DESPACHO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

17 de Fevereiro de 2009 ( *1 )

No processo C-483/07 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, interposto ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 5 de Novembro de 2007,

Galileo Lebensmittel GmbH & Co. KG, representada por K. Bott, Rechtsanwalt,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Braun e E. Montaguti, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: J.--C. Bonichot (relator), presidente de secção, P. Kūris e L. Bay Larsen, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

secretário: R. Grass,

ouvido o advogado-geral,

profere o presente

Despacho

1

Através do seu recurso, a Galileo Lebensmittel GmbH & Co. KG (a seguir «Galileo Lebensmittel») pede a anulação do despacho do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 28 de Agosto de 2007, Galileo Lebensmittel/Comissão (T-46/06, a seguir «despacho recorrido»), que declarou inadmissível o seu recurso de anulação da decisão da Comissão de reservar, nos termos do artigo 9.o do Regulamento (CE) n.o 874/2004 da Comissão, de 28 de Abril de 2004, que estabelece as regras de política de interesse público relativas à implementação e às funções do domínio de topo.eu, e os princípios que regem o registo (JO L 162, p. 40), o nome de domínio Internet «galileo.eu» sob o domínio de topo «.eu» para o uso das instituições, órgãos e organismos da Comunidade (a seguir «decisão controvertida»).

Quadro jurídico

2

O quadro jurídico é constituído por dois regulamentos, a saber, um regulamento de base, o Regulamento (CE) n.o 733/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Abril de 2002, relativo à implementação do domínio de topo.eu (JO L 113, p. 1), e um regulamento de execução, o Regulamento (CE) n.o 874/2004 da Comissão, de 28 de Abril de 2004, que estabelece as regras de política de interesse público relativas à implementação e às funções do domínio de topo.eu, e os princípios que regem o registo (JO L 162 p. 40).

Regulamento n.o 733/2002

3

O artigo 5.o do Regulamento n.o 733/2002, com a epígrafe «Quadro de política geral», prevê:

«1.   A Comissão, depois de consultar o registo e nos termos do n.o 3 do artigo 6.o, adoptará regras de política de interesse público relativas à implementação e às funções do TLD.eu e aos princípios de política de interesse público em matéria de registo. A política de interesse público incluirá, nomeadamente:

a)

Uma política de resolução extrajudicial de litígios;

b)

Uma política de interesse público em matéria de registo especulativo e abusivo de nomes de domínios, incluindo a possibilidade de registos de nomes de domínios por fases, a fim de garantir aos detentores de direitos anteriores reconhecidos ou consignados no direito interno e/ou no direito comunitário, bem como aos organismos públicos, oportunidades temporárias adequadas de registarem os seus nomes;

c)

Uma política relativa à possível revogação de nomes de domínios, incluindo a questão da bona vacantia;

d)

Questões de língua e conceitos geográficos;

e)

O tratamento da propriedade intelectual e outros direitos.

2.   No prazo de três meses a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento, os Estados-Membros podem notificar à Comissão e aos outros Estados-Membros uma lista limitada de nomes amplamente reconhecidos no que se refere a conceitos geográficos e/ou geopolíticos que afectam a sua organização política ou territorial, os quais podem:

a)

Não ser registados; ou;

b)

Ser registados unicamente num domínio de segundo nível, em conformidade com as regras de política de interesse público..

A lista dos nomes notificados aos quais se aplicam tais critérios será notificada sem demora ao registo pela Comissão, que procederá simultaneamente à sua publicação.

No caso de, no prazo de 30 dias a contar da data da publicação, um Estado-Membro ou a Comissão levantarem uma objecção a um ponto constante da lista notificada, a Comissão tomará medidas para resolver a situação, nos termos do n.o 3 do artigo 6.o

[…]»

4

Nos termos do artigo 7.o do Regulamento n.o 733/2002, [a] Comunidade manterá todos os direitos relativos ao TLD.eu, incluindo, em particular, os direitos de propriedade intelectual e outros direitos relativos às bases de dados do registo necessários para garantir a aplicação do presente regulamento e o direito de redesignar o registo.

Regulamento n.o 874/2004

5

O Regulamento n.o 874/2004 precisa, na sua parte introdutória, que se baseia no «[…] Regulamento [n.o 733/2002], e, nomeadamente, no n.o 1 do seu artigo 5.o, […]».

6

Nos termos do nono considerando do Regulamento n.o 874/2004:

«Um Estado-Membro deve poder designar um operador que registe como nome de domínio o seu nome oficial e o nome por que é vulgarmente conhecido. Do mesmo modo, a Comissão deve poder seleccionar nomes de domínio a serem utilizados pelas instituições da Comunidade e a designar o operador desses nomes de domínio. O registo deve ter poderes para reservar uma série de nomes de domínio especificados para as suas funções operacionais.»

7

O artigo 9.o do Regulamento n.o 874/2004, sob a epígrafe «Nome de domínio de segundo nível para os nomes geográficos e geopolíticos», prevê:

«O registo de conceitos geográficos e geopolíticos enquanto nomes de domínio, como previsto no n.o 2, alínea b), do artigo 5.o do Regulamento (CE) n.o 733/2002, pode ser previsto por um Estado-Membro que tenha notificado os nomes. Esse registo pode ser feito em qualquer nome de domínio que tenha sido registado por esse Estado-Membro.

A Comissão pode pedir ao registo que introduza directamente no TLD.eu nomes de domínio a utilizar pelas instituições e entidades comunitárias. Após a entrada em vigor do presente regulamento e até uma semana antes do início do período de registo por etapas previsto no capítulo IV, a Comissão notificará ao registo os nomes que ficarão reservados e os organismos que representam as instituições e entidades comunitárias no registo dos nomes.»

8

O artigo 10.o, n.o 1 do Regulamento n.o 874/2004 enuncia:

«Os titulares de direitos anteriores reconhecidos ou estabelecidos pelo direito nacional e/ou comunitário e os organismos públicos são elegíveis para requererem o registo de nomes de domínio durante um período de registo por etapas, antes de se iniciar o registo geral do domínio.eu.

Nos ‘direitos anteriores’ estão incluídos, inter alia, as marcas comerciais nacionais registadas, as marcas comerciais comunitárias registadas, as indicações geográficas ou designações de origem e, na medida em que se encontrem protegidos pelo direito nacional no respectivo Estado-Membro: marcas comerciais não registadas, nomes comerciais, identificadores de empresas, nomes de empresas, nomes de família e títulos distintivos de obras literárias e artísticas protegidas.

[…]»

9

O artigo 12.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 874/2004 dispõe:

«Durante a primeira fase do registo por etapas, só as marcas nacionais e comunitárias registadas […] podem ser objecto de pedidos de registo […]».

10

Nos termos do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 874/2004:

«Qualquer das partes pode dar início a um procedimento alternativo de resolução de litígios, se:

[…]

b)

Uma decisão tomada pelo registo for incompatível com o presente regulamento ou com o Regulamento (CE) n.o 733/2002.»

Factos na origem do litígio

11

Os antecedentes do litígio foram expostos como se segue nos n.os 11 a 16 do despacho recorrido:

«Sistema internacional de domínios Internet

11

O sistema de nomes de domínio Internet (DNS) é composto por um registo estruturado hierarquicamente, que [compreende] o conjunto de nomes de domínio e de computadores com eles conectados registados para determinadas empresas e pessoas que utilizam a Internet. O nome de domínio é um texto electrónico que conduz o utilizador da Internet a uma página determinada. O domínio de topo (Top Level Domain, a seguir ‘TLD’) é a parte de um nome de domínio que se encontra à direita, a seguir ao último ponto do nome. Designa o nível hierárquico mais elevado da estrutura geográfica e organizacional do sistema de nomes de domínio Internet utilizado para endereços. Na Internet, o TLD é o código de país ISO com duas letras, ou uma abreviação inglesa, por exemplo ‘.com’, ‘.net’ ou ‘.org’. A atribuição de códigos para os diferentes nomes TLD (por exemplo código de país ISO ‘.lu’ para o Luxemburgo) é coordenada pelo organismo encarregado da atribuição de nomes e de endereços Internet, a ‘Internet Corporation for Assigned Names and Numbers’ (a seguir ‘ICANN’), um organismo sem fins lucrativos de direito americano.

12

Com base nesse sistema, o conselho de administração do ICANN autorizou, em 21 de Maio de 2205, a atribuição do novo TLD ‘.eu’ e investiu o presidente do ICANN do poder de celebrar um acordo com o European Registry for Internet Domains (a seguir ‘EURid’). O EURid é uma associação sem fins lucrativos, de direito belga, designada pela Comissão para gerir o TLD ‘.eu’ [v. Decisão 2003/375/CE da Comissão, de 21 de Maio de 2003, sobre a designação do Registo do domínio de topo.eu (JO L 128, p. 29)].

Antecedentes do litígio

13

A recorrente é titular de uma licença de utilização exclusiva, de 13 de Fevereiro de 2006, de diferentes marcas registadas por conta da IFD Italian Food Distribution SA, com sede em Mertert (Luxemburgo), entre as quais a marca nominativa Galileo, registada na conservatória do registo de patentes e marcas alemã sob o n.o 2071982. A IFD Italian Food Distribution, que é a sociedade holding da recorrente, não exerce actividades de exploração.

14

Em 1 de Dezembro de 2005, a recorrente, com base no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 874/2004 e através da empresa alemã 1 & 1 Internet AG, pediu o registo do nome de domínio ‘galileo.eu’ junto do EURid. Em 7 de Dezembro de 2005, o gabinete de registo 1 & 1 Internet apresentou o pedido de registo por via electrónica ao EURid.

15

Além disso, a recorrente solicitou o registo do nome de domínio ‘galileo-food.eu’. Recebeu a este respeito uma acusação de resposta emitida pelo EURid, mas não em relação ao pedido de domínio ‘galileo.eu’.

16

O EURid não deferiu o pedido de registo nem acusou a sua recepção, visto o nome de domínio pedido ‘galileo.eu’ estar reservado à Comissão desde 7 de Novembro de 2005. A recorrente foi disto informada pelo EURid em 2 de Fevereiro de 2006. O EURid indica na sua comunicação ter procedido correctamente à reserva desse nome de domínio com base no artigo 9.o do Regulamento n.o 874/2004. Essa reserva não foi decidida pelo EURid, mas pela Comissão. Dado que esta última reservou o nome de domínio ‘galileo.eu’, tão-pouco se anotou a ordem de recepção dos pedidos de registo para esse nome de domínio.»

Recurso para o Tribunal de Primeira Instância e despacho recorrido

12

Em 13 de Fevereiro de 2006, a Galileo Lebensmittel interpôs um recurso para o Tribunal de Primeira Instância tendo em vista a anulação da decisão da Comissão de reservar o nome de domínio «galileo.eu» ao uso das instituições, órgãos e organismos da Comunidade.

13

Através do despacho recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou o recurso inadmissível, considerando que à recorrente, que não era destinatária dessa decisão, a mesma não dizia «individualmente respeito» na acepção do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE.

14

O Tribunal de Primeira Instância recordou a jurisprudência segundo a qual a possibilidade de determinar, com mais ou menos precisão, o número ou mesmo a identidade dos sujeitos de direitos aos quais se aplica uma medida, não implica que se deva considerar que essa medida diz individualmente respeito a esses sujeitos, enquanto se verificar que tal aplicação é feita por força de uma situação objectiva de direito ou de facto, definida pelo acto em causa.

15

O Tribunal prossegue salientando que, para que o acto impugnado lhe dissesse individualmente respeito, a recorrente devia, por um lado, fazer parte de um círculo restrito de operadores económicos e, por outro, beneficiar de uma protecção específica. O Tribunal considerou que no presente caso nenhuma dessas duas condições estava satisfeita.

16

No que respeita à protecção específica, o Tribunal considerou que nenhuma disposição obrigava a Comissão a tomar em conta os interesses da recorrente.

17

No que respeita à questão de saber se a Galileo Lebensmittel fazia parte de um círculo restrito de operadores económicos em razão de características próprias aos membros desse grupo, o Tribunal considerou que, no momento em que a lista foi elaborada, o número e a identidade das pessoas potencialmente afectadas pela reserva não eram conhecidos de forma definitiva nem mesmo determináveis.

18

Com efeito, cada nome de domínio inscrito nessa lista está reservado não só em relação aos titulares de direitos anteriores, de que a recorrente alega fazer parte, e aos organismos públicos, que representam um grupo muito amplo, mas ainda assim identificável, mas também em relação ao grande público. Mesmo partindo do princípio de que não seja apresentado nenhum pedido durante o período previsto para o registo antecipado e privilegiado, é sempre possível que tal pedido seja apresentado durante o período de registo público.

19

A este respeito, o Tribunal precisou que a data a ter em conta para determinar se existe um círculo restrito de operadores afectados é a da adopção da medida controvertida.

Pedidos das partes

20

No seu pedido, a Galileo Lebensmittel conclui pedindo ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o despacho recorrido e a decisão controvertida;

condenar a Comissão nas despesas dos dois processos;

a título subsidiário, anular o despacho recorrido, remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância e condenar a Comissão nas despesas efectuadas no âmbito do recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância.

21

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso e

condenar a recorrente nas despesas do presente processo.

Quanto ao presente recurso

22

Nos termos do artigo 119.o do Regulamento de Processo, quando um recurso for manifestamente inadmissível ou improcedente, o Tribunal de Justiça pode, a todo o tempo, com base no relatório do juiz-relator e ouvido o advogado-geral, rejeitar esse recurso em despacho fundamentado.

23

No seu recurso, a Galileo Lebensmittel defende que o despacho recorrido do Tribunal de Primeira Instância está ferido de erro de direito por nele se declarar que não dizia individualmente respeito à recorrente a decisão da Comissão de reservar o nome de domínio «galileo.eu» ao uso das instituições, órgãos e organismos da Comunidade.

24

Pode considerar-se que a argumentação da recorrente apresenta, no essencial, três fundamentos.

Quanto ao primeiro fundamento, segundo o qual a decisão controvertida não apresenta carácter regulamentar

Argumentos das partes

25

O primeiro fundamento prende-se com o facto de o despacho recorrido não ter suficientemente em conta as circunstâncias particulares do processo e designadamente o facto de a decisão controvertida não ser um regulamento.

26

A jurisprudência referida pelo Tribunal de Primeira Instância foi desenvolvida a propósito de recursos visando regulamentos comunitários. Ora, a decisão controvertida não tem essa natureza, sendo antes um acto de aplicação de um regulamento a um caso particular. A decisão controvertida constitui, além disso, uma medida que visa proteger as necessidades próprias da Comissão no que respeita aos nomes de domínios. A jurisprudência utilizada pelo Tribunal não é, pois, adequada ao caso.

27

A Comissão responde que a decisão controvertida é um acto de alcance geral, que produz efeitos diferentes sobre os diversos sujeitos de direito afectados, em função dos nomes de domínios que pretendam registar.

Apreciação do Tribunal de Justiça

28

O artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, abre a possibilidade a qualquer pessoa singular ou colectiva de interpor um recurso de anulação contra dois tipos de decisões, a saber, por um lado, das decisões de que seja destinatária e, por outro, das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

29

O elemento essencial de distinção reside na questão de saber se o recorrente é ou não destinatário da decisão que impugna. Se não é, para poder agir em sede de anulação, o acto recorrido deve dizer-lhe directa e individualmente respeito. A jurisprudência relativa a esse conceito de afectação individual é, assim, aplicável na hipótese de o recorrente não ser o destinatário da decisão que impugna.

30

Consequentemente, e sem que seja necessário determinar a natureza exacta da decisão controvertida, basta constatar que a Galileo Lebensmittel não era destinatária desta última. Foi, pois, acertadamente que o Tribunal de Primeira Instância aplicou a este caso a jurisprudência relativa ao conceito de afectação individual a fim de determinar se a recorrente tinha legitimidade para agir.

31

O primeiro fundamento deve, portanto, ser julgado manifestamente improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, segundo o qual o despacho recorrido não tem em conta o direito a beneficiar de uma protecção específica da marca nominativa que a recorrente diz assistir-lhe

Argumentos das partes

32

A recorrente defende que o nome de domínio «galileo.eu» é um bem económico comercializável e que a utilização controvertida equivale, no essencial, a retirá-lo do mercado sem contrapartida.

33

Na qualidade de utilizadora e titular exclusiva de uma licença para a marca dominativa Galileo, decisão controvertida diz individualmente respeito à recorrente, lesando o seu direito de marca na medida em que a impede de registar o nome de domínio «galileo.eu». Deste modo, o despacho recorrido enferma de um erro de direito.

34

A Galileo Lebensmittel invoca, a este respeito, a jurisprudência resultante do acórdão de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão (11/82, Recueil, p. 207), e menciona igualmente o acórdão de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho (C-309/89, Colect., p. I-1853), bem como as conclusões do advogado-geral no processo que deu lugar ao acórdão de 13 de Março de 2008, Comissão/Infront WM (C-125/06 P, Colect., p. I-1451).

35

A recorrente acrescenta que o Tribunal de Primeira Instância apreciou erradamente o critério da afectação individual tendo em conta os elementos de facto e de direito existentes à data da decisão controvertida, e que nada impede que a apreciação da afectação individual seja feita tendo em conta circunstâncias posteriores a essa data.

36

Por último, defende que o Regulamento n.o 874/2004 lhe confere, enquanto detentora da marca nominativa alemã Galileo, uma posição jurídica particular no procedimento de registo. A este respeito, invoca os considerados 16 e 17 do Regulamento n.o 733/2002, o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), deste, e o considerando 11 do Regulamento n.o 874/2004 e os artigos 10.o, n.os 1 e 2, e 12.o, n.o 2, deste último regulamento.

37

Segundo a Galileo Lebensmittel, estas disposições têm por objecto proteger os titulares de direitos de marca quanto à possibilidade de ser registado, como nome sob o domínio de topo «.eu», o seu nome protegido em virtude do direito das marcas. O Regulamento n.o 874/2004 organiza uma fase de registo reservada aos detentores de direitos anteriores e que ocorre antes da abertura do registo ao grande público. Tal constitui um privilégio em relação aos requerentes que, como a recorrente, não dispõem de direitos anteriores.

38

Segundo a Comissão, a recorrente pode, sem dúvida, ser afectada pela decisão controvertida, mas tal como o podem ser outros operadores, e não pode defender que é afectada «individualmente».

39

Além disso, a Comissão defende que as disposições invocadas pela Galileo Lebensmittel não são susceptíveis de lhe atribuir uma posição jurídica particular no procedimento de registo de uma marca. A Comissão acrescenta que a recorrente pretende pôr em causa não a decisão controvertida mas o próprio Regulamento n.o 874/2004, e que o prazo de interposição de um recurso de anulação desse regulamento expirou.

40

Por último, a Comissão alega que a recorrente não detém qualquer direito exclusivo em relação ao nome «Galileo», que figura em pelo menos 60 marcas comunitárias, das quais 29 contêm isoladamente esse nome.

Apreciação do Tribunal de Justiça

41

Uma pessoa singular ou colectiva só pode alegar que é individualmente afectada se a disposição controvertida a atingir em razão de determinadas qualidades que lhe são próprias ou de uma situação de facto que a caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e que, por esse facto, a individualiza de maneira análoga à do destinatário (v. acórdão de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, p. 279).

42

Como é recordado no despacho recorrido, o Tribunal de Justiça declarou, a este respeito, que, quando o acto impugnado afecta um grupo de pessoas identificadas ou identificáveis no momento em que o acto foi adoptado, em função de critérios próprios aos membros do grupo, esse acto pode dizer individualmente respeito a essas pessoas na medida em que fazem parte de um círculo restrito de operadores económicos (acórdãos Piraiki-Patraiki e o./Comissão, já referido, n.o 31, e de 22 de Junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C-182/03 e C-217/03, Colect., p. I-5479, n.o 60).

43

Sobre esta questão, o Tribunal de Primeira Instância declarou acertadamente que o número e a identidade das pessoas potencialmente afectadas pela reserva do nome de domínio não podiam ser conhecidos de forma definitiva nem mesmo ser determinados. Com efeito, foi através de uma análise correcta do procedimento previsto pelo Regulamento n.o 874/2004 que o Tribunal salientou que cada nome de domínio inscrito na lista está reservado não apenas em relação a titulares de direitos anteriores, mas também em relação ao grande público.

44

A recorrente não pode, a este respeito, comparar a sua situação com a do processo que deu lugar ao acórdão Piraiki-Patraiki e o./Comissão, já referido. Através desse acórdão, o Tribunal de Justiça reconheceu a admissibilidade de um recurso de anulação, contra uma decisão da Comissão que autorizava um Estado-Membro a instaurar medidas de salvaguarda à importação de um produto, interposto por recorrentes que, antes da adopção dessa decisão, tinham celebrado contratos de compra e venda do produto em causa e cuja execução era impedida no todo ou em parte pela referida decisão. Ora, no caso vertente, a decisão controvertida não constitui qualquer obstáculo à execução de contratos em que a recorrente seja alegadamente parte. A situação que invoca não pode, pois, dar lugar à aplicação da jurisprudência consagrada pelo referido acórdão.

45

A Galileo Lebensmittel tão-pouco pode invocar o facto de o Tribunal de Justiça, mediante o acórdão Codorniu/Conselho, já referido, ter reconhecido em benefício da sociedade implicada nesse processo a existência de uma situação que a caracterizava face à disposição normativa de alcance geral em causa em relação a qualquer outro operador económico, na medida em que essa disposição tinha levado a impedir a referida sociedade de utilizar a sua marca gráfica no comércio. A este respeito é suficiente observar que a decisão controvertida não impede a recorrente de utilizar a sua marca, pelo que a mesma não pode comparar a sua situação com a do processo que deu lugar ao acórdão Codorniu/Conselho, já referido.

46

Do mesmo modo, apesar de a jurisprudência permitir considerar que um acto diz individualmente respeito a uma pessoa pelo facto de fazer parte de um círculo restrito de operadores económicos quando esse acto modifica os direitos adquiridos por essa pessoa antes da sua adopção (v. acórdãos de 1 de Julho de 1965, Toepfer e Getreide-Import Gesellschaft/Comissão 106/63 e 107/63, Colect. 1965-1968, p. 119, e Comissão/Infront, já referido, n.o 72), a decisão controvertida não modifica, no caso vertente, em detrimento da recorrente, qualquer direito adquirido, já que o único direito que invoca é o direito sobre a marca Galileo que é abrangido por uma regulamentação diferente.

47

Por último, embora a Galileo Lebensmittel defenda, no essencial, que a decisão controvertida lesa seriamente os seus interesses, esta única circunstância não basta para lhe conferir a qualidade de «pessoa individualmente afectada» na acepção do acórdão Plaumann/Comissão, já referido, e, por conseguinte, para pôr em causa a análise do Tribunal de Primeira Instância que se limitou a aplicar esse acórdão.

48

Nestas condições, a recorrente não tem razão ao defender que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que ela não faz parte de um «círculo restrito de operadores económicos» na acepção da jurisprudência acima referida

49

A primeira parte do segundo fundamento deve, assim, ser julgada manifestamente improcedente.

50

Do mesmo modo, o Tribunal de Primeira Instância apreciou correctamente a questão de saber se as pessoas afectadas por essa decisão são identificadas ou identificáveis tendo por referência a data de adopção da decisão controvertida (v., por analogia, acórdão de 21 de Maio de 1987, Union Deutsche Lebensmittelwerke e o./Comissão, 97/85, Colect., p. 2265, n.o 11).

51

A segunda parte do segundo fundamento é, pois, manifestamente improcedente.

52

Por último, a Galileo Lebensmittel não pode sustentar que o Tribunal de Primeira Instância, através do despacho recorrido, violou o direito a uma protecção específica que a recorrente afirma assistir-lhe no procedimento de adopção da decisão controvertida.

53

O Tribunal de Justiça já declarou que o facto de uma pessoa intervir no procedimento de adopção de um acto comunitário só é susceptível de a individualizar em relação ao acto em causa no caso de a regulamentação ter previsto garantias processuais em benefício dessa pessoa. Assim, quando uma disposição de direito comunitário impõe, para a adopção uma decisão, a observância de um procedimento no âmbito do qual uma pessoa singular ou colectiva pode reivindicar eventuais direitos, entre os quais o direito a ser ouvido, a posição jurídica particular de que beneficia tem por efeito individualizá-la na acepção do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE (v., por analogia, acórdãos de 4 de Outubro de 1983, Fediol/Comissião, 191/82, Recueil, p. 2913, n.o 31, e de 1 de Abril de 2004, Comissão/Jégo-Quéré, C-263/02 P, Colect., p. I-3425, n.os 47 e 48).

54

No caso vertente, embora seja verdade que o Regulamento n.o 874/2004 prevê um período de registo antecipado e reservado de nomes de domínio em benefício dos titulares dos direitos anteriores, de que a recorrente faz parte, não institui nenhuma garantia processual que possa ser considerada um direito estabelecido a favor da Galileo Lebensmittel. Consequentemente, a recorrente não pode invocar disposições do Regulamento n.o 874/2004 para defender que têm por efeito «individualizá-la», na acepção do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE.

55

A terceira parte do segundo fundamente deve, pois, ser julgada manifestamente improcedente.

56

Resulta do que precede que a recorrente, independentemente da questão de saber se dispunha efectivamente, no momento em que apresentou um pedido de nome de domínio «galileo.eu», de um direito anterior, não tem de qualquer modo fundamento para invocar o direito a uma protecção específica desse nome e defender que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que a decisão controvertida não dizia lhe individualmente respeito.

57

As três partes do segundo fundamento devem, pois, ser julgadas manifestamente improcedentes.

Quanto ao terceiro fundamento, relativo ao direito a uma protecção jurisdicional efectiva

Argumentos das partes

58

A Galileo Lebensmittel sustenta que, ao julgar o seu recurso inadmissível, o Tribunal de Primeira Instância violou o seu direito a uma protecção jurisdicional efectiva. A recorrente está, com efeito, privada de toda e qualquer via de recurso contra a decisão controvertida, tanto num órgão jurisdicional nacional como num órgão jurisdicional comunitário.

Apreciação do Tribunal de Justiça

59

As condições de admissibilidade de um recurso de anulação não podem ser afastadas devido à interpretação feita pelo recorrente do direito a uma protecção jurisdicional efectiva (v., neste sentido, acórdãos de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C-50/00 P, Colect., p. I-6677, n.o 44, e Comissão/Jégo-Quéré, já referido, n.o 36, bem como despachos de 8 de Março de 2007, Strack/Comissão, C-237/06 P, n.o 108, e de 13 de Março de 2007, Arizona Chemical e o./Comissão, C-150/06 P, n.o 40).

60

Consequentemente, um particular que não é directa e individualmente afectado por uma decisão da Comissão e que, como tal, não é afectado nos seus interesses por essa medida, não pode invocar o direito a uma protecção jurisdicional efectiva relativamente a essa decisão (v., neste sentido, despacho de 1 de Outubro de 2004, Pérez Escolar/Comissão, C-379/03 P, n.o 41).

61

Visto que a recorrente não demonstrou que a decisão controvertida lhe dizia individualmente respeito, não tem fundamento para sustentar que o despacho recorrido lesa o seu direito a uma protecção jurisdicional efectiva.

62

O terceiro fundamento deve, pois, ser julgado manifestamente improcedente.

63

Visto nenhum dos fundamentos apresentados ser procedente, há que negar provimento ao recurso.

Quanto às despesas

64

Nos termos do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.o deste regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Galileo Lebensmittel e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Galilieo Lebensmittel GmbH & Co. KG é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.