CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 23 de Abril de 2009 ( 1 )

Processo C-7/08

Har Vaessen Douane Service BV

contra

Staatssecretaris van Financiën

«Franquia dos direitos de importação — Regulamento (CEE) n.o 918/83 — Artigo 27.o — Mercadorias de valor individual insignificante enviadas conjuntamente — Encomendas expedidas directamente de um Estado terceiro para um destinatário na Comunidade»

I — Introdução

1.

Com o presente pedido prejudicial, o Hoge Raad der Nederlanden pede a interpretação do artigo 27.o do Regulamento (CEE) n.o 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras ( 2 ), que prevê uma franquia para o envio de mercadorias de valor insignificante de um país terceiro para a Comunidade. Em substância, trata-se da questão de saber se a remessa grupada e a declaração aduaneira de uma quantidade de pacotes individuais que só considerados individualmente se encontram dentro do valor máximo previsto na disposição referida são abrangidas por esta franquia, e em que condições.

II — Quadro jurídico

2.

O artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 ( 3 ) dispunha na sua versão original:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 28.o, são admitidas com franquia de direitos de importação as remessas enviadas ao destinatário como objectos de correspondência postal ou como encomenda postal que contenham mercadorias cujo valor global não exceda 10 ECUs.» ( 4 )

3.

O Regulamento (CEE) n.o 2287/83 ( 5 ) estabeleceu mais uma condição para a concessão da franquia nos termos do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83. Dispunha o seguinte:

«A franquia referida no artigo 27.o do [Regulamento (CEE) n.o 918/83] aplicar-se-á apenas às remessas enviadas ao seu destinatário como objectos de correspondência ou como encomendas postais que sejam expedidas directamente de um país terceiro com destino a uma pessoa singular ou colectiva que se encontre na Comunidade».

4.

O terceiro e quarto considerandos do Regulamento n.o 2287/83 esclarecem do seguinte modo o motivo desta alteração:

«Considerando que convém evitar que empresas comerciais se aproveitem desta situação criando actividades ad hoc ou deslocando artificialmente actividades existentes e provocando deste modo distorções de concorrência no âmbito do mercado comum; que, para evitar estas distorções, seria oportuno excluir da franquia de direitos de importação as remessas acima mencionadas que, anteriormente à sua introdução em livre prática, tenham sido colocadas sob um outro regime aduaneiro; que, por conseguinte, convirá aplicar a franquia apenas às remessas em causa que sejam expedidas directamente de um país terceiro para uma pessoa singular ou colectiva que se encontre na Comunidade;».

5.

O Regulamento (CEE) n.o 3357/91 ( 6 ) revogou a limitação do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 aos transportes efectuados por correio.

6.

O primeiro considerando do Regulamento n.o 3357/91 esclarecia, quanto a esta alteração, que:

«A medida de simplificação administrativa prevista no artigo 27.o do Regulamento (CEE) n.o 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (1), com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n.o 4235/88 (2), deve, para ser eficaz, ser aplicável a todas as importações de remessas constituídas por mercadorias de valor insignificante».

7.

O artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 dispõe agora na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.o 3357/91:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 28.o, são importadas com franquia de direitos de importação as remessas constituídas por mercadorias de valor insignificante enviadas directamente de um país terceiro a um destinatário que se encontre na Comunidade.

Entende-se por ‘mercadorias de valor insignificante’ as mercadorias cujo valor intrínseco global não exceda 22 ecus por remessa.»

8.

O artigo 28.o do Regulamento n.o 918/83 exclui da franquia determinados tipos de mercadorias.

III — Matéria de facto, pedido de decisão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

9.

O processo principal diz respeito à validade de um aviso de liquidação contra a despachante de alfândega Har Vaessen Douane Service B.V. (a seguir «Har Vaessen»).

10.

Com base nos elementos constantes do pedido de decisão prejudicial e das alegações das partes, o decurso do processo nos Países Baixos pode resumir-se do seguinte modo.

11.

No período compreendido entre 12 de Novembro de 1998 e 28 de Outubro de 1999, a Har Vaessen declarou para introdução em livre prática, a pedido da ECS Media B.V. com sede nos Países Baixos, (a seguir «ECS») compact discs, cassetes e vídeos. Estas mercadorias foram encomendadas à sociedade-mãe da ECS — a ECI voor Boeken en Platen B.V. (a seguir «ECI») - por clientes individuais. A ECI e a sua filial ECS tinham um acordo, segundo o qual a ECI transfere estas encomendas à ECS, que por sua vez distribui as mercadorias encomendadas aos clientes a partir de um sistema de distribuição central situado na Suíça.

12.

As mercadorias foram preparadas para o envio na Suíça. Cada pacote individual continha o endereço do cliente da ECI que encomendou a mercadoria em causa. Com o pacote individual foi incluída uma ordem de transferência com o nome do serviço da ECI, através da qual o cliente pode fazer o pagamento após a recepção. A ordem de transferência menciona, para além do preço da mercadoria, uma quantia separada relativa às despesas de envio.

13.

Os pacotes foram transportados em seguida pela Har Vaessen como remessa grupada para o centro de distribuição da PTT Post B.V. (a seguir «PTT») nos Países Baixos. A partir deste centro de distribuição, a PTT entregou os pacotes aos clientes individuais da ECI.

14.

No quadro da declaração, a Har Vaessen solicitou a aplicação da franquia aduaneira nos termos do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83, segundo o qual são admitidas com franquia de direitos de importação as remessas constituídas por mercadorias cujo valor intrínseco global não exceda 22 euros. Na secção 8 da declaração ( 7 ) foi mencionada como destinatária a PTT Post B.V., na secção 9, como responsável financeira, a ECS, e na secção 15, como país de envio/exportação, a Suíça. Nas declarações foram anexadas sínteses das pessoas a quem eram destinadas as mercadorias embaladas em pequenos pacotes individuais, bem como o preço que lhes foi facturado. É incontestado que o valor das mercadorias em cada pacote não ultrapassava 22 euros.

15.

A franquia solicitada pela Har Vaessen foi recusada pelas autoridades neerlandesas. Por decisão de 29 de Dezembro de 1999, a Har Vaessen foi notificada para pagar direitos aduaneiros relativos à mercadoria transportada no montante total de 436907,60 NLG. Além disso, a decisão exigia à Har Vaessen o pagamento de IVA no montante total de 4468110,70 NLG.

16.

A Har Vaessen, após ter reclamado, sem êxito, interpôs recurso desta decisão. O Gerechtshof Amsterdam julgou procedente o recurso relativo ao IVA, mas negou provimento ao recurso relativo aos direitos aduaneiros.

17.

A Har Vaessen interpôs recurso desta decisão no Hoge Raad. Por despacho de 7 de Dezembro de 2007, o Hoge Raad suspendeu a instância e apresentou ao Tribunal de Justiça para decisão a título prejudicial as duas questões prejudiciais seguintes:

«1)

O artigo 27.o do Regulamento (CEE) n.o 918/83, de 28 de Março de 1983, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n.o 3357/91, de 7 de Novembro de 1991, deve ser interpretado no sentido de que a franquia referida neste artigo pode ser invocada relativamente às remessas de mercadorias que, consideradas separadamente, têm de facto um valor insignificante, mas que são apresentadas como uma remessa grupada com um valor total intrínseco das mercadorias assim enviadas que ultrapassa o valor limite do artigo 27.o?

2)

Para efeitos de aplicação do artigo 27.o do referido Regulamento deve admitir-se que no «envio directamente de um país terceiro a um destinatário que se encontre na Comunidade» também se inclui a situação em que, de facto, antes do início do envio a esse destinatário a mercadoria se encontra num país terceiro, mas a contraparte do destinatário está estabelecida na Comunidade?»

18.

A Har Vaessen, o Governo neerlandês e a Comissão das Comunidades Europeias apresentaram observações orais e escritas no processo no Tribunal de Justiça.

IV — Apreciação

A — Quanto à primeira questão prejudicial

19.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se a franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 é igualmente aplicável à remessa grupada e à declaração aduaneira de remessas individuais que não ultrapassem um valor de 22 euros, mas que no seu conjunto excedem este valor.

20.

O artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 prevê a franquia de direitos de importação para «as remessas constituídas por mercadorias de valor insignificante enviadas directamente de um país terceiro a um destinatário que se encontre na Comunidade».

21.

A letra do artigo 27.o formula a previsão da franquia em sentido amplo. Não delimita o círculo dos remetentes nem o dos destinatários para além do critério da localidade. Segundo a letra do artigo 27.o são abrangidas deste modo igualmente remessas individuais que são transportadas e declaradas conjuntamente com outras remessas individuais.

22.

O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se um procedimento de remessa como o que está em causa no processo principal entra no âmbito de aplicação da franquia. No processo de decisão prejudicial no Tribunal de Justiça são discutidos, a este respeito, dois aspectos.

23.

Por um lado, coloca-se a questão de saber quem é o «destinatário» dessa remessa grupada: o destinatário final cujo endereço é referido no pacote ou, tal como alega o Governo neerlandês, a PTT, que recebeu a remessa grupada para entrega aos destinatários individuais.

24.

Por outro lado, há que analisar a objecção do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual do sentido e do objectivo da previsão da franquia pode resultar uma redução teleológica do seu âmbito de aplicação.

1. Destinatário

25.

O Governo neerlandês sustenta que o destinatário das remessas é a PTT. A empresa de transporte, após passar a fronteira, entregou as remessas individuais juntas para efeitos do envio à PTT, à qual incumbia entregá-las aos destinatários individuais. Deste modo, é a PTT a destinatária na Comunidade, na acepção do artigo 27.o Uma vez que a PTT recebeu uma remessa cujo valor global, como soma dos valores das remessas individuais, ultrapassava largamente o valor limite do artigo 27.o, no caso vertente, não era aplicável a franquia.

26.

Pelo contrário, a Comissão sustenta que os destinatários na acepção do artigo 27.o, no caso vertente, são os destinatários individuais dos pacotes. A Comissão considera a entrega em causa como transporte conjunto de diferentes remessas individuais para clientes individuais e não como uma remessa à PTT que ultrapassaria o valor limite do artigo 27.o Em sua opinião, a situação no caso vertente está no âmbito de aplicação da franquia.

27.

Há que concordar com a Comissão em que os destinatários finais dos pacotes devem ser considerados os seus destinatários. A PTT é apenas uma estação intermédia na cadeia de logística, que começa na Suíça com a entrega para o transporte e termina nos Países Baixos junto dos destinatários dos pacotes individuais como destinatários na acepção do artigo 27.o

28.

Os pacotes são embalados na Suíça pela ECS e são preparados para o envio com os endereços dos clientes nos Países Baixos. Assim, os pacotes poderiam ser entregues logo nos correios suíços e enviados para o exterior seguindo um procedimento de envio unitário aos destinatários nos Países Baixos. A entrega final aos destinatários nos Países Baixos seria provavelmente efectuada, em qualquer caso, pelos correios neerlandeses e, assim, através de mais um elo na cadeia de transporte. Neste caso, só muito remotamente os correios neerlandeses seriam considerados destinatários dos pacotes, por efectuarem a entrega nos Países Baixos por conta dos correios suíços.

29.

Que tenham sido os correios suíços a transportar os pacotes para os Países Baixos, onde foram entregues aos destinatários pela PTT local, ou que esta primeira etapa do envio, pelo contrário, tenha incumbido a uma transportadora, não afecta a resposta à questão de saber qual o destinatário dos pacotes na acepção do artigo 27.o O destinatário é apenas o destinatário de cada pacote referido logo no início da cadeia de envio, e não a PTT neerlandesa como mera estação intermédia de uma cadeia de envio com vários elos.

30.

O sentido e o objectivo do regulamento não pode ser o favorecimento de determinados métodos de transporte em relação a outros, de modo que só um método de transporte com um só elo seja abrangido na previsão da franquia, e não uma cadeia de transporte com vários elos.

31.

Nenhuma das empresas de transportes participantes, como elo da cadeia de transporte, «recebe» a mercadoria para fins próprios, mas apenas para efeitos do transporte subsequente.

32.

A génese da previsão da franquia também confirma este entendimento da norma. Até à entrada em vigor do Regulamento n.o 3357/91, que introduziu alterações, apenas eram abrangidas pelo artigo 27.o as remessas que fossem transportadas «como objectos de correspondência ou como encomendas postais». Esta limitação do âmbito de aplicação foi revogada pelo Regulamento n.o 3357/91 com o objectivo de alargar esta simplificação administrativa ligada à previsão da franquia. Deste modo, se a previsão da franquia é preenchida independentemente do método de transporte, não se pode discriminar consoante o transporte seja efectuado exclusivamente por uma empresa privada ou por um conjunto de transportes privados e de transporte pelo correio. No caso de uma cadeia de transporte com vários elos, um dos transportadores não pode ser considerado como destinatário na acepção do artigo 27.o

33.

Enfim, resulta do modo da declaração no caso em apreço que os clientes individuais — e não a PTT — devem ser considerados como destinatários das remessas individuais.

34.

É certo que a PTT — e não «outros» — é indicada na secção 8 da declaração como destinatário. No entanto, isso é — tal como sustenta igualmente a Comissão — irrelevante ( 8 ). Porque uma consideração global das circunstâncias da declaração só permite a conclusão de que a entrega respectiva foi declarada como transporte conjunto de diferentes remessas individuais aos respectivos clientes. Assim, nas declarações foram anexadas sínteses das pessoas a quem eram destinadas as mercadorias em pequenos pacotes individuais.

35.

Além disso, das sínteses anexadas resultava o preço que foi facturado por cada pacote. A indicação destas informações só faz sentido no quadro da declaração de uma quantidade de remessas dirigidas a destinatários individuais.

36.

Finalmente, há que analisar uma possível objecção que, apesar de não ter sido suscitada pelas partes do presente processo, deve ser abordada resumidamente. Diz respeito à exigência de que as mercadorias sejam, nos termos do artigo 27.o, enviadas directamente de um país terceiro a um destinatário na Comunidade. Poderia objectar-se que no caso vertente a mercadoria não foi enviada directamente ao destinatário, dado que foi entregue primeiro à PTT. No entanto, com a expressão «directamente», o regulamento quer dizer outra coisa, como passamos a expor.

37.

A condição de a remessa ser efectuada «directamente de um país terceiro» foi introduzida no artigo 27.o pelo Regulamento de alteração n.o 2287/93. Segundo o terceiro e quarto considerandos deste regulamento convinha evitar que empresas comerciais se aproveitassem desta situação criando actividades ad hoc ou deslocando artificialmente actividades existentes e provocando deste modo distorções de concorrência no âmbito do mercado comum. A fim de evitar estas distorções, seriam excluídas do âmbito de aplicação do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 as remessas que, anteriormente à sua introdução em livre prática, tivessem sido colocadas sob outro regime aduaneiro.

38.

Portanto, segundo o critério da imediatez, a franquia só seria excluída — tal como a Comissão alegou, com razão — quando a mercadoria tivesse sido colocada anteriormente sob outro regime aduaneiro. Por exemplo, como a Comissão indicou, é o caso da mercadoria que deu entrada anteriormente num entreposto aduaneiro. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a mercadoria no caso vertente estava colocada anteriormente sob outro regime aduaneiro. Das indicações feitas no pedido de decisão prejudicial a esse respeito não se conclui, de qualquer modo, como igualmente refere a Comissão, que as mercadorias controvertidas estivessem anteriormente colocadas sob outro regime aduaneiro.

39.

No caso de se entender de outro modo a expressão «directamente», isso não conduziria num caso como o vertente a uma conclusão diferente. Se a PTT, designadamente, não puder ser considerada destinatária, uma vez que é apenas um elo neutro na cadeia de transporte, isso não pode interromper a imediatez do envio do remetente ao destinatário.

40.

Em resumo, há que concluir que no caso da entrega em questão se trata de um transporte conjunto de diferentes remessas individuais aos respectivos clientes e a PTT não é destinatária de uma remessa grupada que excede o valor limite do artigo 27.o

2. Sentido e objectivo das condições de franquia

41.

O órgão jurisdicional de reenvio, referindo-se ao primeiro considerando do Regulamento n.o 3357/91, que indica como objectivo da franquia a «simplificação administrativa», considera que o artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 apenas pode abranger situações em que as despesas administrativas relacionadas com a declaração ultrapassam o montante dos direitos aduaneiros a obter. Uma vez que esta desproporção entre as despesas administrativas e o montante dos direitos aduaneiros não existe necessariamente numa declaração grupada, é duvidoso que tais remessas sejam igualmente abrangidas pela franquia.

42.

Este raciocínio não encontra certamente apoio na redacção do artigo 27.o A disposição não exige uma desproporção entre as despesas administrativas para a cobrança dos direitos aduaneiros e o direito aduaneiro a cobrar sobre a remessa individual. O artigo 27.o refere-se apenas ao valor da remessa individual e também não distingue, nessa medida, consoante a forma da declaração aduaneira. Segundo a sua redacção, a franquia não se limita apenas a remessas de valor insignificante declaradas individualmente e que, portanto, criam despesas administrativas proporcionalmente elevadas. A redacção do artigo 27.o abrange também remessas de valor insignificante enviadas simultaneamente em grande quantidade por um remetente comercial e que, portanto, na declaração grupada possível, criam despesas administrativas consideravelmente inferiores. Segundo a redacção do artigo 27.o, a relação entre o direito aduaneiro a cobrar, em princípio, e a despesa administrativa que daí resulta é irrelevante.

43.

Não se deve deduzir do primeiro considerando que a franquia apenas deve ser concedida quando no caso concreto exista uma desproporção entre as despesas administrativas da cobrança de um direito aduaneiro e o respectivo montante do direito aduaneiro. O primeiro considerando expressa apenas o objectivo do artigo 27.o de simplificação administrativa da cobrança do direito aduaneiro.

44.

Finalmente, a declaração grupada implica para as autoridades aduaneiras igualmente uma simplificação administrativa. As indicações que de outro modo seriam entregues em separado com cada remessa individual encontram-se juntas num só requerimento. Se as remessas grupadas fossem excluídas, por regra, do âmbito de aplicação da franquia, e se, por conseguinte, fossem impostos direitos aduaneiros sobre remessas de valor insignificante apenas por serem declaradas em conjunto num só requerimento à alfândega, o objectivo da simplificação administrativa não seria atingido de modo nenhum. Isto teria a consequência de que o declarante, em vez disso, declararia uma quantidade de remessas individuais, a fim de gozar da franquia aduaneira. O que significaria uma despesa acrescida para as autoridades aduaneiras sem qualquer benefício. Pelo contrário, para o remetente comercial, esta declaração única é relativamente fácil de fazer de modo automático.

45.

Portanto, a redacção ampla do artigo 27.o não deixa margem para a redução teleológica proposta.

3. Conclusão intercalar

46.

Daí resulta, por conseguinte, em resposta à primeira questão prejudicial, que o artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 deve ser interpretado no sentido de que pode ser invocada a franquia mencionada neste artigo, no caso de uma remessa grupada de remessas individuais de valor não superior a 22 euros, quando as remessas individuais sejam enviadas a destinatários individuais na Comunidade e as mercadorias não tenham sido anteriormente colocadas sob outro regime aduaneiro.

B — Quanto à segunda questão prejudicial

47.

Com a segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a franquia prevista no artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 é igualmente aplicável quando a contraparte do destinatário da respectiva remessa está estabelecida na Comunidade ou se a franquia apenas se aplica quando a contraparte do destinatário estiver estabelecida num país terceiro, a partir do qual é enviada a mercadoria em questão. No processo principal, o contrato de compra e venda que subjaz ao envio não é entre o destinatário e o remetente na Suíça, mas entre o destinatário e uma empresa nos Países Baixos. Esta empresa promove o envio das mercadorias do seu armazém na Suíça ao destinatário nos Países Baixos.

48.

Da redacção do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 não resulta que a franquia apenas seja aplicável quando existam relações contratuais entre o remetente e o destinatário da mercadoria. O artigo 27.o do regulamento refere a previsão puramente factual do envio e refere simplesmente que as mercadorias são enviadas directamente de um país terceiro a um destinatário na Comunidade. Não se refere em que local a contraparte do destinatário das mercadorias está estabelecida ou que entre o remetente e o destinatário existam relações jurídicas. Justamente, não são utilizados os conceitos de comprador e vendedor, mas sim os conceitos de remetente e destinatário.

49.

Segundo o critério da «imediatez» apenas devem ser excluídas da franquia as remessas que, tal como foi exposto acima ( 9 ), estavam colocadas anteriormente sob outro regime aduaneiro. Deste critério não pode, portanto, deduzir-se nenhuma indicação no sentido da necessidade de existirem relações contratuais entre o remetente e o destinatário.

50.

Como conclusão provisória há que reter que o artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 não faz depender a franquia do facto de o remetente ser contraparte do destinatário.

51.

Finalmente, há que analisar se as razões que visam impedir abusos militam no sentido de um entendimento diferente do regulamento.

52.

O Governo neerlandês sustenta que o comportamento da ECI é abusivo, na medida em que desde o início teve como objectivo não pagar nenhum imposto sobre o valor acrescentado sobre as mercadorias em questão. Nos termos do artigo 101.o do Código Aduaneiro neerlandês (Douaneregeling) não incide imposto sobre o valor acrescentado sobre as mercadorias que entram no âmbito da franquia de direitos aduaneiros do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83.

53.

O Governo neerlandês salienta que a ECI, a fim de gozar de uma isenção de imposto sobre o valor acrescentado, transporta as mercadorias primeiro dos Países Baixos para a Suíça para as entregar a partir daí aos seus clientes nos Países Baixos. Este comportamento conduz a distorções da concorrência, uma vez que os remetentes que enviam as mercadorias directamente dos Países Baixos para os seus clientes neerlandeses têm de facturar IVA. A fim de impedir tal abuso, o artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 deve ser interpretado em sentido estrito, de forma que em situações como a do caso em apreço não seja concedida qualquer franquia.

54.

O Governo neerlandês não alega, portanto, que a empresa em questão goza da franquia de direito aduaneiros de forma abusiva. Da exposição da matéria de facto do Governo neerlandês, de resto, não resulta que a empresa escolha a sua forma de envio a fim de gozar abusivamente da franquia de direitos aduaneiros. No caso de um envio directo dos Países Baixos também não é devido nenhum direito aduaneiro, pelo que um envio da Suíça não cria nenhuma vantagem aduaneira para a empresa que procede ao envio.

55.

No entanto, o Governo neerlandês alega que a empresa obtém uma isenção de IVA de forma abusiva.

56.

O artigo 22.o da Directiva (CEE) 83/181 do Conselho, de 29 de Março de 1983, que determina o âmbito de aplicação do n.o 1, alínea d), do artigo 14.o da Directiva 77/388/CEE, no que diz respeito à isenção do imposto sobre o valor acrescentado de certas importações definitivas de bens ( 10 ), prevê que os Estados-Membros podem conceder a isenção às importações de bens cujo valor global seja superior a 10 euros e não exceda 22 euros ( 11 ). Os Países Baixos usaram esta possibilidade e isentaram de IVA a importação de mercadorias de valor insignificante. A legislação neerlandesa juntou a isenção de IVA à franquia a conceder ao abrigo do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83.

57.

O argumento segundo o qual a previsão da franquia de direitos aduaneiros deve ser interpretada em sentido estrito a fim de impedir um abuso relativamente ao IVA não é convincente. Porque a relação entre a franquia de direitos aduaneiros e uma isenção de IVA potencialmente abusiva resulta apenas da interligação que a legislação neerlandesa prevê a este respeito.

58.

Enquanto o artigo 22.o, n.o 1, da Directiva 83/181 prevê uma isenção obrigatória para mercadorias de valor inferior a 10 euros, o artigo 22.o, n.o 2, confere aos Estados-Membros a possibilidade de excluirem do benefício da isenção previsto no primeiro período do primeiro parágrafo os bens importados no âmbito de uma venda por correspondência.

59.

O potencial abuso da isenção de IVA deve, portanto, ser enfrentado eficazmente no quadro da isenção de IVA, o que não obriga, no quadro da franquia dos direitos aduaneiros, a uma interpretação restritiva do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83.

60.

No domínio do IVA, o Tribunal de Justiça considerou admissível a recusa de uma vantagem fiscal quando as operações em causa tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objectivo prosseguido por essas disposições e resultar de um conjunto de elementos objectivos que a finalidade essencial das operações em causa é a obtenção de uma vantagem fiscal ( 12 ). Assim, o Tribunal de Justiça confirmou que é possível fazer frente à obtenção abusiva de vantagens fiscais.

61.

A objecção de um potencial abuso na isenção de IVA, que na legislação nacional está ligada à franquia de direitos aduaneiros, deve, portanto, ser tida em consideração no quadro da isenção de IVA e não pode conduzir a uma interpretação restritiva do artigo 27.o do Regulamento n.o 918/83 contrária à sua redacção ampla.

V — Conclusão

62.

À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo às questões apresentadas pelo Hoge Raad:

1)

O artigo 27.o do Regulamento (CEE) n.o 918/83, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.o 3357/91, deve ser interpretado no sentido de que pode ser invocada a franquia nele prevista, no caso de uma remessa grupada de remessas individuais de valor não superior a 22 euros, quando as remessas individuais sejam enviadas a destinatários individuais na Comunidade e as mercadorias não tenham sido colocadas anteriormente sob outro regime aduaneiro.

2)

Na interpretação do artigo 27.o do referido regulamento, deve admitir-se que o conceito de «envio de um país terceiro a um destinatário que se encontre na Comunidade» também inclui a situação em que a mercadoria se encontra num país terceiro antes do envio, mas a contraparte do destinatário está estabelecida na Comunidade.


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) JO L 105, p. 1, na versão do Regulamento (CEE) n.o 3357/91 do Conselho, de 7 de Novembro de 1991, que altera o Regulamento (CEE) n.o 918/83, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (JO L 318, p. 3).

( 3 ) Regulamento (CEE) n.o 918/83 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (JO L 105, p. 1; EE 02 F9 p. 276).

( 4 ) O artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1103/97 do Conselho, de 17 de Junho de 1997, relativo a certas disposições respeitantes à introdução do euro (JO L 162, p. 1) estabelece que a seguir todas as referencias ao «ecu» — excepto em citações expressas — serão substituídas por «euro». V. igualmente o acórdão de 17 de Março de 2005, Comissão/AMI Semiconductor Belgium e o. (C-294/02, Colect., p. I-2175, n.o 32).

( 5 ) Regulamento (CEE) n.o 2287/83 da Comissão, de 29 de Julho de 1983, que fixa as disposições de aplicação do artigo 127.o do Regulamento (CEE) n.o 918/83 do Conselho relativo ao estabelecimento do regime comunitário das franquias aduaneiras (JO L 220, p. 12).

( 6 ) Regulamento (CEE) n.o 3357/91, já referindo na nota 2.

( 7 ) Título II do Anexo 37 ao Regulamento n.o 2454/93, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário.

( 8 ) V. a este respeito as considerações no n.o 4.3.18 das conclusões do Advocaat-Generaal W. de Wit de 13 de Julho de 2006, que são parte integrante do despacho de reenvio do Hoge Raad.

( 9 ) N.o 38 e seguintes das presentes conclusões.

( 10 ) Directiva 83/181, na versão alterada pela Directiva 88/331/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1988 (JO L 151, p. 79).

( 11 ) Para mercadorias de valor inferior a 10 euros a directiva prevê uma isenção obrigatória de IVA.

( 12 ) Acórdãos de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax e o. (C-255/02, Colect., p. I-1609, n.os 74 e 75) e de 21 de Fevereiro de 2008, Part Service (C-425/06, Colect., p. I-897, n.o 42).