu ao Ráckevei Városi Bíróság (tribunal de primeira instância de Rackeve), que seria o tribunal competente em função do domicílio habitual do demandado. Em vez disso, a demandante invocou uma cláusula contratual, que atribui ao órgão jurisdicional de reenvio competência exclusiva para a resolução de conflitos emergentes do contrato. O domicílio da demandante não pertence à circunscrição territorial do órgão jurisdicional de reenvio, muito embora esteja situado próximo da mesma, quer geograficamente quer em termos de transportes.

24.      O órgão jurisdicional de reenvio emitiu uma injunção de pagamento, à qual o demandado deduziu oposição, contestando a pretensão da demandante No entanto, o demandado não alegou fundamentos de defesa substanciais e no articulado de oposição não explica em que medida e por que motivos é improcedente a pretensão da demandante.

25.      Antes de marcar a audiência, o órgão jurisdicional de reenvio constatou que o domicílio do demandado não se situa na sua circunscrição territorial, mas que a demandante apresentara o requerimento de injunção para pagamento num tribunal próximo do seu domicílio social, ao abrigo das cláusulas contratuais gerais, o que suscitou ao órgão jurisdicional dúvidas quanto às cláusulas em questão.

26.      Perante esta situação, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões para decisão prejudicial:

1)      O artigo 23.°, primeiro parágrafo, do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, anexo ao Tratado da União Europeia, ao Tratado [que institui a] Comunidade Europeia e ao Tratado [que institui a] Comunidade Europeia da Energia Atómica, exclui a possibilidade de o tribunal nacional informar oficiosamente o Ministro da Justiça do seu […] Estado‑Membro [do pedido de decisão] prejudicial[,] no momento da apresentação deste?

2)      De acordo com o artigo 234.° CE, o Tribunal de Justiça também é competente para [a] interpretação do conceito de «cláusula abusiva» na acepção do artigo 3.°, n.° 1 da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, assim como das cláusulas enumeradas no anexo desta Directiva?

3)      Em caso afirmativo: [n]o interesse de uma aplicação uniforme do nível de protecção dos direitos do consumidor garantido pela Directiva 93/13 em todos os Estados‑Membros, pode o pedido de decisão prejudicial, através do qual se solicita esta interpretação, referir‑se à questão dos aspectos que o órgão jurisdicional nacional pode ou deve considerar quando os critérios gerais fixados na Directiva forem aplicados a uma cláusula contratual individual especial?

4)      Pode o órgão jurisdicional nacional, quando constata que possivelmente existe uma cláusula contratual abusiva, proceder oficiosamente a uma análise para apurar os elementos de direito e de facto necessários [a essa] apreciação, apesar de as partes não o terem requerido, quando o direito processual nacional só permite este controlo a pedido das partes?

IV – Tramitação no Tribunal de Justiça

27.      O despacho de reenvio, de 27 de Março de 2008 e que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 7 de Abril de 2008, enuncia as três questões prejudiciais colocadas inicialmente.

28.      Por despacho de 15 de Setembro de 2008, que deu entrada em 22 de Setembro de 2008, o órgão jurisdicional de reenvio acrescentou ao seu despacho de reenvio uma quarta questão prejudicial, que contudo veio a retirar por despacho de 29 de Janeiro de 2009.

29.      Por despacho de 2 de Julho de 2009, que deu entrada a 3 de Julho de 2009, o órgão jurisdicional de reenvio informou o Tribunal de Justiça de que, face ao acórdão Pannon GSM, não considerava necessária a resposta às questões 1 e 2 que inicialmente colocara no seu despacho de 27 de Março de 2008, pelo que não as mantinha. No entanto, continuou a solicitar uma resposta à terceira questão inicialmente suscitada e completou esse pedido com mais três questões.

30.      As questões prejudiciais, na sua versão definitiva, são reproduzidas supra.

31.      Os Governos da República da Hungria, da Irlanda, do Reino dos Países Baixos, do Reino Unido e a Comissão apresentaram observações escritas dentro do prazo referido no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

32.      Como nenhum dos interessados requereu a abertura da fase oral do processo, foi possível preparar as conclusões deste processo após a reunião geral do Tribunal de Justiça que teve lugar a 9 de Março de 2010.

V –    Principais argumentos das partes

A –    Quanto à primeira questão prejudicial

33.      O Governo da Hungria refere que as disposições processuais nacionais controvertidas só levantariam problemas se criassem obstáculos ao processo de decisão prejudicial regulado no artigo 234.° CE.

34.      Salienta que, para si, é de um interesse fundamental ser informada tão rápida quanto possível de cada reenvio e do seu objecto, uma vez que os pedidos de decisão prejudicial dos órgãos jurisdicionais nacionais pode influenciar tanto a aplicação do direito húngaro como a apreciação do direito comunitário. Embora as disposições gerais do direito comunitário sobre o processo de decisão prejudicial nada prevejam nessa matéria, daí não se pode inferir que os Estados‑Membros estejam proibidos de prever um mecanismo que lhes permita obter tão rapidamente quanto possível conhecimento do despacho de reenvio, tanto mais que, de qualquer modo, dele são notificados pelo secretário do Tribunal de Justiça.

35.      O Governo da Hungria conclui assim que o facto de um Estado‑Membro ser informado sobre o pedido de decisão prejudicial antes dos outros interessados não é incompatível com o direito comunitário.

36.      A Comissão nota que o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça não proíbe o respectivo órgão jurisdicional nacional de informar outros organismos, como por exemplo o Ministério competente em matéria de justiça, do pedido de decisão prejudicial. Também não é possível extrair semelhante proibição da disposição segundo a qual o Tribunal de Justiça notifica os Estados‑Membros desta decisão do órgão jurisdicional nacional.

37.      A comunicação ao Ministério de Justiça do despacho de reenvio, com o qual, nos termos do artigo 234.° CE, se inicia o processo de decisão prejudicial, não torna impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário. No âmbito de um processo de decisão prejudicial não existe qualquer princípio jurídico que proíba que uma potencial parte seja informada de um processo judicial ou de uma fase processual.

38.      A Comissão é da opinião de que só poderá verificar um eventual risco de influência do juiz nacional se este apenas puder colocar uma questão prejudicial após informar as entidades nacionais. Contudo, no processo principal, a obrigação prevista no direito nacional não contém qualquer elemento adicional relativamente ao direito comunitário que seja susceptível de influenciar a decisão do juiz nacional, pelo que o direito a instaurar um processo de decisão prejudicial não sofre nenhuma limitação.

B –    Quanto à segunda questão prejudicial

39.      O Governo da Hungria esclarece que, para se poder concluir pelo carácter abusivo de uma cláusula contratual é necessário considerar todas as circunstâncias particulares relativas ao objecto do contrato e à sua celebração. O juiz nacional deve analisar a cláusula contratual controvertida e determinar se esta cláusula apresenta as características próprias de uma cláusula abusiva, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 91/13.

40.      A Comissão defende que a competência interpretativa de que o Tribunal de Justiça dispõe também se estende ao conceito de «cláusula abusiva», constante da Directiva 93/13. No entanto, o Tribunal de Justiça não tem competência para determinar se, num caso concreto, uma determinada cláusula contratual pode ou não ser entendida como tal, visto que esta competência de apreciação é uma prerrogativa do órgão jurisdicional nacional onde decorre o processo principal.

C –    Quanto à terceira questão prejudicial

41.      Segundo o Governo da Hungria, o Tribunal de Justiça tem competência para, no âmbito da interpretação do conceito da cláusula contratual e dos tipos de cláusula enunciados no anexo da Directiva 93/13, disponibilizar determinados critérios ao órgão jurisdicional nacional, a título de indicações interpretativas, para apreciação do carácter abusivo de uma determinada cláusula contratual.

42.      A Comissão considera que a transmissão às instâncias judiciais nacionais, pelo Tribunal de Justiça, de indicações para a aplicação do direito comunitário constitui uma componente essencial da interpretação de disposições de direito comunitário. Consequentemente, entende que o Tribunal de Justiça também detém essa competência em questões relacionadas com a aplicação da Directiva 93/13.

D –    Quanto à quarta questão prejudicial

43.      A Irlanda defende que o Tribunal de Justiça, se tivesse querido impor, no acórdão Pannon, aos órgãos jurisdicionais nacionais uma obrigação estrita de fiscalização oficiosa do carácter abusivo de uma cláusula contratual, teria expressado essa obrigação em termos inequívocos. Em vez disso, o Tribunal de Justiça esclareceu que a obrigação do órgão jurisdicional nacional definida nos n.os 32 e 35 do acórdão Pannon se aplica «desde que [este] disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito». A Irlanda é, portanto, da opinião que, no acórdão Pannon, o Tribunal de Justiça criou um equilíbrio entre, por um lado, os interesses dos consumidores e, por outro lado, o respeito dos princípios fundamentais nos quais se baseiam os ordenamentos jurídicos nacionais.

44.      Segundo a Irlanda, uma resposta afirmativa a esta questão prejudicial obrigaria os órgãos jurisdicionais nacionais a investigar oficiosamente os elementos de direito e de facto para poderem apreciar do carácter eventualmente abusivo de uma cláusula contratual. Esta abordagem também obrigaria os órgãos jurisdicionais nacionais a investigar, mesmo que este procedimento contrariasse as regras processuais nacionais. No entanto, a Irlanda nota, neste contexto, que o acórdão Pannon respeita «o papel passivo» das instâncias judiciais civis nacionais nos processos entre privados.

45.      O Governo da Hungria alega que o artigo 6.°, n.° 1 da Directiva 93/13 representa uma norma imperativa de ordem pública. Consequentemente, quando aprecia o carácter abusivo de cláusulas contratuais, o juiz nacional deve, de acordo com o princípio de direito comunitário da equivalência, aplicar as mesmas regras processuais que aplica às disposições nacionais de ordem pública. Se o direito nacional previr o direito ou a obrigação de uma análise oficiosa quando da aplicação de normas nacionais de ordem pública, o mesmo princípio deverá aplicar‑se à apreciação de cláusulas abusivas em contratos celebrados com consumidores.

46.      A Directiva 93/13 não impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais qualquer obrigação de apurar as circunstâncias do caso, ou seja, de apreciar oficiosamente, caso a caso, o carácter abusivo de cláusulas contratuais. Segundo o princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros, são as disposições nacionais que definem o âmbito de uma obrigação de investigação oficiosa.

47.      Se o direito nacional previr uma obrigação de investigação oficiosa em matéria de direito contratual, este tipo de processo deverá ser aplicável também no caso de uma cláusula abusiva na acepção da Directiva 93/13. Se a legislação nacional der primazia aos direitos das partes, na medida em que só permite que o juiz nacional proceda a uma análise quando solicitado nesse sentido, esse regime também se deverá aplicar à apreciação do carácter abusivo de uma cláusula contratual nos termos da directiva. Se o juiz nacional concluir serem necessárias provas adicionais para a apreciação de uma cláusula contratual, deve informar as partes relativamente aos factos que carecem de investigação, para que possam defender adequadamente os seus pontos de vista.

48.      O Governo dos Países Baixos nota que a quarta questão prejudicial tem por objecto uma situação em que a parte demandada não compareceu em tribunal e o órgão jurisdicional nacional decidiu por sentença proferida à revelia. Em seu entender, no caso de uma sentença proferida à revelia, a obrigação de apreciar oficiosamente e sempre o carácter abusivo das cláusulas contratuais representaria uma carga desproporcionada não só para o juiz nacional, como também para o sistema judicial nacional. Para alcançar esta finalidade, o juiz nacional seria obrigado a tentar obter as cláusulas contratuais e a apreciar oficiosa e abrangentemente o contrato, incluindo as cláusulas contratuais, mesmo na falta completa de actuação por parte do consumidor. Simultaneamente, teria de ser concedida à outra parte a possibilidade de tomar posição relativamente à eventual declaração da nulidade de uma cláusula, assim como relativamente à nulidade de todo o contrato.

49.      O facto de o direito processual nacional limitar a possibilidade de o juiz nacional iniciar uma investigação oficiosa não significa que essa apreciação não pode ter lugar em circunstância alguma. Se numa cláusula atributiva de jurisdição for visível uma cláusula contratual abusiva, esta deve ser fiscalizada pelo juiz nacional, de modo a garantir uma efectiva tutela jurisdicional do consumidor.

50.      O juiz nacional continuará sempre a ser obrigado a examinar oficiosamente se uma cláusula atributiva de jurisdição num contrato é uma cláusula abusiva na acepção do artigo 6.° da Directiva 93/13, mesmo em processos à revelia. Uma cláusula atributiva de jurisdição que entrave ou impossibilite o consumidor de contestar uma pretensão, violaria a efectividade da tutela jurisdicional pretendida pela Directiva, pelo que o juiz nacional será sempre obrigado a apreciar oficiosamente a cláusula contratual em questão.

51.      Segundo o Governo do Reino Unido, uma interpretação do n.° 35 do acórdão Pannon no sentido de que o juiz nacional tem uma obrigação geral de investigação oficiosa surtiria efeitos graves que poriam em causa a própria autonomia processual dos ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros. Nos casos em que os elementos de direito e de facto necessários para apreciar o carácter abusivo de uma cláusula contratual não tenham sido apresentados ao juiz ou em que o consumidor tenha renunciado a alegar o carácter abusivo de uma cláusula contratual, a imposição de uma obrigação geral de investigação ao juiz nacional é contrária ao sistema de tutela jurisdicional introduzido pela Directiva 93/13.

52.      Se uma parte ou o juiz reconhecerem uma cláusula abusiva (ou potencialmente abusiva) como tal e se esta cláusula, em conjugação com uma regra do direito processual nacional, tiver o efeito de impedir o consumidor de prosseguir o processo, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a não aplicar esta cláusula, por exemplo, suscitando oficiosamente esta questão antes que seja desencadeado o efeito dissuasor. Uma obrigação geral de investigação surtiria efeitos negativos sobre o direito de acesso à justiça que assiste aos consumidores, porque agravaria as custas judiciais e as despesas e excluiria a possibilidade de medidas executórias simples, económicas e rápidas.

53.      Para o Reino Unido é impensável que os sistemas judiciais dos Estados‑Membros possam tratar todas as acções relativas ao reembolso de créditos pecuniários como se se tratasse de créditos contestados. Neste caso seria necessário destacar um juiz para analisar os documentos contratuais e os elementos de facto subjacentes a cada queixa. Seria ainda necessário solicitar às duas partes que apresentassem o texto do contrato e todos os documentos com este relacionados, para que o juiz nacional pudesse apreciar todas as circunstâncias de facto relacionadas com a celebração do contrato.

54.      Uma decisão do Tribunal de Justiça em que este conclua que os órgãos jurisdicionais nacionais devem tomar todas as medidas para garantir a disponibilidade de todos os elementos de direito e de facto necessários à apreciação do carácter abusivo de uma cláusula contratual, pode violar as disposições do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento (6).

55.      A Comissão alega que o disposto no artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 93/13 se aplica a uma situação em que uma determinada cláusula contratual é abusiva, situação essa cujas consequências jurídicas a directiva define, nomeadamente a não vinculatividade da cláusula. No entanto, a questão prejudicial não se refere a casos em que uma cláusula contratual é abusiva, mas sim a situações em que um juiz nacional simplesmente suspeita, sem o poder confirmar, do eventual carácter abusivo de uma cláusula contratual. A Directiva 93/13, todavia, não contém quaisquer indicações a este respeito.

56.      O Tribunal de Justiça ainda não se manifestou sobre a questão de saber se um juiz nacional tem a obrigação de investigar oficiosamente o carácter eventualmente abusivo de uma cláusula contratual, quando não dispõe dos elementos de direito e de facto necessários para essa apreciação. Na realidade, o direito comunitário não contém nenhuma disposição que confira ao juiz nacional poderes para apurar oficiosamente, se não estiverem disponíveis, os elementos de direito e de facto necessários para eventualmente concluir pelo carácter abusivo de uma cláusula contratual.

57.      Segundo a Comissão, o direito comunitário conferiria ao juiz nacional uma função similar à do juiz de instrução, se o obrigasse a uma investigação oficiosa sempre que suspeitasse que uma determinada cláusula contratual poderia ser abusiva. Esta intervenção implicaria a adopção de disposições detalhadas em matéria de direito processual nacional. Seria necessário esclarecer, por exemplo, em que casos e a partir de que grau de suspeita o juiz nacional deveria proceder a esta investigação e seria ainda necessário definir os instrumentos de direito processual eventualmente à sua disposição. Esta evolução das competências do juiz nacional poderia levar a alterações consideráveis na configuração dos sistemas judiciais dos Estados‑Membros.

58.      No entanto, o juiz nacional, no âmbito da fiscalização da sua própria competência, continua obrigado a analisar oficiosamente a questão do abuso de uma cláusula contratual, desde que disponha dos elementos de facto e de direito necessários para o efeito, assim como a não aplicar a cláusula abusiva, quando o consumidor nada invoca em contrário.

VI – Apreciação jurídica

A –    Observações introdutórias

59.      O presente processo dá novamente ao Tribunal de Justiça uma oportunidade para prosseguir o desenvolvimento da sua jurisprudência relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, na acepção da Directiva 93/13. Importa desde já referir que, desta vez, não se trata nem da apreciação nem da identificação das características típicas de uma cláusula contratual desta natureza, mas sim do esclarecimento de aspectos institucionais e de competência específicos na complexa relação de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais que, em matéria de protecção dos consumidores, se caracteriza em larga medida por uma estrita divisão do trabalho (7). Importa sobretudo precisar os poderes do juiz nacional, a quem, enquanto juiz comunitário em termos funcionais, compete aplicar o direito comunitário ao litígio no processo principal, com observância das orientações de interpretação do Tribunal de Justiça.

60.      As três primeiras questões prejudiciais referem‑se essencialmente aos processos de decisão prejudicial, regulados no artigo 234.° CE, actual artigo 267.° TFUE (8) desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa de reforma dos Tratados, incluindo a definição mais pormenorizada que lhe foi dada pelas disposições processuais do Estatuto do Tribunal de Justiça, com especial atenção para o enquadramento dado pela Directiva 93/13 às cláusulas contratuais de carácter abusivo. Delas se diferencia tematicamente a quarta questão prejudicial, que antes tem por objecto, essencialmente, as competências do juiz nacional. Por motivos de clareza, as questões prejudiciais serão analisadas nesta sequência.

B –    Quanto à primeira questão prejudicial

1.      Generalidades

61.      As disposições fundamentais em matéria de jurisdição da União estão consagradas no Tratado CE e no Tratado CEEA, assim como, em menor grau, no Tratado UE. Por seu lado, o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, anexo aos Tratados, contém uma regulamentação‑quadro que os tribunais da União devem completar com um regulamento processual próprio. O Estatuto do Tribunal de Justiça, cuja interpretação o órgão jurisdicional de reenvio solicita na sua primeira questão prejudicial, faz parte do direito primário, como resulta dos artigos 245.° CE e 311.° CE. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça pode derivar directamente do artigo 234.°, n.° 1, alínea a) CE a competência interpretativa das disposições do Estatuto, designadamente do artigo 23.° (9).

62.      No que respeita à questão da compatibilidade de uma norma como a do §155/A, n.° 2 do Código de Processo Civil húngaro com o artigo 23.° do Estatuto, uma vez que, tal sucede com todas as normas jurídicas do direito comunitário, na relação entre o Estatuto e o direito dos Estados‑Membros o direito comunitário tem o primado, pelo que uma norma processual nacional que obrigue os órgãos jurisdicionais nacionais a remeterem as suas decisões de reenvio a título informativo ao Ministro da Justiça ao mesmo tempo que as apresentam ao Tribunal de Justiça, a título informativo ao Ministro da Justiça, só pode ser considerada conforme com o direito comunitário se nem do artigo 23.° do Estatuto nem do restante direito comunitário resultarem indicações em contrário.

2.      Limites do direito comunitário

a)      Artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça

63.      Do artigo 23.° do Estatuto per se não se pode inferir directamente uma proibição a semelhante norma. Nem o teor nem o sentido e objectivo desta disposição, que consiste em dar aos governos dos Estados‑Membros e aos outros interessados a possibilidade de se manifestarem sobre as questões prejudiciais na sequência da notificação do despacho de reenvio (10), se opõem a um envio directo da decisão de reenvio ao governo do Estado‑Membro em questão, visto que as duas normas, apesar de não serem totalmente idênticas, têm como objectivo a notificação de um Estado‑Membro e acabam por cumprir a mesma função processual.

64.      Coloca‑se no entanto a questão de saber se existem outras disposições que possam opor‑se a esta norma.

b)      Princípios da equivalência e da efectividade

65.      Em primeiro lugar, importa recordar que o direito processual dos Estados‑Membros não está, em princípio, sujeito a qualquer harmonização e que a Comunidade também não tem nenhuma competência genérica para legislar sobre esta matéria. Por conseguinte, o direito comunitário também reconhece a autonomia do direito processual nacional (11). Isto também é válido no âmbito de um processo de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, pelo que, por exemplo, compete unicamente ao órgão jurisdicional nacional suspender eventualmente o respectivo processo e recorrer ao Tribunal de Justiça. O artigo 234.° CE confere ao órgão jurisdicional nacional o poder de apreciar da necessidade de uma decisão sobre a questão de direito comunitário. Consequentemente, o processo de reenvio mantém‑se no Tribunal de Justiça, enquanto o pedido do juiz nacional não tiver sido retirado ou revogado (12). É da exclusiva competência do direito nacional definir se, em que medida e em que condições é possível impugnar uma decisão de reenvio de um órgão jurisdicional nacional (13). Por conseguinte, em última análise o órgão jurisdicional nacional continua a ser competente para todos os aspectos de facto e de direito do processo nacional, cabendo‑lhe pronunciar‑se sobre se o despacho de reenvio cumpre as regras nacionais de organização judiciária e de processo (14).

66.      Só em casos isolados é possível deduzir das normas processuais escritas da União Europeia, assim como da jurisprudência (15), orientações específicas que indiquem em que condições e de que forma se deve dirigir um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

67.      Uma restrição importante ao princípio da autonomia administrativa dos Estados‑Membros resulta desde logo dos princípios gerais do direito comunitário, em conexão por exemplo com a concretização de direitos subjectivos concedidos pelo ordenamento jurídico comunitário. Assim, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que, na falta de regulamentação comunitária nesse domínio, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito comunitário, e que, porém, essas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência), nem tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (16).

68.      As explicações relativamente sucintas do órgão jurisdicional de reenvio sobre as considerações subjacentes a esta questão prejudicial, não permitem reconhecer até que ponto o artigo 23.° do Estatuto se pode opor a uma norma como a do § 155/A, n.° 2 do Código de Processo Civil húngaro. E ainda é menos claro até que ponto a norma controvertida pode prejudicar a protecção dos direitos individuais conferida pelo processo de decisão prejudicial (17). No entanto, é manifesto que o órgão jurisdicional de reenvio não exclui totalmente esta hipótese. Considerando que é necessário dar uma resposta pertinente à questão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio (18), examinar‑se‑á em seguida a compatibilidade desta regulamentação com os princípios acima referidos.

69.      Segundo o Governo da Hungria (19), a disposição controvertida é uma norma processual que impõe ao órgão jurisdicional de reenvio uma obrigação de informação. O mesmo governo justifica essa norma com a necessidade de ser informado o mais cedo possível dos pedidos de decisão prejudicial apresentados pelos órgãos jurisdicionais nacionais, sobretudo porque estes pedidos podem surtir efeitos imediatos, tanto no direito nacional como na apreciação do direito comunitário precisamente por esses tribunais. Segundo o Governo da Hungria, o Estado envolvido tem um «interesse prioritário», em matéria jurídica, numa notificação precoce. Considerando que o artigo 23.°, n.° 1, segundo período do Estatuto, em conjugação com o artigo 104.°, n.° 1 do Regulamento do Processo já prevê a obrigação do secretário do Tribunal de Justiça de notificar a decisão de reenvio do órgão jurisdicional nacional, entre outros, aos Estados‑Membros, nos quais se inclui também o Estado‑Membro no qual o órgão jurisdicional de reenvio tem a sua sede, numa observação objectiva a única vantagem que se pode ver nesta norma processual é o tempo ganho pelo governo do Estado‑Membro em questão, para preparar articulados e observações escritas na acepção do artigo 23.°, n.° 2 do Estatuto, com vista à eventual participação na fase escrita do processo no Tribunal de Justiça.

70.      Apesar da falta de referências sobre a existência de normas semelhantes em processos nacionais comparáveis, o que torna mais difícil um exame jurídico à luz do princípio da equivalência, entendo que é desde logo questionável até que ponto, na perspectiva por exemplo de um titular hipotético de direitos comunitários subjectivos que deseje concretizá‑los por via judicial, esta norma pode ser considerada «menos vantajosa». Para que o exame do requisito da equivalência não se centre numa perspectiva meramente formal, impõe‑se questionar os efeitos concretos da norma nacional em questão.

71.      Relativamente à questão da compatibilidade da norma controvertida com o princípio da efectividade, verifica‑se que a norma em apreço não é susceptível de tornar impossível na prática ou excessivamente difícil um reenvio para o Tribunal de Justiça, tanto mais que o seu efeito se esgota, tal como já foi referido, numa mera obrigação de informação. Por conseguinte, o seu cumprimento não deve, de modo algum, ser entendido como condição para um reenvio ao Tribunal de Justiça. A disposição em apreço também nada diz sobre as consequências jurídicas de uma eventual violação desta obrigação de informação. Como, pelo menos na perspectiva de um hipotético titular de direitos comunitários subjectivos, esta obrigação não surte quaisquer efeitos relativamente ao próprio, visando unicamente a relação entre o órgão jurisdicional nacional e o governo, há que partir do princípio de que a mesma não contradiz o princípio da efectividade.

72.      Consequentemente, a norma controvertida está em conformidade com os princípios da equivalência e da efectividade.

c)      Princípio do dever de cooperação nos termos do artigo 10.° CE

73.      Há que considerar ainda uma violação do princípio do dever de cooperação nos termos do artigo 10.° CE. Este princípio fundamenta determinadas obrigações de cooperação dos órgãos jurisdicionais nacionais com a União Europeia e, sobretudo, uma obrigação de auxílio judiciário e de diálogo jurisdicional com o Tribunal de Justiça (20), aplicáveis em particular no âmbito do processo de decisão prejudicial, que o Tribunal de Justiça entende como instrumento de colaboração jurisdicional. Por essa razão, a jurisprudência do Tribunal de Justiça reconhece que a violação, por parte do tribunal de última instância dos Estados‑Membros, da obrigação de reenvio consagrada no artigo 234.°, n.° 3 CE, consubstancia uma violação do direito comunitário (21). Um não reenvio, objectivamente arbitrário, para o Tribunal de Justiça viola o artigo 10.° CE em conjugação com o artigo 234.° CE, podendo essa violação ser sancionada, por um lado, pela Comissão e por outros Estados‑Membros, através do processo por incumprimento previsto no artigo 226.° CE (22) e/ou no artigo 258.° TFUE e, por outro, pelos particulares, através da invocação, nos tribunais nacionais, da responsabilidade do Estado por violação do direito comunitário (23).

74.      Não existindo uma obrigação de reenvio, o que é de admitir na falta de indicações em contrário por parte do órgão jurisdicional de reenvio, poderá haver, quanto muito, uma infracção ao artigo 10.° CE em conjugação com o artigo 234.° CE, se determinados comandos do direito processual nacional tiverem tal influência nas decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais que eventualmente os dissuadem de exercer o seu direito de dirigir um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça. Uma infracção será concebível na premissa de que consubstancia uma perturbação da relação de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, em prejuízo de uma uniformização da interpretação e aplicação do direito nacional em todos os Estados‑Membros da União Europeia (24).

75.      Para uma interpretação uniforme e aplicação eficaz do direito comunitário é imprescindível, nomeadamente, que os tribunais de instâncias inferiores de todos os Estados‑Membros possam entrar directamente em contacto com o Tribunal de Justiça. Além do mais, este é o instrumento que faz dos órgãos jurisdicionais nacionais tribunais de direito comunitário. Através do pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional nacional é implicado no discurso de direito comunitário, independentemente de outros poderes nacionais ou instâncias judiciais. Há, assim, que concordar expressamente com a tese jurídica sustentada pelo advogado‑geral Poiares Maduro nas suas conclusões no processo Cartesio (C‑210/06), segundo a qual o direito comunitário confere competência a todos os órgãos jurisdicionais de qualquer Estado‑Membro para submeter pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça e esta autoridade não pode ser condicionada pelo direito nacional (25). Assim, já no acórdão Rheinmühlen (26) o Tribunal de Justiça decidiu, com razão, que uma norma de direito interno que impeça a aplicação do procedimento previsto no artigo 234.° CE não deve ser aplicada.

76.      No entanto, como já se expôs (27), a norma nacional controvertida não se encontra de modo algum estruturada como condição para um reenvio para o Tribunal de Justiça, justificando unicamente uma obrigação de informação dos órgãos jurisdicionais nacionais para com o organismo administrativo competente. Esta norma de direito processual também não subordina à vontade do executivo a decisão dos órgãos jurisdicionais nacionais de dirigir ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial. Consequentemente, não se vê em que medida a obrigação de respeitar este processo pode ter efeitos desvantajosos na disponibilidade dos órgãos jurisdicionais nacionais para efectuar reenvios prejudiciais.

77.      Como o direito dos órgãos jurisdicionais nacionais de enviar pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça não é condicionado pela norma controvertida, não é possível vislumbrar qualquer violação do princípio do dever de cooperação nos termos do artigo 10.° CE.

d)      Princípio da igualdade de armas

78.      Uma norma nacional como a controvertida também poderia ser analisada à luz da sua compatibilidade com o princípio da igualdade de armas, tanto mais que, por receber dos órgãos jurisdicionais nacionais informação precoce sobre um pedido de decisão prejudicial, o Governo da Hungria fica, do ponto de vista processual, colocado numa posição mais favorável do que as outras partes, uma vez que dispõe de mais tempo para preparar articulados e observações escritas, na acepção do artigo 23.°, n.° 2.

79.      O princípio da igualdade de armas é reconhecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça como garantia processual (28). Do ponto de vista dogmático, decorre do princípio geral do direito a um processo equitativo (29), a que estão vinculados os tribunais da União e que, por seu lado, é expressão do princípio do Estado de direito e do princípio geral da igualdade. Garante a igualdade formal da posição jurídica processual das partes, assim como a sua equivalência material, a concretizar pelo juiz como igualdade de oportunidades processual. Este princípio processual atribui às partes, em primeiro lugar, o direito de alegar tudo o que for relevante para a decisão judicial e de invocar autonomamente todos os meios processuais necessários para se defenderem do ataque da parte contrária.

80.      Deve no entanto considerar‑se que este princípio se encontra em estreita relação com o princípio do contraditório (30). O ponto de partida para tanto é os interesses contrários das partes, que exigem equilíbrio entre os direitos e obrigações e igualdade de possibilidades de actuação processual. Os processos contraditórios, como a acção por incumprimento, a acção de anulação ou de declaração da nulidade ou a acção por omissão caracterizam‑se por um demandante formular um pedido, com base no direito comunitário, contra um demandado que, por seu lado, se defende do pedido. O demandante e o demandado são partes no litígio judicial. Os processos não contraditórios, pelo contrário, cumprem uma função objectiva de protecção jurídica e de controlo. Desconhecem qualquer parte, só conhecendo interessados (31). O exemplo mais importante de um processo não contraditório é o processo de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, que tem como objectivo a salvaguarda da uniformidade da aplicação do direito comunitário (32). Contrariamente às acções directas acima referidos e ao processo de parecer nos termos do artigo 300.°, n.° 6, CE, e/ou artigo 218.°, n.° 11, TFUE não se trata, neste caso, de um processo autónomo, mas sim de um incidente processual no âmbito de um litígio judicial pendente num tribunal dos Estados‑Membros. Neste processo decide‑se unicamente sobre questões isoladas de interpretação ou validade do direito comunitário, relevantes para a decisão no processo principal. Os argumentos invocados pelos Estados‑Membros nos seus articulados ou observações escritas no Tribunal de Justiça enquanto interessados no processo, não devem assim ser considerados alegações das partes, mas antes entendidos, como justamente foi referido pela Comissão, como comparáveis a observações jurídicas de um amicus curiae, na medida em que as observações jurídicas se destinam exclusivamente a apoiar o Tribunal de Justiça na tomada da sua decisão (33).

81.      Os esclarecimentos anteriores permitem compreender melhor o sentido e objectivo da norma do artigo 23.°, n.° 2 do Estatuto. Assim, a fixação de um prazo de dois meses destina‑se mais a defender os interesses de uma administração eficiente da justiça do que a salvaguardar a igualdade de armas. Visa, por um lado, garantir que as partes disponham de tempo adequado para preparar e apresentar os seus articulados e, por outro, assegurar que o processo será conduzido expeditamente.

82.      Perante o exposto, não é possível aplicar o princípio da igualdade de armas ao presente caso. Assim, nenhuma parte pode alegar que se encontra numa posição processual menos favorável do que o Governo da Hungria apenas porque este, devido a uma norma nacional, é informado mais cedo da apresentação de um pedido de decisão prejudicial por um tribunal deste Estado‑Membro.

e)      Comparação sistemática com as disposições da tramitação urgente

83.      Como as disposições do Regulamento do Processo indicam, podem existir motivos urgentes que tornem necessária uma notificação prioritária de um determinado Estado‑Membro. Assim, o artigo 104.°B, n.° 2, do Regulamento do Processo prevê que o pedido de decisão prejudicial que suscite uma ou várias questões relativas aos domínios objecto do Título VI do Tratado da União ou do Título IV da Parte III do Tratado CE – quando a aplicação da tramitação urgente tenha sido solicitada pelo órgão jurisdicional nacional ou quando o presidente do Tribunal de Justiça tenha pedido à secção designada para examinar a necessidade de submeter o pedido a este tipo de tramitação – é imediatamente notificado pelo secretário ao Estado‑Membro a que pertence esse órgão jurisdicional (34). Nesta altura e no interesse da celeridade do processo, tendo em conta a necessária tradução dos documentos do processo, os demais interessados a que se refere o artigo 23.° do Estatuto ainda não são notificados. Esta norma deve ser entendida como o reconhecimento implícito, por parte do legislador comunitário, da necessidade de informar prioritariamente o Estado‑Membro em questão. Face a esta valoração do legislador comunitário, não se pode criticar a República da Hungria por ter introduzido normas próprias para garantir que o seu governo seja informado o mais cedo possível de um pedido de decisão prejudicial por parte de um dos seus órgãos jurisdicionais.

3.      Conclusão

84.      Perante o exposto, não é possível extrair do artigo 23.° do Estatuto nem do restante direito comunitário regras jurídicas que se oponham a uma norma processual nacional que obrigue os órgãos jurisdicionais nacionais a remeterem as suas decisões de reenvio a título informativo ao Ministro da Justiça, ao mesmo tempo que as apresentam ao Tribunal de Justiça.

C –    Relativamente à segunda e à terceira questões prejudiciais

1.      Generalidades

85.      A segunda questão prejudicial tem essencialmente por objecto a interpretação do artigo 234.° CE. Com a mesma, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a competência interpretativa do Tribunal de Justiça se estende também ao conceito de «cláusula contratual abusiva» na acepção do artigo 3.°, n.° 1 da Directiva 93/13, assim como às cláusulas enunciadas no anexo desta directiva. A terceira questão prejudicial, relativa à competência do Tribunal de Justiça para dar orientações para a interpretação, é expressamente colocada para o caso de a resposta à segunda questão prejudicial ser afirmativa e encontra‑se em estreita relação factual com a mesma. Por conseguinte, justifica‑se uma resposta conjunta às duas questões prejudiciais.

86.      O modo como as questões prejudiciais se encontram formuladas permite reconhecer certas inseguranças por parte do órgão jurisdicional de reenvio relativamente ao papel tanto do Tribunal de Justiça como dos órgãos jurisdicionais nacionais na interpretação e aplicação da Directiva 93/13. Parece‑me indispensável, por conseguinte, para uma melhor compreensão da relação de cooperação que caracteriza o processo de decisão prejudicial, começar por expor resumidamente as competências interpretativas gerais do Tribunal de Justiça para depois me debruçar sobre as questões jurídicas suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

2.      Âmbito da competência interpretativa do Tribunal de Justiça

87.      No tocante ao primeiro aspecto, deve referir‑se que, por princípio, todas as disposições do direito comunitário podem ser objecto de um pedido de interpretação. Isto é confirmado pelo artigo 220.°, n.° 1, CE, que atribui ao Tribunal de Justiça a tarefa de garantir, no âmbito das suas competências, o respeito «do direito» em geral na interpretação desse Tratado. Por seu lado, o artigo 234.°, primeiro parágrafo, alínea b), CE, esclarece que a competência interpretativa do Tribunal de Justiça se estende, entre outras, a «actos adoptados pelas instituições da Comunidade», referindo‑se aqui a totalidade do direito derivado, inclusive os actos referidos no artigo 249.° CE. Assim sendo, o Tribunal de Justiça é competente para interpretação de um acto como a Directiva 93/13. Esta competência estende‑se igualmente aos conceitos jurídicos nela contidos que, de acordo com a jurisprudência, devem por princípio ser interpretados de forma autónoma, caso não exista uma remissão para os ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros (35).

88.       No caso do conceito da «cláusula abusiva» na acepção do artigo 3.° da directiva, de facto não existe na Directiva 93/13 uma conexão com categorias do direito dos Estados‑Membros. Tal como o Tribunal de Justiça aliás concluiu com razão, essa disposição, que alude aos conceitos de boa fé e de desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes no contrato, enuncia de forma meramente abstracta os elementos que conferem um carácter abusivo a uma cláusula contratual que não foi objecto de uma negociação individual (36). Apesar da tentativa de concretização pelo legislador comunitário, através da remissão, no artigo 3.°, n.° 3, para o catálogo de cláusulas do anexo da Directiva, não se pode ser ignorar que a previsão normativa do facto constitutivo de abuso se encontra apenas formulada em termos gerais (37). A «cláusula abusiva» é, portanto, um conceito jurídico indeterminado que carece de preenchimento normativo.

89.      No entanto, a necessidade de preenchimento de um conceito jurídico – como o Tribunal de Justiça confirma no acórdão SENA (38), no contexto do conceito de «remuneração equitativa» na acepção do artigo 8.°, n.° 2 da Directiva 92/100 (39) e tal como expus em pormenor recentemente nas minhas conclusões de 11 de Maio de 2010 no processo C‑467/08 (SGAE), ainda pendente, sobre o exemplo do conceito jurídico de «compensação equitativa» para cópias privadas utilizado no artigo 5.°, n.° 2, alínea b) da Directiva 2001/29 (40) – não se opõe, à partida, a uma classificação como conceito autónomo do direito comunitário a interpretar uniformemente em todos os Estados‑Membros. Pelo contrário, é necessário dar especial atenção ao sentido e objectivo de uma determinada norma, os quais escondem a presumível vontade do legislador comunitário. Neste contexto, há que considerar o objectivo da aproximação das legislações, que é igualmente prosseguido pela Directiva 93/13 (41) e pressupõe necessariamente o desenvolvimento de conceitos autónomos de direito comunitário, inclusive de uma terminologia uniforme, para alcançar o objectivo fixado pelo legislador. A tarefa de precisar, através da interpretação, o conceito comunitário de «cláusula abusiva», nomeadamente com carácter vinculativo para todos os órgãos jurisdicionais da União Europeia, cai na competência do Tribunal de Justiça, que, nessa medida, tem competência para decidir em última instância nesta matéria (42).

90.      No que respeita à questão ulterior de saber se a competência interpretativa do Tribunal de Justiça se estende igualmente às cláusulas enunciadas no anexo desta Directiva, face às considerações acima tecidas há que responder‑lhe afirmativamente, sem qualquer restrição. O acórdão Océano Grupo (43) , em que o Tribunal de Justiça recorreu ao tipo de cláusula enunciado no ponto 1, alínea q) do anexo para interpretação do artigo 3.° da directiva, corrobora o acerto deste entendimento (44). O mesmo sucede com o acórdão Pannon (45), em que o Tribunal de Justiça esclareceu expressamente que, no exercício da competência que lhe é atribuída pelo artigo 234.° CE, interpretou naquele processo os «critérios gerais» utilizados pelo legislador comunitário para definir o conceito de cláusula abusiva, tratando‑se nesse caso precisamente do tipo de cláusula mencionado no ponto 1, alínea q) do anexo.

3.      Delimitação da competência entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais na fiscalização de cláusulas abusivas

a)      A diferença entre interpretação e aplicação do direito comunitário

91.      Isto leva a um outro aspecto da questão que também carece de esclarecimento. Se a segunda questão prejudicial for entendida não só literalmente mas também no sentido de um pedido de que o Tribunal de Justiça esclareça a repartição de tarefas entre si e os órgãos jurisdicionais nacionais na fiscalização de cláusulas abusivas, é aconselhável, antes de mais nada, chamar a atenção do órgão jurisdicional de reenvio para a regra geral (46) que prevê, em processos nos termos do artigo 234.° CE, uma repartição de competências entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, por força da qual incumbe ao primeiro interpretar e aos últimos aplicar o direito comunitário. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não tem competência para aplicar as normas do direito comunitário ao caso concreto e, por consequência também não é competente para qualificar disposições de direito nacional à luz de tais normas. No entanto, o Tribunal de Justiça reserva‑se o direito de fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito comunitário que possam ser‑lhe úteis para a apreciação dos efeitos dessas disposições.

92.      Tal como expliquei recentemente nas minhas conclusões de 29 de Outubro de 2009 no processo C‑484/08 (Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid), esta repartição de tarefas, inerente ao processo nos termos do artigo 234.° CE, para a fiscalização das cláusulas abusivas em contratos celebrados com os consumidores tem, em meu entender, a consequência de o Tribunal de Justiça não se poder pronunciar directamente sobre a fiscalizabilidade (47) e muito menos sobre a compatibilidade de uma determinada cláusula contratual com a Directiva 93/13, cabendo‑lhe apenas decidir sobre a interpretação dessa directiva relativamente a uma determinada cláusula (48). Cabe ao juiz nacional, por seu lado, a tarefa de examinar, com base na Directiva 93/13, se a cláusula em questão pode ser qualificada como abusiva na acepção do artigo 3.°, n.° 1 da directiva e das disposições de transposição nacionais em questão, sob observância das orientações interpretativas do Tribunal de Justiça.

b)      A jurisprudência desde o acórdão Freiburger Kommunalbauten

93.      As linhas essenciais desta repartição de competências, como demonstra a regra geral sobre a competência na interpretação e aplicação do direito comunitário, encontram‑se desde há muito fixadas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Relativamente à fiscalização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores nos termos da Directiva 93/13, no entanto, só é possível considerá‑las consolidadas após o acórdão Freiburger Kommunalbauten (49) (50). Convém, por conseguinte, examinar brevemente os marcos de referência desta decisão.

94.      Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça constatou que, no âmbito da competência de interpretação do direito comunitário que lhe é atribuída pelo artigo 234.° CE, pode interpretar os critérios gerais utilizados pelo legislador comunitário para definir o conceito de cláusula abusiva, mas não se pode pronunciar sobre a aplicação desses critérios gerais a uma cláusula particular, que deve ser apreciada em função das circunstâncias próprias do caso (51).

95.      Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça sublinhou o especial papel dos órgãos jurisdicionais nacionais na luta contra as cláusulas abusivas e por isso lhes confiou a tarefa de determinar, em cada caso concreto, se uma cláusula contratual preenche os critérios exigidos para ser qualificada de abusiva na acepção do artigo 3.°, n.° 1 da directiva (52). Segundo o Tribunal de Justiça, que remeteu nesse sentido para o artigo 4.° da Directiva 93/13, fazem parte das circunstâncias próprias do caso que os órgãos jurisdicionais nacionais devem considerar para a fiscalização das cláusulas a natureza dos bens ou serviços que sejam objecto do contrato e todas as circunstâncias que rodearam a sua celebração. Devem igualmente ser avaliadas as consequências que a referida cláusula pode ter no âmbito do direito aplicável ao contrato, o que implica um exame do sistema jurídico nacional (53).

96.      No mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça seguiu as conclusões do advogado‑geral Geelhoed, que essencialmente se manifestou no sentido de uma fiscalização descentralizada das cláusulas abusivas, a nível dos Estados‑Membros, sem pôr em causa o monopólio interpretativo do Tribunal de Justiça. Nas suas conclusões, o advogado‑geral tinha, por um lado, apontado para a necessidade de uma delimitação clarade competências entre a Comunidade e os Estados‑Membros em matéria de protecção do consumidor e, por outro, advertido para uma utilização racional das acções judiciais. Relativamente a estas últimas, o advogado‑geral tinha implicitamente alertado, com razão, para o perigo de uma sobrecarga do processo nos termos do artigo 234.° CE, se a tarefa da apreciação do carácter abusivo de uma determinada cláusula contratual recaísse na competência do Tribunal de Justiça. Considerando que o conceito de «cláusula abusiva» possui carácter geral e que este tipo de cláusula surge sob grande diversidade de formas e conteúdos nos contratos celebrados com os consumidores, o advogado‑geral temia que pudessem constantemente dar azo à apresentação de questões prejudiciais. Subscrevo estes argumentos, porque não pode competir ao próprio Tribunal de Justiça apreciar o carácter abusivo de cada cláusula contratual que lhe é apresentada. Face à multiplicidade de aspectos factuais e de direito nacional a considerar em cada caso (54), a proximidade efectiva, por parte do iudexaquo, do objecto do litígio principal revela‑se uma vantagem que os tribunais da União Europeia deveriam aproveitar para protecção do consumidor (55).

97.      Por fim, o advogado‑geral aduz ainda o argumento da relevância do direito nacional na luta contra as cláusulas abusivas. Estas cláusulas têm sobretudo importância nas relações de direito privado, as quais, em larga medida, são ainda reguladas pelo direito nacional, o que pode até levar a que cláusulas do mesmo tipo tenham diferentes consequências jurídicas em ordenamentos jurídicos nacionais diversos. Considerando que a apreciação in concreto do carácter abusivo de uma cláusula contratual se pauta, em primeiro lugar, pelo direito nacional (56) e que a interpretação e aplicação do direito nacional é da competência exclusiva do órgão jurisdicional nacional, também subscrevemos este argumento.

98.      Encontra‑se uma confirmação dos princípios acima descritos no acórdão Mostaza Claro (57), assim como no recentemente proferido acórdão Pannon (58), que contém um esclarecimento adicional, pois nele se refere que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proceder à apreciação do carácter abusivo de uma cláusula contratual à luz das observações abstractas contidas no acórdão do Tribunal de Justiça (59). Daí se infere precisamente que, no exercício das suas competências de fiscalização, o juiz nacional deve respeitar as orientações de interpretação do juiz comunitário (60).

99.      Neste contexto deve, no entanto, sublinhar‑se que as orientações de apreciação referidas neste acórdão não devem, de modo algum, ser encaradas como exaustivas. Pelo contrário, representam apenas alguns dos «critérios gerais» na acepção da jurisprudência, que o Tribunal de Justiça pode fornecer ao juiz nacional por força do seu monopólio interpretativo em matéria de direito comunitário. Por conseguinte, a concretização, a nível do direito comunitário, da previsão normativa do facto constitutivo de abuso constante do artigo 3.°, n.° 1 da Directiva, deve ser vista como um processo contínuo, que no fundo cabe Tribunal de Justiça orientar. A sua tarefa deve ser a de precisar, passo a passo, os critérios abstractos da fiscalização do carácter abusivo e, através da crescente experiência, elaborar os contornos de uma fiscalização comunitária do abuso. O processo de decisão prejudicial, enquanto expressão da relação de repartição de trabalho entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, representa o meio adequado para alcançar resultados imparciais e processualmente racionais (61).

4.      Conclusão

100. À luz do exposto, há que responder à segunda questão prejudicial que, nos termos do artigo 234.° CE, o Tribunal de Justiça também é competente para interpretar o conceito de «cláusula contratual abusiva», na acepção do artigo 3.°, n.° 3 da Directiva 93/13, assim como as cláusulas enumeradas no anexo desta directiva.

101. Há que responder à terceira questão prejudicial que o pedido de decisão prejudicial em que é pedida essa interpretação pode, no interesse de uma aplicação uniforme em todos os Estados‑Membros do nível de protecção dos direitos do consumidor garantido pela Directiva 93/13, referir‑se à questão de saber quais os aspectos que o órgão jurisdicional nacional pode ou deve considerar quando os critérios gerais fixados na directiva são aplicados a uma cláusula contratual individual determinada.

D –    Quanto à quarta questão prejudicial

1.      Objecto da questão

102. Com a sua quarta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio solicita essencialmente um esclarecimento dos n.os 34 e 35 do acórdão Pannon (62), nos quais o Tribunal de Justiça declarou o seguinte:

«Nestas condições, as características específicas do processo jurisdicional, cuja tramitação se dá no quadro do direito nacional entre o profissional e o consumidor, não pode constituir um elemento susceptível de afectar a protecção jurídica de que o consumidor deve beneficiar ao abrigo das disposições da directiva.

Assim, deve responder‑se à segunda questão que o órgão jurisdicional nacional é obrigado a examinar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula contratual, desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito. Quando considerar que a cláusula é abusiva, não a deve aplicar, salvo se o consumidor a isso se opuser. Esta obrigação também incumbe ao órgão jurisdicional nacional quando da apreciação da sua própria competência territorial.»

103. No seu despacho de reenvio (63), o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que do acórdão não é possível deduzir com clareza qual a sequência cronológica a observar. Ou o órgão jurisdicional nacional só pode examinar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula contratual quando dispõe dos elementos de direito e de facto necessários para tanto, ou o exame oficioso significa também que o tribunal, no âmbito do exame do carácter abusivo de uma determinada cláusula contratual, é obrigado a determinar e actualizar oficiosamente os elementos de direito e de facto necessários para o efeito.

2.      Observações relevantes do Tribunal de Justiça no acórdão Pannon, à luz da actual jurisprudência, sobre a obrigação de exame oficioso por parte do juiz nacional

104. Antes de tomar posição relativamente à questão prejudicial propriamente dita e para clarificar o objecto da questão que foi colocada, é aconselhável recapitular resumidamente, à luz da actual jurisprudência, as observações do Tribunal de Justiça no acórdão Pannon relevantes para o presente processo.

105. Desde o acórdão Océano Grupo (64), é jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que «a protecção garantida pela directiva aos consumidores implica que o juiz nacional possa apreciar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula do contrato que lhe foi submetido», mesmo quando «examina a admissibilidade de uma acção instaurada perante os órgãos jurisdicionais nacionais». No entanto, esta formulação deixou em aberto a questão de saber se o Tribunal de Justiça pressupunha um dever ou simplesmente uma possibilidade de apreciação oficiosa de cláusulas abusivas. O acórdão Pannon constitui uma importante contribuição para o esclarecimento desta questão, na medida em que o Tribunal de Justiça nele declarou que a tarefa do juiz nacional «não se limita à simples faculdade de se pronunciar sobre a natureza eventualmente abusiva de uma cláusula contratual», mas que existe também uma obrigação nesse sentido (65). Esta obrigação é válida para todas as cláusulas abusivas e portanto também para as cláusulas atributivas de jurisdição. No acórdão Cofidis (66), e ainda mais claramente no acórdão Mostaza Claro (67), o Tribunal de Justiça já tinha pressuposto a obrigação de examinar. No acórdão Pannon, o Tribunal de Justiça acrescentou que isso só é compatível com a obrigação de apreciar oficiosamente quando a ineficácia nos termos do artigo 6.°, n.° 1 da Directiva 93/13 ocorre ipso iure e o consumidor não necessita de a suscitar (68).

106. Outra novidade do acórdão Pannon consiste no esclarecimento de que o órgão jurisdicional nacional tem a possibilidade de aplicar a cláusula em causa se avisar devidamente o consumidor e este decidir não invocar o seu carácter abusivo (69). A vantagem desta abordagem reside em que poupa o consumidor a uma protecção forçada e corresponde melhor à ideia da protecção do consumidor através da informação (70).

3.      Parecer jurídico

107. Tal como a Comissão refere com razão, a questão prejudicial não tem por objecto uma situação em que existe uma cláusula contratual abusiva, mas apenas uma situação em que um juiz nacional nota o carácter possivelmente abusivo de uma cláusula contratual, ou seja, apenas suspeita do carácter abusivo, sem o poder declarar com segurança. Mas como a Directiva 93/13 não dá orientações a este respeito, de acordo com o princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros (71), é aplicável, em princípio, o direito processual nacional.

108. Por outro lado, o princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros não pode conduzir à frustração da protecção do consumidor nos termos em que é garantida, de acordo com a jurisprudência, pelos artigos 6.° e 7.° da Directiva 93/13 (72). Neste sentido devem também ser entendidas as observações do Tribunal de Justiça no n.° 34 do acórdão Pannon, segundo as quais «as características específicas do processo jurisdicional, cuja tramitação se dá no quadro do direito nacional entre o profissional e o consumidor, não pode[m] constituir um elemento susceptível de afectar a protecção jurídica de que o consumidor deve beneficiar ao abrigo das disposições da directiva». Por isso, Em casos individuais são necessárias ingerências pontuais na autonomia regulamentar processual dos Estados‑Membros, para alcançar os objectivos da directiva (73). É discutível a questão de saber se é possível constatar, no acórdão Pannon, semelhante ingerência comunitária na autonomia regulamentar processual dos Estados‑Membros e, em caso de resposta negativa, se essa ingerência era necessária.

109. No n.° 35 do acórdão Pannon, o Tribunal de Justiça constatou que o órgão jurisdicional nacional é obrigado a examinar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula contratual, «desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito». O Tribunal de Justiça retomou recentemente esta formulação no acórdão Asturcom (74). Em meu entender, esta frase deve, no entanto, ser entendida no sentido de que a obrigação de exame só surge se da alegação das partes ou de outras circunstâncias o órgão jurisdicional obtiver indícios de um eventual carácter abusivo (75). Só neste caso deve o tribunal esclarecer oficiosamente as suas dúvidas sobre a eficácia da cláusula, sem que seja necessário que uma das partes argua concretamente o carácter abusivo daquela (76). Em contrapartida, o acórdão não permite deduzir que o órgão jurisdicional nacional tenha a mesma obrigação, se não dispuser desses elementos.

110. Por outras palavras, do direito comunitário não é possível extrair qualquer norma que obrigue o juiz nacional a proceder a averiguações para obter os elementos de direito e de facto necessários à apreciação do carácter abusivo de uma cláusula contratual, se estes não se encontrarem disponíveis. Os poderes do juiz nacional regem‑se antes em função do direito processual nacional. Neste contexto há que referir que, no direito dos Estados‑Membros, o direito civil se inspira no princípio dispositivo, segundo o qual cabe às partes alegar todos os factos relevantes que permitam ao órgão jurisdicional tomar uma decisão. O mesmo é manifestamente válido para o direito processual civil húngaro, porque da quarta questão prejudicial se infere, em todo o caso, que as diligências instrutórias só podem ser ordenadas a pedido das partes. De acordo com o Código de Processo Civil húngaro, compete por conseguinte às partes do litígio designar as provas (77).

111. No acórdão van Schijndel und van Veen (78), o Tribunal de Justiça reconheceu claramente os limites que esta característica específica do processo civil nacional coloca a um exame oficioso por parte do juiz nacional, ao constatar «que o direito comunitário não impõe que os órgãos jurisdicionais nacionais suscitem oficiosamente um fundamento assente na violação de disposições comunitárias, quando a análise desse fundamento os obrigue a abandonar o princípio dispositivo a cujo respeito estão obrigados, saindo dos limites do litígio como foi circunscrito pelas partes e baseando‑se em factos e circunstâncias diferentes daqueles em que baseou o seu pedido a parte que tem interesse na aplicação das referidas disposições». Daqui resulta que, no processo civil, o princípio dispositivo põe limites aos poderes de investigação do juiz nacional, que o direito comunitário tem de aceitar (79).

112. Apesar disto, é desde logo discutível saber se será absolutamente necessário impor ao juiz nacional uma obrigação de investigação abrangente, para alcançar o objectivo da fiscalização das cláusulas abusivas pretendido pela Directiva 93/13. Assim, uma cláusula contratual que seja eventualmente qualificada de abusiva, por remeter a resolução dos litígios resultantes do contrato para o tribunal em cujo território o profissional tem a sua sede (80),, poderá nomeadamente ser analisada pelo juiz nacional desde logo no âmbito da apreciação oficiosa da sua própria competência, sem que isso dependa de alegações detalhadas das partes. A tramitação do processo principal também o confirma. Resulta, assim, dos autos que o órgão jurisdicional de reenvio, antes de marcar a audiência, notou que o local da residência do demandado não se situa na sua área judicial e que a demandante apresentou, com base nas cláusulas contratuais gerais, o seu requerimento de injunção para pagamento no tribunal próximo da sua sede, pelo que a disposição contratual controvertida suscitou dúvidas ao órgão jurisdicional de reenvio. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio acaba por referir a suspeita de uma cláusula atributiva de jurisdição abusiva.

113. Mas também nos casos em que não se trata de acordos atributivos de jurisdição, mas sim de deveres contratuais materiais, seria de esperar que, regra geral, fosse no mínimo disponibilizado ao órgão jurisdicional nacional um exemplar do contrato celebrado com o consumidor, como mais importante meio de prova material dos direitos invocados. Encontrar‑se‑iam, assim, presentes os «elementos de direito e de facto necessários» para a investigação oficiosa do carácter abusivo de uma cláusula contratual, na acepção do acórdão Pannon. O órgão jurisdicional nacional estaria, assim, em condições de cumprir a sua obrigação de apreciação oficiosa do carácter abusivo de uma cláusula contratual. Em muitos casos, o órgão jurisdicional nacional não deveria, por isso, deparar‑se com quaisquer dificuldades práticas especiais, o que não exclui que, na prática, possam existir cláusulas contratuais cujo carácter abusivo só é detectado após uma análise detalhada. Porém e tal como já foi referido, na falta de uma obrigação de direito comunitário, isso só é possível de acordo com o direito processual nacional.

114. Os já referidos princípios da equivalência e da efectividade (81) não impõem o reconhecimento de uma obrigação de investigação do juiz nacional. No que respeita à salvaguarda da equivalência no caso concreto, afigura‑se que, no âmbito de processos respeitantes unicamente ao direito nacional, o juiz nacional não dispõe de mais poderes do que nos processos destinados a garantir os direitos conferidos ao cidadão pela Directiva 93/13. Nessa medida, não se vislumbra qualquer violação do princípio da equivalência. Também não se reconhece em que medida o exercício dos direitos conferidos pela Directiva 93/13 foi tornado impossível na prática ou excessivamente difícil. As observações anteriores (82) demonstram precisamente que a inexistência, no direito dos Estados‑Membros, de uma obrigação de investigação pelo juiz nacional não o impede necessariamente de, no âmbito da apreciação oficiosa da sua competência ou através das alegações das partes, tomar conhecimento dos elementos de direito e de facto necessários à apreciação do carácter abusivo de uma cláusula contratual. Isso também não o impede de, no âmbito da condução material do processo, discutir com as partes os factos e o objecto do litígio, e colocar questões sobre os mesmos, na medida em que isso seja necessário do ponto de vista da matéria de facto e de direito (83). Desde que esta obrigação de condução do processo se encontre prevista no direito nacional, cabe ao juiz nacional a tarefa de actuar de modo a que as partes forneçam esclarecimentos, de modo atempado e completo, sobre todos os factos relevantes e que sobretudo completem as indicações insuficientes sobre os factos invocados, produzam os meios de prova e apresentem os pedidos relevantes (84). Por todo o exposto, conclui‑se que não é possível vislumbrar qualquer violação dos princípios da equivalência e da efectividade na inexistência de uma obrigação de investigação pelo juiz nacional.

115. O princípio geral de direito comunitário da tutela jurisdicional efectiva exige, na verdade, que os Estados‑Membros disponibilizem aos cidadãos da União vias de recurso que lhes permitam invocar judicialmente os direitos conferidos pelo direito comunitário. Para o titular de direitos, a possibilidade de os exercer por via judicial reveste uma importância fundamental, visto que a mesma determina o valor prático da situação jurídica conferida àquele. Daqui não resulta, no entanto, que o direito comunitário exija a renúncia ao princípio da iniciativa das partes no processo civil e a sua substituição pelo princípio do inquisitório. Esta exigência excederia largamente o objectivo de uma protecção jurídica efectiva, violando assim o princípio de direito comunitário da proporcionalidade (85). O princípio da tutela jurisdicional efectiva exige simplesmente que os Estados‑Membros tomem medidas apropriadas para proteger adequadamente os indivíduos contra a perda dos direitos que o direito da União lhes confere por desconhecerem as etapas processuais e comportamentos necessários. Os Estados‑Membros têm uma margem de manobra na escolha dos meios. Podem considerar‑se meios de protecção das partes adequados e, simultaneamente, menos gravosos para a autonomia processual dos Estados‑Membros, por exemplo, a faculdade e, em processos judiciais mais amplos e complicados, a obrigatoriedade de representação por advogado (juntamente com a concessão de apoio judiciário), a obrigação do juiz de informação, de inquirição e de averiguação no processo, assim como a já referida obrigação do juiz de conduzir o processo judicial (86).

4.      Conclusão

116. Há, assim, que responder à quarta questão prejudicial que a Directiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que não obriga um órgão jurisdicional nacional, que verifica que uma cláusula contratual é possivelmente abusiva, a proceder oficiosamente a uma investigação para apurar os elementos de direito e de facto necessários a essa apreciação, se o direito processual nacional só permitir essa fiscalização a pedido das partes e nenhuma das partes a tiver requerido.

VII – Conclusão

117. Pelo exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões submetidas pelo Budapesti II. és III. Kerületi Bíróság:

1.      Não é possível extrair do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça nem do restante direito comunitário regras jurídicas que se oponham a uma norma processual nacional por força da qual os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a remeter as suas decisões de reenvio a título informativo ao Ministro da Justiça, ao mesmo tempo que as apresentam ao Tribunal de Justiça.

2.      Nos termos do artigo 234.° CE, o Tribunal de Justiça também é competente para interpretar o conceito de «cláusula abusiva», na acepção do 3.°, n.° 1, da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, assim como as cláusulas enumeradas no anexo desta directiva.

3.      O pedido de decisão prejudicial em que é pedida essa interpretação pode, no interesse de uma aplicação uniforme em todos os Estados‑Membros do nível de protecção dos direitos do consumidor garantido pela Directiva 93/13, referir‑se à questão de saber quais os aspectos que o órgão jurisdicional nacional pode ou deve considerar quando os critérios gerais fixados na directiva são aplicados a uma cláusula contratual individual determinada.

4.      A Directiva 93/13 deve ser interpretada no sentido de que não obriga um órgão jurisdicional nacional, que verifica que uma cláusula contratual é possivelmente abusiva, a proceder oficiosamente a uma investigação para apurar os elementos de direito e de facto necessários a essa apreciação, se o direito processual nacional só permitir essa fiscalização a pedido das partes e nenhuma das partes a tiver requerido.


1 – Língua original: alemão.


2 – De acordo com o Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa em 13 de Dezembro de 2007 (JO C 306, p. 1), o processo de decisão prejudicial encontra‑se agora regulamentado no artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.


3 – JO L 95, p. 29.


4 – Acórdão de 4 de Junho de 2009, Pannon (C‑243/08, Colect., p. I‑4713).


5 – JO C 115 de 9 de Maio de 2008, p. 210.


6 – JO L 399, p. 1.


7 – V. acórdão de 16 de Dezembro de 1981, Foglia (C‑244/80, Recueil, p. 3045, n.° 14). Nele, o Tribunal de Justiça observou que, no interesse da correcta aplicação e da interpretação uniforme do direito comunitário em todos os Estados‑Membros, o artigo 234.° CE parte de uma colaboração baseada numa repartição de tarefas entre o órgão jurisdicional nacional e o Tribunal de Justiça. Neste sentido v. igualmente Everling, U., Das Vorabentscheidungsverfahren vor dem Gerichtshof der Europäischen Gemeinschaften, Baden‑Baden 1986, p. 21, assim como Wägenbaur, B., Kommentar zur Satzung und Verfahrensordnungen EuGH/EuG, Munique 2008, artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia, n.° 2, p. 27.


8 – A entrada em vigor do Tratado de reforma dos Tratados não produz efeitos sobre a apreciação jurídica do presente processo. Atendendo a que o pedido de decisão prejudicial é anterior a 1 de Dezembro de 2009, adiante será utilizada a antiga numeração, constante do Tratado de Nice.


9 – Ver, nesse sentido, Lenaerts, K./Arts, A./Maselis, I., Procedural Law of the European Union, 2.ª edição, p. 188, n.° 6‑003, p. 175, onde se refere que os anexos e protocolos apensos aos Tratados produzem o mesmo efeito jurídico que os Tratados.


10 – V. acórdão de 8 de Setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional (C‑42/07, Colect., p. I‑7633, n.° 40). Nele, o Tribunal de Justiça observou que as informações a fornecer no âmbito de uma decisão prejudicial não só visam permitir‑lhe dar respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio, mas também dar aos governos dos Estados‑Membros e as demais partes interessadas a possibilidade de apresentarem observações em conformidade com o artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.


11 – Cf. acórdão de 3 de Setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, Colect. 2009, p. I‑7501, n.° 24). Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça tem usado, por vezes, a expressão «princípio da autonomia processual».


12 – Cf. acórdão de 30 de Janeiro de 1974, BRT‑I (127/73, Colect., p. 33, n.°9)


13 – Cf. despacho de 16 de Junho de 1970, Chanel/Cepeha (31/68, Recueil, p. 404).


14 – Cf. acórdãos de 14 de Janeiro de 1982, Reina (65/81, Recueil, p. 33, n.° 7); de 20 de Outubro de 1993, Balocchi (C‑10/92, p. I‑5105, n.° 16), de 11 de Julho de 1996, SFEI e o (C‑39/94, Colect., p. I‑3547, n.° 24), e de 8 de Novembro de 2001, Adria‑Wien Pipeline GmbH und Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C‑143/99, Colect., p. I‑8365, n.° 19).


15 – V. acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional (acima referido na nota 10, n.° 40). Nele, o Tribunal de Justiça referiu a sua jurisprudência assente, segundo a qual é necessário, por um lado, que o tribunal nacional defina o quadro factual facto e regulamentar no qual se inserem estas questões ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que se baseiam essas questões. Por outro lado, a decisão de reenvio deve indicar as razões precisas que conduziram o juiz nacional a interrogar‑se sobre a interpretação do direito comunitário e a considerar necessário apresentar questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. Neste contexto, é indispensável que o juiz nacional forneça um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições comunitárias cuja interpretação pede e sobre o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.


16 – V, neste sentido, acórdãos de 14 de Dezembro de 1995, van Schijndel und van Veen (C‑430/93 e C‑431/93, Colect., p. I‑4705, n.° 17); de 15 de Setembro de 1998, Ansaldo Energia e o. (C‑279/96 a C‑281/96, Colect., p. I‑5025, n.° 16 e 27); de 1 de Dezembro de 1998, Levez (C‑326/96, Colect., p. I‑7835, n.° 18); de 16 de Maio de 2000, Preston e o. (C‑78/98, Colect., p. I‑3201, n.° 31); de 6 de Dezembro de 2001, Clean Car Autoservice (C‑472/99, Colect., p. I‑9687, n.° 28); de 9 de Dezembro de 2003, Comissão/Itália (C‑129/00, Colect., p. I‑14637, n.° 25); de 19 de Setembro de 2006, i‑21 Germany e Arcor (C‑392/04 e C‑422/04, Colect., p. I‑8559, n.° 57); de 26 de Outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, Colect. p. I‑10421, n.° 24); de 7 de Junho de 2007, van der Weerd e o. (C‑222/05 a C‑225/05, Colect., p. I‑4233, n.° 28), e de 6 de Outubro de 2009, Asturcom (C‑40/08, Colect. 2009, p. I‑9579, n.° 38).


17 – Aqui importa considerar nomeadamente que, para além da função objectiva da garantia da aplicação uniforme do direito comunitário nos Estados‑Membros, o processo de decisão prejudicial também se reveste de significado para a protecção jurídica individual, uma vez que as pessoas singulares ou colectivas, às quais o artigo 230.°, n.° 4, CE só concede uma legitimidade restrita para agir contra actos jurídicos comunitários, dispõem da possibilidade, enquanto partes num processo judicial de um Estado‑Membro, de invocar junto do tribunal nacional a nulidade dos actos comunitários relevantes em termos de decisão para o seu processo e/ou de tentar obter, no processo de decisão prejudicial no Tribunal de Justiça, uma interpretação do direito comunitário que lhes seja favorável (cf. Schwarze, J., em: EU‑Kommentar [Jürgen Schwarze, editor], 2.ª edição, Baden Baden 2009, artigo 234.° CE, nota 4, p. 1810).


18 – No acórdão de 12 de Julho de 1979, Union Laitière Normande (244/78, Recueil, p. 2663, n.° 5), o Tribunal de Justiça esclareceu que, embora o artigo 234.° CE não permita ao Tribunal de Justiça apreciar os motivos de um pedido de decisão prejudicial, a necessidade de proceder a uma interpretação adequada do direito comunitário pode impor a delimitação do enquadramento legal em que se insere a interpretação pretendida. Na opinião de Lenaerts, K./Arts, A./Maselis, ibid. (nota 9), p. 188, n.° 6‑021, nada impede o Tribunal de Justiça de reproduzir a sua compreensão dos factos do processo inicial e de alguns aspectos do direito nacional como ponto de partida para uma interpretação útil das disposições comunitárias e princípios de direito comunitário aplicáveis.


19 – Ver n.° 55 do articulado do Governo da Hungria.


20 – Ver, neste sentido Kahl, W., em: EUV/EGV‑Kommentar (Christian Calliess/Matthias Ruffert, editores), 3.ª edição, Munique 2007, artigo 10.°, nota 47, p. 450.


21 – Cf. acórdão de 30 de Setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, Colect., p. I‑10239).


22 – Cf. acórdão Comissão/Itália (referido na nota 16 supra, n.° 33 e segs.), no entanto sem referência ao artigo 10.° CE.


23 – Cf. acórdão Köbler (acima referido na nota 21). Ver, a propósito da possibilidade de um processo por incumprimento, bem como de um direito a reparação por responsabilidade do Estado Lenaerts, K./Art, D./Maselis, I., ibid. (nota 9), n.os 2‑053 e segs., p. 77 e segs.


24 – O Tribunal de Justiça esclareceu reiteradamente que o sistema instituído pelo artigo 234.° CE a fim de assegurar a uniformidade da interpretação do direito comunitário nos Estados‑Membros institui a cooperação directa entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais através de um processo alheio a qualquer iniciativa das partes (cf. acórdão de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter, C‑2/06, Colect. 2008, p. I‑411, n.° 41 e de 16 de Dezembro de 2008, Cartesio, C‑210/06, Colect. 2008, p. I‑9641, n.° 90). Tal como esclarece Everling, U., ibid. (nota 7), p. 16, é imediatamente claro que as autoridades e tribunais dos vários Estados‑Membros decidiriam aqui de modo muito diverso, se não se velasse pela interpretação uniforme do direito comunitário. O Tribunal de Justiça sublinhou desde o início que a interpretação uniforme faz parte dos princípios básicos do direito comunitário e não pode ser posta em causa por nenhuma norma nacional de qualquer tipo. O Tribunal de Justiça remete aqui para o acórdão Rheinmühlen.


25 – V. conclusões do advogado‑geral L. M. Poiares Maduro apresentadas em 22 de Maio de 2008 no processo Cartesio (acórdão de 16 de Dezembro de 2008, C‑210/06, Colect., p. I‑9641, n.° 21). Também em sentido análogo, Classen, C. D., Europarecht (Reiner Schulze/Manfred Zuleeg, editores), n.° 76, p. 204, segundo o qual o direito de reenvio não deve ser condicionado pelo direito processual nacional.


26 – V. acórdãos de 16 de Janeiro de 1974, Rheinmühlen (166/73, Colect., p. 17, n.os 2 e 3), assim como van Schijndel e van Veen (já referido na nota 16, n.° 18).


27 – Ver n.° 71 das presentes conclusões.


28 – V. acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 2000, TEAM/Comissão (C‑13/99, Colect., p. I‑4671, n.° 35 e seguintes), e de 9 de Setembro de 1999, Petrides (C‑64/98 P, Colect., p. I‑5187, n.° 31). V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, ICI/Comissão (T‑36/91, Colect., p. II‑1847, n.° 93).


29 – Neste sentido Sachs, B., Die Ex‑Officio‑Prüfung durch die Gemeinschaftsgerichte, Tübingen 2008, p. 208. A sujeição dos tribunais da União ao princípio jurídico geral do direito a um processo equitativo foi pela primeira vez expressamente reconhecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewerbe/Comissão (C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 21).


30 – Também Sachs, B., idem. V. acórdão Petrides (já referido na nota 28, n.° 31).


31 – Cf. Koenig, C./Pechstein, M./Sander, C., EU‑/EG‑Prozessrecht, 2.ª edição, Tübingen 2002, n.° 123, p. 65.


32 – Ver, neste sentido Koenig, C./Pechstein, M./Sander, C., idem., p. 65, Wägenbaur, B., ibid (nota 7), artigo 23.° Estatuto TJUE, n.° 2, p. 27 e Everling, U., ibid. (nota 7), p. 56. Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça denomina o processo de decisão prejudicial como um «processo não contencioso», que reveste carácter de incidente num litígio pendente no órgão jurisdicional nacional e que é alheio a qualquer iniciativa das partes, sendo estas convidadas a pronunciar‑se apenas no quadro delineado pelo referido órgão jurisdicional (v. despacho do Presidente do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2001, Dory, C‑186/01 R, Colect., p. I‑7823, n.° 9, assim como a jurisprudência aí referida). O Tribunal de Justiça distingue, assim, o processo de decisão prejudicial do verdadeiro «processo contencioso» junto do órgão jurisdicional de reenvio. Devido à diferença essencial entre o processo contencioso e o incidente processual previsto no artigo 234.° CE, o TJUE recusa, por exemplo, a aplicação das disposições unicamente previstas para o processo contencioso.


33 – Neste sentido se pronuncia também manifestamente o advogado‑geral Geelhoed nas suas conclusões de 28 de Novembro de 2002, Comissão/Alemanha (acórdão de 10 de Abril de 2003, C‑20/01 und C‑28/01, Colect., p. I‑3609, n.° 42), tal como resulta a contrario. O advogado‑geral observa que a intervenção não consiste em apresentar articulados ou observações escritas e orais na qualidade de amicus curiae, assistindo assim o órgão jurisdicional comunitário, como acontece ao abrigo do artigo 20.°, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 104.°, n.° 4, do Regulamento de Processo. A referência ao artigo 104.°, n.° 4, do Regulamento do Processo permite deduzir que uma parte que, no âmbito de um processo de decisão prejudicial, apresente articulados ou observações age como amicus curiae. De modo similar, manifestamente, Everling, U., ibid. (nota 7), p. 57, que refere a função de apoio da Comissão nos processos no Tribunal de Justiça. Aponta, além disso, que os Estados‑Membros recorrem à possibilidade de apresentar observações sobretudo quando os seus interesses específicos são visados no caso concreto, como por exemplo a validade de normas nacionais ou os interesses dos seus nacionais, ou quando, de um modo geral, é afectada a posição dos Estados‑Membros no sistema comunitário.


34 – Segundo Wägenbaur, B., ibid. (nota 7), artigo 104.°‑B do Regulamento do Processo, n.° 9, p. 245, em consonância com a urgência subjacente, esse pedido de decisão prejudicial é imediatamente notificado às partes principais e só depois aos demais interessados a que se refere o artigo 23.° do Estatuto, ou seja, ainda antes de o Tribunal decidir se o respectivo pedido deve ser submetido a tramitação urgente. O mesmo se aplica às decisões de submeter ou não a tramitação urgente o pedido de decisão prejudicial.


35 – V., entre outros, acórdão de 18 de Janeiro de 1984, Ekro (327/82, Recueil, p. 107, n.° 11); de 19 de Setembro de 2000, Linster (C‑287/98, Colect., p. I‑6917, n.° 43); de 9 de Novembro de 2000, Yiadom (C‑357/98, Colect., p. I‑9265, n.° 26); de 6 de Fevereiro de 2003, SENA (C‑245/00, Colect., p. I‑1251, n.° 23); de 12 de Outubro de 2004, Comissão/Portugal (C‑55/02, Colect., p. I‑9387, n.° 45); de 27 de Janeiro de 2005, Junk (C‑188/03, Colect., p. I‑885, n.os 27 a 30), e de 7 de Dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, Colect., p. I‑11519, n.° 31).


36 – V. acórdão de 7 de Maio de 2002, Comissão/Suécia (C‑478/99, Colect., p. I‑4147, n.° 17) e de 1 de Abril de 2004, Freiburger Kommunalbauten (C‑237/02, Colect., p. I‑3403, n.° 20).


37 – Neste sentido, ver também Pfeiffer, em: Das Recht der Europäischen Union (von Grabitz/Hilf, editores), tomo IV, Comentário sobre a Directiva 93/13, Notas prévias, A5, n.° 28, p. 14, e Basedow, J., «Der Europäische Gerichtshof und die Klauselrichtlinie 93/13: Der verweigerte Dialog», Festschrift für Günter Hirsch zum 65. Geburtstag, 2008, p. 58.


38 – Acórdão SENA (acima referido na nota 35).


39 – No processo SENA o Tribunal de Justiça foi chamado a interpretar o conceito de «remuneração equitativa» na acepção do artigo 8.°, n.° 2 da Directiva 92/100, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO L 346, p. 61). Nesse processo, o Tribunal de Justiça remeteu em primeiro lugar para a jurisprudência acima referida sobre a interpretação autónoma de conceitos de direito comunitário para, em seguida, assinalar que a Directiva 92/100 não dá qualquer definição deste conceito. Aqui, o Tribunal de Justiça partiu, manifestamente, da suposição de que o legislador comunitário se tinha abstido voluntariamente de estabelecer um método pormenorizado e imperativo de cálculo dessa remuneração. Assim sendo, reconheceu expressamente a competência dos Estados‑Membros para regulamentar caso a caso a fixação desta «remuneração equitativa», estabelecendo «os critérios mais pertinentes para assegurar, dentro dos limites impostos pelo direito comunitário e, em particular, pela directiva, o respeito desta noção comunitária» e limitou‑se, com base nos objectivos da Directiva 92/10 e tal como estes são apresentados sobretudo nos considerandos, a exigir aos Estados‑Membros a observância, no território da comunidade, tanto quanto possível uniforme do conceito de «remuneração equitativa». É importante sublinhar aqui que o facto de este conceito carecer de concretização por critérios a estabelecer pelo direito interno não impediu o Tribunal de Justiça de esclarecer que a «remuneração equitativa» na acepção do artigo 8.°, n.° 2 da Directiva 92/100 deve ser interpretada de modo uniforme em todos os Estados‑Membros e transposta por cada um dos Estados‑Membros. Por isso, e mesmo tendo em conta as circunstâncias particulares subjacentes a este processo, o Tribunal de Justiça pôde confirmar o carácter de direito comunitário do conceito e a necessidade de uma interpretação comunitária autónoma.


40 – Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação (JO L 167, p. 10).


41 – Cf. a autorização concedida pelo artigo 95.° CE, assim como, por exemplo, os considerandos 1, 2, 3 e 10 da Directiva 93/13.


42 – Ver, neste sentido Röthel, A., «Missbrauchlichkeitskontrolle nach der Klauselrichtlinie: Aufgabenteilung im supranationalen Konkretisierungskatalog», Zeitschrift für Europäisches Privatrecht, 2005, p. 422, onde se refere que predomina actualmente na doutrina a tese de que a concretização de cláusulas gerais e de cláusulas que necessitam de preenchimento normativo cai na competência do Tribunal de Justiça para decidir em última instância. Cabe ao Tribunal de Justiça o poder de concretização em última instância e com carácter vinculativo e, como tal, a prerrogativa de concretização. Como argumentos, a autora indica o objectivo do processo de decisão prejudicial e o objectivo da aproximação das legislações, visto que de contrário o direito comunitário não poderia concretizar a pretendida aproximação. Leible, S., ibid. (nota 44), p. 426, também refere que, segundo o entendimento dominante na doutrina, o conceito de carácter abusivo na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 93/13 deve ser interpretado de modo autónomo a nível europeu. Outra interpretação significaria não reconhecer o «effet utile» do direito derivado nem o efeito de aproximação pretendido. Em sentido análogo, também Müller‑Graff, P.‑C., «Gemeinsames Privatrecht in der Europäischen Gemeinschaft», em: Gemeinsames Privatrecht in der Europäischen Gemeinschaft, 2.ª edição, Baden Baden 1999, p. 56 e segs., entende que o Tribunal de Justiça exerce a função de um tribunal civil na interpretação de orientações de direito privado. Quando analisa essas disposições, o Tribunal de Justiça é regularmente colocado perante o desafio de, com base em conceitos jurídicos indefinidos e como tal necessitados de interpretação, concretizar e, nessa medida, aprofundar o direito comunitário, no âmbito do objectivo da norma da directiva concreta. A título de exemplo, o autor refere o conceito de carácter abusivo do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 93/13.


43 – Acórdão de 27 de Junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98, Colect., p. I‑4941, a seguir «acórdão Océano Grupo»).


44 – V. acórdãos Océano Grupo (acima referido na nota 43, n.° 22). V., também manifestamente a favor de uma competência interpretativa do Tribunal de Justiça, Leible, S., «Gerichtsstandsklauseln und EG‑Klauselrichtlinie», Recht der Internationalen Wirtschaft, 6/2001, p. 425.


45 – V. acórdão Pannon (acima referido na nota 4, n.° 42).


46 – V. acórdãos de 27 de Março de 1963, Da Costa (28/62 a 30/62, Colect. 1962‑1964, p. 233), e de 12 de Fevereiro de 1998, Cordelle (C‑366/96, Colect. 1998, p. I‑583, n.° 9). Neste sentido também Craig, P./De Búrca, G., EU Law, 4.ª edição, Oxford 2008, p. 493, que consideram que o artigo 234.° CE concede ao Tribunal de Justiça competência para a interpretação do Tratado, mas não expressamente para a sua aplicação ao processo principal. A delimitação entre interpretação e aplicação caracteriza a repartição de competências entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais. Assim, o Tribunal de Justiça interpreta o Tratado e os órgãos jurisdicionais nacionais aplicam‑no ao caso concreto. Segundo Schima, B., Kommentar zu EU‑ und EG‑Vertrag (H. Mayer, editor), 12.ª edição, Viena, 2003, artigo 234,.° CE, n.° 40, p. 12, a aplicação de uma norma comunitária ao litígio concreto é da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais. O autor reconhece, no entanto, que nem sempre é fácil diferenciar a aplicação de uma norma da sua interpretação. Em sentido análogo também Aubry, H./Poillot, E./Sauphanor‑Brouillard, N., «Panorama Droit de la consommation», Recueil Dalloz, 13/2010, p. 798, lembram que a competência do Tribunal de Justiça no âmbito de um processo de decisão prejudicial nos termos do 267.° TFUE abrange unicamente a interpretação, mas não a aplicação, regra que, na prática, nem sempre é fácil de respeitar.


47 – Também Nassall, W., «Die Anwendung der EU‑Richtlinie über missbräuchliche Klauseln in Verbraucherverträgen», Juristenzeitung, 14/1995, p. 690, se pronuncia nesse sentido.


48 – V. as minhas conclusões de 29 de Outubro de 2008, Caja Madrid (acórdão de 3 de Junho de 2010, C‑484/08, Colect., p. I‑0000, n.° 69). Neste sentido, Schlosser, P., em: J. von Staudingers Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, 13.ª edição, Berlim 1998, Introdução à «AGBG» [Allgemeine Geschäftsbedingungen (Lei das cláusulas contratuais gerais)], n.° 33, p. 18, segundo o qual estão excluídos os reenvios ao Tribunal de Justiça para saber se são abusivas determinadas cláusulas em tipos de contratos descritos em maior pormenor. Whittaker, S., «Clauses abusives et garanties des consommateurs: la proposition de directive relative aux droits des consommateurs et la portée de l’harmonisation complète», Recueil Dalloz, 17/2009, p. 1153, também defende posição análoga, com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça, sobretudo nos acórdãos Freiburger Kommunalbauten e Pannon.


49 – Acórdão Freiburger Kommunalbauten (acima referido na nota 36).


50 – Röthel, A., ibid. (nota 42), p. 424, defende que, com o acórdão Freiburger Kommunalbauten, o Tribunal de Justiça procedeu a uma clara alteração de curso, partindo agora de uma repartição de tarefas pragmática entre si e os órgãos jurisdicionais nacionais no âmbito da luta contra as cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. Segundo Pfeiffer, T., «Prüfung missbräuchlicher Klauseln von Amts wegen (Gerichtsstand) – Günstigkeitsprinzip nach Wahl des Verbrauchers», Neue Juristische Wochenschrift, 32/2009, p. 2369, no acórdão Freiburger Kommunalbauten o Tribunal de Justiça procurou estabilizar a sua jurisprudência oscilante sobre a repartição de tarefas com os órgãos jurisdicionais nacionais na fiscalização das cláusulas abusivas. Aubry, H./Poillot, E./Sauphanor‑Brouillard, N., ibid. (nota 46), p. 798, vêem no acórdão Freiburger Kommunalbauten a confirmação da repartição de tarefas acima referida relativamente à interpretação e aplicação do direito comunitário.


51 – Acórdão Freiburger Kommunalbauten (acima referido na nota 36).


52Idem, n.° 25.


53Idem, n.° 21.


54 – Enquanto não existir um direito civil europeu uniforme, o Tribunal de Justiça continuará a depender das indicações dos órgãos jurisdicionais nacionais referentes aos aspectos de direito nacional do respectivo processo principal, para interpretar o conceito de carácter abusivo nos termos do artigo 3.°, n.° 1 da Directiva 93/13 relativamente a uma determinada cláusula. Não se descarta, porém, que a título auxiliar o Tribunal de Justiça possa recorrer a modelos de codificação elaborados por académicos europeus, como por exemplo, o «Draft Common Frame of Reference» (DCFR), para chegar a soluções adequadas em litígios de direito civil. V., neste sentido, Heinig, J., «Die AGB‑Kontrolle von Gerichtsstandsklauseln – zum Urteil Pannon des EuGH», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 24/2009, p. 886 e segs., que refere a evolução contínua do direito privado europeu, assim como a formulação de regras europeias comuns de direito contratual no DCFR e/ou num futuro quadro comum de referência, que permita ao Tribunal de Justiça dispor de parâmetros que reforcem o controlo acrescido das cláusulas a nível europeu. Pelo contrário, Freitag, R., «Anmerkung zum Urteil Freiburger Kommunalbauten», Entscheidungen zum Wirtschaftsrecht, 2004, p. 398, considera, com algum cepticismo, que o Tribunal de Justiça também pode desenvolver, de caso para caso e a partir do acquis communautaire em matéria de direito civil e de uma comparação dos ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros, um conceito autónomo comunitário de «common European legal denominator». Mas, como a Directiva 93/13 abrange praticamente todas as áreas do direito civil, nesse caso o Tribunal de Justiça seria relegado para um papel de legislador substituto em matéria de direito civil, o que traria problemas relativamente à repartição horizontal de competências na Comunidade, assim como relativamente à segurança jurídica.


55 – Basedow, J., ibid. (nota 37), p. 61, refere, com razão, que se deveriam discutir abertamente as considerações de política da justiça. Segundo o autor, o Tribunal de Justiça não pode tomar posição sobre o carácter abusivo de cláusulas contratuais em cada caso concreto. Por outro lado, o Tribunal de Justiça deve ter a possibilidade de fixa orientações para a interpretação da cláusula geral do artigo 3.° da Directiva 93/13. Segundo Heinig, J., ibid. (nota 54), p. 886, o carácter abusivo de uma cláusula pode depender de múltiplas circunstâncias individuais, cuja apreciação, na situação actual do direito privado europeu e numa perspectiva de eficiência, pode ser confiada aos órgãos jurisdicionais nacionais. Freitag, R., ibid., p. 398, refere que o carácter abusivo de cláusulas contratuais gerais só pode ser apreciado perante um padrão de referência jurídico. Enquanto não existir uma codificação europeia uniforme do direito civil, este modelo legal é constituído pelo respectivo direito nacional que, no entanto. escapa à apreciação do Tribunal de Justiça. Whittaker, S., ibid. (nota 48), p. 1154, considera o órgão jurisdicional nacional o foro adequado para determinar o carácter abusivo de uma cláusula contratual, uma vez que aquele está em melhor posição de poder apreciar o contexto nacional em que essas cláusulas são utilizadas.


56 – Neste sentido, Bernadskaya, E., «L’office du juge et les clauses abusives: faculté ou obligation?», Revue Lamy droit d’affaires, 42/2009, p. 71, que observa que a apreciação in concreto das cláusulas contratuais em contratos celebrados com os consumidores é determinada pelo juiz nacional de acordo com as normas do Estado individual.


57 – Acórdão Mostaza Claro (acima referido na nota 16, n.os 22 e 23).


58 – Acórdão Pannon (acima referido na nota 4, n.° 42).


59Idem, n.° 43.


60 – O acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo de decisão prejudicial adquire autoridade de caso julgado formal e material e vincula o órgão jurisdicional de reenvio, assim como todos os tribunais nacionais chamados a conhecer do processo principal, inclusive as instâncias ulteriores. V. acórdão de 24 de Junho de 1969, Milch–, Fett– und Eierkontor (29/68, Recueil, 165, n.° 3, Colect. 1969‑70, p. 51). Neste sentido Schwarze, J., ibid. (nota 17), n.° 63, p. 1826.


61 – Neste sentido, Röthel, A., ibid., p. 427. Na opinião da autora, a evolução do ordenamento jurídico civil comunitário depende, mais do que qualquer outra área do direito, da comunicação e da cooperação. O processo de decisão prejudicial detém aqui oportunidades essenciais para a estruturação do ordenamento de direito privado supranacional e para a ulterior orientação do processo de integração. No acórdão do Tribunal de Justiça no processo Freiburger Kommunalbauten, a autora vê um sinal na direcção certa. A repartição de tarefas aí delineada entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais promete resultados imparciais e processualmente económicos com elevada aceitação.


62 – Acórdão Pannon (acima referido na nota 4).


63 – V. p. 2 do despacho de reenvio, de 2 de Julho de 2009.


64 – Acórdão Océano Grupo (acima referido na nota 43, n.os 28 e 29), assim como acórdãos de 21 de Novembro de 2002, Cofidis (C‑473/00, Colect., p. I‑10875, n.os 32 e 33), e Mostaza Claro (acima referido na nota 16, n.os 27 e 28).


65 – Acórdão Pannon (acima referido na nota 4).


66 – Acórdão Cofidis (acima referido na nota 54).


67 – Acórdão Mostaza Claro (acima referido na nota 16).


68 – Acórdão Pannon (acima referido na nota 4, n.° 24)


69Idem, n.° 33.


70 – Neste sentido também Heinig, J., ibid. (nota 54), p. 886. Osztovits, A./Nemessányi, Z., «Missbräuchliche Zuständigkeitsklauseln in der Ungarischen Rechtsprechung im Licht der Urteile des EuGH», Zeitschrift für Europarecht, internationales Privatrecht & Rechtsvergleichung, 2010, p. 25, referem que o Tribunal de Justiça aí respondeu à questão teórica, até então por esclarecer, de saber se o juiz nacional também pode declarar a nulidade da cláusula quando o consumidor, depois de ter sido avisado, deseja expressamente manter a cláusula. Os autores são da opinião de que, após o acórdão, o princípio «pacta sunt servanda» parece, assim, ter‑se imposto relativamente à «não vinculatividade» das cláusulas contratuais abusivas, apesar de as disposições da directiva serem, segundo o acórdão Mostaza Claro, de ordem pública.


71 – V. n.° 65 das presentes conclusões.


72 – O Tribunal de Justiça decidiu que a faculdade de o juiz apreciar oficiosamente o carácter abusivo de uma cláusula constitui um meio adequado para, simultaneamente, atingir o resultado fixado no artigo 6.° da directiva, isto é, impedir que um consumidor privado fique vinculado a uma cláusula abusiva, e contribuir para a realização do objectivo visado no seu artigo 7.°, uma vez que tal apreciação pode ter um efeito dissuasor que contribua para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional (v. acórdãos Océano Grupo, acima referido na nota 43, n.° 28, Cofidis, acima referido na nota 54, n.° 32, e Mostaza Claro, acima referido na nota 16, n.° 27).


73 – Heinig, J., ibid. (nota 54), p. 885 defende que o princípio da autonomia regulamentar processual dos Estados‑Membros não é intocável e que as intervenções podem ser justificadas. No seu entender, a obrigação de apreciar acordos de jurisdição em condições contratuais gerais não significa uma intervenção não permitida na autonomia regulamentar processual dos Estados‑Membros. Como o autor esclarece com pertinência, os poderes da União Europeia em matéria de direito do consumidor não se encontram limitados a uma determinada área, podendo ser exercidos também em aspectos processuais. Por outro lado, os acordos de competência poderiam entravar a aplicação dos direitos materiais do consumidor, como revelam os processos Océano Grupo e Pannon. O n.° 1, alínea q) do anexo que permite declarar abusivas cláusulas que entravem a possibilidade de intentar acções judiciais por parte do consumidor, revela que a Directiva 93/13 também abrange aspectos processuais.


74 – Acima referido na nota 16, n.° 53.


75 – Da comparação das diferentes versões linguísticas resulta que a oração subordinada em questão se refere ou a uma sequência cronológica ou a uma condição. Independentemente das ligeiras diferenças, todas as versões indicam que o exame do carácter abusivo só deve ter lugar após terem sido obtidos os elementos de direito e de facto necessários. Dinamarquês: «så snart den råder over de oplysninger om de retlige eller faktiske omstændigheder, som denne prøvelse kræver»; alemão: «sobald es über die hierzu erforderlichen rechtlichen und tatsächlichen Grundlagen verfügt»; francês: «dès qu’il dispose des éléments de droit et de fait nécessaires à cet effet»; Englisch: «where it has available to it the legal and factual elements necessary for that task»; italiano: «a partire dal momentoin cui dispone degli elementi di diritto e di fatto necessari a tal fine»; português: «desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito»; esloveno: «če razpolaga s potrebnimi dejanskimi in pravnimi elementi»; espanhol: «tan pronto como disponga de los elementos de hecho y de Derecho necesarios para ello»; neerlandês: «zodra hij over de daartoe noodzakelijke gegevens, feitelijk en rechtens, beschikt»; húngaro: «amennyiben rendelkezésére állnak az e tekintetben szükséges ténybeli és jogi elemek».


76 – Neste sentido, também Mayer, C., «Missbräuchliche Gerichtsstandsvereinbarungen in Verbraucherverträgen: Anmerkung zu EuGH, Urteil vom 4.6.2009, C‑243/08 – Pannon GSM Zrt../Erzsébet Sustikné Györfi», Zeitschrift für Gemeinschaftsprivatrecht, 2009, p. 221. Poissonnier, G., «La CJCE franchit une nouvelle étape vers une réelle protection du consommateur», Recueil Dalloz, 34/2009, p. 2314, também parece desta opinião, ao anotar que, no acórdão Pannon, o Tribunal de Justiça associou a obrigação de apreciação oficiosa do carácter abusivo de uma cláusula contratual ao pressuposto de o juiz dispor dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito. De modo não tão claro, mas possivelmente também neste sentido, se manifestam Aubry, H./Poillot, E./Sauphanor‑Brouillard, N., ibid. (nota 46), p. 798, que consideram a conclusão do Tribunal de Justiça «lógica na perspectiva do direito processual».


77 – Neste sentido também Osztovits, A./Nemessányi, Z., ibid. (nota 70), p. 25, que remetem para o § 164 do Código de Processo Civil húngaro.


78 – Acima referido na nota 16.


79 – Neste sentido Poissonnier, G., ibid. (nota 76), p. 2314, que vê no princípio dispositivo um limite à obrigação de investigação do juiz nacional.


80 – V. acórdão Océano Grupo (acima referido na nota 43, n.os 21 a 24). O Tribunal de Justiça esclareceu aqui que deve ser considerada abusiva, na acepção do artigo 3.° da Directiva, uma cláusula que contém um pacto de aforamento, inserida num contrato entre um consumidor e um profissional sem ter sido objecto de negociação individual e que confere competência exclusiva ao tribunal do foro da sede daquele último, na medida em que cria, a despeito da exigência de boa fé e em detrimento do consumidor, um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes que decorrem do contrato. Na opinião do Tribunal, esse pacto de aforamento faz pesar sobre o consumidor a obrigação de se submeter à competência exclusiva de um tribunal que pode estar afastado do foro do seu domicílio, o que pode dificultar a sua comparência em juízo. Nos casos de litígios relativos a valores reduzidos, as despesas em que o consumidor incorre para comparecer poderiam revelar‑se dissuasivas e levar este último a renunciar a qualquer acção judicial ou a qualquer defesa. No entender do Tribunal, esta cláusula insere‑se, assim, na categoria das que têm por objectivo ou efeito suprimir ou entravar a possibilidade de instaurar acções judiciais por parte do consumidor, categoria visada no ponto 1, alínea q), do anexo da directiva. Em contrapartida, esta cláusula permite ao profissional reunir todo o contencioso relativo à sua actividade profissional no tribunal do foro da sua sede, o que, simultaneamente, facilita a organização da sua comparência em juízo e a torna menos onerosa. No mesmo sentido, Poissonnier, G., ibid. (nota 76), p. 2313. De acordo com Osztovits, A./Nemessányi, Z., ibid. (nota 70), p. 23, durante muitos anos esta jurisprudência não encontrou qualquer eco na prática jurídica húngara. Pelo contrário, até hoje é habitual que o profissional inclua nas suas cláusulas contratuais gerais uma cláusula atributiva de jurisdição, segundo a qual as partes atribuem competência exclusiva ao tribunal em cuja circunscrição o profissional tem a sua sede ou, o que acontece ainda mais frequentemente, que se situa territorialmente mais próximo da sede.


81 – Ver n.° 67 das presentes conclusões.


82 – Ver n.° 112 das presentes conclusões.


83 – Herb, A., Europäisches Gemeinschaftsrecht und nationaler Zivilprozess, Tübingen 2007, p. 232, considera que a obrigação material de condução do processo é um meio adequado para responder ao interesse na tutela jurisdicional do consumidor.


84 – Tal como Poissonnier, G., ibid. (nota 76), p. 2315, declara com razão, hoje em dia o juiz civil não pode contentar‑se em «desempenhar o papel de mero árbitro que deixa às partes a iniciativa do processo». Enquanto administrador e regulador, o juiz civil tem um papel activo no processo civil. No direito do consumo, o juiz deve constituir um contrapeso, cujo papel deve consistir em velar por que as regras sejam respeitadas. Isso não significa que deva tomar partido por uma das partes. Pelo contrário, o juiz deve sempre servir a lei. A dupla função do direito do consumo consiste em proteger o consumidor e incentivar um comportamento ético do mercado. Este duplo objectivo tem alterado e enriquecido subtilmente o papel do juiz, competindo‑lhe assegurar que é respeitado o objectivo da lei e que a sua aplicação é efectiva.


85 – Neste sentido Herb, A., ibid. (nota 83), p. 231 e seguintes.


86 – V. n.° 105 das presentes conclusões.