Processo T-326/07
Cheminova e o.
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«Produtos fitofarmacêuticos — Substância activa ‘malatião’ — Não inclusão no anexo I da Directiva 91/414/CEE — Recurso de anulação — Legitimidade — Admissibilidade — Processo de avaliação — Avaliação pela AESA — Excepção de ilegalidade — Artigo 20.o do Regulamento (CE) n.o 1490/2002 — Apresentação de novos estudos — Artigo 8.o, n.os 2 e 5, do Regulamento (CE) n.o 451/2000 — Confiança legítima — Proporcionalidade — Igualdade de tratamento — Princípio da boa administração — Direitos de defesa — Princípio da subsidiariedade — Artigo 95.o, n.o 3, CE e artigos 4.o, n.o 1, e 5.o, n.o 1, da Directiva 91/414»
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Oitava Secção) de 3 de Setembro de 2009 II ‐ 2692
Sumário do acórdão
Actos das instituições — Aplicação no tempo — Regras processuais
(Regulamentos da Comissão n.o 451/2000, artigo 8.o, e n.o 1490/2002)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Directiva 91/414
(Directiva 91/414 do Conselho)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Directiva 91/414
[Regulamento n.o 451/2000 da Comissão, artigos 6.o, n.os 1, 2, alínea d), e 3, 7.o, n.o 1, alínea a), e 8.o, n.os 2 e 5; Directiva 91/414 do Conselho, artigo 5.o, n.o 1)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Directiva 91/414
(Artigo 95.o, n.o 3, CE; Directiva 91/414 do Conselho, artigos 4.o, n.o 1, alínea b), iv) e v), e 5.o, n.o 1, e anexo I)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Directiva 91/414
(Directiva 91/414 do Conselho, artigo 5.o, n.o 1)
Direito comunitário — Princípios — Protecção da confiança legítima — Requisitos
(Regulamento n.o 451/2000 da Comissão, artigo 8.o, n.os 2 e 5)
Direito comunitário — Princípios — Proporcionalidade
(Artigos 34.o CE a 37.o CE)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Directiva 91/414
(Regulamento n.o 451/2000 da Comissão, artigo 8.o, n.o 7; Directiva 91/414 do Conselho, artigo 8.o, n.o 2)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Directiva 91/414
(Directiva 91/414 do Conselho, artigo 5, n.os 1 e 4)
Agricultura — Aproximação das legislações — Colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado — Directiva 91/414
(Regulamento n.o 451/2000 da Comissão, art. 4; Directiva 91/414 do Conselho, artigo 13.o)
Contrariamente às normas comunitárias de direito substantivo, que devem ser interpretadas no sentido de não se aplicarem, em princípio, a situações constituídas anteriormente à sua entrada em vigor, as normas processuais são de aplicação directa. Ora, as disposições do Regulamento n.o 1490/2002, que estabelece normas de execução suplementares para a terceira fase do programa de trabalho referido no n.o 2 do artigo 8.o da Directiva 91/414 e altera o Regulamento (CE) n.o 451/2000, que prevêem a intervenção da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos no procedimento de avaliação das substâncias activas, constituem normas processuais que são de aplicação directa, sem que nenhuma fundamentação específica seja exigida a este respeito no Regulamento n.o 1490/2002. Por conseguinte, a aplicação imediata das novas disposições do artigo 8.o do Regulamento n.o 451/2000, que estabelece as normas de execução da segunda e terceira fases do programa de trabalho referido no n.o 2 do artigo 8.o da Directiva 91/414 aos procedimentos de avaliação de substâncias activas em curso não podia ser ilegal.
(cf. n.os 78-80)
Como resulta dos seus quinto, sexto e nono considerandos, a Directiva 91/414, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, visa a eliminação dos obstáculos às trocas comerciais intracomunitárias destes produtos, mantendo um elevado nível de protecção do ambiente e da saúde humana e animal. Neste âmbito, para poder prosseguir de forma eficaz o objectivo que lhe foi fixado, e tendo em consideração as avaliações técnicas complexas que deve efectuar, deve ser reconhecido à Comissão um amplo poder de apreciação.
O exercício desse poder não está todavia subtraído ao controlo jurisdicional. Com efeito, no quadro desse controlo, o juiz comunitário deve verificar o respeito das regras de processo, a exactidão material dos factos considerados pela Comissão, a não existência de erro manifesto na apreciação desses factos ou a ausência de desvio de poder.
(cf. n.os 106-107)
No sistema estabelecido pelo Regulamento n.o 451/2000, que estabelece as normas de execução da segunda e terceira fases do programa de trabalho referido no n.o 2 do artigo 8.o da Directiva 91/414, a responsabilidade primeira de verificar o carácter completo do processo relativo à substância activa em causa incumbe assim ao transmitente. Com efeito, de acordo com o artigo 6.o, n.o 2, alínea d), do referido regulamento, o processo sucinto contém «[u]ma verificação, por parte do transmitente, do carácter completo do processo». Tal é confirmado pelo artigo 7.o, n.o 1, alínea a), do mesmo regulamento, que dispõe que o Estado-Membro relator (EMR) analisa os processos e avalia «as verificações da sua completitude fornecidas pelos transmitentes».
Assim, o facto de um processo ter sido declarado completo pelo EMR, na acepção do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 451/2000, não garante necessariamente que contém todas as informações que permitam ao EMR, à Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) e à Comissão tomar posição sobre os «efeitos prejudiciais» da substância activa em causa, na acepção do artigo 5.o, n.o 1, da Directiva 91/414, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado. A este respeito, um processo que contém os estudos e os relatórios previstos no artigo 6.o, n.o 3, do Regulamento n.o 451/2000 será considerado completo pelo EMR, o que não exclui, todavia, que possa faltar um ou outro dado necessário ao EMR e/ou à AESA, para efectuar a sua avaliação científica da substância activa em causa. Por esta razão, o artigo 8.o, n.os 2 e 5, do Regulamento n.o 451/2000 prevê a possibilidade, respectivamente, de o EMR e a AESA solicitarem aos transmitentes a apresentação de novos dados necessários para a clarificação do processo. Todavia, uma vez que o transmitente se deve certificar de que o processo apresentado está completo, o referido artigo 8.o, n.os 2 e 5, não prevê a possibilidade de este completar o seu processo por sua própria iniciativa.
(cf. n.os 154-155)
O artigo 5.o, n.o 1, alínea b), da Directiva 91/414, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, prevê que, para que uma substância activa possa ser incluída no seu anexo I, deve ser possível presumir, à luz dos conhecimentos científicos e técnicos existentes, que a utilização dos produtos fitofarmacêuticos que contêm a substância activa em causa, resultante de uma aplicação conforme com uma boa prática fitossanitária, não tem efeitos nocivos para a saúde humana ou animal nem uma influência inaceitável no ambiente, nos termos do disposto no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), iv) e v), da referida directiva.
Esta disposição, interpretada em conjugação com o princípio da precaução, implica que, tratando-se da saúde humana, a existência de indícios sérios que, sem afastar a incerteza científica, permitam razoavelmente duvidar da inocuidade de uma substância opõe-se, em princípio, à inclusão desta substância no anexo I da Directiva 91/414. Com efeito, o princípio da precaução destina-se a prevenir os riscos potenciais.
(cf. n.os 165-166)
Não se pode inferir da referência feita no artigo 5.o, n.o 1, da Directiva 91/414, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, aos «conhecimentos científicos e técnicos existentes» que empresas que notificaram uma substância activa e que são confrontadas com a probabilidade de uma decisão de não inclusão dessa substância no anexo I da mesma directiva devem beneficiar da possibilidade de apresentar novos estudos e dados enquanto subsistirem dúvidas sobre a inocuidade da referida substância activa. Esta interpretação da dita disposição seria contrária ao objectivo de um elevado nível de protecção da saúde humana e animal e do ambiente, que está subjacente ao artigo 5.o, n.o 1, na medida em que equivaleria a conceder à parte que notificou a substância activa, que tem, por um lado, o ónus da prova da sua inocuidade e, por outro, o melhor conhecimento da substância em causa, um direito de veto sobre uma eventual decisão de não inclusão desta substância no anexo I da Directiva 91/414.
(cf. n.o 169)
O direito de exigir a protecção da confiança legítima é extensivo a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração comunitária, ao fornecer-lhe garantias precisas, criou na sua esfera jurídica expectativas fundadas. Constituem tal tipo de garantias, independentemente da forma como foram comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes que emanem de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, ninguém pode invocar uma violação deste princípio, na falta de garantias precisas fornecidas pela Administração.
No âmbito do procedimento de avaliação de uma substância activa para fins da sua inclusão ou não no anexo I da Directiva 91/414, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, previsto no artigo 8.o do Regulamento n.o 451/2000, que estabelece as normas de execução da segunda e terceira fases do programa de trabalho referido no n.o 2 do artigo 8.o da Directiva 91/414, admitindo que a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) ou a Comissão dêem garantias precisas sobre a tomada em consideração de um novo teste, essas garantias não podem suscitar uma confiança legítima do autor da notificação de interesse, uma vez que o artigo 8.o, n.os 2 e 5, do Regulamento n.o 451/2000 prevê expressamente que, em princípio, não são admitidos novos estudos, no momento em que, respectivamente, o Estado-Membro relator ou a AESA iniciaram a sua avaliação da substância activa. Com efeito, só as garantias conformes com as normas aplicáveis podem suscitar uma confiança legítima.
(cf. n.os 179-180, 186)
O princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objectivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos prosseguidos.
Entretanto, em matéria agrícola, a fiscalização jurisdicional do princípio da proporcionalidade é especial, na medida em que o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância reconhecem ao legislador comunitário um poder discricionário que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 34.o CE a 37.o CE lhe atribuem nesse domínio. Por conseguinte, só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada neste domínio, em relação ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afectar a legalidade de tal medida.
(cf. n.os 194-195)
Mesmo admitindo que o prazo de um ano fixado pelo artigo 8.o, n.o 7, do Regulamento n.o 451/2000, que estabelece as normas de execução da segunda e terceira fases do programa de trabalho referido no n.o 2 do artigo 8.o da Directiva 91/414, para a avaliação, pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, do projecto de relatório de avaliação do Estado-Membro relator e para a emissão de um parecer sobre a conformidade da substância activa em causa com os requisitos de segurança da Directiva 91/414, seja imperativo, o desrespeito do referido prazo só afecta a legalidade de uma decisão impugnada se se provar que, caso não tivesse havido irregularidade, a referida decisão poderia ter tido um conteúdo diferente.
(cf. n.os 207-208)
O artigo 5.o, n.o 4, da Directiva 91/414, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, permite a inclusão de substâncias que não satisfazem as exigências do artigo 5.o, n.o 1, dessa mesma directiva, ao impor certas restrições que afastam as utilizações problemáticas da substância em causa. Mesmo que, no âmbito das restrições impostas, seja atribuído um determinado papel aos Estados-Membros, o certo é que a apreciação definitiva relativa à conformidade da substância activa com as exigências do artigo 5.o, n.o 1, da referida directiva incumbe apenas às instâncias comunitárias. Assim, mesmo no caso de aplicação do artigo 5.o, n.o 4, da Directiva 91/414, incumbe à Comissão, e eventualmente ao Conselho, demonstrar, para além de qualquer dúvida razoável, que as restrições à utilização da substância em causa permitem garantir uma utilização dessa substância que seja conforme aos requisitos do artigo 5.o, n.o 1, da Directiva 91/414.
(cf. n.o 260)
O artigo 13.o da Directiva 91/414, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado, prevê que os Estados-Membros devem proteger a confidencialidade dos dados incluídos no processo que acompanhou o pedido de autorização de introdução no mercado de um produto fitofarmacêutico. A protecção aplica-se unicamente, de acordo com o artigo 13.o, n.os 3 e 4, da Directiva 91/414, quando os Estados-Membros «concede[m] as autorizações».
Mesmo admitindo que as disposições do referido artigo 13.o da referida directiva se aplicam mutatis mutandis ao processo notificado, nos termos do artigo 4.o do Regulamento n.o 451/2000, que estabelece as normas de execução da segunda e terceira fases do programa de trabalho referido no n.o 2 do artigo 8.o da Directiva 91/414, para obter a inclusão de uma substância activa no anexo I da Directiva 91/414, de qualquer modo, a protecção dos dados prevista no referido artigo 13.o não se poderia aplicar, uma vez que a substância activa não foi objecto de nenhuma «autorização».
(cf. n.os 264-265)