Processo T-263/07

República de Estónia

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Ambiente — Directiva 2003/87/CE — Regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa — Plano nacional de atribuição de licenças de emissão para a Estónia para o período de 2008 a 2012 — Competências respectivas dos Estados-Membros e da Comissão — Igualdade de tratamento — Artigo 9.o, n.os 1 e 3, e artigo 11.o, n.o 2, da Directiva 2003/87»

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Sétima Secção) de 23 de Setembro de 2009   II ‐ 3468

Sumário do acórdão

  1. Recurso de anulação — Objecto — Anulação parcial

    (Artigo 230.o CE)

  2. Direito comunitário — Princípios — Princípio da subsidiariedade

    (Artigos 5.o, segundo parágrafo, CE, 174.o CE a 176.o CE, 211.o CE, 226.o CE e 249.o, terceiro parágrafo, CE)

  3. Ambiente — Poluição atmosférica — Directiva 2003/87

    (Directiva 2003/87 do Parlamento Europeu e do Conselho, quinto considerando, artigos 1.o, 9.o, n.os 1 e 3, 10.o, 11.o, n.o 2, e anexo III)

  4. Ambiente — Poluição atmosférica — Directiva 2003/87

    (Directiva 2003/87 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 9.o, n.os 1 e 3, 11.o, n.o 2, e anexo III)

  5. Ambiente — Poluição atmosférica — Directiva 2003/87

    (Directiva 2003/87 do Parlamento Europeu e do Conselho, Decisão 2006/780 da Comissão, artigo 3.o, n.os 1 e 2)

  1.  A anulação parcial de um acto comunitário só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis da parte restante do acto. esta exigência de destacabilidade não está satisfeita quando a anulação parcial de um acto tenha por efeito modificar a substância deste.

    (cf. n.o 28)

  2.  Na transposição ou na aplicação de uma directiva no domínio do ambiente, quando a directiva em causa não define a forma e os meios para alcançar um resultado determinado, a liberdade de acção do Estado-Membro quanto à escolha das formas e dos meios adequados para a obtenção do referido resultado é, em princípio, plena. Não existindo uma norma comunitária que defina de modo claro e preciso a forma e os meios que devem ser utilizados pelo Estado-Membro, incumbe à Comissão, no âmbito do exercício do seu poder de controlo, por força, nomeadamente, dos artigos 211.o CE e 226.o CE, fazer prova bastante de que os instrumentos utilizados pelo Estado-Membro para esse efeito são contrários ao direito comunitário.

    Uma aplicação rigorosa destes princípios é primordial para garantir a observância do princípio da subsidiariedade, consagrado no artigo 5.o, segundo parágrafo, CE, princípio que se impõe às instituições comunitárias no exercício das suas funções regulamentares. Nos termos deste princípio, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a Comunidade intervém apenas se e na medida em que os objectivos da acção projectada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros, e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário. Assim, num domínio como o do ambiente, regulado pelos artigos 174.o CE a 176.o CE, em que as competências da Comunidade e dos Estados-Membros são partilhadas, o ónus da prova cabe à Comunidade, ou seja, é à Comissão que incumbe demonstrar em que medida as competências do Estado-Membro e, portanto, a sua margem de manobra estão limitadas.

    (cf. n.os 51, 52)

  3.  Nos termos do artigo 9.o, n.os 1 e 3, da Directiva 2003/87, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Directiva 96/61, bem como do artigo 11.o, n.o 2, da directiva que apenas o Estado-Membro é competente, por um lado, para elaborar o plano nacional de atribuição (PNA) através do qual se propõe atingir os objectivos definidos pela directiva relativamente às emissões de gases com efeito de estufa, o qual notifica à Comissão, e, por outro, para tomar as decisões finais que fixam a quantidade total de licenças que atribuirá para cada período de cinco anos e a repartição dessa quantidade entre os operadores económicos. No exercício destas competências, o Estado-Membro dispõe, portanto, de uma certa margem de manobra para escolher as medidas que considera melhor adaptadas para atingir, no contexto específico do mercado energético nacional, o resultado prescrito pela referida directiva.

    Em contrapartida, a Comissão é dotada de um poder de controlo do PNA, nos termos do artigo 9.o, n.o 3, da directiva. Por conseguinte, a Comissão pode verificar a conformidade do PNA notificado pelo Estado-Membro com os critérios enunciados no anexo III e as disposições do artigo 10.o da referida directiva e rejeitar esse plano em virtude de incompatibilidade com estes critérios e estas disposições, por decisão fundamentada. Resulta igualmente do artigo 9.o, n.o 3, da directiva que, em caso de rejeição do PNA, o Estado-Membro só pode tomar uma decisão, nos termos do n.o 2 do artigo 11.o, se as alterações do plano propostas pelo Estado-Membro na sequência da rejeição tiverem sido aceites pela Comissão.

    No exercício do seu poder de controlo do PNA, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação, na medida em que esse controlo implica apreciações económicas e ecológicas complexas efectuadas tendo em vista o objectivo geral de redução das emissões de gases com efeito de estufa através de um regime de comércio de licenças em condições que ofereçam uma boa relação custo-eficácia e que sejam economicamente eficientes. Consequentemente, no âmbito do controlo da legalidade nesta matéria, o juiz comunitário exerce uma fiscalização completa quanto à correcta aplicação pela Comissão das normas jurídicas pertinentes. Em contrapartida, o Tribunal de Primeira Instância não pode substituir-se à Comissão quando esta tem de efectuar, nesse contexto, apreciações económicas e ecológicas complexas. Neste caso, o Tribunal de Primeira Instância deve limitar-se a verificar se a medida em causa não está viciada de erro manifesto ou de desvio de poder, se a autoridade competente não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação e se as garantias processuais, que assumem uma importância ainda mais fundamental nesse contexto, foram plenamente respeitadas.

    No âmbito das suas apreciações da questão de saber se os PNA dos diversos Estados-Membros são compatíveis com os critérios do anexo III da directiva, é permitido à Comissão escolher um ponto comum de comparação. Para este fim, pode designadamente elaborar o seu próprio modelo económico e ecológico para o que dispõe de uma margem de apreciação, pelo que a utilização deste ponto de referência comum numa decisão de rejeição de um plano nacional só pode ser contestada por estar ferida de erro manifesto de apreciação.

    No entanto, ao precisar uma quantidade específica de licenças, sendo qualquer ultrapassagem desta considerada incompatível com os critérios estabelecidos pela Directiva 2003/87, e ao rejeitar o plano nacional de um Estado-Membro na medida em que a quantidade total de licenças que é proposta neste ultrapassa o referido limiar, a Comissão excedeu os limites do poder de controlo que lhe compete exercer nos termos do artigo 9.o, n.os 1 e 3, e do artigo 11.o, n.o 2, da directiva. Com efeito, através da imposição, na parte decisória de uma decisão de rejeição de um PNA, de um limite específico calculado com base no seu próprio modelo económico e na sua própria escolha de dados, para a quantidade total de licenças que um Estado-Membro tem o direito de fixar, a Comissão substitui-se, na prática, ao Estado-Membro para fins de fixação dessa quantidade total. Esta disposição é susceptível de obrigar o Estado-Membro a modificar o seu PNA para que a quantidade total de licenças corresponda exactamente ao limite indicado pela Comissão na decisão de rejeição. Num tal caso, o Estado-Membro é obrigado a fixar uma quantidade total igual ou inferior ao limite indicado pela Comissão, sob pena de se encontrar na impossibilidade de adoptar uma decisão em conformidade com o referido artigo 11.o, n.o 2.

    Tal decisão de rejeição priva de efeito útil o mesmo artigo 11.o, n.o 2, da directiva, na medida em que esta disposição prevê que compete ao Estado-Membro, e não à Comissão, decidir sobre a quantidade total de licenças que atribuirá.

    (cf. n.os 53-55, 60, 63-65)

  4.  A invocação do referido princípio não pode modificar a repartição de competências prevista pela Directiva 2003/87, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Directiva 96/61, entre a Comissão e os Estados-Membros, nos termos da qual estes são competentes para elaborar um plano nacional de atribuição de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (PNA) e para adoptar uma decisão final sobre a quantidade total de licenças a atribuir.

    Assim, na apreciação de um recurso interposto por um Estado-Membro duma decisão da Comissão respeitante a um PNA, o argumento da Comissão segundo o qual a utilização dos dados e do modelo considerados na decisão se justificava pela necessidade de apreciar cada PNA por referência aos mesmos valores e parâmetros de análise, a fim de respeitar as exigências do princípio da igualdade de tratamento, deve ser rejeitado.

    (cf. n.os 87, 88)

  5.  Entre as garantias atribuídas pela ordem jurídica comunitária nos procedimentos administrativos figura nomeadamente o princípio da boa administração, a que está ligada a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso concreto.

    Não existindo explicações precisas relativas às lacunas que o plano nacional de atribuição de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (PNA) adoptado por um Estado-Membro nos termos da Directiva 2003/87, relativa à criação de um regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade e que altera a Directiva 96/61, apresenta ou aos erros alegadamente cometidos pelo mesmo Estado-Membro neste plano, a Comissão não demonstrou que os cálculos contidos no plano nacional de atribuição estivessem feridos de erro. Uma vez que não examinou de modo adequado o PNA apresentado pelo Estado-Membro em causa, designadamente os seus anexos 1 e 3, no âmbito da sua apreciação da questão de saber se as reservas previstas no artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Decisão 2006/780, relativa à prevenção da dupla contagem das reduções de emissões de gases com efeito de estufa no âmbito do regime comunitário de comércio de emissões no que diz respeito a actividades de projecto ao abrigo do Protocolo de Quioto em aplicação da directiva 2003/87, estavam incluídas na quantidade total de licenças proposta, a Comissão violou o princípio da boa administração.

    (cf. n.os 99, 111, 112)