Processo T‑461/07
Visa Europe Ltd e
Visa International Service
contra
Comissão Europeia
«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado dos serviços de aquisição das transacções efectuadas através de cartões de crédito ou de débito diferido – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Restrição da concorrência – Concorrente potencial – Coimas – Circunstâncias atenuantes – Prazo razoável – Segurança jurídica – Direitos de defesa»
Sumário do acórdão
1. Tramitação processual – Petição inicial – Requisitos de forma
[Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 21.°; Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 44.°, n.° 1, alínea c)]
2. Concorrência – Procedimento administrativo – Comunicação de acusações – Conteúdo necessário – Respeito dos direitos de defesa – Empresas postas em situação de darem a conhecer o seu ponto de vista sobre os factos, acusações e circunstâncias alegadas pela Comissão
(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°, n.° 1)
3. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Infracção à concorrência – Critérios de apreciação – Exame das condições de concorrência no mercado – Tomada em conta da concorrência actual e potencial
(Artigo 81.°, n.os 1 e 3, CE)
4. Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara a existência de uma infracção – Decisão que necessita uma apreciação económica ou técnica complexa – Fiscalização jurisdicional – Alcance
(Artigo 81.°, n.° 1, CE)
5. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Infracção à concorrência – Conceito
(Artigo 81.° n.° 1, CE)
6. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Infracção à concorrência – Qualificação de uma empresa de concorrente potencial – Critérios – Elemento essencial – Capacidade da empresa para integrar o mercado pertinente
(Artigo 81.°, n.° 1, CE)
7. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Prova – Apreciação do valor probatório de um documento – Critério – Credibilidade das provas apresentadas
(Artigo 81.°, n.° 1, CE)
8. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Infracção à concorrência – Qualificação de uma empresa de concorrente potencial – Capacidade de integração rápida no mercado em causa – Conceito de integração rápida
(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Comunicação 2001/C 3/02 da Comissão)
9. Concorrência – Coimas – Acordo notificado no âmbito do Regulamento n.° 17 e que beneficia de imunidade de coima – Caducidade da notificação e desaparecimento da imunidade de coima a contar da entrada em vigor do Regulamento n.° 1/2003
(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 5, e n.° 1/2003, artigo 34.°, n.° 1)
10. Concorrência – Coimas – Montante – Margem de apreciação reservada à Comissão – Adaptação do nível das coimas
(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°)
11. Concorrência – Coimas – Poder de apreciação da Comissão – Apreciação em função do comportamento individual da empresa
(Artigo 81.°, n.° 1, CE)
12. Concorrência – Coimas – Decisão que aplica coimas – Dever de fundamentação – Alcance – Indicação dos elementos de apreciação que permitiram à Comissão medir a gravidade e a duração da infracção
(Artigo 253.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C da Comissão)
13. Direito comunitário – Princípios – Protecção da confiança legítima – Conceito – Declarações da Comissão «que deixam entender» – Exclusão
14. Concorrência – Procedimento administrativo – Obrigações da Comissão – Observância de um prazo razoável – Anulação da decisão que declara uma infracção em razão de duração excessiva do processo – Requisito – Violação dos direitos de defesa das empresas em causa
(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°, n.° 1; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 25.°)
15. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Orientações fixadas pela Comissão – Circunstâncias atenuantes
(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
16. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Critérios de apreciação – Impacto no mercado – Alcance do mercado geográfico
(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
17. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes – Margem de apreciação da Comissão para fazer uma apreciação global
(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3)
1. Por força do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve indicar o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos invocados. De acordo com jurisprudência assente, para que uma acção seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Ainda que o corpo da petição possa ser alicerçado e completado, em pontos específicos, através de remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outras peças escritas, mesmo anexadas à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições atrás recordadas, devem constar da petição.
Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os fundamentos e argumentos que possa considerar como constitutivos do fundamento da acção, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental.
Um relatório de peritagem colectivo que figura em anexo à petição, no qual as recorrentes fazem referência no âmbito da sua crítica da decisão da Comissão, apenas será tido em conta pelo Tribunal na medida em que alicerce ou complemente fundamentos ou argumentos expressamente invocados pelas recorrentes no corpo das suas peças escritas e em que seja possível determinar com precisão quais os elementos nele contidos que alicerçam ou complementam os referidos fundamentos ou argumentos.
(cf. n.os 50 e 51, 53)
2. No âmbito de um procedimento administrativo em matéria de concorrência, a comunicação de acusações deve conter uma exposição das acusações redigidas em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir aos interessados tomarem efectivamente conhecimento dos comportamentos que lhes são censurados pela Comissão. O respeito dos direitos de defesa num processo susceptível de conduzir a sanções como a que está em causa exige, com efeito, que tenha sida dada às empresas e às associações de empresas em causa a oportunidade de, desde a fase do procedimento administrativo, dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegados pela Comissão. Essa exigência é respeitada quando a decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE não impute aos interessados infracções diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas atenda a factos sobre os quais os interessados tenham tido ocasião para se explicar.
Além disso, para alegarem uma violação dos direitos de defesa relativamente às acusações constantes da decisão recorrida, as empresas em causa não se podem limitar a invocar a mera existência de diferenças entre a comunicação de acusações e a decisão recorrida, sem exporem de forma precisa e concreta de que modo cada uma dessas diferenças constitui, no caso concreto, uma acusação nova sobre a qual não tiveram a oportunidade de ser ouvidas. Uma vez que, na comunicação de acusações, a Comissão se baseou em certas características do mercado, designadamente a sua importante concentração, para concluir que a concorrência era aí limitada e que, em resposta às suas observações as recorrentes, a Comissão indicou na sua decisão, que a concorrência no mercado não era «ineficaz» e que ainda podia ser intensificada, não enunciou uma acusação nova nem se baseou num elemento de facto novo, mas limitou‑se a completar a sua análise tomando em conta as observações das recorrentes. Deste modo, esta evolução na fundamentação da decisão impugnada em relação à que figurava inicialmente na comunicação de acusações, longe de constituir a manifestação de uma violação dos direitos de defesa das recorrentes, demonstra, pelo contrário, que estas tiveram oportunidade de fazer valer o seu ponto de vista sobre a acusação da Comissão.
(cf. n.os 56, 58 a 62)
3. A apreciação de um acordo, de uma decisão de associação de empresas ou de uma prática concertada, ao abrigo do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, deve ter em conta o quadro concreto nos qual estes produzem os seus efeitos, designadamente o contexto económico e jurídico em que as empresas em causa operam, a natureza dos serviços visados, bem como as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado em causa, salvo se se tratar de um acordo com restrições manifestas à concorrência como a fixação dos preços, a repartição do mercado ou o controlo das vendas. Com efeito, neste último caso, só no quadro do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado é que essas restrições podem ser ponderadas face aos efeitos alegadamente favoráveis à concorrência, para efeitos de concessão de uma isenção da proibição constante do n.° 1 do mesmo artigo.
O exame das condições de concorrência assenta não só na concorrência actual das empresas já presentes no mercado em causa mas também na concorrência potencial, a fim de saber se, tendo em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que rege o seu funcionamento, existem possibilidades reais e concretas de as empresas envolvidas competirem entre si, ou de um novo concorrente entrar no mercado em causa e competir com as empresas já estabelecidas.
Além disso, se um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada deve ser considerado proibido em razão das alterações do jogo da concorrência que deles decorrem, é necessário examinar o jogo da concorrência no quadro real em que o mesmo se produziria se não existisse o acordo controvertido, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa.
(cf. n.os 67 a 69, 81, 125, 130)
4. Embora o juiz da União exerça de maneira geral uma fiscalização total sobre a questão de saber se as condições de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE estão ou não reunidas, a fiscalização que ele exerce sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão limita‑se necessariamente à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder. No entanto, o reconhecimento à Comissão de uma margem de apreciação não implica que o juiz da União não deva fiscalizar a interpretação, pela Comissão, de dados de natureza económica. Com efeito, o juiz da União deve, designadamente, verificar não só a exactidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também verificar se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são susceptíveis de fundamentar as conclusões que deles são retiradas.
Uma vez que a estrutura do mercado da aquisição das transacções efectuadas através de cartões de crédito ou de débito diferido a comerciantes, apesar dos factores que a Comissão considerou serem favoráveis ao acesso de um recém‑chegado, torna pouco plausível a integração por um estabelecimento financeiro através de um acordo de fachada que lhe traria imediatamente desvantagens em relação aos seus principais concorrentes estabelecidos no referido mercado, a conclusão da Comissão que afasta a hipótese dessa entrada está suficientemente justificada pelas considerações relativas à dificuldade em encontrar um parceiro de fachada e, por acréscimo, às relativas à complexidade e aos custos suplementares gerados por esses acordos, e não aplicou um critério jurídico errado.
(cf. n.os 70, 110 e 111)
5. A circunstância de a Comissão ter reconhecido que a concorrência no mercado em causa é «ineficaz» não a impede de sancionar um comportamento que tem por efeito excluir desse mercado esse concorrente potencial. Por um lado, na medida em que o artigo 81.° CE se destina, à semelhança das outras regras de concorrência enunciadas no Tratado, a proteger não só os interesses directos dos concorrentes ou dos consumidores mas também a estrutura do mercado e, deste modo, a concorrência enquanto tal, a Comissão pôde validamente basear‑se no grau elevado de concentração do mercado em causa. Por outro lado, a análise dos efeitos de um comportamento sobre a concorrência potencial não pode ser condicionada pelo exame do grau de concorrência existente actualmente no mercado em causa. Tal abordagem estaria em contradição com a jurisprudência constante que impõe que o exame das condições de concorrência num mercado dado assente não na concorrência actual que existe entre as empresas já presentes no mercado em causa, mas também na concorrência potencial.
(cf. n.os 121 a 131)
6. No que diz respeito aos critérios jurídicos que devem ser aplicados para averiguar se uma empresa a constituía um concorrente potencial no mercado em causa, a Comissão deve averiguar se, no caso de não ser aplicada a essa empresa uma regra contestada com base no artigo 81.°, n.° 1, CE, teriam existido possibilidades reais e concretas de esta integrar o referido mercado e compete com as empresas aí estabelecidas. Essa demonstração não deve repousar numa simples hipótese, antes devendo ser assentar em elementos de facto ou numa análise das estruturas do mercado pertinente. Deste modo, uma empresa não pode ser qualificada como concorrente potencial se a sua entrada no mercado não corresponder a uma estratégia económica viável. Daí decorre necessariamente que, embora a intenção de uma empresa de integrar um mercado seja eventualmente pertinente para averiguar se esta pode ser considerada um concorrente potencial no referido mercado, o elemento essencial no qual deve assentar essa qualificação é no entanto constituído pela sua capacidade para integrar o referido mercado.
(cf. n.os 166‑168)
7. Quanto ao valor probatório que deve ser reconhecida a estes dois documentos, recorde‑se que o princípio que prevalece em direito da União é o da livre administração das provas e o único critério pertinente para apreciar as provas apresentadas reside na sua credibilidade. Deste modo, para apreciar o valor probatório de um elemento de prova deve, antes de mais, verificar a verosimilhança da informação aí contida. Assim, é necessário ter em conta, designadamente, a origem do documento, as circunstâncias da sua elaboração, o seu destinatário e perguntar se, tendo em atenção o seu conteúdo, se afigura razoável e fidedigno.
(cf. n.° 182)
8. A Comissão não comete erro de direito ao qualificar um operador económico como concorrente potencial na medida em que, por um lado, as suas apreciações relativas à capacidade de esse operador integrar o mercado em causa não são contestadas e, por outro lado, a hipótese de uma entrada do referido operador no mercado em causa não reveste um carácter puramente teórico. Esta conclusão não é invalidada pela circunstância de a Comissão não ter fornecido uma estimativa do prazo que teria sido necessário à Morgan Stanley de integrar o mercado em causa, e isso em contradição aparente com a definição que figura nas orientações sobre os acordos de cooperação, que se referem ao prazo de um ano. Com efeito, da leitura desta definição resulta que o factor essencial é a necessidade de que a entrada potencial se possa fazer com rapidez suficiente para pressionar os participantes no mercado, sendo o prazo de um ano apresentado a título meramente indicativo.
(cf. n.os 187 a 189)
9. A possibilidade de a Comissão impor uma coima em relação a um acordo que foi objecto de uma notificação no âmbito do Regulamento n.° 17, decorre do artigo 34.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, que precisa que as notificações caducam a contar da data da sua aplicação. Daí resulta necessariamente que a imunidade de coima em relação aos acordos notificados por força do artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17 cessa com a entrada em vigor do Regulamento n.° 1/2003. Consequentemente, a Comissão pode, em qualquer hipótese, aplicar uma coima às recorrentes pelo facto de ter prosseguido o comportamento controvertido posteriormente à entrada em vigor do Regulamento n.° 1/2003.
(cf. n.° 211)
10. A Comissão dispõe de margem de apreciação na fixação do montante das coimas, visto estas constituírem um instrumento da política de concorrência. No que diz respeito mais especialmente ao facto de a Comissão não ter, no passado, imposto coimas a restrições de concorrência por efeito, esse facto não a pode privar da possibilidade de impor uma coima, se tal for necessário para assegurar a aplicação da concorrência. Antes pelo contrário, a aplicação eficaz das regras de concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.
(cf. n.os 212 e 213)
11. É no contexto específico de cada processo que a Comissão, no exercício do seu poder de apreciação, decide da oportunidade de aplicar uma coima para punir a infracção cometida e preservar a eficácia do direito da concorrência. De qualquer modo, supondo que, no passado, a Comissão tenha errado ao não impor coimas a empresas em processos semelhantes, a argumentação das recorrentes que equivale a invocar em seu proveito uma ilegalidade cometida em favor de outrem seria contrária ao princípio da legalidade.
(cf. n.os 218 e 219)
12. Quanto à fixação de coimas por violação do direito da concorrência, a Comissão cumpre o seu dever de fundamentação quando indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção cometida, sem ter de incluir uma descrição mais detalhada ou elementos numéricos relativos ao modo de cálculo da coima. É claro que esses elementos relativos à gravidade e à duração do comportamento censurado às recorrentes, se se referirem, em primeira linha, à determinação do montante da coima, podem permitir entender as razões pelas quais a Comissão considerou que era oportuno infligir uma coima.
(cf. n.os 221, 288)
13. No processo relativo à declaração de uma infracção em aplicação do artigo 81.° CE, o princípio da protecção da confiança legítima estende‑se a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração lhe criou expectativas fundadas, precisando‑se que ninguém pode invocar uma violação deste princípio na falta de garantias precisas, incondicionais e concordantes, que emanem de fontes autorizadas e fiáveis, que lhe tenham sido fornecidas pela administração. Não podem ser qualificadas de garantias precisas, incondicionais e concordantes, facto que as próprias recorrentes parecem admitir referindo‑se nas suas peças escritas a «declarações que deixam entender» que a Comissão não considerava este caso como um processo ao qual aplicaria uma coima.
(cf. n.os 223 e 224)
14. A observância de um prazo razoável na tramitação dos procedimentos administrativos em matéria de política da concorrência constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito é assegurado pelo juiz. Este princípio é retomado no artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A violação deste princípio pode conduzir à anulação da decisão, desde que esta tenha afectado a capacidade das empresas em causa de defenderem a sua posição e, portanto, tenha prejudicado os seus direitos de defesa. Não é, no entanto, esse o caso quando, por um lado, as partes não sustentam que a duração do procedimento administrativo tenha prejudicado os seus direitos de defesa. O período compreendido entre a cessação da infracção e a decisão impugnada que aplica a coima é portanto de duração muito inferior aos prazos de prescrição previstos no artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003. Com efeito, quando exista regulamentação completa que regule de forma pormenorizada os prazos dentro dos quais a Comissão pode, sem pôr em causa a exigência fundamental de segurança jurídica, para aplicar coimas às empresas que são objecto de procedimentos de aplicação das regras de concorrência, qualquer consideração ligada à obrigação da Comissão de exercer o seu poder de aplicar coimas num prazo razoável deve ser afastada.
(cf. n.os 231 a 234, 238, 298)
15. Em matéria de determinação do montante de uma coima aplicada por infracção às regras da concorrência, a Comissão não se pode afastar das regras que impôs a si própria. Em especial, quando a Comissão adopta orientações destinadas a precisar, respeitando o tratado, os critérios que tenciona aplicar no exercício do seu poder de apreciação, daí resulta uma auto‑limitação desse poder, na medida em que tem de cumprir as regras indicativas que impôs a si própria.
A fim de averiguar se a Comissão era obrigada a conceder às recorrentes o benefício da circunstância atenuante relativa à existência de dúvidas razoáveis, quanto ao carácter infractor do comportamento sancionado, no caso em que a coima não foi aplicada com base na totalidade do período infractor, mas apenas a contar da data da comunicação de acusações importa ter em conta o facto de que é a contar dessa data que a Comissão formulou objecções em relação ao comportamento controvertido explicando as razões pelas quais considerava que o mesmo infringia o artigo 81.° CE. Portanto, a contar desta data, as recorrentes deixaram de poder sustentar que não tinham consciência de que estavam a infringir o artigo 81.° CE.
(cf. n.os 246, 250 a 252, 297)
16. Em matéria de concorrência, a gravidade de uma infracção é determinada tendo em conta vários elementos, como as circunstâncias específicas do processo o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e relativamente aos quais a Comissão dispõe de uma margem de apreciação. A avaliação da gravidade da infracção deve ter em conta a natureza própria da infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este pode ser medido, e o âmbito do mercado geográfico em causa
(cf. n.os 266, 268)
17. Em matéria de concorrência, a adequação de uma eventual redução da coima por circunstâncias atenuantes em de acordo com o ponto 3 das orientações para o cálculo das coimas infligidas em aplicação o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.°°17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA deve ser apreciada de um ponto de vista global tendo em conta o conjunto das circunstâncias pertinentes. Na falta de indicação de natureza imperativa nas orientações no que respeita às circunstâncias atenuantes que podem ser tomadas em conta, deve considerar‑se que a Comissão conservou uma certa margem de apreciação para avaliar de uma forma geral a importância de uma eventual redução do montante das coimas por circunstâncias atenuantes.
(cf. n.° 303)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)
14 de Abril de 2011 (*)
«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado dos serviços de aquisição das transacções efectuadas através de cartões de crédito ou de débito diferido – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Restrição da concorrência – Concorrente potencial – Coimas – Circunstâncias atenuantes – Prazo razoável – Segurança jurídica – Direitos de defesa»
No processo T‑461/07,
Visa Europe Ltd, com sede em Londres (Reino Unido),
Visa International Service, com sede em Wilmington, Delaware (Estados Unidos),
representadas inicialmente por S. Morris, QC, H. Davies e A. Howard, barristers, V. Davies e H. Masters, solicitors, e em seguida por Morris e P. Scott, solicitor, Howard, V. Davies e C. Thomas, solicitor,
recorrentes,
contra
Comissão Europeia, representada inicialmente por F. Arbault, N. Khan e V. Bottka, e em seguida por Khan e Bottka, na qualidade de agentes,
recorrida,
que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação da decisão C (2007) 4471 final da Comissão, de 3 de Outubro de 2007, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/D1/37860 – Morgan Stanley/Visa International e Visa Europe), e, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução da coima aplicada às as recorrentes através da referida decisão,
O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),
composto por: M. Jaeger, presidente, V. Vadapalas e M. Prek (relator), juízes,
secretário: N. Rosner, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 20 de Maio de 2010,
profere o presente
Acórdão
Factos na origem do litígio
1 A Visa International Service, registada nos Estados Unidos, é uma pessoa colectiva com fins lucrativos detida pelos estabelecimentos financeiros que dela são membros (a seguir «Visa International»). A Visa International gere e coordena a rede internacional de pagamento através do cartão com o mesmo nome (a seguir «sistema Visa»), o que inclui designadamente a fixação das regras da rede bem como o fornecimento aos estabelecimentos que dela são membros de serviços de autorização e de compensação. As actividades de emissão de cartões Visa e a celebração de acordos de filiação com comerciantes para a aceitação destes cartões são da responsabilidade dos estabelecimentos financeiros que dela são membros.
2 A Morgan Stanley (antiga Morgan Stanley Dean Witter & Co., a seguir «Morgan Stanley») é um estabelecimento financeiro registado nos Estados Unidos, país onde era, ao longo do procedimento administrativo, proprietária da rede Discover Card/Novus que funciona com os cartões Discover (a seguir «sistema Discover»).
3 Em 23 de Fevereiro de 1999, a Morgan Stanley criou uma filial no Reino Unido, denominada Morgan Stanley Bank International Ltd.
4 Em 22 de Março de 2000, a Morgan Stanley foi informada de que não era elegível para a qualidade de membro da região «União Europeia» da Visa International.
5 Em 12 de Abril de 2000, a Morgan Stanley apresentou uma denúncia, com base no artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204), acusando a prática de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE ao recusar admiti‑la como membro da região «União Europeia» da Visa International. Paralelamente, a Morgan Stanley propôs uma acção tendo por objecto o mesmo comportamento na High Court of Justice (England & Wales) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales)]. Esta acção foi suspensa até resolução do processo na Comissão Europeia.
6 A denúncia da Morgan Stanley tinha por objecto a aplicação que lhe fora feita da regra 2.12, alínea b), dos estatutos da Visa International (a seguir «Regra») cujas diferentes versões foram notificadas à Comissão. Desde 4 de Dezembro de 1989, a Regra tem a seguinte redacção: «[c]aso a legislação aplicável o permita, o conselho de administração (incluindo os conselhos regionais e os membros do grupo) não aceita como membro um candidato que considere concorrente da sociedade».
7 Antes de 1 de Julho de 2004, o poder decisório no que respeita à região «União Europeia» da Visa International – que, para além dos Estados‑Membros da União Europeia, inclui a Islândia, o Liechtenstein, a Noruega, a Suíça, a Turquia e Israel – era delegado no conselho de administração regional da Visa International para a União Europeia. A partir de 1 de Julho de 2004, esse poder passou a ser exercido pela Visa Europe Ltd (a seguir «Visa Europe»), cujo conselho regional tem autoridade exclusiva para regulamentar quaisquer questões no âmbito da região «União Europeia», designadamente, decidir da oportunidade de aceitar ou recusar qualquer pedido de concessão da qualidade de membro da Visa Europe. A partir de Outubro de 2004, a Regra está retomada na cláusula 5, n.° 3, do regulamento de adesão da Visa Europe.
8 Em 2 de Agosto de 2004, a Comissão dirigiu uma comunicação de acusações à Visa International e à Visa Europe (a seguir «recorrentes»), por violação do artigo 81.° CE. Em 3 de Dezembro de 2004, as recorrentes remeteram observações escritas em resposta às acusações feitas pela Comissão. Nessa ocasião, pediram que lhes fosse concedida uma audição, pedido do qual desistiram em 5 de Abril de 2005.
9 Em 1 e 2 de Setembro, 19 de Novembro, 17 de Dezembro de 2004 e 12 de Janeiro de 2007, as recorrentes tiveram acesso ao dossier da Comissão.
10 Em 15 de Outubro de 2004, a Comissão comunicou uma versão não confidencial da comunicação de acusações à Morgan Stanley. Em 22 de Outubro de 2004, a Morgan Stanley apresentou as suas observações escritas relativas à comunicação de acusações. Em 23 de Fevereiro de 2005, as referidas observações foram objecto de comentários da parte das recorrentes.
11 Em 23 de Dezembro de 2004, a Comissão dirigiu às recorrentes uma primeira carta expondo os factos em causa (a seguir «primeira carta de exposição dos factos»), à qual as recorrentes responderam por cartas de 14 de Janeiro e 23 de Fevereiro de 2005.
12 Em 6 de Julho de 2006, a Comissão dirigiu às recorrentes uma segunda carta expondo os factos em causa (a seguir «segunda carta de exposição dos factos»), à qual as recorrentes responderam por cartas de 22 de Setembro de 2006.
13 Em 21 de Setembro de 2006, a Morgan Stanley e as recorrentes celebraram um acordo que reconhecia a qualidade de membro da Visa Europe à Morgan Stanley e previa a retirada da denúncia feita à Comissão, bem como a desistência do processo instaurado na High Court of Justice.
14 Em 22 de Setembro de 2006, a Morgan Stanley tornou‑se membro da Visa Europe e retirou a denúncia que tinha apresentado à Comissão. A Comissão considerou, no entanto, que mantinha interesse legítimo em adoptar uma decisão que sancionasse o comportamento anticoncorrencial das recorrentes.
Decisão impugnada
15 Em 3 de Outubro de 2007, a Comissão adoptou a decisão C (2007) 4471 final, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/D1/37860 – Morgan Stanley/Visa International e Visa Europe) (a seguir «decisão impugnada»), cujos elementos essenciais estão reproduzidos a seguir.
A – Definição do mercado pertinente
16 A Comissão considerou que os serviços fornecidos no âmbito de uma rede de cartões de pagamento podem ser subdivididos em três grupos distintos:
– os serviços fornecidos por uma rede de cartões de pagamento a instituições financeiras, no âmbito dos quais as diferentes redes de cartões de pagamento fazem concorrência entre si;
– os serviços fornecidos pelos bancos emissores de cartões de pagamento aos titulares destes;
– os serviços de aquisição das transacções fornecidos aos comerciantes.
17 Daí infere que três mercados distintos podiam ser diferenciados: um mercado a montante, constituído pelos serviços de redes, no âmbito do qual as redes de cartões fornecem serviços às diversas instituições financeiras; um primeiro mercado a jusante, no qual os emissores de cartões de pagamento fazem concorrência entre eles para emitir cartões e fornecer serviços conexos aos particulares (a seguir «mercado da emissão»); um segundo mercado a jusante, no qual os adquirentes de transacções efectuadas com cartões fazem concorrência entre si a fim de celebrarem com os comerciantes um contrato o que inclua a totalidade dos serviços exigidos para que estes possam aceitar os cartões (a seguir «mercado da aquisição»).
18 Sublinhando que a Regra podia ter efeitos restritivos de concorrência nos dois mercados situados a jusante, a Comissão declarou que se baseou unicamente no mercado da aquisição, no qual os efeitos restritivos da Regra sobre a concorrência foram os mais sensíveis.
19 Consequentemente, a Comissão definiu o mercado pertinente como o sendo o dos serviços de aquisição das transacções efectuadas através de cartões de crédito ou de débito diferido a comerciantes no Reino Unido (a seguir «mercado pertinente» ou «mercado em causa»).
B – Comportamento censurado
20 No considerando 25 da decisão impugnada, a Comissão sublinhou que o comportamento censurado às recorrentes não era a Regra em si mesma, mas a sua aplicação à Morgan Stanley (a seguir «comportamento controvertido»).
C – Aplicação do artigo 81.° CE
21 A fim de chegar à conclusão de que o comportamento controvertido estava abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, em primeiro lugar, a Comissão considerou que as regras e regulamentos que definem o quadro de funcionamento do sistema Visa (incluindo os estatutos da Visa International e o regulamento de adesão da Visa Europe que contêm a Regra) e a decisão de os aplicar a uma empresa podiam ser considerados quer como um acordo entre empresas, quer como uma decisão de associação de empresas. Baseou‑se nas circunstâncias de que, por um lado, as recorrentes e os seus membros respectivos exercem actividades económicas e, por conseguinte, são empresas na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, e, por outro, as recorrentes são «organizações associativa» (membership organisations).
22 Em segundo lugar, considerou que o comportamento controvertido tinha produzido efeitos anticoncorrenciais na medida em que a recusa de admitir a Morgan Stanley na região «União Europeia» da Visa International e depois da Visa Europe (a seguir, considerado no seu conjunto, «Visa») teve por consequência impedir um concorrente potencial de integrar um mercado caracterizado por um grau elevado de concentração e no qual a concorrência, sem ser ineficaz, podia ter sido intensificada.
23 A este respeito, a Comissão notou que a recusa de admitir a Morgan Stanley na Visa não a tinha impedido apenas de adquirir transacções efectuadas com cartões Visa, mas, em termos mais gerais, tinha‑a excluído da totalidade do mercado da aquisição, incluída a aquisição das transacções efectuadas com cartões MasterCard. A Comissão baseou‑se na circunstância de os comerciantes pretenderem celebrar contratos de filiação para os cartões mais difundidos no Reino Unido, o Visa e o MasterCard, com o mesmo e único adquirente.
24 A Comissão analisou na decisão impugnada a possibilidade, evocada pelas recorrentes, da Morgan Stanley intervir no mercado da aquisição celebrando um «acordo de fachada» com um estabelecimento financeiro membro da Visa. A Comissão definiu o acordo de fachada, em substância, como visando as circunstâncias nas quais o membro da Visa, o parceiro de fachada, cessou as suas actividades de filiação de comerciantes e actua como uma simples interface entre a Visa e um terceiro adquirente, igualmente qualificado como adquirente de facto, que assuma a responsabilidade de quase todos os elementos do serviço de aquisição e suporta o risco relativo ao fluxo de rendimentos do comerciante. Daí concluiu que a celebração de um acordo de fachada não constituía, para um banco internacional como a Morgan Stanley, um meio eficaz de integrar o mercado pertinente.
25 Em resposta aos diferentes argumentos adiantados pelas recorrentes ao longo do procedimento administrativo para justificar o comportamento controvertido, a Comissão entendeu que não era realista considerar que a Morgan Stanley estava em condições de alargar o seu sistema Discover à União e deste modo competir com a Visa, uma vez activa nesse mercado. Do mesmo modo, para a Comissão, a recusa de admitir a Morgan Stanley não pode ser justificada pela preocupação de evitar o eventual «parasitismo» (free‑riding) de um concorrente directo da Visa, que deste modo estaria em condições de aceder a informações confidenciais. A este respeito, a Comissão notou que certos membros da Visa possuíam um sistema de cartões de crédito ou de pagamento diferido que fazia concorrência directamente à Visa e aos quais a Regra não era aplicada.
26 A Comissão considerou que o artigo 81.°, n.° 3, CE não era aplicável no caso vertente.
27 Por fim, a Comissão considerou que mantinha interesse legítimo em adoptar uma decisão que aplicasse uma sanção ao comportamento anticoncorrencial das recorrentes, não obstante a cessação desta infracção mediante a admissão da Morgan Stanley na Visa, em 22 de Setembro de 2006.
D – Cálculo da coima
28 Apesar da Comissão considerar que a infracção teve início em 22 de Março de 2000 e durou seis anos e seis meses, tomou como ponto de partida para o cálculo da coima um período mais curto, compreendido entre a data da comunicação de acusações, 2 de Agosto de 2004, e a data da admissão da Morgan Stanley na Visa, em 22 de Setembro de 2006. Considerou que a infracção era grave e que não havia circunstâncias agravantes nem circunstâncias atenuantes.
29 Os artigos 1.° e 2.° do dispositivo da decisão impugnada têm a seguinte redacção:
«Artigo 1.°
[A Visa International] e [a Visa Europe] violaram – a primeira no período compreendido entre 22 de Março de 2000 e 22 de Setembro de 2006, e a segunda desde a sua criação, em 1 de Julho de 2004 até 22 de Setembro de 2006 – o artigo 81.°, n.° 1, […] CE e o artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE, ao recusarem o estatuto de membro da Visa Europe à [Morgan Stanley].
Artigo 2.°
Pela infracção mencionada no artigo 1.° uma coima de 10 200 000 euros é aplicada conjunta e solidariamente à [Visa International] e à [Visa Europe].»
Tramitação processual
30 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 19 de Dezembro de 2007, as recorrentes interpuseram o presente recurso.
31 Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal em 24 de Julho de 2009, as recorrentes pediram, por um lado, em aplicação do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral que fosse decidido de modo liminar sobre a admissibilidade de certos argumentos e elementos de prova e, por outro lado, propôs a adopção de medidas de organização do processo, em aplicação do artigo 64.°, n.° 4, do Regulamento de Processo.
32 Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de Setembro de 2009, a Comissão apresentou as suas observações sobre os pedidos das recorrentes.
33 Por despacho de 14 de Dezembro de 2009, o Tribunal (Quinta Secção) reservou para final o pedido das recorrentes apresentado ao abrigo do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.
34 Por decisão do presidente do Tribunal, a composição da Quinta Secção do Tribunal foi alterada para efeitos do presente processo.
35 Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Sexta Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, colocou determinadas perguntas por escrito à Comissão às quais esta respondeu no prazo fixado.
36 Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal na audiência de 20 de Maio de 2010.
Pedidos das partes
37 As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
– a título principal, anular a decisão impugnada;
– a título subsidiário, anular o artigo 2.° da decisão impugnada;
– a título ainda mais subsidiário, reduzir na medida necessária, a coima aplicada;
– condenar a Comissão nas despesas.
38 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– negar provimento ao recurso;
– condenar as recorrentes nas despesas.
Questão de direito
A – Quanto ao pedido destinado a obter a anulação da decisão impugnada
39 Em apoio deste pedido as recorrentes apresentam três fundamentos.
40 Através dos seus primeiro e terceiro fundamentos as recorrentes contestam a análise da Comissão segundo a qual o comportamento controvertido produziu efeitos restritivos de concorrência na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE.
41 O segundo fundamento é relativo a violação dos direitos de defesa, na medida em que o critério jurídico utilizado pela Comissão na decisão impugnada a fim de apreciar os efeitos restritivos do comportamento controvertido é diferente do discutido no âmbito do procedimento administrativo.
1. Questões preliminares
a) Quanto à admissibilidade de alguns argumentos e de um documento
42 As recorrentes, nas peças escritas, bem como por requerimento separado de 24 de Julho de 2009, apresentou ao abrigo do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de processo, consideram que a Comissão, tanto na decisão impugnada como nos suas peças escritas, baseia‑se em argumentos e num documento sobre os quais não puderam fazer valer o seu ponto de vista ao longo do procedimento administrativo. Trata‑se, por um lado, dos argumentos relativos à existência de uma estratégia por parte da Morgan Stanley, baseada na aquisição, aos comerciantes, das transacções efectuadas com cartões por ela emitidos (a seguir «estratégia de aquisição das transacções ‘on‑us’») e, por outro, no anexo 57 da segunda carta de exposição dos factos, que contém uma apresentação da Morgan Stanley tendo em vista a audição.
43 No que diz respeito aos argumentos ligados à existência de uma estratégia de aquisição das transacções «on‑us», as recorrentes sustentam que os mesmos não foram adiantados pela Comissão ao longo do procedimento administrativo.
44 No que diz respeito ao anexo 57 da segunda carta de exposição dos factos, as recorrentes alegam, em substância, que não tiveram suficiente conhecimento deste, na medida em que nenhuma referência a esse anexo figurava no próprio corpo da referida carta.
45 A Comissão considera que tinha o direito, tanto na decisão impugnada como no quadro das suas peças escritas, de se basear nesses argumentos e nesse documento.
46 O Tribunal analisará a admissibilidade destes argumentos e deste documento por ocasião do exame dos diferentes fundamentos a que os mesmos se reportam.
b) Quanto à admissibilidade de um anexo da petição
47 A Comissão contesta a admissibilidade do anexo A5 da petição que inclui um relatório de peritagem colectivo (a seguir «relatório de peritagem colectivo»).
48 A Comissão afirma que as recorrentes alegam no relatório de peritagem colectivo argumentos que não figuram na petição e observa que isso é contrário à função meramente probatória e instrumental dos anexos.
49 Segundo as recorrentes, os fundamentos e argumentos em apoio dos quais o relatório de peritagem colectivo é apresentado são suficientemente desenvolvidos na petição e, por conseguinte, foram respeitadas as disposições do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo.
50 Por força do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve indicar o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos invocados. De acordo com jurisprudência assente, para que uma acção seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Ainda que o corpo da petição possa ser alicerçado e completado, em pontos específicos, através de remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outras peças escritas, mesmo anexadas à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições atrás recordadas, devem constar da petição. Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os fundamentos e argumentos que possa considerar como constitutivos do fundamento da acção, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (v. acórdão do Tribunal de 17 de Setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colect., p. II‑3601, n.° 94 e jurisprudência referida).
51 No caso vertente, verifica‑se, é certo, que os diferentes fundamentos e argumentos em apoio dos quais é feita referência ao relatório de peritagem colectivo são claramente identificáveis no corpo da própria petição. Deste modo, as recorrentes fazem referência a este documento ao criticarem a análise da Comissão segundo a qual a concorrência no mercado em causa teria podido ser intensificada, para negar a pertinência que os efeitos que, no passado, tiveram na concorrência a entrada de um estabelecimento financeiro no mercado em causa e para sustentar que foi sem razão que a Morgan Stanley foi descrita pela Comissão como um actor eficaz, importante e experiente.
52 Todavia, no caso em apreço, há que referir que o relatório de peritagem colectiva ultrapassa a função meramente probatória e instrumental atribuída aos anexos. A leitura deste demonstra que este vários documentos anexos à petição inicial e à réplica, a Microsoft invoca argumentação de natureza jurídica ou económica através da qual não se limita a alicerçar ou completar elementos de facto ou de direito expressamente invocados no corpo desses actos processuais, antes introduzindo novos argumentos.
53 Consequentemente, o anexo A5 da petição apenas será tido em conta pelo Tribunal na medida em que alicerce ou complemente fundamentos ou argumentos expressamente invocados pelas recorrentes no corpo das suas peças escritas e em que seja possível determinar com precisão quais os elementos nele contidos que alicerçam ou complementam os referidos fundamentos ou argumentos (v., neste sentido e por analogia, acórdão Microsoft/Comissão, referido no n.° 50, supra, n.° 99).
2. Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa das recorrentes
a) Argumentos das partes
54 As recorrentes censuram à Comissão o facto de ter modificado a sua análise ao longo do procedimento administrativo, sem que lhe tenha sido dada oportunidade de fazerem valer o seu ponto de vista, o que constitui violação dos seus direitos de defesa que deve acarretar a anulação da decisão impugnada. Nos n.os 198 a 200 da comunicação de acusações e nos n.os 5 a 9 da segunda carta de exposição dos factos, a Comissão justificou a existência de efeitos sensíveis na concorrência através do carácter limitado da concorrência no mercado da aquisição. Ora, no considerando 200 da decisão impugnada, a Comissão declarou, pela primeira vez, não considerar que a concorrência seja ineficaz nesse mercado. As recorrentes deduzem daí que a análise da Comissão assenta num critério enunciado pela primeira vez na decisão impugnada segundo o qual, apesar de o mercado da aquisição no Reino Unido conhecer uma concorrência eficaz, esta ainda poderia ser intensificada.
55 A Comissão considera que não houve violação do direito das recorrentes de serem ouvidas.
b) Apreciação do Tribunal Geral
56 Segundo a jurisprudência, a comunicação de acusações deve conter uma exposição das acusações redigidas em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir aos interessados tomarem efectivamente conhecimento dos comportamentos que lhes são censurados pela Comissão (acórdão do Tribunal de 14 de Maio de 1998, Mo Och Domsjö/Comissão, referido no n.° 156, supra, n.° 63). O respeito dos direitos de defesa num processo susceptível de conduzir a sanções como a que está em causa exige, com efeito, que tenha sida dada às empresas e às associações de empresas em causa a oportunidade de, desde a fase do procedimento administrativo, dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegados pela Comissão (acórdão do Tribunal Geral de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 553). Essa exigência é respeitada quando a decisão não impute aos interessados infracções diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas atenda a factos sobre os quais os interessados tenham tido ocasião para se explicar. Daí resulta que a Comissão só pode considerar as acusações relativamente às quais estes últimos tiveram ocasião de dar a conhecer o seu ponto de vista (acórdão do Tribunal Geral de 23 de Fevereiro de 1994, CB e Europay/Comissão, T‑39/92 e T‑40/92, Colect., p. II‑49, n.° 47).
57 Resulta igualmente de jurisprudência assente que a decisão não deve necessariamente ser uma cópia exacta da comunicação de acusações. A Comissão deve, com efeito, poder ter em conta, na sua decisão, respostas das empresas em causa à comunicação de acusações. A este propósito, deve poder não só aceitar ou rejeitar os argumentos das empresas em causa, mas também proceder à sua própria análise dos factos adiantados por estas, quer para abandonar acusações que se tenham revelado infundadas quer para organizar ou completar, tanto de facto como de direito, a sua argumentação em apoio das acusações que mantém. De igual modo, só se a decisão final imputar às empresas em causa infracções diferentes das visadas na comunicação de acusações ou atender a factos diferentes é que deverá ser declarada a violação dos direitos de defesa. Não é esse o caso quando as diferenças alegadas entre a comunicação de acusações e a decisão final não incidem sobre comportamentos diferentes daqueles sobre os quais as empresas em causa se tinham já explicado e que, portanto, são estranhas a qualquer nova acusação (v. acórdão do Tribunal de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 191 e jurisprudência referida).
58 Além disso, para alegarem uma violação dos direitos de defesa relativamente às acusações constantes da decisão recorrida, as empresas em causa não se podem limitar a invocar a mera existência de diferenças entre a comunicação de acusações e a decisão recorrida, sem exporem de forma precisa e concreta de que modo cada uma dessas diferenças constitui, no caso concreto, uma acusação nova sobre a qual não tiveram a oportunidade de ser ouvidas. Com efeito, segundo a jurisprudência, a violação dos direitos de defesa deve ser examinada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto, uma vez que depende essencialmente das acusações consideradas pela Comissão para demonstrar a infracção censurada às empresas em causa (v. acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, referido no n.° 57, supra, n.° 192 e jurisprudência referida).
59 Nos n.os 198 a 200 da comunicação de acusações, a Comissão baseou‑se em certas características do mercado, designadamente a sua importante concentração, para concluir que a concorrência era aí limitada, especialmente no que diz respeito à aquisição das transacções efectuadas junto dos comerciantes de pequena e média dimensões.
60 Nas suas observações de 3 de Dezembro de 2004, as recorrentes contestaram esta análise da Comissão referindo‑se, designadamente, à descida do preço das despesas imputadas aos comerciantes ou à facilidade que têm os comerciantes de mudar de adquirente. Foi em resposta a estas observações que a Comissão indicou, no considerando 200 da decisão impugnada, que a concorrência no mercado não era «ineficaz» e que ainda podia ser intensificada.
61 Observe‑se que a Comissão não enuncia no considerando 200 da decisão impugnada, uma acusação nova contra as recorrentes nem se baseia num elemento de facto novo. Limita‑se a completar a sua análise tomando em conta as observações das recorrentes, como está obrigada a fazer em aplicação da jurisprudência referida nos n.os 56 e 57, supra.
62 Deste modo, esta evolução na fundamentação da decisão impugnada em relação à que figurava inicialmente na comunicação de acusações, longe de constituir a manifestação de uma violação dos direitos de defesa das recorrentes, demonstra, pelo contrário, que estas tiveram oportunidade de fazer valer o seu ponto de vista sobre a acusação da Comissão de que, tendo em conta o nível de concorrência existente no mercado em causa, o comportamento controvertido tinha efeitos restritivos de concorrência.
63 A circunstância de que, na decisão impugnada, a Comissão se tenha baseado na possibilidade de intensificar a concorrência no mercado pertinentes não constitui, portanto, violação dos direitos de defesa das recorrentes.
64 O segundo fundamento deve ser julgado improcedente.
3. Quanto ao primeiro e terceiro fundamentos, em que se contesta o carácter restritivo de concorrência do comportamento controvertido
65 As recorrentes contestam a apreciação pela Comissão dos efeitos restritivos de concorrência do comportamento controvertido ao abrigo do artigo 81.°, n.° 1, CE. Através do seu primeiro fundamento, negam que o comportamento controvertido tenha tido por consequências fechar o mercado em causa à Morgan Stanley. No quadro do seu terceiro fundamento, dirigem as suas críticas contra a apreciação pela Comissão das incidências na concorrência que a presença da Morgan Stanley poderia ter tido no referido mercado.
66 Antes de analisar a procedência destes dois fundamentos, sublinhe‑se que as recorrentes não reiteram, no âmbito do presente recurso, os argumentos desenvolvidos ao longo do procedimento administrativo, segundo os quais a aplicação da Regra à Morgan Stanley se explicava pela qualidade de concorrente da Visa do sistema Discover, e deste modo não põem em causa as apreciações da Comissão contidas na decisão impugnada que negam o carácter objectivamente justificado do comportamento controvertido.
67 Resulta de jurisprudência constante que a apreciação de um acordo, de uma decisão de associação de empresas ou de uma prática concertada, ao abrigo do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, deve ter em conta o quadro concreto nos qual estes produzem os seus efeitos, designadamente o contexto económico e jurídico em que as empresas em causa operam, a natureza dos serviços visados, bem como as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado em causa, salvo se se tratar de um acordo com restrições manifestas à concorrência como a fixação dos preços, a repartição do mercado ou o controlo das vendas. Com efeito, neste último caso, só no quadro do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado é que essas restrições podem ser ponderadas face aos efeitos alegadamente favoráveis à concorrência, para efeitos de concessão de uma isenção da proibição constante do n.° 1 do mesmo artigo (v. acórdão do Tribunal Geral de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.° 136 e jurisprudência referida).
68 O exame das condições de concorrência assenta não só na concorrência actual das empresas já presentes no mercado em causa mas também na concorrência potencial, a fim de saber se, tendo em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico que rege o seu funcionamento, existem possibilidades reais e concretas de as empresas envolvidas competirem entre si, ou de um novo concorrente entrar no mercado em causa e competir com as empresas já estabelecidas (acórdão European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.° 137).
69 Além disso, se um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada deve ser considerado proibido em razão das alterações do jogo da concorrência que deles decorrem, é necessário examinar o jogo da concorrência no quadro real em que o mesmo se produziria se não existisse o acordo controvertido, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n.° 76 e jurisprudência referida).
70 No que diz respeito ao âmbito da fiscalização jurisdicional sobre as apreciações da Comissão, recorde‑se a jurisprudência assente segundo a qual, embora o juiz da União exerça de maneira geral uma fiscalização total sobre a questão de saber se as condições de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE estão ou não reunidas, a fiscalização que ele exerce sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão limita‑se necessariamente à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v. acórdão Deere/Comissão, referido no n.° 69, supra, n.° 34 e jurisprudência referida). No entanto, o reconhecimento à Comissão de uma margem de apreciação não implica que o juiz da União não deva fiscalizar a interpretação, pela Comissão, de dados de natureza económica. Com efeito, o juiz da União deve, designadamente, verificar não só a exactidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também verificar se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são susceptíveis de fundamentar as conclusões que deles são retiradas (v. acórdão Microsoft/Comissão, referido no n.° 50, supra, n.° 89 e jurisprudência referida).
71 É à luz destas considerações que há que examinar a procedência dos dois fundamentos invocados pelas recorrentes.
a) Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de tomada em consideração pela Comissão da possibilidade de a Morgan Stanley integrar o mercado em causa através de um acordo de fachada
Argumentos das partes
72 O presente fundamento é apresentado pelas recorrentes como sendo constituído por duas partes.
73 Numa primeira parte, as recorrentes sustentam que o raciocínio da Comissão está viciado por um erro de direito devido à aplicação de um critério jurídico errado na medida em que afastou a possibilidade de uma entrada da Morgan Stanley através de um acordo de fachada pelo facto de esse acordo, por um lado, não garantir na prática a um banco como a Morgan Stanley a eficácia exigida para integrar o mercado e, por outro, não constituir para a Morgan Stanley um substituto para a aquisição em nome próprio.
74 Através da segunda parte, as recorrentes alegam que as diferentes justificações adiantadas pela Comissão estão viciadas por erros de facto e de apreciação. Deste modo, em primeiro lugar, foi sem razão que a Comissão considerou que os acordos de fachada não são utilizados pelos grandes bancos internacionais.
75 Em segundo lugar, o argumento segundo o qual um acordo de fachada não teria permitido à Morgan Stanley prosseguir uma estratégia baseada na integração das actividades de aquisição e de emissão está errado. Por outro lado, este argumento, na medida em que tem por objecto uma estratégia de aquisição das transacções «on‑us», deve ser declarado inadmissível, na medida em que foi mencionado pela primeira vez na decisão impugnada e não foi levado ao conhecimento das recorrentes ao longo do procedimento administrativo.
76 Em terceiro lugar, foi sem razão que a Comissão concluiu que teria sido difícil para a Morgan Stanley encontrar um parceiro de fachada. A Comissão, em primeiro lugar, excluiu, sem razão os grandes bancos activos no mercado da aquisição, em segundo lugar, subestimou as possibilidades de encontrar um parceiro de fachada entre os membros da Visa que não estão activos no mercado da aquisição e, em terceiro lugar, ignorou a possibilidade de a Morgan Stanley concluir um acordo de fachada com um banco estrangeiro.
77 Em quarto lugar, é falso sublinhar que os acordos de fachada estão na origem de custos e de uma complexidade suplementares. As recorrentes alegam designadamente que o capítulo 2.10 do regulamento interno regional da Visa Europe, ao qual a Comissão se refere na decisão impugnada, não é aplicável aos acordos de fachada. Por outro lado, deve ter‑se em conta a circunstância de que os membros da Visa estão igualmente expostos a custos de angariação de clientela. Resulta do testemunho de um dos dirigentes de uma sociedade de tratamento que os acordos de fachada não são menos eficazes do que uma aquisição directa enquanto membro da Visa mas apresentam, pelo contrário, vantagens para o adquirente de facto. Por último, foi sem razão que a Comissão sublinhou a existência de «ineficácias suplementares» na celebração de um acordo de fachada pelo facto da Morgan Stanley ser igualmente membro da rede de pagamento através do cartão MasterCard (a seguir «sistema MasterCard»).
78 A Comissão considera improcedente este fundamento.
Apreciação do Tribunal Geral
79 O presente fundamento implica que se examine se, e em que circunstâncias, a Comissão deveria ter inferido da possibilidade de a Morgan Stanley concluir um acordo de fachada com um membro da Visa que o comportamento controvertido não tinha tido por efeito excluí‑la do mercado em causa.
80 A título preliminar, deve declarar‑se que as partes estão de acordo sobre a descrição dos acordos de fachada feita no considerando 110 da decisão impugnada nos termos seguintes:
«[O]s bancos cessaram as suas actividades de filiação de comerciantes e passam a actuar como uma simples interface (ou uma ‘fachada’) entre a Visa e a MasterCard, por um lado, e um terceiro prestador, por outro lado. É então que o terceiro prestador que assuma a responsabilidade por quase todos os elementos do serviço de aquisição e que suporta o risco relativo ao fluxo de rendimentos do comerciante. A fim de garantir o respeito das regras do sistema Visa, os contratos celebrados com comerciantes são geralmente contratos tripartidos assinados entre o comerciante, o terceiro prestador e o banco membro da rede. Estes acordos entre um banco membro da Visa/MasterCard e um terceiro prestador não bancário são por vezes chamados ‘acordos de fachada’.»
81 Como foi referido no n.° 67, supra, a apreciação de um acordo, de uma decisão de associação de empresas ou de uma prática concertada ao abrigo do artigo 81.°, n.° 1, CE deve ter em conta o quadro concreto nos qual estes produzem os seus efeitos, designadamente o contexto económico e jurídico em que as empresas em causa operam, a natureza dos serviços visados, bem como as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado em causa.
82 A circunstância de que as regras do sistema Visa reservem para os membros a aquisição das transacções efectuadas junto dos comerciantes constitui, é certo, um elemento do contexto económico e jurídico no qual o comportamento controvertido deve ser apreciado. No entanto, devem ter‑se igualmente em conta os outros elementos que determinam as possibilidades de acesso ao mercado em causa (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C‑234/89, Colect., p. I‑935, n.° 20).
83 A este propósito, a existência de uma possibilidade de os operadores que não têm a qualidade de membro da Visa de integrar o mercado em causa, graças à celebração de um acordo de fachada com um membro da Visa, é um elemento do contexto económico e jurídico que deveria ter sido, sendo caso disso, tido em conta para a eventualidade de ter constituído uma possibilidade real e concreta da Morgan Stanley entrar no mercado em causa e competir com as empresas já estabelecidas (v., neste sentido e por analogia, acórdão Delimitis, referido no n.° 82, supra, n.° 21).
84 A fim de averiguar se a celebração de um acordo de fachada com um membro da Visa constituía uma possibilidade real e concreta para a Morgan Stanley de entrar no mercado em causa e de competir com as empresas estabelecidas, há que atender às condições nas quais se cumpre o jogo da concorrência no mercado em causa.
85 Daí resulta necessariamente que uma possibilidade de integrar o mercado em causa, que, tendo em conta as referidas condições, seria irrealista ou puramente teórica, não pode ser tomada em consideração.
86 No quadro da primeira parte do fundamento, relativa à existência de um erro de direito por parte da Comissão, as recorrentes dirigem as suas críticas contra os termos utilizados pela Comissão no considerando 121 da decisão impugnada, que tem a seguinte redacção:
«[A]inda que os bancos que tencionam integrar o mercado da aquisição das transacções de pagamento através de cartões de crédito e de débito diferido junto dos comerciantes possam, teoricamente, fazê‑lo com base num acordo de fachada, esse acordo não garante, na prática, a um banco como a Morgan Stanley a eficácia exigida para integrar o mercado e não constitui para ela um substituto para a aquisição em nome próprio.»
87 Não é possível inferir deste simples considerando um erro de direito da Comissão devido à aplicação de um critério jurídico errado, uma vez que esse erro só pode ser detectado graças à análise das justificações em que se baseia a conclusão da Comissão, cuja procedência é contestada no âmbito da segunda parte do fundamento.
88 Consequentemente, as duas partes do presente fundamento serão examinadas conjuntamente.
89 Na decisão impugnada, a Comissão baseou‑se em quatro séries de justificações relativas, primeiramente, à circunstância de que os acordos de fachada não são utilizados pelos grandes bancos internacionais, em segundo lugar, à impossibilidade para a Morgan Stanley de prosseguir uma estratégia baseada na integração das actividades de aquisição e de emissão através de um acordo de fachada, em terceiro lugar, à dificuldade de a Morgan Stanley encontrar um parceiro de fachada e, em quarto lugar, à complexidade e aos custos suplementares ocasionados por este tipo de aquisição.
90 Basta, no caso vertente, examinar a procedência das justificações adiantadas pela Comissão quanto à dificuldade de a Morgan Stanley encontrar um parceiro de fachada.
91 Resulta dos exemplos de acordos de fachada que figuram na decisão impugnada, mas igualmente dos fornecidos pelas recorrentes, que esses acordos foram essencialmente celebrados com adquirentes de facto já presentes no mercado da aquisição – estabelecimentos financeiros ou sociedades de tratamento – e, por conseguinte, não tiveram por efeito permitir a entrada de um novo concorrente no mercado em causa mas antes o reforço da posição concorrencial dos que já estavam presentes nesse mercado.
92 Os únicos exemplos de entrada no mercado em causa de um novo concorrente através da celebração de um acordo de fachada referem‑se a sociedades de tratamento que dispõem de laços comerciais estreitos com o membro da Visa que exerce as funções de parceiro de fachada. Ora, há que reconhecer, que a situação da Morgan Stanley, devido à sua qualidade de estabelecimento financeiro e, por conseguinte, de concorrente dos membros da Visa em mercados diferentes do da aquisição, não se compara com a das sociedades de tratamento que não exercem nenhuma actividade bancária.
93 Nestas condições, a possibilidade alegada pelas recorrentes de que a Morgan Stanley, estabelecimento financeiro não presente no mercado em causa, possa encontrar um parceiro de fachada entre os grandes bancos eventualmente susceptíveis de deixar o mercado em causa, os membros da Visa que não são activos no referido mercado ou um banco estrangeiro membro da Visa que pretenda estabelecer uma presença bancária no Reino Unido, reveste carácter essencialmente teórico e especulativo.
94 Foi acertadamente que a Comissão considerou que teria sido difícil à Morgan Stanley encontrar um parceiro de fachada. Deve considerar‑se que esta conclusão justifica, só por si, que a Comissão afaste a hipótese de uma entrada da Morgan Stanley no mercado em causa através de um acordo de fachada.
95 Deve, além disso, sublinhar‑se que a procedência da conclusão da Comissão é reforçada pelo argumento de que uma aquisição no âmbito de um acordo de fachada é mais complexa e tem mais custos do que uma aquisição como membro da Visa.
96 Em primeiro lugar, no que diz respeito à maior complexidade que apresenta a aquisição no âmbito de um acordo de fachada, deve ter‑se em conta a afirmação que consta do considerando 117 da decisão impugnada segundo a qual os contrato celebrados com os comerciantes no quadro de um acordo de fachada são geralmente de natureza tripartida na medida em que incluem igualmente o parceiro de fachada. Há que concluir que as recorrentes, embora contestem o conteúdo preciso das obrigações do adquirente de facto no quadro deste tipo de contrato, não negam a natureza tripartida dos contratos em causa.
97 A Comissão considerou igualmente, no essencial, no considerando 118 da decisão impugnada, que o parceiro de fachada estava sujeito a obrigações em relação à Visa e que essas obrigações eram igualmente fonte de pressões para o adquirente de facto.
98 As recorrentes contestam o alcance destas obrigações sublinhando que o capítulo do Regulamento interno da Visa Europe no qual a Comissão se baseia não é aplicável aos adquirentes de facto.
99 Por um lado, observe‑se que as recorrentes não explicitaram as regras precisas que regem as obrigações respectivas do parceiro de fachada e do adquirente de facto, sendo o formulário fornecido em anexo à sua réplica insuficiente a este respeito.
100 Por outro lado, observe‑se que as recorrentes não contestam que o parceiro de fachada tem por função servir de interface entre a Visa e o adquirente de facto. Ora, é razoável deduzir deste papel de interface a existência de obrigações que impendem quer sobre o parceiro de fachada quer sobre o adquirente de facto, que não existem quando um membro da Visa intervém directamente no mercado da aquisição.
101 Por conseguinte, a Comissão pôde validamente concluir que a aquisição no quadro de um acordo de fachada era mais complexa do que uma aquisição enquanto membro da Visa, e isso sem que seja necessário averiguar da pertinência e da procedência da sua apreciação segundo a qual a celebração de um acordo de fachada está na origem «de ineficácias suplementares» em razão da qualidade da Morgan Stanley de membro do sistema MasterCard.
102 Em segundo lugar, no que diz respeito aos custos suplementares gerados por uma aquisição através de um acordo de fachada, a Comissão referiu‑se à circunstância de que o adquirente de facto não só devia remunerar o seu parceiro de fachada pela compra da sua carteira de aquisição, como também estava obrigado ao pagamento de taxas.
103 As recorrentes contestam esta análise atendendo a que um membro da Visa que intervenha directamente no mercado da aquisição está igualmente sujeito a despesas, designadamente de angariação de clientela. As taxas pagas pelo adquirente de facto ao seu parceiro de fachada são, deste modo, a contrapartida, designadamente, do envio de clientes feito pelo parceiro de fachada.
104 Esta argumentação não é susceptível de pôr em causa a procedência da análise da Comissão. Com efeito, embora uma parte das taxas pagas possa efectivamente corresponder a custos que teria, em qualquer hipótese, suportado um membro da Visa que interviesse directamente no mercado da aquisição, a Comissão podia, no entanto, razoavelmente considerar que os pagamentos efectuados ao parceiro de fachada remuneram igualmente os serviços de interface prestados e correspondem, pelo menos em parte, a custos que não suporta um membro da Visa que intervém directamente no mercado da aquisição.
105 Por conseguinte, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao sublinhar que uma aquisição através de um acordo de fachada era mais complexa e tinha mais custos do que uma aquisição enquanto membro da Visa.
106 Como foi sublinhado no n.° 84, supra, é tendo em conta as condições nas quais nas quais se cumpre o jogo da concorrência no mercado em causa que se devem examinar as incidências dessas considerações na hipótese alegada pelas recorrentes de uma possível entrada no referido mercado da Morgan Stanley através de um acordo de fachada.
107 Recorde‑se que a Comissão considerou que existiram dois factores favoráveis ao acesso de um novo operador ao mercado, isto é, a possibilidade de competir com base em variáveis diferentes do preço, designadamente a qualidade do serviço, e a existência, para os comerciantes de procedimentos simples e com poucos custos de mudança de adquirente.
108 No entanto, a Comissão, na decisão impugnada, constatou igualmente, sem ser desmentida pelas recorrentes sobre este ponto, que a estrutura do mercado em causa era caracterizada por um grau elevado de concentração. Deste modo, resulta dos considerandos 166 a 168 da decisão impugnada que, com base nas informações na posse da Comissão, em 2003, os dois adquirentes principais representavam 61% do mercado da aquisição e os quatro maiores adquirentes representavam 90% desse mesmo mercado, sendo o resto do mercado partilhado entre quatro adquirentes. A Comissão sublinhou igualmente, no considerando 169 da decisão impugnada, uma tendência para a consolidação deste mercado referindo‑se à circunstância de que vários adquirentes de dimensão média tinham cedido ou delegado as suas actividades de aquisição a um pequeno número de estabelecimentos financeiros e de sociedades de tratamento.
109 Do mesmo modo, foi salientado na decisão impugnada que a entrada mais recente no mercado em causa datava de 1996 e que nenhum dos estabelecimentos financeiros interrogados pela Comissão tencionava integrá‑lo.
110 Consequentemente, há que declarar que a estrutura do mercado da aquisição, apesar dos factores que a Comissão considerou serem favoráveis ao acesso de um recém‑chegado, torna pouco plausível a integração pela Morgan Stanley do mercado em causa através de um acordo de fachada que a lhe traria imediatamente desvantagens em relação aos seus principais concorrentes estabelecidos no referido mercado.
111 Atentas as considerações precedentes, há que reconhecer que a conclusão da Comissão que afasta a hipótese de uma entrada da Morgan Stanley através de um acordo de fachada está suficientemente justificada pelas considerações relativas à dificuldade em encontrar um parceiro de fachada e, por acréscimo, às relativas à complexidade e aos custos suplementares gerados pelos acordos de fachada. A Comissão não aplicou um critério jurídico errado, contrariamente ao que sustentam as recorrentes.
112 Nestas condições, não há que examinar as outras críticas relativas às justificações adiantadas pela Comissão relativas ao facto de os acordos de fachada não serem utilizados pelos grandes bancos internacionais e à impossibilidade de prosseguir uma estratégia baseada na integração das actividades de aquisição e de emissão. Portanto, não é necessário responder às alegações de inadmissibilidade das recorrentes relativas aos argumentos da Comissão que assentam na pretensa vontade da Morgan Stanley de prosseguir uma estratégia de aquisição das transacções «on‑us».
113 Há, assim, que julgar improcedente o primeiro fundamento.
b) Quanto ao terceiro fundamento, relativo às incidências na concorrência da presença da Morgan Stanley no mercado em causa
114 No âmbito deste fundamento, as recorrentes censuram à Comissão, primeiramente, o facto de ter aplicado um critério economicamente e juridicamente errado a fim de avaliar os efeitos do comportamento controvertido na concorrência, em segundo lugar, de ter subestimado o grau de concorrência existente no mercado em causa. Criticam, igualmente, a sua análise dos efeitos que poderia ter uma entrada da Morgan Stanley no mercado em causa.
Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à aplicação de um critério economicamente e juridicamente errado
– Argumentos das partes
115 As recorrentes censuram à Comissão o facto de ter cometido um erro de direito ao aplicar um critério economicamente e juridicamente errado, isto é, «a possibilidade de intensificar a concorrência» existente no mercado em causa, e ao mesmo tempo admitir o carácter eficaz de referida concorrência.
116 Recordam que a concorrência a que se refere o artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE e o artigo 81.° CE significa uma concorrência eficaz. Portanto, assegurar uma concorrência de um nível superior ao da eficácia não constitui um objectivo do Tratado e, ao sancionar a recusa de admitir a Morgan Stanley por este motivo, a Comissão aplicou um critério errado.
117 Fazendo referência ao relatório de peritagem colectivo, as recorrentes alegam que a concorrência é, pela sua própria natureza, um processo dinâmico que pode portanto ser sempre intensificado, independentemente do grau de eficácia. Deste modo, a tese da Comissão equivaleria a concluir que nunca pode haver concorrência eficaz num mercado.
118 No que diz respeito à alegação da Comissão, na sua resposta, segundo a qual o facto de impedir a entrada no mercado foi sempre considerado anticoncorrencial, as recorrentes sublinham, antes de mais, que essa alegação não é alicerçada por nenhum referência jurisprudencial. Consideram, seguidamente, que esta análise equivale a censurar às recorrentes o facto de que o comportamento controvertido teve por objecto restringir a concorrência, ao passo que a decisão impugnada se baseou nos efeitos da recusa de admissão da Morgan Stanley. Por último, as recorrentes fazem notar que essa análise está em total contradição com a jurisprudência na medida em que implica que pode haver restrição, independentemente do grau de concorrência no mercado em causa. Está igualmente em contradição com documentos publicados pela Comissão designadamente as suas Orientações relativas à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado [CE] (JO 2004, C 101, p. 97). Deste modo, resulta da nota de rodapé n.° 31 destas orientações que a posição da própria Comissão é que o artigo 81.° tem por objecto proteger a concorrência no mercado no interesse dos consumidores.
119 As recorrentes contestam o argumento apresentado na resposta segundo o qual a entrada de um novo concorrente poderia ter efeitos na concorrência em certos subsectores do mercado em causa, mais importantes do que os que a imagem global do mercado da aquisição poderia deixar prever. Este argumento figurava, é certo, na comunicação de acusações mas não foi retomado pela Comissão na decisão impugnada, por ter sido refutado pelas recorrentes.
120 A Comissão refuta as alegações das recorrentes.
– Apreciação do Tribunal Geral
121 As recorrentes baseiam, no essencial, a sua alegação na existência de um erro de direito relativo, por um lado, ao reconhecimento pela Comissão, no considerando 200 da decisão impugnada, da falta de carácter «ineficaz» da concorrência no mercado em causa e, por outro, à menção, nos considerandos 200 da decisão impugnada da possibilidade de uma «intensificação da concorrência» no mercado em causa. No que diz respeito à referência ao relatório de peritagem colectivo pelas recorrentes, esta apenas será tida em conta dentro dos limites mencionados no n.° 53, supra.
122 A fim de averiguar da procedência destes argumentos, há que atender a todos os desenvolvimentos constantes da decisão impugnada, dedicados à análise dos efeitos restritivos de concorrência do comportamento controvertido na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE.
123 Daí resulta que a Comissão se baseou em vários elementos relativos, por um lado, ao grau de concorrência actual existente no mercado em causa e, por outro, à concorrência potencial. No que diz respeito ao primeiro aspecto, como já foi recordado nos n.os 108 e 109, supra, a Comissão entendeu que estrutura do mercado em causa era caracterizada por um grau elevado de concentração e estava em vias de consolidação. No que diz respeito a concorrência potencial, a Comissão entendeu, no essencial, nos considerandos 169 a 174 da decisão impugnada, que esta era limitada unicamente aos grandes bancos ou às grandes sociedades de tratamento internacionais que podiam atingir a dimensão exigida para se converterem em concorrentes dos adquirentes actuais. Notou que a Morgan Stanley constituía o único novo operador potencial que manifestou intenção de integrar o referido mercado.
124 Impõe‑se reconhecer que tal análise não reveste o carácter juridicamente errado alegado pelas recorrentes.
125 Com efeito, por um lado, em aplicação da jurisprudência referida no n.° 68, supra, o exame das condições de concorrência num dado mercado assenta não só na concorrência actualmente que já existe entre as empresas já presentes no mercado em causa, mas também na concorrência potencial o que se refere ao carácter de concorrente potencial da KLM em Paris, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, o exame das condições de concorrência assenta não só na concorrência actual das empresas já presentes no mercado em causa mas também na concorrência potencial.
126 Por outro lado, resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 81.° CE se destina, à semelhança das outras regras de concorrência enunciadas no Tratado, a proteger não só os interesses directos dos concorrentes ou dos consumidores mas também a estrutura do mercado e, deste modo, a concorrência enquanto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, Colect., p. I‑4529, n.° 38, e de 6 de Outubro de 2009, GlaxoSmithKline serviços e o./Comissão, C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colect., p. I‑9291, n.° 63).
127 Por conseguinte, a Comissão, baseando a sua apreciação dos efeitos restritivos de concorrência do comportamento controvertido na concorrência potencial representada par Morgan Stanley e na estrutura do mercado em causa, seguiu uma interpretação correcta do artigo 81.°, n.° 1, CE e, por conseguinte, não cometeu o erro de direito alegado pelas recorrentes.
128 Além disso, no que diz respeito mais precisamente ao considerando 200 da decisão impugnada, como já foi sublinhado nos n.os 60 a 62, supra, esse considerando constitui somente o reconhecimento pela Comissão, em resposta aos argumentos apresentados pelas recorrentes ao longo do procedimento administrativo, da existência de um grau de concorrência entre os actores no mercado em causa.
129 No entanto, esse reconhecimento não impede que o comportamento controvertido tenha podido produzir os efeitos restritivos de concorrência considerados pela Comissão.
130 Em primeiro lugar, seguir a argumentação das recorrentes significaria condicionar a análise dos efeitos do comportamento controvertido na concorrência potencial ao exame do grau de concorrência existente actualmente no mercado em causa. Observe‑se que tal raciocínio está em contradição com a jurisprudência assente mencionada no n.° 68, supra, que impõe que o exame das condições de concorrência num mercado dado assente não na concorrência actual que existe entre as empresas já presentes no mercado em causa, mas também na concorrência potencial.
131 Em segundo lugar, tendo em conta as características do mercado em causa, a Comissão podia legitimamente considerar que a entrada de um novo actor teria permitido intensificar a concorrência existente num mercado caracterizado por um grau elevado de concentração. Por conseguinte, a utilização da expressão «possibilidade de intensificar a concorrência» nos considerandos 187 e 200 da decisão impugnada não reveste o carácter errado alegado pelas recorrentes.
132 Em face do exposto, há que julgar improcedente a primeira parte do fundamento.
Quanto à segunda parte do fundamento, relativa de uma análise errada do grau de concorrência existente no mercado em causa
– Argumentos das partes
133 As recorrentes entendem que a Comissão subestimou manifestamente a intensidade da concorrência existente efectivamente no mercado da aquisição. No essencial, as recorrentes, embora reconhecendo estar de acordo com a maior parte dos elementos que teve em conta, censuram à Comissão o facto de os ter apreciado incorrectamente e de deles ter extraído conclusões incoerentes. Uma análise correcta destes elementos deveria ter levado a Comissão a concluir que existia uma concorrência intensa no mercado da aquisição.
134 Em primeiro lugar, a Comissão concentrou‑se, erradamente, no número de actores no mercado em causa e na tendência deste para a consolidação, na medida em que tais indicadores não são, em si, determinantes para apreciar o nível de concorrência no mercado. Segundo as recorrentes, a Comissão deveria, pelo contrário, basear a sua análise nos indicadores de concorrência que são a possibilidade de entrar no mercado, a evolução das partes de mercado, a evolução das despesas pagas pelos comerciantes ao seu banco adquirente, a concorrência não baseada nos preços e as mudanças de adquirentes pelos comerciantes.
135 Em segundo lugar, censuram à Comissão o facto de não ter retirado as devidas conclusões das provas que as recorrentes lhe tinham apresentado.
136 Primeiramente, a título de exemplo, alegam que a Comissão considerou que a entrada no mercado de adquirentes de facto contribuiu para uma maior consolidação do mercado – na medida em que simplesmente substituíram o seu parceiro de fachada nesse mercado –, ao mesmo tempo que admitiram que estes novos actores podiam contribuir para melhorar os serviços de aquisição e para a redução dos seus custos. As recorrentes sublinham, a este propósito, que resulta da própria decisão impugnada que alguns adquirentes de facto se associaram a bancos sem actividade de emissão ou a bancos estrangeiros.
137 Em segundo lugar, a Comissão, embora reconhecendo que certas bancos estrangeiros integraram o mercado da aquisição no Reino Unido, afastou, de modo errado, esse fenómeno qualificando‑o de «nicho», quando resultava dos elementos de prova de que dispunha que a parte dos adquirentes transfronteiriços no montante total do volume aumentou em metade entre 2002 e 2004. Por outro lado, censuram à Comissão, no essencial, o facto de se ter limitado à análise da concorrência actual dos adquirentes transfronteiriços, e de, deste modo, ter omitido a concorrência potencial por eles representada.
138 Em terceiro lugar, as recorrentes observam que a Comissão admitiu que o mercado em causa se caracterizava por procedimentos simples e pouco dispendiosos de mudança de adquirente e sustentam que daí deveria ter concluído que essa facilidade de mudança conduzia a uma concorrência intensa entre as sociedades que já estão presentes no referido mercado.
139 Em terceiro lugar, as recorrentes censuram à Comissão o facto de se ter baseado na experiência da entrada mais recente de um banco no mercado em causa em 1996, sem se ter informado sobre o nível de concorrência existente nessa época. Ora, resulta do relatório de peritagem colectivo que a concorrência não era tão eficaz nesse momento, o que priva de qualquer pertinência essa experiência.
140 A Comissão contesta a procedência dos argumentos adiantados pelas recorrentes e pede que os memos sejam julgados improcedentes.
– Apreciação do Tribunal Geral
141 No essencial, as recorrentes consideram que a Comissão subestimou o grau de concorrência tanto actual como potencial existente no mercado em causa. Contestam igualmente a procedência da tomada em consideração pela Comissão dos efeitos na concorrência da entrada mais recente no mercado em causa em 1996.
142 No que diz respeito, em primeiro lugar, à concorrência actual no mercado em causa, sublinhe‑se que a Comissão pôde validamente basear a sua análise no número de actores presentes neste mercado e a tendência deste para a consolidação, dado que tais elementos ligados à estrutura do mercado em causa são, tendo em conta a jurisprudência referida no n.° 126, supra, especialmente pertinentes.
143 No que diz respeito mais precisamente aos efeitos na concorrência que possa ter tido a presença no mercado em causa de vários adquirentes de facto, a Comissão entendeu, no considerando 115 da decisão impugnada, que, na grande maioria dos casos, um adquirente de facto substituía um banco activo no mercado da aquisição. Sublinhou igualmente, no essencial, no considerando 169 da decisão impugnada, que a presença dos grandes bancos e das sociedades de tratamento actuando como adquirentes de facto contribuía para uma consolidação do mercado uma vez que tinham tendência para retomar a actividade de adquirentes de dimensão mais pequena, que queriam deixar este mercado.
144 Observe‑se que esta análise não se afigura manifestamente errada e que as críticas que lhe são apontadas pelas recorrentes não são convincentes. Deste modo, a circunstância de que os adquirentes de facto em questão possam contribuir para melhorar os serviços de aquisição e para a redução dos seus custos não está em contradição com a abordagem da Comissão baseada na estrutura do mercado em causa.
145 Quanto aos exemplos, dados pelas recorrentes, de adquirentes de facto que se associaram a bancos sem actividade de emissão ou a bancos estrangeiros, saliente‑se que estes acordos, em geral, não conduziram à entrada de um novo actor no mercado em causa mas ao reforço da posição de adquirentes já presentes no referido mercado.
146 No que diz respeito ao reconhecimento pela Comissão da existência de procedimentos simples e a baixo custo de mudança de adquirente, basta recordar, como foi sublinhado nos n.os 129 a 131, supra, que esta podia legitimamente admitir que existe concorrência entre os actores no mercado em causa e ao mesmo tempo concluir que a exclusão de um concorrente potencial teve efeitos restritivos na concorrência na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE.
147 No que diz respeito, em segundo lugar, à concorrência potencial no mercado em causa, recorde‑se que, nos considerandos 169 a 174 da decisão impugnada, a Comissão conclui, com base no grau elevado de concentração e na consolidação observada no mercado em causa, que a concorrência potencial apenas podia resultar de grandes bancos ou de grandes sociedades de tratamento internacionais que podem atingir a dimensão exigida para se tornarem concorrentes dos adquirentes actuais. A Comissão teve, designadamente, em conta o facto de que, para exercer actividades de aquisição e serem rentáveis, as empresas devem poder trabalhar com volumes substanciais e realizar importantes economias de escala. A este propósito, sublinhou que, em matéria de aquisição de transacções, é essencial que o volume de negócios, em termos de transacções adquiridas, seja elevado, uma vez que o capital que reverte para os adquirentes, isto é, as despesas imputadas aos comerciantes, é calculado sob forma de percentagem do valor das transacções efectuadas.
148 Baseando‑se numa lista fornecida pelas recorrentes ao longo do procedimento administrativo, a Comissão considerou que, para além da Morgan Stanley, nove estabelecimentos financeiros estabelecidos no Reino Unido podiam ser considerados concorrentes potenciais. Esta afirmação da Comissão não foi expressamente contestada pelas recorrentes.
149 Com efeito, as críticas das recorrentes dirigem‑se contra o facto de não ter sido tomada em consideração a concorrência potencial dos adquirentes transfronteiriços. A este propósito, sublinhe‑se que, apesar do número crescente de adquirentes transfronteiriços entre 2002 e 2004 a que as recorrentes se referem, resulta dos considerandos 65 a 68 da decisão impugnada, cuja veracidade não é contestada, que a filiação dos comerciantes pelos principais adquirentes transfronteiriços representava em 2004 apenas 0,3% da totalidade de comerciantes filiados. Tendo em conta este número, foi acertadamente que a Comissão considerou que as condições da concorrência entre os diferentes mercados nacionais de aquisição na Europe não eram suficientemente homogéneas para que a aquisição transfronteiriça pudesse exercer pressão concorrencial sobre os actores presentes no mercado em causa e que, portanto, a avaliação da concorrência potencial devia fazer‑se com base nos actores estabelecidos no mercado do Reino Unido.
150 Em terceiro lugar, no que diz respeito à crítica relativa à tomada em consideração pela Comissão da entrada mais recente de um banco no mercado pertinente em 1996, basta sublinhar que a abordagem da Comissão que consiste em analisar os efeitos na concorrência da mais recente entrada no mercado em causa na data de adopção da decisão impugnada não tem origem num raciocínio errado.
151 Por outro lado, resulta do considerando 181 da decisão impugnada que essa entrada tinha sido efectuada num contexto de descida dos preços, descida que a presença desse banco no referido mercado tinha contribuído para acelerar. Existe, portanto, uma inegável semelhança com a situação do mercado durante o período pertinente, igualmente caracterizada por uma descida dos preços facturados aos comerciantes. Portanto, esse exemplo demonstra que a circunstância de os preços descerem no mercado de referência, em razão da concorrência entre as empresas que aí estão actualmente presentes, nada retira aos efeitos na concorrência que poderia ter a presença de um novo actor nesse mercado. Tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, esse exemplo era especialmente pertinente.
152 Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte do fundamento.
Quanto à terceira parte do fundamento, relativa a uma análise insuficiente e errada dos efeitos na concorrência da recusa de admissão da Morgan Stanley
– Argumentos das partes
153 As recorrentes sustentam que a Comissão não cumpriu a sua obrigação de proceder a um exame comparativo entre, por um lado, a situação concorrencial no mercado em causa na ausência da Morgan Stanley e, por outro, qual teria sido essa situação se a Morgan Stanley tivesse sido admitida na Visa antes de Setembro de 2006.
154 No âmbito da primeira acusação, as recorrentes censuram à Comissão o facto de ter cometido um erro de direito por não aplicar os critérios que resultam do acórdão European Night Services e o./Comissão, n.° 67, supra, às possibilidades de entrada da Morgan Stanley, uma vez que se contentou com a intenção declarada da Morgan Stanley de integrar o mercado da aquisição no Reino Unido.
155 As recorrentes opõem a análise pela Comissão das possibilidades de entrada da Morgan Stanley no mercado da aquisição no Reino Unido à seguida, na decisão impugnada, em relação à entrada potencial do sistema Discover no mercado europeu dos sistemas de cartões de pagamento, para a qual a Comissão se referiu à falta de elementos, como o anúncio de um lançamento oficial, que possa demonstrar a aplicação de uma estratégia de entrada. Vêem nisso uma aplicação rigorosa dos critérios decorrentes do acórdão do Tribunal de 3 de Abril de 2003, BaByliss/Comissão (T‑114/02, Colect., p. II‑1279), referido na decisão impugnada. Censuram à Comissão o facto de ter ignorado estes mesmos critérios quando resolveu determinar se a Morgan Stanley era novo operador potencial no mercado da aquisição no Reino Unido.
156 O carácter teórico da análise da Comissão é igualmente incompatível com as suas orientações relativas às restrições verticais (JO 2000, C 291, p. 1).
157 No âmbito da segunda acusação, as recorrentes censuram à Comissão o facto de ter considerado como postulado que a Morgan Stanley, já enquanto membro da Visa, integrou o mercado da aquisição exclusivamente com base numa pretensa «intenção constante» de esta última que não assenta em nenhuma prova independente. Consideram que a Morgan Stanley não pediu para integrar a Visa com o intuito de pôr em prática uma estratégia especial que implicasse a aquisição, como sustenta a Comissão, mas que a Morgan Stanley apenas estava interessada na possibilidade de emitir cartões Visa. A este respeito, contestam a interpretação que faz a Comissão da denúncia da Morgan Stanley.
158 Alegam que a intenção declarada da Morgan Stanley de integrar o mercado da aquisição apareceu posteriormente à denúncia, num documento interno, uma vez que o plano estratégico de filiação de comerciantes na Europe data de Junho de 2002, e que este documento não tem força probatória. Sustentam igualmente que o segundo documento no qual a Comissão se baseia, o programa de implementação da Morgan Stanley, constitui um elemento do anexo 57 da segunda carta de exposição dos factos e deve, pelas razões mencionadas nos n.os 42 e 44, supra, ser declarado inadmissível. Em qualquer hipótese, não tem força probatória. Consideram igualmente que foi sem razão que a Comissão não teve em conta o facto de que a Morgan Stanley, posteriormente à sua adesão à Visa, não procurou integrar o mercado da aquisição, mas centrou‑se unicamente na emissão de cartões Visa que constituía, segundo as recorrentes, o seu verdadeiro objectivo.
159 No âmbito da sua terceira acusação, as recorrentes censuram à Comissão o facto de não ter examinado por si própria de maneira aprofundada os efeitos possíveis de uma entrada da Morgan Stanley na concorrência existente no mercado em causa. As conclusões da Comissão relativas às consequências positivas que teve na concorrência a entrada da Morgan Stanley constituem meras afirmações não fundamentadas.
160 Alegam designadamente que a Morgan Stanley não teria sido capaz, tendo em conta as características do mercado, de trazer um valor acrescentado à qualidade e aos preços dos serviços que já eram propostos nesse mercado. Contestam igualmente os diferentes elementos adiantados pela Comissão para qualificar a Morgan Stanley como «adquirente eficaz, importante e experiente». Em qualquer hipótese, mesmo supondo que seja o caso, isso em nada a diferenciaria dos adquirentes já presentes no mercado em causa. Nenhum dos elementos adiantados pela Comissão demonstra superioridade alguma da Morgan Stanley em relação aos adquirentes já presentes.
161 A Comissão conclui pela improcedência dessas acusações.
– Apreciação do Tribunal Geral
162 No que diz respeito à primeira acusação das recorrentes, relativa ao facto de a Comissão ter aplicado um critério jurídico errado a fim de apreciar a possibilidade de a Morgan Stanley entrar no mercado em causa, esta acusação equivale, no essencial, a contestar a demonstração pela Comissão da qualidade de concorrente potencial da Morgan Stanley.
163 Saliente‑se que as críticas das recorrentes se baseiam essencialmente na circunstância de que a Comissão se considerou satisfeita com a intenção declarada da Morgan Stanley de integrar o mercado em causa.
164 As recorrentes referem‑se igualmente à definição de um «fornecedor potencial» dada pela Comissão nas suas orientações relativas às restrições verticais. Recordam que delas resulta que uma possibilidade de entrada no mercado não é suficiente se esta for puramente e teórica e que a entrada no mercado deve poder fazer‑se no prazo de um ano.
165 Em primeiro lugar, deve observar‑se que a intenção da Morgan Stanley de integrar o mercado em causa não é o único elemento no qual se baseou a Comissão para concluir que a Morgan Stanley tinha a qualidade de concorrente potencial. Com efeito, resulta da decisão impugnada, designadamente dos seus considerandos 190 a 198, que a Comissão chegou a esta conclusão baseando‑se, no essencial, em duas séries de justificações, relativas, é certo, à intenção da Morgan Stanley de integrar o mercado em causa, mais igualmente à sua capacidade para o fazer. No que diz respeito a este segundo aspecto, considerou que a Morgan Stanley dispunha de uma longa experiência em matéria de filiação de comerciantes. Referiu‑se igualmente à experiência adquirida pela Morgan Stanley, enquanto membro do sistema MasterCard, das regras e procedimentos próprios de uma rede quadripartida. Foi nesta base que concluiu no considerando 198 o seguinte:
«[N]o contexto de concentração dos mercados de aquisição […], a Morgan Stanley figura entre os raros bancos internacionais de grande envergadura que podem ser considerados adquirentes potenciais sérios à escala europeia. Manifestou a sua intenção de integrar os mercados de aquisição do Reino Unido e de vários Estados‑Membros do EEE, bem como o seu interesse pela aquisição transfronteiriça, um domínio que lhe está igualmente interdito na falta de licença Visa.»
166 Em segundo lugar, no que diz respeito aos critérios jurídicos que devem ser aplicados para averiguar se a Morgan Stanley constituía um concorrente potencial no mercado em causa, decorre da jurisprudência referida nos n.os 68 e 69, supra, que a Comissão devia demonstrar que, no caso de Regra não lhe ser aplicada, teriam existido possibilidades reais e concretas de esta integrar o mercado da aquisição no Reino Unido e de competir com as empresas aí estabelecidas.
167 Resulta igualmente da jurisprudência que essa demonstração não deve repousar numa simples hipótese, antes devendo ser assentar em elementos de facto ou numa análise das estruturas do mercado pertinente (v., neste sentido, acórdão European Night Services e o./Comissão, referido no n.° 67, supra, n.os 142 a 145). Deste modo, uma empresa não pode ser qualificada como concorrente potencial se a sua entrada no mercado não corresponder a uma estratégia económica viável (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de 4 de Julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, Colect., p. II‑1931, n.os 123 a 125).
168 Daí decorre necessariamente que, embora a intenção de uma empresa de integrar um mercado seja eventualmente pertinente para averiguar se esta pode ser considerada um concorrente potencial no referido mercado, o elemento essencial no qual deve assentar essa qualificação é no entanto constituído pela sua capacidade para integrar o referido mercado.
169 Deve, a este respeito, recordar‑se que uma restrição da concorrência potencial, que pode ser apenas a existência de uma empresa exterior a esse mercado, não pode depender da intenção de esta empresa integrar a curto prazo o referido mercado. Com efeito, o simples facto da sua existência pode exercer pressão concorrencial sobre as empresas operam actualmente nesse mercado, pressão que é constituída pelo risco da entrada de um novo concorrente em caso de evolução da actividade do mercado.
170 Quanto à questão de saber se devem ter‑se igualmente em conta os critérios desenvolvidos pela Comissão nas suas orientações relativas restrições verticais, sublinhe‑se que, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, a referência pelas recorrentes à definição do «fornecedor potencial» que figura nessas orientações não é pertinente. Deve antes fazer‑se referência à definição, de resto equivalente, no essencial, de «concorrente potencial» que figura nas Orientações sobre a aplicação do artigo 81.° [CE] aos acordos de cooperação horizontal (JO 2001, C 3, p. 2, a seguir «orientações sobre os acordos de cooperação»).
171 Com efeito, na nota de rodapé n.° 9 das orientações sobre os acordos de cooperação precisa‑se que «[u]ma empresa é considerada um concorrente potencial se determinados indícios levam a pensar que na ausência de acordo essa empresa poderia e seria susceptível de realizar os investimentos suplementares ou outros custos de mudança necessários para poder entrar no mercado relevante, em reacção a um ligeiro e permanente aumento dos preços relativos». Além disso, «[e]sta apreciação deve basear‑se numa abordagem realista, não sendo suficiente a possibilidade puramente teórica de uma entrada no mercado». É igualmente referido que «a entrada no mercado deve realizar‑se suficientemente depressa de forma a que a ameaça constitua uma restrição ao comportamento dos participantes no mercado» e que, «[n]ormalmente, isto significa que a entrada deve ocorrer num [prazo curto]. A este respeito, a Comissão refere‑se a um prazo de um ano sublinhado que, «[e]m casos individuais podem ser tomados em consideração prazos mais longos. O prazo necessário às empresas já presentes no mercado para ajustarem as suas capacidades pode ser utilizado como referência para determinar este período».
172 Observe‑se que tal definição retoma e explicita os critérios que resultam da jurisprudência mencionada nos n.os 166 e 167, supra. Portanto, na medida em que não esteja em contradição com a jurisprudência pertinente, pode ser tomada em consideração para averiguar si foi acertadamente que a Comissão qualificou a Morgan Stanley como concorrente potencial.
173 Em terceiro lugar, no que diz respeito à aplicação destes critérios ao caso concreto, deve sublinhar que as recorrentes, como reconheceram expressamente na audiência, não contestam as apreciações da Comissão relativas à capacidade da Morgan Stanley de integrar o mercado em causa.
174 Deste modo, as críticas das recorrentes, na medida em que se baseiam essencialmente numa pretensa falta de intenção da Morgan Stanley de integrar o mercado em causa, são principalmente dirigidas contra apreciações que, pelas razões mencionadas nos n.os 166 a 169, supra, não podem constituir o elemento essencial que permite apreciar a procedência da qualificação de concorrente potencial da Morgan Stanley.
175 Em qualquer hipótese, não pode ser censurado à Comissão o facto de ter tido em conta a eventualidade de uma entrada da Morgan Stanley no mercado em causa se não tivesse existido o comportamento controvertido.
176 Deste modo, primeiramente, a crítica das recorrentes baseada na circunstância de que a Morgan Stanley não tomou nenhuma medida concreta para entrar no mercado não tem fundamento tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
177 Por um lado, na medida em que a qualidade de membro da Visa constituía uma condição prévia necessária à entrada no mercado da aquisição, não se podem extrair conclusões da falta de adopção de uma medida, como a aplicação de uma estratégia de entrada, pela Morgan Stanley antes da sua adesão à Visa em 22 de Setembro de 2006. Sobres este aspecto e sem que seja necessário averiguar se a Comissão ignorou os critérios utilizados no acórdão BaByliss/Comissão, n.° 155, supra, ao qual as recorrentes fazem referência, basta salientar que as circunstâncias do presente processo são diferentes das que deram origem a esse acórdão.
178 Por outro lado, no que diz respeito à circunstância de a Morgan Stanley nada ter feito para integrar o mercado da aquisição posteriormente à sua adesão, recorde‑se que esta foi‑lhe concedida mais de seis anos depois do pedido feito nesse sentido. Por conseguinte, não é possível inferir desse facto indicação alguma acerca de qual poderia ter sido o comportamento da Morgan Stanley na eventualidade de a qualidade de membro da Visa lhe ter sido reconhecida numa data anterior.
179 Em segundo lugar, embora seja verdade que a Morgan Stanley não se referiu expressamente ao mercado da aquisição na denúncia feita à Comissão em 12 de Abril de 2000, pelo menos dois documentos remetem para o mercado em causa.
180 Por um lado, foi expressamente sublinhado pela Morgan Stanley, no seu pedido apresentado na High Court of Justice em 27 de Setembro de 2000, que a aplicação da Regra tinha tido por efeito impedi‑la de integrar o mercado da aquisição no Reino Unido.
181 Por outro lado, a Morgan Stanley está na origem de um plano estratégico de filiação dos comerciantes, adoptado em Junho de 2002. É exacto que este foi fornecido às recorrentes apenas numa versão não confidencial ocultando numerosos aspectos. No entanto, resultam deste documento comunicado às recorrentes diferentes elementos relativos à análise do mercado da aquisição no Reino Unido e nos outros Estados membros do EEE. Do mesmo modo, permite antever o que poderia ter sido a estratégia de entrada da Morgan Stanley.
182 Quanto ao valor probatório que deve ser reconhecida a estes dois documentos, recorde‑se que o princípio que prevalece em direito da União é o da livre administração das provas e o único critério pertinente para apreciar as provas apresentadas reside na sua credibilidade (acórdão do Tribunal de 8 de Julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑44/00, Colect., p. II‑2223, n.° 84). Deste modo, para apreciar o valor probatório de um elemento de prova deve, antes de mais, verificar a verosimilhança da informação aí contida. Assim, é necessário ter em conta, designadamente, a origem do documento, as circunstâncias da sua elaboração, o seu destinatário e perguntar se, tendo em atenção o seu conteúdo, se afigura razoável e fidedigno (acórdãos do Tribunal Cimenteries CBR e o./Comissão, referido no n.° 56, supra, n.° 1838, e de 27 de Setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão, T‑44/02 OP, T‑54/02 OP e T‑56/02 OP, T‑60/02 OP e T‑61/02 OP, Colect., p. II‑3567, n.° 121).
183 É exacto que estes dois documentos têm origem na Morgan Stanley, foram adoptados ao longo do procedimento administrativo e que tais circunstâncias influenciam o seu valor probatório.
184 No entanto, como foi sublinhado no n.° 177, supra, e tendo em conta as circunstâncias do caso vertente, uma vez que a qualidade de membro da Visa constitui uma condição prévia necessária à entrada no mercado da aquisição, a Comissão não podia basear‑se em elementos que dispunha de um valor probatório mais importante como a aplicação de uma estratégia de entrada.
185 Além disso, a credibilidade destes elementos probatórios é reforçada pela circunstância, salientada pela Comissão, da existência de experiência da Morgan Stanley na filiação de comerciantes noutros mercados.
186 Consequentemente, a eventualidade de uma entrada da Morgan Stanley no mercado em causa não revestia um carácter puramente teórico mais constituía, pelo contrário, uma hipótese verosímil. Foi, pois, com razão que a Comissão pôde inferir das declarações da Morgan Stanley uma intenção de integrar o mercado em causa.
187 Na medida em que decorre do exposto que, por um lado, as apreciações da Comissão relativas à capacidade de a Morgan Stanley integrar o mercado em causa não são contestadas e, por outro lado, a hipótese de uma entrada da Morgan Stanley no mercado em causa não revestia um carácter puramente teórico, deve concluir‑se que a Comissão não cometeu nenhum erro de direito ao qualificar a Morgan Stanley como concorrente potencial. A primeira acusação é, portanto, improcedente.
188 Esta conclusão não é invalidada pela circunstância de a Comissão não ter fornecido uma estimativa do prazo que teria sido necessário à Morgan Stanley de integrar o mercado em causa, e isso em contradição aparente com a definição que figura nas orientações sobre os acordos de cooperação, que se referem ao prazo de um ano.
189 Com efeito, da leitura desta definição, reproduzida no n.° 171, supra, resulta que o factor essencial é a necessidade de que a entrada potencial se possa fazer com rapidez suficiente para pressionar os participantes no mercado, sendo o prazo de um ano apresentado a título meramente indicativo.
190 Ora, a Comissão entendeu, no considerando 186 da decisão impugnada que havia «factores favoráveis ao acesso de um novo operador», entre os quais figura a existência para os comerciantes de procedimentos simples e pouco dispendiosos de mudança de adquirente. Observe‑se que este elemento, de resto não contestado pelas recorrentes que o invocam em apoio da sua argumentação, associado aos elementos considerados pela Comissão para demonstrar a capacidade de a Morgan Stanley integrar o mercado em causa, referida nos considerandos 193 a 198 da decisão impugnada, entre os quais figura a sua longa experiência em matéria de filiação de comerciantes, é de molde a demonstrar que a entrada em questão poderia ter‑se feito com suficiente rapidez na acepção que a Comissão dá de um concorrente potencial nas orientações sobre os acordos de cooperação. Portanto, a análise da Comissão é conforme não só com a jurisprudência referida nos n.os 166 e 167, supra, mais também com os seus próprios critérios, conforme expostos nas orientações sobre os acordos de cooperação.
191 No que diz respeito à segunda acusação das recorrentes, segundo a qual a Comissão considerou, erradamente, que a Morgan Stanley entrou no mercado em causa, esta acusação improcede pelas razões explicitadas nos n.os 175 a 186, supra, sem que seja necessário interrogar‑se sobre a questão de saber se o programa de aplicação da Morgan Stanley que figura no anexo 57 da segunda carta de exposição dos factos constituía uma elemento probatório admissível.
192 A terceira acusação das recorrentes, relativa ao facto de a Comissão não ter examinado de maneira aprofundada os efeitos possíveis de uma entrada da Morgan Stanley no mercado em causa, também não pode prosperar.
193 Em primeiro lugar, deve sublinhar que, nesse contexto, as recorrentes reiteram os seus argumentos a fim de que a análise dos efeitos do comportamento controvertido na concorrência potencial dependa do exame do grau de concorrência actual existente no mercado. Ora, como já foi sublinhado no n.° 130, supra, esse raciocínio não pode ser seguido.
194 Em segundo lugar e em qualquer hipótese, observe‑se que a argumentação das recorrentes desenvolvida no âmbito da presente acusação assenta num postulado errado de facto, isto é, a existência de um grau elevado de concorrência no mercado em causa. Como foi sublinhado em resposta à primeira parte do presente fundamento, o facto de existir um grau de concorrência entre os actores actualmente presentes no mercado não se opõe às conclusões da Comissão relativas ao nível de concentração existente no mercado em causa.
195 Ora, no que diz respeito a um mercado que inclui um número muito pequeno de concorrentes, a Comissão podia legitimamente concluir que a entrada de um novo actor teria por consequência uma melhoria da situação concorrencial só por esse facto, e não tinha que demonstrar que o novo actor era de alguma forma superior aos actores já estabelecidos.
196 Por conseguinte, a discussão sobre as capacidades relativas da Morgan Stanley em relação aos actores presentes no mercado em causa é inoperante, uma vez que as recorrentes não contestam a sua capacidade para integrar o referido mercado. Assim, não há que analisar os argumentos das recorrentes destinados a contestar a experiência e as qualificações Morgan Stanley.
197 A terceira acusação deve ser julgada improcedente, pelo que improcede a fundamento na sua totalidade.
198 Tendo em conta as considerações expostas, os pedidos de anulação devem ser julgados improcedentes.
B – Quanto ao pedido de anulação ou de redução da coima
199 A título principal, as recorrentes consideram que a aplicação de uma coima está, no caso vertente, ferida de erros de direito e de apreciação e pedem a anulação da coima a que foram condenados. A título subsidiário, pedem ao Tribunal que reduza o montante da coima aplicada.
1. Quanto ao quarto fundamento, relativo à existência de erros de direito e de apreciação quanto à aplicação de uma coima
200 Este fundamento é composto por três partes, relativas, primeiramente, à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da segurança jurídica, e à falta de fundamentação, em segundo lugar, à violação da obrigação de adoptar a decisão impugnada num prazo razoável, e, em terceiro lugar, à falta de tomada em consideração da incerteza existente quanto ao carácter infractor do comportamento controvertido.
a) Quanto à primeira parte do fundamento, relativa a violação dos princípios da igualdade de tratamento e de segurança jurídica bem como a uma falta de fundamentação
Argumentos das partes
201 As recorrentes censuram à Comissão o facto de esta lhes ter aplicado uma coima apesar de a Regra ter sido notificada à Comissão em conformidade com Regulamento n.° 17. Sublinham, antes de mais, que a data escolhida pela Comissão como ponto de partida para o cálculo da coima não é a da entrada em vigor do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), mas a da recepção da comunicação de acusações. Deste modo, a própria Comissão admite a existência de expectativas legítimas em matéria de imunidade de coima até esta data. Observam, em seguida, que se trata do único processo no qual a Comissão aplicou uma coima por força do Regulamento n.° 1/2003 em relação a um acordo notificado.
202 Além disso, por várias vezes os funcionários encarregados do dossier deram a entender que o presente processo não constituía um caso ao qual seria aplicada uma coima.
203 As recorrentes comparam a coima que lhes foi aplicada com a posição adoptada pela Comissão em dois processos que consideram comparáveis, que põem em causa, respectivamente, a MasterCard (processo COMP/34.579, a seguir «processo MasterCard») e o Groupement des cartes bancaires (processo COMP/38.606, a seguir «processo GCB»). Alegam que a Comissão não aplicou uma coima porque as medidas em causa tinham sido notificadas em conformidade com o Regulamento n.° 17. No que diz respeito mais especialmente ao processo GCB, as recorrentes referem, no essencial, que esse processo era mais grave do que o presente processo, na medida em que, por um lado, a restrição da concorrência em questão era não só o efeito mas também o objecto e, por outro, porque a medida em causa tinha continuado a produzir efeitos até à adopção da decisão da Comissão.
204 As recorrentes negam a realidade das diferenças sublinhadas pela Comissão na sua resposta.
205 Em primeiro lugar, as recorrentes consideram sem qualquer pertinência que a diferença relativa ao facto de, no processo MasterCard, a comunicação de acusações não mencionar a possibilidade de uma coima. O que importa é a razão pela qual a Comissão adoptou no processo MasterCard uma posição diferente a partir da comunicação de acusações, segundo a qual não devia aplicar uma coima pela simples razão de que tinha havido uma notificação.
206 Em segundo lugar, as recorrentes contestam que o comportamento controvertido não tenha sido notificado. Antes de mais, observam que resulta da própria decisão impugnada, designadamente da sua nota de rodapé n.° 312, que a aplicação da Regra à Morgan Stanley foi notificada e que foi esta circunstância que justificou uma imunidade de coima até à comunicação de acusações. Seguidamente, sustentaram esta posição ao longo do procedimento administrativo, sem nunca terem sido desmentidas pela Comissão sobre este aspecto. Por último, em qualquer hipótese, as recorrentes recordam ter notificado em 1990 não só a própria Regra, mas também o facto de terem qualificado a Morgan Stanley de concorrente. Desde então, as diferentes versões do Regulamento interno da Visa notificadas à Comissão indicaram, todas elas, que a Morgan Stanley era considerada um concorrente da Visa. Além disso, a Comissão foi informada, a partir de Julho ou de Agosto de 2000, em resposta a um pedido de informações, das razões pelas quais a Morgan Stanley não preenchia as condições de adesão.
207 Em terceiro lugar, no que diz respeito à comparação com o processo GCB, as recorrentes sustentam que, dado que os efeitos da medida em causa continuaram a produzir‑se apesar da sua suspensão, esta não pode justificar a diferença de tratamento feita em detrimento das recorrentes. Além disso, observam que não houve suspensão da mesure controvertida no processo MasterCard e que nenhuma coima foi, portanto, aplicada.
208 As recorrentes deduzem do exposto que houve violação dos princípios quer da igualdade quer da segurança jurídica. Na medida em que a Comissão não deu nenhuma explicação sobre este ponto na decisão impugnada, sustentam que também foi violado o dever de fundamentação.
209 A Comissão refuta as alegações das recorrentes.
Apreciação do Tribunal Geral
210 No que diz respeito, em primeiro lugar, à acusação de violação do princípio da segurança jurídica, deve sublinhar‑se que, mesmo supondo que o comportamento controvertido, e não só a Regra, possa ser considerado como sido objecto de notificação, o raciocínio das recorrentes não pode prosperar.
211 Primeiramente, a possibilidade de a Comissão impor uma coima em relação a um acordo que foi objecto de uma notificação no âmbito do Regulamento n.° 17, decorre do artigo 34.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, que precisa que as notificações caducam a contar da data da sua aplicação. Daí resulta necessariamente que a imunidade de coima em relação aos acordos notificados por força do artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17 cessa com a entrada em vigor do Regulamento n.° 1/2003. Consequentemente, a Comissão pode, em qualquer hipótese, aplicar uma coima às recorrentes pelo facto de ter prosseguido o comportamento controvertido posteriormente à entrada em vigor do Regulamento n.° 1/2003. Ora, a Comissão respeitou esta obrigação, ao tomar como ponto de partida para a fixação da coima a data da comunicação de acusações, 2 de Agosto de 2004, posterior à da entrada em vigor do Regulamento n.° 1/2003, 1 de Maio de 2004.
212 Em segundo lugar, recorde‑se que a Comissão dispõe de margem de apreciação na fixação do montante das coimas, visto estas constituírem um instrumento da política de concorrência (acórdão do Tribunal de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T‑150/89, Colect., p. II‑1165, n.° 59). Esta margem de apreciação é necessariamente extensiva à oportunidade de aplicar ou não uma coima (acórdão do Tribunal de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T‑213/95 e T‑18/96, Colect., p. II‑1739, n.° 239).
213 Em terceiro lugar, no que diz respeito mais especialmente ao facto de a Comissão não ter, no passado, imposto coimas a restrições de concorrência por efeito, esse facto não a pode privar da possibilidade de impor uma coima, se tal for necessário para assegurar a aplicação da concorrência. Antes pelo contrário, a aplicação eficaz das regras de concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 169 e jurisprudência referida).
214 Por fim, em quarto lugar, deve sublinhar que as recorrentes foram informadas, desde a fase da comunicação de acusações, de que a Comissão tencionava aplicar uma coima.
215 Por conseguinte, ao infligir uma coima às recorrentes no presente processo, a Comissão não violou o princípio da segurança jurídica.
216 No que diz respeito, em segundo lugar, à acusação de uma pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento, as recorrentes sustentam, no essencial, que a Comissão deveria ter seguido em relação às recorrentes a mesma abordagem que foi seguida nos processos MasterCard e GCB.
217 É verdade que resulta de jurisprudência constante que o princípio geral da igualdade de tratamento e da não discriminação proíbe, por um lado, tratar de maneira diferente situações comparáveis e, por outro, tratar da mesma maneira situações diferentes, a não ser que razões objectivas justifiquem tal tratamento (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 2005, Bélgica/Comissão, C‑110/03, Colect., p. I‑2801, n.° 71 e jurisprudência referida).
218 No entanto, é no contexto específico de cada processo que a Comissão, no exercício do seu poder de apreciação, decide da oportunidade de aplicar uma coima para punir a infracção cometida e preservar a eficácia do direito da concorrência (acórdão SCK e FNK/Comissão, referido no n.° 212, supra, n.° 239).
219 De qualquer modo, supondo que a Comissão tenha errado ao não impor uma coima no caso dos processos MasterCard e GCB, a argumentação das recorrentes equivaleria a invocar em seu proveito uma ilegalidade cometida em favor de outrem, o que seria contrário ao princípio da legalidade (v. acórdão do Tribunal de 16 de Novembro de 2006, Peróxidos Orgánicos/Comissão, T‑120/04, Colect., p. II‑4441, n.° 77 e jurisprudência referida).
220 Consequentemente, há que julgar improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento.
221 No que diz respeito, em terceiro lugar, à acusação de violação do dever de fundamentação, resulta de jurisprudência assente que, quanto à fixação de coimas por violação do direito da concorrência, a Comissão cumpre o seu dever de fundamentação quando indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção cometida, sem ter de incluir uma descrição mais detalhada ou elementos numéricos relativos ao modo de cálculo da coima (v. acórdão do Tribunal de 8 de Outubro de 2008, SGL Carbon/Comissão, T‑68/04, Colect., p. II‑2511, n.° 31 e jurisprudência referida). É claro que esses elementos relativos à gravidade e à duração do comportamento censurado às recorrentes, se se referirem, em primeira linha, à determinação do montante da coima, podem permitir entender as razões pelas quais a Comissão considerou que era oportuno infligir uma coima. Deste modo, na medida em que a decisão impugnada inclui, nos seus considerandos 350 a 370, os elementos de apreciação exigidos, a presente acusação deve improceder.
222 Por último, em quarto lugar, no que diz respeito às referências feitas pelas recorrentes às pretensas declarações dos funcionários da Comissão, das peças escritas das recorrentes não resulta que sustentem que essas declarações fizeram nascer alguma confiança legítima na falta de aplicação de uma coima. Em qualquer hipótese, supondo que seja esse o sentido da sua argumentação, há que declarar que as condições para que as recorrentes possam invocar o princípio da protecção da sua confiança legítima não estão preenchidas.
223 Segundo jurisprudência assente, este princípio estende‑se a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração lhe criou expectativas fundadas, precisando‑se que ninguém pode invocar uma violação deste princípio na falta de garantias precisas, incondicionais e concordantes, que emanem de fontes autorizadas e fiáveis, que lhe tenham sido fornecidas pela administração (V. acórdão do Tribunal de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, n.° 152 e jurisprudência referida).
224 Ora, observe‑se que as declarações a que as recorrentes se referem não podem ser qualificadas de garantias precisas, incondicionais e concordantes, facto que as próprias recorrentes parecem admitir referindo‑se nas suas peças escritas a «declarações que deixam entender» que a Comissão não considerava este caso como um processo ao qual aplicaria uma coima.
225 Atentas as considerações expostas, há que julgar improcedente a segunda parte do fundamento.
b) Quanto à segunda parte do fundamento, relativa a violação da obrigação de adoptar a decisão impugnada num prazo razoável
Argumentos das partes
226 Segundo as recorrentes, o facto de o procedimento administrativo ter durado mais de sete anos é indesculpável e causou‑lhes um prejuízo considerável, susceptível de justificar a anulação da coima. Se esse atraso não tivesse existido, a Comissão teria adoptado a decisão impugnada na vigência do Regulamento n.° 17 e, por conseguinte, nenhuma coima teria sido imposta. Recordam que, em aplicação do artigo 15.°, n.° 6, do Regulamento n.° 17, só é possível aplicar uma coima em relação a um acordo notificado no caso de ter sido adoptada uma decisão oficial de retirada da imunidade. Ora, a Comissão não adoptou essa decisão, apesar do pedido expresso da Morgan Stanley nesse sentido.
227 Além disso, sublinham que a observância de um prazo razoável na condução dos procedimentos administrativos em matéria de política da concorrência constitui um princípio geral do direito, cuja violação pode justificar a anulação de uma decisão se tiver igualmente afectado a capacidade da empresa em causa de se defender.
228 Para averiguar se o procedimento foi anormalmente longo, deve atender‑se à totalidade do período de duração. A este respeito, as recorrentes recordam a cronologia do processo e sustentam que dela resulta que a Comissão acumulou os atrasos. Alegam, designadamente, que, durante os três anos que se seguiram à denúncia, a Comissão dirigiu‑lhes apenas pedidos de informações e que nenhum pedido de informações foi dirigido aos comerciantes.
229 A duração do presente procedimento administrativo ainda é mais repreensível atendendo a que a Morgan Stanley tinha, ela própria, pedido que a Comissão agisse com urgência e que um procedimento paralelo estava suspenso nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido, o que impunha que o presente processo fosse tratado com prioridade.
230 A Comissão nega que tenha havido atraso excessivo e injustificável da sua parte tendo em conta a complexidade do presente processo. Em todo o caso, o que importa é que a Comissão respeitou o prazo de prescrição previsto no artigo 25.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003.
Apreciação do Tribunal Geral
231 A observância de um prazo razoável na tramitação dos procedimentos administrativos em matéria de política da concorrência constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito é assegurado pelo juiz (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, Colect., p. I‑8725, n.° 35). Este princípio é retomado no artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000 em Nice (JO C 364, p. 1).
232 Recorde‑se que a violação deste princípio pode conduzir à anulação da decisão, desde que esta tenha afectado a capacidade das empresas em causa de defenderem a sua posição e, portanto, tenha prejudicado os seus direitos de defesa (v., neste sentido, acórdão Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, referido no n.° 231, supra, n.os 42 e 43).
233 No entanto, no caso vertente, as recorrentes não sustentam que a duração do procedimento administrativo tenha prejudicado os seus direitos de defesa.
234 Nestas condições, impõe‑se recordar a reiterada jurisprudência sobre o Regulamento (CEE) n.° 2988/74 do Conselho, de 26 de Novembro de 1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41), aplicável às coimas impostas no âmbito da aplicação do Regulamento n.° 17. Em conformidade com essa jurisprudência, quando exista regulamentação completa que regule de forma pormenorizada os prazos dentro dos quais a Comissão pode, sem pôr em causa a exigência fundamental de segurança jurídica, para aplicar coimas às empresas que são objecto de procedimentos de aplicação das regras de concorrência, qualquer consideração ligada à obrigação da Comissão de exercer o seu poder de aplicar coimas num prazo razoável deve ser afastada (v. acórdão do Tribunal de 1 de Julho de 2008, Compagnie maritime belge/Comissão, T‑276/04, Colect., p. II‑1277, n.° 41 e jurisprudência referida).
235 Os prazos de prescrição fixados no Regulamento n.° 1/2003 figuram no seu artigo 25.°, que retoma as disposições pertinentes do Regulamento n.° 2988/74 com base nas quais foi estabelecida a jurisprudência referida no n.° 234, supra.
236 Deste modo, o artigo 25.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1/2003 prevê que o poder da Comissão de aplicar coimas está sujeito a um prazo de prescrição de cinco anos. Por força do artigo 25.°, n.° 2, do Regulamento, o prazo de prescrição começa a correr a contar do dia em que a infracção foi cometida ou, no que se refere às infracções continuadas ou repetidas, a contar do dia em que a infracção tiver cessado. Todavia, a prescrição pode ser interrompida ou suspensa em aplicação do artigo 25.°, n.os 3, 4 e 6. Por força do artigo 25.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003, a prescrição começa a correr novamente a partir de cada interrupção. Porém, a prescrição considera‑se atingida o mais tardar no dia em que fique cumprido um prazo igual ao dobro do da prescrição sem que a Comissão tenha imposto uma coima ou uma sanção pecuniária compulsiva.
237 Consequentemente, a jurisprudência relativa ao Regulamento n.° 2988/74 é igualmente aplicável no que diz respeito às coimas impostas no âmbito da aplicação do Regulamento n.° 1/2003.
238 No caso vertente, a infracção em causa é de natureza continuada e cessou na data da admissão da Morgan Stanley na Visa em 22 de Setembro de 2006. O período compreendido entre a cessação da infracção e a decisão impugnada que aplica a coima é portanto de duração muito inferior aos prazos de prescrição previstos no artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003.
239 Por conseguinte, é improcedente a segunda parte do fundamento.
c) Quanto à terceira parte do fundamento, relativa à falta de tomada em consideração da incerteza existente quanto ao carácter infractor do carácter infractor do comportamento controvertido
Argumentos das partes
240 As recorrentes censuram à Comissão o facto de não ter respeitado as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações de 1998»), aplicáveis no caso vertente. Recordam que estas prevêem que a existência de «dúvidas razoáveis da empresa sobre o carácter de infracção do comportamento restritivo» constitui uma circunstância atenuante que justifica a redução do montante de base da coima. No essencial, alegam, fazendo referência à abordagem seguida no processo COMP/38.096 (a seguir «processo Clearstream»), que, caso exista verdadeira insegurança jurídica quanto à questão de saber se o comportamento controvertido é constitutivo de infracção, a Comissão não deve impor nenhuma coima. A complexidade do presente processo, admitida pela própria Comissão deveria tê‑la levado a seguir uma abordagem idêntica no caso vertente.
241 Com efeito, em primeiro lugar, não há prática decisória da Comissão nem jurisprudência comunitária relativa à questão em causa no presente processo, o único precedente é um acórdão de um tribunal dos Estados Unidos. Por conseguinte, para averiguar se podiam legitimamente recusar o pedido de adesão da Morgan Stanley e, se for caso disso, em que condições, as recorrentes deviam interpretar por analogia a jurisprudência comunitária existente. O intenso debate que opôs as recorrentes à Comissão quanto à aplicabilidade do artigo 81.°, n.os 1 e 3, CE comprova essa dificuldade.
242 Em segundo lugar, as recorrentes sublinham, no essencial, que a circunstância de o presente processo ter por objecto uma restrição da concorrência por efeito provoca maior complexidade e, por conseguinte, uma incerteza jurídica suplementar. A própria Comissão deve ter sentido dificuldades face à novidade e à complexidade do processo. A este respeito, recordam a argumentação que desenvolveram no âmbito dos pedidos de anulação, segundo a qual a Comissão alterou a sua apreciação da concorrência existente no mercado em causa. Observam igualmente que só na fase da segunda carta de exposição dos factos é que a Comissão abordou a questão da possibilidade de a Morgan Stanley integrar o mercado em causa através de um acordo de fachada.
243 Sem negar a existência de um poder de princípio de aplicar uma coima a um comportamento que constitui uma restrição de concorrência por efeito, as recorrentes recordam que, no entanto, a Comissão nunca aplicou uma coima num processo no qual nenhum objecto anticoncorrencial tivesse sido declarado.
244 Em terceiro lugar, os funcionários da Comissão afirmaram às recorrentes que o importante era não tanto a aplicação da Regra à Morgan Stanley mas a própria Regra na medida em que esta não é suficientemente transparente nem objectiva. Portanto, existiu uma incerteza real quanto à natureza da acusação em causa.
245 A Comissão nega que as recorrentes tenham tido motivos reais e sólidos para acreditar que a sua recusa de admitir a Morgan Stanley não constituía uma infracção ao direito comunitário.
Apreciação do Tribunal Geral
246 Ora, resulta de jurisprudência assente que a Comissão não se pode afastar das regras que impôs a si própria (v. acórdão do Tribunal de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T‑7/89, Colect., p. II‑1711, n.° 53 e jurisprudência referida). Em especial, quando a Comissão adopta orientações destinadas a precisar, respeitando o tratado, os critérios que tenciona aplicar no exercício do seu poder de apreciação, daí resulta uma auto‑limitação desse poder, na medida em que tem de cumprir as regras indicativas que impôs a si própria (acórdãos do Tribunal de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, Colect., p. II‑2169, n.° 57; de 9 de Julho de 2003, Vlaams Gewest/Comissão, T‑214/95, Colect., p. II‑717, n.° 89, e acórdão ADM I, referido no n.° 83, supra, n.° 267).
247 Resulta dos considerandos 350 a 370 da decisão impugnada que a Comissão aplicou o método exposto nas orientações de 1998 para calcular o montante da coima aplicada às recorrentes.
248 O ponto 3 das orientações de 1998 prevê a modulação do montante de base da coima em função de certas circunstâncias atenuantes, entre as quais figura a existência de dúvidas razoáveis da empresa acerca do carácter infractor do comportamento em causa.
249 No caso vertente, as recorrentes consideram que a incerteza que existe quanto ao carácter infractor do comportamento controvertido era tal que a aplicação das orientações de 1998 deveria ter conduzido a Comissão a não aplicar nenhuma coima.
250 A fim de averiguar se a Comissão era obrigada a conceder às recorrentes o benefício da circunstância atenuante relativa à existência de dúvidas razoáveis, ou mesmo, se for caso disso, como pedem as recorrentes no âmbito do presente fundamento, de não impor nenhuma coima, deve averiguar‑se se estas últimas deveriam razoavelmente ter tido consciência de que estavam a infringir o artigo 81.° CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de 14 de Dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, Colect., p. II‑5169, n.° 503).
251 Declare‑se que a coima não foi aplicada com base na totalidade do período infractor, mas apenas a contar da data da comunicação de acusações.
252 Ora, neste documento, a Comissão formulou objecções em relação ao comportamento controvertido explicando as razões pelas quais considerava que o mesmo infringia o artigo 81.° CE. Portanto, a contar desta data, as recorrentes deixaram de poder sustentar que não tinham consciência de que estavam a infringir o artigo 81.° CE (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de 17 de Dezembro de 2003, British Airways/Comissão, T‑219/99, Colect., p. II‑5917, n.° 314).
253 A este respeito, existe uma diferença importante em relação ao processo Clearstream, evocado pelas recorrentes, no qual os comportamentos controvertidos tinham cessado mesmo antes da adopção da comunicação de acusações.
254 Consequentemente, os argumentos das recorrentes, relativos a uma pretensa falta de prática decisória anterior ou à complexidade do processo são inoperantes na medida em que apenas podem demonstrar, em qualquer caso, a existência de dúvidas razoáveis anteriormente à comunicação de acusações, isto é, em relação a um período que não foi tomado em consideração no cálculo do montante da coima.
255 Por fim, é irrelevante a circunstância de que alguns argumentos mencionados pela Comissão na decisão impugnada não figuravam na comunicação de acusações, como o carácter ineficaz de um acesso ao mercado em causa através de um acordo de fachada. Com efeito, as informações contidas na comunicação de acusações eram, em si mesmas, suficientes para que as recorrentes já não possam ter dúvidas razoáveis sobre o carácter infractor do comportamento controvertido.
256 Há, pois, que julgar improcedente a segunda parte e, portanto, o fundamento na sua integralidade.
2. Quanto ao quinto fundamento, relativo à existência de erros de direito e de apreciação quanto ao cálculo do montante da coima aplicada
257 No quadro deste fundamento, as recorrentes contestam as apreciações da Comissão relativas, em primeiro lugar, à determinação do montante de partida da coima, em segundo lugar, à falta de tomada em consideração de circunstâncias atenuantes e, em terceiro lugar, à duração da infracção.
a) Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à determinação do montante de partida da coima
258 As recorrentes contestam, a título principal, a qualificação da infracção de «grave» e, a título subsidiário, a escolha de um montante de partida de 8,5 milhões de euros.
Quanto à natureza da infracção
– Argumentos das partes
259 Segundo as recorrentes, a infracção que lhes é censurada deveria, tendo em conta as orientações de 1998, ter sido qualificada de «pouco grave». Mesmo supondo que tenha tido efeito no mercado, esse efeito não teve o impacto económico que a Comissão lhe atribui, uma vez que a infracção disse respeito a um único operador, num mercado muito específico e num único Estado‑Membro.
260 Alegam que, se um impacto potencial é suficiente para declarar a existência de uma infracção ao artigo 81.° CE, no que diz respeito ao cálculo do montante da coima, a Comissão deveria demonstrar, através de provas, a existência de um impacto real no mercado. No caso vertente, a Comissão reconhece que não quantificou o impacto real e admite que se limitou a deduzi‑lo das constatações relativas à infracção.
261 A Comissão considera que não cometeu nenhum erro quanto à qualificação da infracção.
– Apreciação do Tribunal Geral
262 Na decisão impugnada, a Comissão baseou em vários elementos a qualificação da infracção em causa como «grave».
263 Antes de mais, recordou, nos considerandos 358 e 359 da decisão impugnada que a Morgan Stanley tinha sido impedida de propor serviços de aquisição pelos cartões de crédito e de débito diferido em geral, e não exclusivamente para os cartões Visa.
264 A Comissão considerou em seguida que a infracção tinha tido impacto efectivo na concorrência. Embora reconhecendo, no considerando 357 da decisão impugnada, que não era possível esse impacto com precisão, a Comissão deduziu da do facto de ter sido posto em prática o comportamento controvertido que era razoável «considerar provável que a infracção [tinha] tido um grande impacto no mercado». No considerando 360 da decisão impugnada, a Comissão remeteu igualmente para os diferentes elementos os quais se baseou para declarar a infracção.
265 Por fim, fez referência, no considerando 362 da decisão impugnada, à circunstância de que a restrição tinha afectado o Reino Unido, que constitui um mercado fundamental para os cartões de pagamento.
266 Recorde‑se que, em conformidade com jurisprudência assente, a gravidade de uma infracção é determinada tendo em conta vários elementos, como as circunstâncias específicas do processo o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e relativamente aos quais a Comissão dispõe de uma margem de apreciação (acórdão do Tribunal de 8 de Outubro de 2008, Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, T‑69/04, Colect., p. II‑2567, n.° 153 e jurisprudência referida).
267 Como já foi sublinhado no n.° 247, supra, a Comissão aplicou o método exposto nas orientações de 1998 para calcular o montante da coima aplicada às recorrentes.
268 Quanto ao ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações de 1998, a avaliação da gravidade da infracção deve ter em conta a natureza própria da infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este pode ser medido, e o âmbito do mercado geográfico em causa.
269 Decorre da descrição das infracções pouco graves e graves contida nas orientações de 1998 que estas se diferenciam essencialmente pelo seu impacto na concorrência e o âmbito geográfico dos seus efeitos. Com efeito, as infracções graves são descritas como «frequentemente [...] restrições horizontais ou verticais da mesma natureza que no caso [das infracções pouco graves], mas cuja aplicação é mais rigorosa, sendo maior o seu impacto no mercado e susceptíveis de produzirem efeitos em amplas zonas do mercado comum». As infracções «pouco graves» são descritas como tendo um «impacto no mercado […] limitado, afectando […] apenas uma parte substancial mas relativamente reduzida do mercado comunitário».
270 Em primeiro lugar, quanto ao impacto da infracção no mercado, as recorrentes censuram à Comissão o facto de não ter demonstrado a sua realidade. Alegam igualmente que, em qualquer caso, esse impacto só podia ser limitado.
271 Segundo jurisprudência assente, para apreciar o impacto concreto de uma infracção no mercado, cabe à Comissão fazer referência ao jogo da concorrência que teria normalmente existido se a infracção não se tivesse verificado (v. acórdão do Tribunal de 8 de Outubro de 2008, Carbone‑Lorraine/Comissão, T‑73/04, Colect., p. II‑2661, n.° 83 e jurisprudência referida).
272 No considerando 357 da decisão impugnada, a Comissão sublinhou o seguinte:
«Ainda que não seja possível medir com precisão o impacto efectivo no mercado, a decisão que exclui a Morgan Stanley foi posta em prática e é, portanto, razoável dar como provável que a infracção teve um grande impacto.»
273 É certo que o estabelecimento automático de um nexo de causalidade entre a implementação de um comportamento anticoncorrencial e a existência de um impacto procede de um raciocínio errado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de 12 de Setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, T‑30/05, não publicado na Colectânea, n.os 109 e 110).
274 No entanto, resulta dos considerandos 358 a 360 da decisão impugnada que a Comissão se baseia igualmente a este respeito em duas outras séries de considerações, relativas, por um lado, ao facto de o comportamento controvertido ter tido o efeito de impedir a Morgan Stanley de propor serviços de aquisição para todos os cartões e não apenas os cartões Visa e, por outro lado, aos efeitos positivos que poderia ter tido a presença da Morgan Stanley no mercado em causa.
275 Ora, primeiramente, as recorrentes não contestam que o comportamento controvertido teve por efeito impedir a Morgan Stanley de propor serviços de aquisição para todos os cartões e não unicamente para os cartões Visa.
276 Em segundo lugar, foi considerado, no âmbito do exame dos pedidos de anulação que as apreciações da Comissão relativas aos efeitos restritivos de concorrência do comportamento controvertido, isto é, o grau de concorrência actual e potencial, a qualidade de concorrente potencial da Morgan Stanley e a sua intenção de integrar o mercado em causa, não estão feridas de ilegalidade.
277 A este respeito, recorde‑se que a Comissão sublinhou, no considerando 174 da decisão impugnada, que tinha interrogado todos os estabelecimentos financeiros identificados como sendo concorrentes potenciais sobre a questão de saber se tinham equacionado a sua entrada no mercado em causa e daí concluiu que a Morgan Stanley constituía o único concorrente potencial que exprimiu a sua intenção de integrar o referido mercado.
278 Consequentemente, ao concluir com base nestes elementos que o comportamento controvertido tinha tido um impacto importante no mercado, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação.
279 Em segundo lugar, no que diz respeito ao exame pela Comissão do alcance geográfico dos efeitos do comportamento controvertido, as recorrentes consideram que, na medida em que apenas o mercado do Reino Unido foi afectado pelo comportamento controvertido, a Comissão deveria ter privilegiado a qualificação como infracção «pouco grave».
280 No que se refere à segunda parte da argumentação, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, um mercado geográfico de dimensão nacional corresponde a uma parte substancial do mercado comum (v. acórdão do Tribunal de 27 de Julho de 2005, Brasserie nationale e o./Comissão, T‑49/02 a T‑51/02, Colect., p. II‑3033, n.° 176 e jurisprudência referida).
281 No considerando 362 da decisão impugnada, a Comissão fez referência à circunstância de «o Reino Unido constituir um mercado fundamental para os cartões de pagamento». Ora, vista a importância económica deste mercado, que não é, além disso, contestada pelas recorrentes, a Comissão tinha razão em considerar que o mercado em causa se assemelhava a «zonas amplas do mercado comum» na acepção das orientações de 1998.
282 Tendo em conta o exposto, há que julgar improcedentes as acusações das recorrentes relativas à natureza da infracção.
Quanto ao montante de partida da coima
– Argumentos das partes
283 Segundo as recorrentes, o montante de partida de 8,5 milhões de euros fixado pela Comissão é desproporcionado e está ferido de falta de fundamentação. Deste modo, a Comissão deveria ter determinado um montante de partida situado na parte inferior da escala prevista para as infracções graves pelas orientações de 1998, visto o impacto da infracção, dado que está em causa uma restrição da concorrência por efeito, bem como a sua prática em matéria de fixação de coimas. Recordam que, embora a Comissão se possa afastar da sua prática anterior em matéria de fixação das coimas, deve aplicar as orientações de 1998 e indicar os motivos objectivamente justificáveis que fundamentem o valor fixado.
284 Na réplica, as recorrentes sustentam que o facto de a Comissão ter aplicado montantes de partida equivalentes em várias decisões anteriores demonstra o carácter desproporcionado do montante de partida no presente processo, uma vez que os comportamentos visados por estas decisões constituíam infracções muito mais graves ao direito da concorrência.
285 A Comissão considera que o montante de partida não é desproporcionado e que a decisão está suficientemente fundamentada.
– Apreciação do Tribunal Geral
286 Em primeiro lugar, a acusação relativa a falta de fundamentação na medida em que a Comissão não indicou as razões pelas quais fixou o montante de partida da coima aplicada às recorrentes em 8,5 milhões de euros, deve ser julgada improcedente.
287 É certo que a decisão impugnada não contém justificações explícitas sobre a determinação do montante de partida, uma vez que a Comissão se limitou a remeter, no considerando 353 da decisão impugnada, para as razões que a levaram a qualificar a infracção de grave.
288 No entanto, observe‑se que a Comissão não era obrigada a fornecer uma explicação sobre este aspecto. Com efeito, como já foi sublinhado no n.° 221, supra, resulta de jurisprudência assente que, no que diz respeito à fixação de coimas por violações do direito da concorrência, a Comissão respeita a sua obrigação de fundamentação quando indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção cometida, não lhe sendo exigido que inclua na decisão uma exposição mais detalhada.
289 Consequentemente, a Comissão não era obrigada a explicar as razões pelas quais fixou precisamente o montante de partida da coima à 8,5 milhões de euros. Portanto, a decisão impugnada não está, a este respeito, ferida de falta de fundamentação.
290 No que diz respeito, em segundo lugar, ao carácter pretensamente desproporcionado deste montante, recorde‑se que as orientações de 1998 prevêem um montante de partida para as infracções qualificadas de «graves», compreendido entre 1 e 20 milhões de euros.
291 O ponto 1 A, terceiro, quarto e quinto parágrafos, das orientações de 1998 precisa o seguinte:
«No interior de cada uma destas categorias, e nomeadamente no âmbito das categorias infracções graves e muito graves, a escala das sanções permitirá diferenciar o tratamento a aplicar às empresas em função da natureza das infracções cometidas.
Será, por outro lado, necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e determinar um montante que assegure que a coima apresenta um carácter suficientemente dissuasivo.
De uma forma geral, poderá igualmente considerar‑se o facto de as empresas de grandes dimensões disporem geralmente dos conhecimentos e das infra‑estruturas jurídico‑económicas que lhes permitem melhor apreciar o carácter de infracção do seu comportamento e respectivas consequências do ponto de vista do direito da concorrência.»
292 Assim, na medida em que as recorrentes não põem em causa a legalidade das orientações de 1998, é à luz dos critérios mencionados no n.° 291, supra, que deve ser examinado o carácter proporcionado ou não do montante de partida determinado pela Comissão.
293 Ora, tendo em conta, por um lado, a importância económica das recorrentes e, por outro, a necessidade de conservar um carácter dissuasivo à coima, um montante de 8,5 milhões de euros, uma vez que se situa na metade inferior da escala prevista nas orientações de 1998 para as infracções graves, não se afigura manifestamente desproporcionado.
294 Atendendo ao exposto, há que julgar improcedente a primeira parte do fundamento.
b) Quanto à segunda parte do fundamento, relativa às circunstâncias atenuantes
Argumentos das partes
295 As recorrentes sustentam que a incerteza quanto ao carácter infractor do comportamento controvertido deveria, no mínimo, ter sido qualificada como circunstância atenuante. Por esta razão a Comissão não deveria ter aplicado qualquer majoração a título da duração da infracção. Censuram à Comissão o facto de não ter em conta, por um lado, que propuseram a alteração e efectivamente alteraram Regra e, por outro, concluíram um acordo com a Morgan Stanley ao longo do procedimento administrativo. Por fim, o atraso da Comissão no tratamento do processo teria justificado, no mínimo, uma redução da coima.
296 A Comissão considera que teve razão em não ter em conta nenhuma circunstância atenuante. Refuta, designadamente, a realidade da alteração que introduziu à Regra, uma vez que essa alteração consiste apenas no aditamento de critérios de avaliação que, de qualquer modo, não foram aplicados à Morgan Stanley.
Apreciação do Tribunal Geral
297 Em primeiro lugar, a acusação de que deveria ter sido considerada, enquanto circunstância atenuante, a incerteza quanto ao carácter infractor do comportamento controvertido, improcede pelas razões expostas nos n.os 250 a 255, supra. Com efeito, recorde‑se que a Comissão calculou a coima com base num período que começou com a comunicação de acusações. Ora, nessa data, as recorrentes já não podiam ter quaisquer dúvidas razoáveis quanto ao carácter infractor do comportamento controvertido.
298 No que diz respeito, em segundo lugar, à acusação de que o atraso da Comissão no tratamento do processo teria igualmente justificado uma redução da coima, tal acusação não pode prosperar pelas razões explicitadas nos n.os 231 a 238, supra, uma vez que o intervalo que separa a cessação da infracção da decisão impugnada é inferior ao prazo de prescrição que figura no artigo 25.° do Regulamento n.° 1/2003.
299 No que diz respeito, em terceiro lugar, à referência ao acordo celebrado com a Morgan Stanley e à sua admissão na Visa, saliente‑se que, proceder deste modo, as recorrentes puseram fim à infracção que lhes era censurada vários anos depois de terem sido avisadas pela Comissão do carácter infractor do seu comportamento. Portanto, foi acertadamente que a Comissão não acordou qualquer redução da coima às recorrentes por este motivo.
300 Em quarto lugar, é também erradamente que as recorrentes alegam que a Comissão deveria ter tido em conta a circunstância de que as recorrentes alteraram a Regra ao longo do procedimento administrativo.
301 É exacto que as recorrentes alteraram a Regra em 24 de Maio de 2006. Esta alteração poderia ser considerada como uma resposta a uma das críticas dirigidas pela Comissão às recorrentes na sua comunicação de acusações que, nos n.os 247 e 248, sublinhava que a formulação da Regra se prestava a uma aplicação discriminatória, tendo em conta, designadamente, o carácter insuficientemente objectivo e preciso do conceito de «concorrente» que aí figura. Observe‑se igualmente que a decisão impugnada, adoptada posteriormente a esta alteração da Regra, não retoma esta crítica.
302 No entanto, a Comissão não era de modo nenhum obrigada a tratar esta alteração da Regra como uma circunstância atenuante e a conceder às recorrentes uma redução da coima.
303 Com efeito, a adequação de uma eventual redução da coima por circunstâncias atenuantes em de acordo com o ponto 3 das orientações de 1998 atenuantes deve ser apreciada de um ponto de vista global tendo em conta o conjunto das circunstâncias pertinentes. Na falta de indicação de natureza imperativa nas orientações no que respeita às circunstâncias atenuantes que podem ser tomadas em conta, deve considerar‑se que a Comissão conservou uma certa margem de apreciação para avaliar de uma forma geral a importância de uma eventual redução do montante das coimas por circunstâncias atenuantes (acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, referido no n.° 182, supra, n.° 275).
304 Ora, na medida em que o comportamento controvertido não se referia tanto à própria Regra mas à sua aplicação à Morgan Stanley, como as próprias recorrentes reconhecem, e que essa recusa de admissão perdurou mais de dois anos posteriormente à comunicação de acusações, a Comissão teve razão em não tomar em conta a alteração introduzida pelas recorrentes à Regra, alteração que, além disso, só se verificou numa fase muito avançada do procedimento administrativo.
305 A segunda parte do fundamento é julgada improcedente.
c) Quanto à terceira parte do fundamento, relativa à duração da infracção
Argumentos das partes
306 As recorrentes contestam a determinação pela Comissão das datas do início e do fim da infracção. Consideram que a infracção durou, no máximo, sete meses, entre Agosto de 2005 e Fevereiro de 2006. Portanto, a Comissão não deveria ter aplicado uma majoração em razão da duração.
307 Em primeiro lugar, as recorrentes consideram que a infracção não começou antes de Agosto de 2005. Baseiam‑se na circunstância de que uma entrada no mercado em causa exige a adopção de um plano concreto de aplicação. Na medida em que, por um lado, a primeira prova relativa a um plano de aplicação data de 20 de Maio de 2005 e, por outro, a realização efectiva desse plano exige, em geral, pelo menos, três anos, a Morgan Stanley não teria podido integrar o mercado em causa antes de Agosto de 2005.
308 Por conseguinte, a Comissão não tem razão quando considera que o início do comportamento infractor remonta ao momento em que foi vedado o acesso ao mercado, em 22 de Março de 2000. As recorrentes desmentem igualmente a realidade de uma intenção da Morgan Stanley de entrar no mercado da aquisição a partir 1998. As provas que supostamente demonstram a existência dessa intenção referem‑se unicamente ao mercado da emissão de cartões. As recorrentes censuram, além disso, à Comissão o facto de não ter analisado as provas por elas apresentadas, provas que demonstram que a Morgan Stanley não tinha intenção de integrar o mercado em causa.
309 Em segundo lugar, na medida em que a Comissão se baseia na pretensa constante intenção da Morgan Stanley de exercer actividades de aquisição para determinar a duração da infracção, as recorrentes sustentam que a Comissão devia provar a realidade dessa intenção para todo o período de duração da infracção. Ora, a decisão impugnada não menciona a menor prova dessa intenção para o período compreendido entre de Maio de 2005 e 22 de Setembro de 2006. Por conseguinte, a Comissão não cumpriu as suas obrigações, conforme explicitadas no acórdão do Tribunal de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão (T‑43/92, Colect., p. II‑441, n.os 79 e 80). Em qualquer hipótese, a Comissão deveria ter considerado que a infracção tinha terminado em de Fevereiro de 2006, quando as negociações com vista à adesão da Morgan Stanley começaram, uma vez que esta última não demonstrou, nessa ocasião, nenhum intenção de integrar o mercado da aquisição.
310 Quanto à resposta da Comissão relativa ao facto de a simples qualidade de membro da Visa basta para conferir o direito de aquisição, as recorrentes sublinham que a mesma procede de um raciocínio errado. A questão essencial é a da existência ou não de uma intenção da Morgan Stanley de integrar o mercado em causa. Consequentemente, a circunstância de a Morgan Stanley não ter querido responder aos pedidos das recorrentes neste sentido quando das negociações de adesão constitui um elemento pertinente. Recordam, além disso, que a Morgan Stanley não integrou o mercado em causa depois da sua admissão.
311 A Comissão considera que não cometeu nenhum erro na fixação das datas de início e de final da infracção.
Apreciação do Tribunal Geral
312 As recorrentes sustentam, no essencial, que a determinação da duração da infracção está errada na medida em que a intenção da Morgan Stanley de integrar o mercado em causa não perdurou durante todo o período considerado pela Comissão. Censuram à Comissão igualmente o facto de não ter deduzido os prazos inerentes à entrada no mercado em causa.
313 No entanto, como foi sublinhado no quadro do exame dos pedidos de anulação, foi acertadamente que a Comissão considerou que a Morgan Stanley constituía um concorrente potencial no mercado em causa. Consequentemente, o comportamento controvertido produziu efeitos restritivos de concorrência em relação a ela enquanto durou a exclusão do referido mercado. Foi acertadamente que a Comissão considerou a existência de uma infracção com duração equivalente à da recusa de a admitir como membro da Visa. Na medida em que essa recusa perdurou entre 22 Março de 2000 e a adesão da Morgan Stanley em 22 de Setembro de 2006, existiu efectivamente uma infracção continuada ao direito da concorrência entre estas duas datas. A Comissão não cometeu nenhum erro ao fixar as datas de início e de fim da infracção.
314 Por conseguinte, não há nenhuma dúvida sobre a duração exacta da infracção. Quanto a este aspecto, o presente processo distingue‑se do processo que deu origem ao acórdão Dunlop Slazenger/Comissão, n.° 309, supra (n.os 79 e 80), ao qual as recorrentes fazem referência.
315 A terceira parte deve, portanto, ser julgada improcedente, e, portanto, o fundamento na sua totalidade.
316 Tendo em conta tudo o que precede, os pedidos apresentados no âmbito do presente recurso devem ser julgados improcedentes na sua totalidade.
Quanto às despesas
317 Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)
decide:
1) É negado provimento ao recurso.
2) A Visa Europe Ltd e a Visa International Service são condenadas nas despesas.
Jaeger |
Vadapalas |
Prek |
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Abril de 2011.
Assinaturas
Índice
Factos na origem do litígio
Decisão impugnada
A – Definição do mercado pertinente
B – Comportamento censurado
C – Aplicação do artigo 81.° CE
D – Cálculo da coima
Tramitação processual
Pedidos das partes
Questão de direito
A – Quanto ao pedido destinado a obter a anulação da decisão impugnada
1. Questões preliminares
a) Quanto à admissibilidade de alguns argumentos e de um documento
b) Quanto à admissibilidade de um anexo da petição
2. Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa das recorrentes
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal Geral
3. Quanto ao primeiro e terceiro fundamentos, em que se contesta o carácter restritivo de concorrência do comportamento controvertido
a) Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de tomada em consideração pela Comissão da possibilidade de a Morgan Stanley integrar o mercado em causa através de um acordo de fachada
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal Geral
b) Quanto ao terceiro fundamento, relativo às incidências na concorrência da presença da Morgan Stanley no mercado em causa
Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à aplicação de um critério economicamente e juridicamente errado
– Argumentos das partes
– Apreciação do Tribunal Geral
Quanto à segunda parte do fundamento, relativa de uma análise errada do grau de concorrência existente no mercado em causa
– Argumentos das partes
– Apreciação do Tribunal Geral
Quanto à terceira parte do fundamento, relativa a uma análise insuficiente e errada dos efeitos na concorrência da recusa de admissão da Morgan Stanley
– Argumentos das partes
– Apreciação do Tribunal Geral
B – Quanto ao pedido de anulação ou de redução da coima
1. Quanto ao quarto fundamento, relativo à existência de erros de direito e de apreciação quanto à aplicação de uma coima
a) Quanto à primeira parte do fundamento, relativa a violação dos princípios da igualdade de tratamento e de segurança jurídica bem como a uma falta de fundamentação
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal Geral
b) Quanto à segunda parte do fundamento, relativa a violação da obrigação de adoptar a decisão impugnada num prazo razoável
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal Geral
c) Quanto à terceira parte do fundamento, relativa à falta de tomada em consideração da incerteza existente quanto ao carácter infractor do carácter infractor do comportamento controvertido
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal Geral
2. Quanto ao quinto fundamento, relativo à existência de erros de direito e de apreciação quanto ao cálculo do montante da coima aplicada
a) Quanto à primeira parte do fundamento, relativa à determinação do montante de partida da coima
Quanto à natureza da infracção
– Argumentos das partes
– Apreciação do Tribunal Geral
Quanto ao montante de partida da coima
– Argumentos das partes
– Apreciação do Tribunal Geral
b) Quanto à segunda parte do fundamento, relativa às circunstâncias atenuantes
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal Geral
c) Quanto à terceira parte do fundamento, relativa à duração da infracção
Argumentos das partes
Apreciação do Tribunal Geral
Quanto às despesas
* Língua do processo: inglês.