ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

3 de Junho de 2009 ( *1 )

«Marca comunitária — Processo de declaração de nulidade — Marca nominativa comunitária FLUGBÖRSE — Data pertinente para o exame de uma causa de nulidade absoluta — Artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 40/94 [actual artigo 52.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 207/2009]»

No processo T-189/07,

Frosch Touristik GmbH, com sede em Munique (Alemanha), representada por H. Lauf e T. Raab, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por B. Schmidt, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do IHMI:

DSR touristik GmbH, com sede em Karlsruhe (Alemanha),

que tem por objecto um recurso da decisão da Quarta Câmara de Recurso do IHMI, de 22 de Março de 2007 (processo R 1084/2004-4), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a DSR touristik GmbH e a Frosch Touristik GmbH,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. Prek (relator) e V. M. Ciucă, juízes,

secretário: T. Weiler, administradora,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Junho de 2007,

vista a resposta apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 17 de Setembro de 2007,

após a audiência de 15 de Janeiro de 2009,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1

Em 1 de Abril de 1996, a recorrente, Frosch Touristik GmbH, apresentou um pedido de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

2

A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo FLUGBÖRSE.

3

Os produtos e serviços para os quais foi pedido o registo são os das classes 16, 39 e 42 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, para cada uma das classes, à seguinte descrição:

classe 16: «Produtos de impressão, nomeadamente prospectos, catálogos, brochuras e livros sobre viagens e turismo»;

classe 39: «Agência de viagens; organização e realização de viagens; transporte de passageiros»;

classe 42: «Restaurantes (alimentação); alojamento temporário; hotéis, pensões, restaurantes; mediação de casas de férias (aluguer)».

4

Em 29 de Outubro de 1998, a requerente obteve o registo da marca comunitária FLUGBÖRSE para o conjunto dos produtos e serviços requeridos.

5

Em 8 de Abril de 2003, a DSR touristik GmbH pediu a declaração de nulidade deste registo, nos termos do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94 [actual artigo 52.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009], por estar abrangido pelos motivos absolutos de recusa previstos no artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), do mesmo regulamento [actual artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 207/2009]. E alegou ainda que, no caso de a marca contestada não ser considerada descritiva dos produtos e serviços que designa, deveria então ser declarada nula nos termos do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94, lido em conjugação com o artigo 7.o, n.o 1, alínea g) [actual artigo 7.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 207/2009] do mesmo regulamento, por ser enganosa.

6

Em 7 de Abril de 2004, a DSR touristik pediu, a título subsidiário, a declaração da perda dos direitos do titular da marca comunitária, nos termos do artigo 50.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 40/94 [actual artigo 51.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009], pelo facto de a marca contestada se ter transformado numa designação usual no comércio.

7

Em 9 de Novembro de 2004, a Divisão de Anulação declarou a nulidade da marca contestada para todos os produtos e serviços por ela designados, à excepção dos serviços «restauração (alimentação)» e «restaurantes» da classe 42.

8

Por decisão de 22 de Março de 2007 (a seguir «decisão impugnada»), a Quarta Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso interposto pela recorrente da decisão da Divisão de Anulação.

9

A Câmara de Recurso salientou, em substância, o seguinte:

Para ser registada, uma marca comunitária deve satisfazer os requisitos do artigo 7.o do Regulamento n.o 40/94, não apenas no momento da apresentação do pedido mas também durante todo o período em que decorre o processo de registo. E daí concluiu que a apreciação do pedido de nulidade se devia fazer à luz das condições do mercado existentes à data do registo da marca, em 29 de Outubro de 1998;

A marca contestada é constituída de acordo com as regras gramaticais da língua alemã aplicáveis à criação de termos novos e não tem outro significado que não seja o resultante da soma dos elementos que a compõem. Para o consumidor germanófono médio, à data do registo, o termo «Flugbörse» seria compreendido como sinónimo de «Flugdatenbank» (base de dados de voos) ou de «intelligente Suchmaschine» (motor de busca inteligente);

A circunstância de um tribunal alemão ter considerado em 1995 que o termo «Flugbörse» continha ainda traços de um resto de fantasia não era determinante, uma vez que a língua alemã está em evolução constante;

À data do seu registo, a marca FLUGBÖRSE era, na parte germanófona da Comunidade, puramente descritiva dos produtos e serviços em litígio;

A marca em causa não tinha adquirido carácter distintivo em função do uso e, por conseguinte, o artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94 [actual artigo 52.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009] não se aplicava ao caso em apreço.

Pedidos das partes

10

A recorrente pede que o Tribunal se digne:

Anular a decisão impugnada na sua totalidade e remeter o processo ao IHMI, para nova decisão;

Condenar o IHMI nas despesas.

11

O IHMI pede que o Tribunal se digne:

Negar provimento ao recurso;

Condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

12

No seu recurso, a recorrente alega três fundamentos baseados na violação, em primeiro lugar, do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94, em segundo lugar, do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 40/94 e, em terceiro lugar, do artigo 51.o, n.o 2, do mesmo regulamento.

13

No que diz respeito ao primeiro fundamento, há que recordar que o artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94 estabelece que a nulidade da marca comunitária é declarada quando esta tenha sido registada contrariamente ao disposto no artigo 7.o do mesmo regulamento.

14

Em substância, a recorrente imputa à Câmara de Recurso a violação desta disposição, por se ter reportado à data do registo da marca comunitária, 29 de Outubro de 1998, para apreciar a eventual contrariedade da mesma com o artigo 7.o do Regulamento n.o 40/94. Segundo a recorrente, a única data pertinente para proceder a essa apreciação é a da apresentação do pedido da marca, ou seja, no caso concreto, o dia 1 de Abril de 1996. A recorrente invoca, a este respeito, o despacho do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 2004, Alcon/IHMI (C-192/03 P, Colect., p. I-8993).

15

O IHMI considera acertado que a Câmara de Recurso tenha verificado se a marca comunitária era descritiva, na acepção do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 40/94, na data do seu registo e que, por conseguinte, a Câmara de Recurso não violou o artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94. O IHMI sustenta, em substância, que, para uma marca poder ser validamente registada, é necessário, é certo, que todos os requisitos exigidos estejam preenchidos na data do pedido de registo, mas que é igualmente necessário que continuem a estar preenchidos até ao registo da marca.

16

Cumpre salientar que resulta da decisão impugnada, mais concretamente dos seus n.os 38 a 46, que a Câmara de Recurso se baseou exclusivamente nas condições de mercado, tal como existiam à data do registo da marca comunitária, em 29 de Outubro de 1998, para considerar que a marca contestada era descritiva dos produtos e serviços que designava, na acepção do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 40/94.

17

Assim, a apreciação do presente fundamento implica que se determine se, no âmbito de um pedido de declaração de nulidade baseado no artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94, a data pertinente para o efeito de apreciar a conformidade da marca comunitária contestada com as disposições do artigo 7.o do referido regulamento é exclusivamente a da apresentação do pedido de registo, como sustenta a recorrente, ou se, pelo contrário, a registabilidade se deve manter até ao registo, como sustenta o IHMI.

18

No quadro do processo que deu origem ao despacho Alcon/IHMI, referido no n.o 14, supra, o Tribunal de Justiça, tendo de decidir um pedido de declaração de nulidade com fundamento em erro de direito alegadamente cometido pelo Tribunal de Primeira Instância por não ter partido da data da apresentação do pedido de registo da marca contestada para o efeito de apreciar se a mesma se tinha tornado usual e devia, por esse facto, ser declarada nula, nos termos do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94, considerou que a data da apresentação do pedido de registo era a data pertinente para proceder a esse exame. Além disso, o Tribunal de Justiça considerou igualmente que o Tribunal de Primeira Instância podia, sem contradição de fundamentos nem erro de direito, ter em conta elementos que, apesar de posteriores à data da apresentação do pedido, permitiam tirar conclusões sobre a situação tal como se apresentava nessa mesma data (despacho Alcon/IHMI, referido no n.o 14, supra, n.os 40 e 41).

19

Daqui resulta que a recorrente tem razão ao sustentar que a única data pertinente para efeitos do exame de um pedido de declaração de nulidade baseado no artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94 é a da apresentação do pedido da marca contestada. A circunstância de a jurisprudência admitir a tomada em consideração de elementos posteriores a essa data, longe de infirmar esta interpretação do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94, confirma-a, uma vez que essa tomada em consideração só é possível na condição de esses elementos dizerem respeito à situação à data de apresentação do pedido de marca.

20

Além do mais, esta interpretação do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94 é a única que permite evitar que a probabilidade de perda da registabilidade de uma marca aumente em função da duração do processo de registo. A interpretação preconizada pelo IHMI no presente processo traduzir-se-ia, pelo contrário, em fazer depender o registo da marca, em parte, de um acontecimento aleatório, ou seja, a duração do processo de registo. A este respeito, há que observar que esta consideração, baseada na duração do processo de registo, é um dos motivos pelos quais o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94 [actual artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009] foi interpretado no sentido de impor que a aquisição do carácter distintivo pelo uso ocorra antes da apresentação do pedido de marca [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2002, eCopy/IHMI (ECOPY), T-247/01, Colect., p. II-5301, n.os 36 e 39].

21

Quanto aos diferentes argumentos do IHMI, não são de molde a infirmar esta conclusão.

22

Em primeiro lugar, se a argumentação do IHMI for entendida no sentido de que resulta da própria letra do artigo 7.o, n.o 1, e do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94 que a data de registo é igualmente pertinente, tal entendimento constitui uma interpretação errada dessas disposições.

23

Com efeito, ao utilizar as expressões «será recusado o registo», no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 40/94, e a marca comunitária «tenha sido registada», no artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94, o legislador comunitário determina as situações em que o registo de uma marca deve ser recusado ou em que a marca deve ser declarada nula, e não a data pertinente para o exame dos motivos absolutos de recusa ou das causas de nulidade absoluta.

24

Em segundo lugar, o IHMI invoca o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 40/94 [actual artigo 40.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009]. Segundo esta disposição, «[q]ualquer pessoa singular ou colectiva, bem como as associações […] pode, após publicação do pedido de marca comunitária, dirigir ao [IHMI] observações escritas, que precisem os motivos de recusa automática do registo da marca previstos nomeadamente no artigo 7.o». A mesma disposição esclarece que «[as referidas entidades] não adquirem por esse facto a qualidade de partes no processo perante o [IHMI]». O IHMI sustenta, em substância, que, uma vez que uma marca já examinada, considerada registável e publicada deve ser reexaminada a pedido de terceiros, podendo ser recusado oficiosamente o seu registo, o IHMI tem o direito de tomar em consideração a perda de registabilidade ocorrida após a data de apresentação do pedido.

25

Também este argumento deve ser rejeitado.

26

Em aplicação do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 40/94, o IHMI deve analisar se há que reabrir o processo de exame de modo a verificar se o motivo absoluto de recusa invocado se opõe ao registo da marca requerida [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Abril de 2003, Durferrit/IHMI — Kolene (NU-TRIDE), T-224/01, Colect., p. II-1589, n.o 73]. Ora, no quadro deste reexame, como no do exame inicial, o examinador só poderá ter em conta elementos posteriores à data de apresentação do pedido de registo, se esses elementos permitirem tirar conclusões sobre a situação tal como se apresentava nessa mesma data (v. n.os 19 e 20, supra).

27

Em terceiro lugar, o IHMI alega que é necessário igualmente ter em conta, no quadro do exame dos motivos absolutos de recusa, a evolução posterior à data da apresentação do pedido, ainda que meramente potencial, e invoca o acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C-108/97 e C-109/07, Colect., p. I-2779, n.o 37, primeiro travessão).

28

A este respeito, cumpre salientar que é exacto que, segundo jurisprudência constante, no quadro da aplicação do artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 40/94, há que apreciar se um sinal descritivo apresenta actualmente, para os meios interessados, uma ligação com a categoria de produtos em causa, ou se é razoável pensar que, no futuro, tal nexo possa ser estabelecido [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Junho de 2001, Telefon & Buch/IHMI (UNIVERSALTELEFONBUCH e UNIVERSALKOMMUNIKATIONSVERZEICHNIS), T-357/99 e T-359/99, Colect., p. II-1705, n.o 29 e jurisprudência citada]. Contudo, esta questão é distinta da da determinação da data em que o exame da conformidade da marca com o artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 40/94 deve ser feito ou, no caso de um processo de declaração de nulidade, verificado. Com efeito, a circunstância de o exame da conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 40/94 dever ser efectuado reportando-se à data da apresentação do pedido de registo não exclui uma análise prospectiva do carácter descritivo da marca, desde que essa análise se baseie em elementos relativos à situação nessa data.

29

Resulta do que precede que a Câmara de Recurso se baseou erradamente nas condições de mercado tal como existiam à data do registo da marca contestada, em 29 de Outubro de 1998, para apreciar se a mesma tinha um carácter descritivo dos produtos e serviços que designa, que justifique a sua declaração de nulidade.

30

Daqui decorre que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito na interpretação do artigo 51.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 40/94. Por conseguinte, há que julgar procedente o fundamento baseado na violação desta disposição, não sendo necessário que o Tribunal se pronuncie sobre os outros fundamentos alegados pela recorrente.

Quanto às despesas

31

Nos termos do artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o IHMI ficado vencido, há que condená-lo nas despesas da recorrente, em conformidade com o seu pedido.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

 

1)

É anulada a decisão da Quarta Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), de 22 de Março de 2007 (processo R 1084/2004-4).

 

2)

O IHMI é condenado nas despesas.

 

Vilaras

Prek

Ciucă

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 3 de Junho de 2009.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.