ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

10 de Setembro de 2009 ( *1 )

«Contratos públicos — Processos de adjudicação — Contrato relativo ao serviço de recolha, transporte e eliminação de resíduos urbanos — Adjudicação sem concurso — Adjudicação a uma sociedade anónima cujo capital social é inteiramente detido por organismos públicos, mas cujos estatutos prevêem a possibilidade de participação de capital privado»

No processo C-573/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (Itália), por decisão de 11 de Outubro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 28 de Dezembro de 2007, no processo

Sea Srl

contra

Comune di Ponte Nossa,

sendo interveniente:

Servizi Tecnologici Comuni — Se.T.Co. SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, A. Ó Caoimh, J. N. Cunha Rodrigues (relator), J. Klučka e A. Arabadjiev, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 1 de Abril de 2009,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Sea Srl, por L. Nola, avvocatessa,

em representação da Comune di Ponte Nossa, por A. Di Lascio e S. Monzani, avvocati,

em representação da Servizi Tecnologici Comuni — Se.T.Co. SpA, por M. Mazzarelli e S. Sonzogni, avvocati,

em representação do Governo italiano, por R. Adam e, em seguida, por I. Bruni, na qualidade de agentes, assistidos por G. Fiengo, avvocato dello Stato,

em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e C. ten Dam, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

em representação do Governo polaco, por A. Ratajczak, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Konstantinidis e C. Zadra, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 12.o CE, 43.o CE, 45.o CE, 46.o CE, 49.o CE e 86.o CE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Sea Srl (a seguir «Sea») à Comune di Ponte Nossa (município de Ponte Nossa) a respeito da adjudicação, por esta, de um contrato relativo ao serviço de recolha, transporte e eliminação de resíduos urbanos à Servizi Tecnologici Comuni — Se.T.Co. SpA (a seguir «Setco»).

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3

O artigo 1.o da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), dispõe:

«[…]

a)

‘Contratos públicos’ são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais entidades adjudicantes, que têm por objecto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços na acepção da presente directiva.

[…]

d)

‘Contratos públicos de serviços’ são contratos públicos que não sejam contratos de empreitada de obras públicas ou contratos públicos de fornecimento, relativos à prestação de serviços mencionados no anexo II.

[…]

4.   ‘Concessão de serviços’ é um contrato com as mesmas características que um contrato público de serviços, com excepção de que a contrapartida dos serviços a prestar consiste quer unicamente no direito de exploração do serviço, quer nesse direito acompanhado de um pagamento.»

4

Nos termos do artigo 20.o desta directiva:

«Os contratos que tenham por objecto os serviços referidos no anexo II A são adjudicados de acordo com os artigos 23.o a 55.o»

5

O artigo 28.o da referida directiva dispõe que, salvo em casos excepcionais, os contratos são celebrados recorrendo a concursos públicos ou limitados.

6

Nos termos do artigo 80.o da Directiva 2004/18, os Estados-Membros deviam pôr em vigor o mais tardar até 31 de Janeiro de 2006 as disposições necessárias para lhe dar cumprimento.

7

O anexo II A desta directiva inclui uma categoria 16, que visa «Serviços de arruamentos e de recolha de lixo: serviços de saneamento e afins».

Legislação nacional e quadro estatutário

8

O artigo 2341.o A do Código Civil italiano dispõe:

«Os pactos, seja qual for a sua forma, que, com o fim de estabilizar a situação patrimonial ou a direcção da sociedade:

a)

tenham por objecto o exercício do direito de voto nas sociedades anónimas ou nas suas sociedades-mãe;

b)

limitem a transmissão de acções ou de participações nas sociedades-mãe;

c)

tenham por objecto ou por efeito o exercício, mesmo conjunto, de uma influência dominante sobre essas sociedades, não podem ter uma duração superior a cinco anos e consideram-se estipulados por essa duração, mesmo que as partes tenham previsto um prazo maior; os pactos são renováveis até ao termo da sua validade.

Se a duração do pacto não tiver sido estabelecida, cada um dos contraentes tem o direito de rescisão com um pré-aviso de 180 dias.

As disposições do presente artigo não são aplicáveis aos pactos que consistam em acordos de cooperação na produção ou na troca de bens ou de serviços e digam respeito a sociedades detidas a 100% pelos participantes no acordo.»

9

O artigo 2355.o A do Código Civil dispõe:

«No caso de acções nominativas ou cujos títulos não tenham sido emitidos, os estatutos podem sujeitar a sua transmissão a condições especiais e podem proibi-la por um período não superior a cinco anos a contar da constituição da sociedade ou do momento em que foi estabelecida essa proibição.

As disposições dos estatutos que sujeitem a transmissão de acções ao simples consentimento dos órgãos sociais ou de outros sócios são nulas se não preverem a obrigação, a cargo da sociedade ou dos outros sócios, de reaquisição, ou se não reconhecerem o direito de exoneração do cedente; as disposições do artigo 2357.o continuam a ser aplicáveis. O preço de venda ou a quota da liquidação são determinados de acordo com as modalidades e na medida prevista no artigo 2437.o ter.

As disposições do parágrafo anterior são aplicáveis em todos os casos de cláusulas que sujeitem a condições especiais a transmissão de acções por morte, salvo se for previsto o consentimento e este tiver sido dado.

Os limites à transmissão de acções devem resultar do próprio título.»

10

O Decreto legislativo n.o 267, que coordena as leis sobre a organização das entidades locais (testo unico delle leggi sull’ordinamento degli enti locali), de 18 de Agosto de 2000 (suplemento ordinário do GURI n.o 227, de 28 de Setembro de 2000), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.o 269, que aprova disposições urgentes para favorecer o desenvolvimento e corrigir o funcionamento das contas públicas (disposizioni urgenti per favorire lo sviluppo e per la correzione dell’andamento dei conti pubblici), de 30 de Setembro de 2003 (suplemento ordinário do GURI n.o 229, de 2 de Outubro de 2003), convertido em lei, após alteração, pela Lei n.o 326, de 24 de Novembro de 2003 (suplemento ordinário do GURI n.o 274, de 25 de Novembro de 2003, a seguir «Decreto legislativo n.o 267/2000»), dispõe no seu artigo 113.o, n.o 5:

«A prestação dos serviços processa-se nos termos da regulamentação do sector e com observância da regulamentação da União Europeia, sendo conferida a exploração do serviço:

a)

a sociedades de capitais escolhidas através de um procedimento de concurso;

b)

a sociedades de capital misto público e privado, nas quais o sócio privado foi escolhido através de um procedimento de concurso que dê garantias de respeito das disposições internas e comunitárias em matéria de concorrência, de acordo com as directrizes adoptadas pelas autoridades competentes em procedimentos ou circulares específicos;

c)

a sociedades de capital inteiramente público, na condição de o organismo ou organismos públicos titulares do capital social exercerem sobre a sociedade um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços e de a sociedade desenvolver o essencial da sua actividade com o organismo ou os organismos públicos que a controlam.»

11

O artigo 1.o, n.o 3, dos estatutos da Setco tem a seguinte redacção:

«Dada a natureza da sociedade, podem ser sócios os organismos públicos locais enumerados no artigo 2.o, n.o 1, do Decreto legislativo n.o 267/2000, bem como outros órgãos da administração pública e empresas públicas dotadas de personalidade jurídica cuja actividade e experiência possam favorecer a plena realização do objecto social.»

12

Nos termos do artigo 1.o, n.o 4, dos referidos estatutos:

«Não é admitida a participação de particulares ou de outros organismos e, em todo o caso, de sujeitos cuja participação, ainda que qualitativa ou quantitativamente minoritária, possa implicar uma alteração dos mecanismos de ‘controlo análogo’ (conforme definidos pelas disposições seguintes e pela disciplina comunitária e nacional) ou uma incompatibilidade de gestão relativamente à legislação em vigor.»

13

O artigo 3.o dos estatutos da Setco estabelece:

«1.   A sociedade tem por objecto a gestão dos serviços públicos locais e dos serviços públicos locais intermunicipais respeitantes exclusivamente aos organismos públicos locais que adjudicam esses serviços nos termos dos artigos 113.o e seguintes do Decreto legislativo n.o 267/2000 […], e também através de contrato entre organismos locais.

[…]

3.   Os serviços e as actividades acima mencionados:

poderão igualmente ser efectuados a favor de particulares, quando isso não seja contrário aos objectivos sociais ou contribua para a sua melhor realização;

[…]»

14

O artigo 6.o, n.o 4, desses estatutos prevê:

«A sociedade, para eventualmente fomentar a aquisição de acções a nível local (por cidadãos e/ou operadores económicos) ou [a aquisição de acções por] funcionários, poderá também emitir acções privilegiadas […]»

15

O artigo 8.o bis dos referidos estatutos enuncia:

«1.   A adjudicação directa de serviços públicos locais à sociedade pode ser determinada, com observância da regulamentação nacional e comunitária em vigor, pelos sócios representantes dos organismos locais (‘sócios adjudicantes’) relativamente a todos ou alguns dos sectores especificados no artigo 3.o, correspondentes às seguintes divisões: Divisão n.o 1: Resíduos; Divisão n.o 2: Água; Divisão n.o 3: Gás; Divisão n.o 4: Turismo; Divisão n.o 5: Energia; Divisão n.o 6: Serviços de utilidade geral.

2.   A sociedade gere os serviços exclusivamente em benefício dos sócios adjudicantes e, em todo o caso, no limite dos territórios abrangidos pela competência das referidas administrações.

3.   Os sócios exercem conjuntamente e/ou separadamente os mais amplos poderes de direcção, coordenação e supervisão sobre os órgãos e organismos societários, nomeadamente: podem convocar os órgãos societários para que prestem esclarecimentos sobre as modalidades de gestão dos serviços públicos locais; exigem periodicamente e nunca menos de duas vezes por ano relatórios sobre a gestão dos serviços e sobre a situação económico-financeira; exercem formas de controlo da gestão através das modalidades estabelecidas pelos regulamentos internos das administrações adjudicantes; dão autorização prévia, considerada condição da respectiva legitimidade, para qualquer alteração estatutária inerente à gestão dos serviços públicos locais.

4.   As divisões determinam a aplicação de mecanismos de controlo análogo, conjunto e diferenciado segundo as modalidades previstas nos presentes estatutos e nos contratos de serviços celebrados com base nele.

5.   Os sócios adjudicantes exercem os poderes relativamente às divisões para as quais deliberaram a adjudicação directa dos serviços. Para a eficiente gestão dos referidos serviços, os órgãos e funcionários da sociedade respondem pela actividade desenvolvida igualmente perante os organismos enumerados nos presentes estatutos.

6.   O controlo por parte dos sócios adjudicantes é desenvolvido mediante as prerrogativas de accionista da sociedade tais como definidas pelo direito societário, e ainda através de: um Comité unitário de direcção e controlo político-administrativo (a seguir, ‘Comité unitário’); um Comité técnico de controlo para cada divisão (a seguir, ‘Comité técnico’).

7.   Os sócios não adjudicantes podem participar, sem direito de voto, nas reuniões do Comité unitário […] e do Comité técnico […] para cada divisão. Os membros dos referidos comités podem deliberar, por maioria absoluta, que os sócios não adjudicantes não participem numa determinada reunião, ou em fases de uma reunião, devendo dar uma justificação fundamentada que constará da acta de cada reunião.»

16

O artigo 8.o ter dos estatutos da Setco tem a seguinte redacção:

«1.   O Comité unitário […] é composto: por um representante para cada sócio adjudicante, que pode ser o legal representante da entidade, o assessor delegado ou um consultor delegado pro tempore em funções; por um funcionário, com competências de apoio e de secretariado e sem direito de voto, nomeado conjuntamente pelos sócios adjudicantes na primeira reunião, designado entre os secretários, os directores-gerais ou os gerentes (ou os responsáveis, nos organismos privados, pelos serviços de direcção do pessoal), que exerça funções pelo menos num dos organismos adjudicantes.

2.   O Comité unitário desempenha funções consultivas, de direcção e decisórias para efeitos do exercício do controlo análogo, nomeadamente: a) exerce em relação aos órgãos e organismos da sociedade as competências e as prerrogativas reconhecidas ao conselho, ao executivo e ao presidente da câmara/presidente relativamente ao controlo exercido sobre os seus próprios gabinetes e serviços. O controlo é exercido sobre todos os aspectos de organização e funcionamento dos serviços objecto de adjudicação; b) dá orientações aos comités de divisão para efeitos de gestão coordenada e unitária dos serviços, bem como nas matérias e questões que envolvem outras divisões; c) designa os representantes das entidades locais no conselho de administração da sociedade; d) designa o presidente do conselho de administração e do conselho fiscal e revoga os seus mandatos nos casos enumerados nos presentes estatutos; e) dá orientações para a nomeação dos administradores delegados e do director–geral da sociedade; f) adopta a proposta do programa, do balanço económico previsional plurianual, do balanço económico previsional anual, bem como da prestação de contas anual; g) efectua audições dos órgãos de cúpula da sociedade ouvindo, pelo menos uma vez por ano, o presidente e/ou o director-geral; h) recebe relatórios periódicos sobre a gestão dos serviços públicos locais por parte dos órgãos de cúpula da sociedade com uma periodicidade pelo menos semestral; i) pode delegar algumas das suas funções num ou mais comités técnicos e pode fazê-lo de modo diferenciado em função da especificidade das respectivas competências; l) emite um parecer prévio sobre os actos das administrações objecto de aprovação em assembleia nos casos previstos nos presentes estatutos.

3.   O Comité unitário tem uma reunião ordinária pelo menos uma vez por ano e reuniões extraordinárias a pedido: a) de um dos sócios adjudicantes; b) do legal representante da sociedade.»

17

Nos termos do artigo 8.o quater dos referidos estatutos:

«1.   É instituído um Comité técnico […] para cada uma das seguintes divisões: Divisão n.o 1: Resíduos; Divisão n.o 2: Água; Divisão n.o 3: Gás; Divisão n.o 4: Turismo; Divisão n.o 5: Energia; Divisão n.o 6: Serviços de utilidade geral.

2.   O Comité técnico […] é composto: por um representante para cada sócio adjudicante designado entre os secretários, os directores-gerais ou os gerentes (ou os responsáveis, nos organismos privados, pelos serviços de direcção do pessoal), que exerça funções pelo menos num dos organismos adjudicantes […]

3.   Uma mesma pessoa pode fazer parte de comités técnicos de mais de uma divisão.

4.   O Comité técnico, nomeadamente: a) exerce em relação aos órgãos e organismos da sociedade as competências e as prerrogativas reconhecidas aos órgãos técnicos da administração sobre os seus próprios gabinetes. O controlo é exercido sobre todos os aspectos de organização e funcionamento dos serviços objecto de adjudicação dentro das competências da divisão em causa e com observância das directivas do Comité unitário; b) apoia o Comité unitário nas decisões inerentes à organização e ao funcionamento dos serviços da competência da divisão; c) exerce as funções que lhe foram delegadas pelo Comité unitário; d) coordena os sistemas de controlo de gestão da sociedade; e) propõe ao Comité unitário ou aos órgãos da sociedade a adopção dos actos necessários à coordenação da actuação da sociedade com os objectivos das administrações adjudicantes tais como resultam do plano executivo de gestão e do plano de objectivos; f) fornece apoio técnico-administrativo à actividade da sociedade através das modalidades estabelecidas pelos regulamentos das administrações adjudicantes e/ou pela convenção de organização das relações entre essas administrações; g) assinala eventuais disfunções na gestão dos serviços e propõe as correcções a introduzir à regulamentação comunal e aos actos de regulamentação dos serviços públicos locais.»

18

O artigo 14.o dos mesmos estatutos dispõe:

«1.   Sem prejuízo das prerrogativas dos órgãos de controlo análogo, conjunto e diferenciado, referidos nos artigos 8.o bis, 8.o ter e 8.o quater anteriores, a assembleia ordinária decide sobre todas as matérias previstas pela lei e pelos presentes estatutos, tendo em conta as directivas, orientações e eventuais instruções dadas por esses órgãos relativamente à organização e gestão dos serviços públicos locais que são directamente confiados à sociedade.

[…]

3.   Estão sujeitos a autorização prévia da assembleia ordinária, com base no parecer favorável do Comité unitário referido no artigo 8.o ter precedente relativamente às partes inerentes à organização e ao funcionamento dos serviços públicos locais, os seguintes actos adoptados pelos administradores:

a)

Planificação programática, orçamentos previsionais plurianuais e anuais e orçamento provisório de rectificação do orçamento previsional;

b)

Constituição de sociedades de capitais que tenham por objecto actividades de apoio ou complementares às da sociedade; aquisição de participações, mesmo que minoritárias, nessas sociedades, e seu abandono;

c)

Activação de novos serviços previstos pelos estatutos ou cessação dos já prestados;

d)

Aquisição e alienação de imóveis e de instalações, empréstimos hipotecários e outras operações semelhantes, de qualquer tipo e de qualquer natureza, que impliquem um compromisso financeiro de valor superior a 20% do património líquido resultante do último orçamento aprovado;

e)

Orientações para a formulação de tarifas e de preços dos serviços prestados, quando não estão sujeitos a restrições legais ou não são fixados por órgãos ou autoridades competentes.

[…]

5.   A assembleia e o Comité unitário podem dar o seu consentimento à realização dos actos referidos nos pontos anteriores, ainda que sujeito à condição de que certas instruções, obrigações ou actos devem ser cumpridos pelos administradores. Neste caso, os administradores elaboram um relatório sobre o cumprimento das instruções no prazo imposto no acto de autorização ou, na falta deste, nos 30 dias a contar da realização do acto em questão.

6.   Os organismos locais accionistas que representam pelo menos 20% do capital social, e cada accionista adjudicante, através do Comité unitário, podem exigir, se considerarem que a sociedade não realizou ou não está em vias de realizar o acto em conformidade com a autorização concedida, a convocação imediata da assembleia, de acordo com o artigo 2367.o, n.o 1, do Código Civil, para que esta adopte as medidas que considere oportunas no interesse da sociedade.

7.   A execução de actos sujeitos a autorização prévia sem ter sido pedido e obtido o consentimento da assembleia ou o parecer favorável do Comité unitário nos casos previstos pelos estatutos, ou ainda a não execução do acto em conformidade com a autorização concedida poderá constituir justa causa para a destituição dos administradores.

8.   O conselho de administração que não pretenda executar o acto autorizado pela assembleia, adopta, no prazo de quinze dias a contar do dia da deliberação da assembleia, uma decisão ad hoc fundamentada, que deve ser imediatamente transmitida aos organismos locais accionistas e, quanto às matérias relativas à gestão dos serviços públicos locais, ao Comité unitário. O Comité unitário, relativamente às decisões relativas à organização e/ou à gestão dos serviços públicos locais, pode adoptar, nos 30 dias a contar da recepção da comunicação do conselho de administração, uma decisão de confirmação do seu parecer e/ou das suas instruções. O acto adoptado será vinculativo para o órgão de administração.

[…]»

19

O artigo 16.o desses estatutos enuncia:

«1.   A sociedade é administrada por um conselho de administração que tem poderes de administração ordinária e extraordinária, sem prejuízo dos poderes que, em virtude da lei ou dos estatutos:

a)

estejam reservados à assembleia,

b)

estejam sujeitos a autorização prévia da assembleia,

c)

estejam reservados aos órgãos de controlo análogo referidos nos artigos 8.o bis e seguintes dos estatutos.

2.   O conselho de administração é composto por 3 (três) a 7 (sete) membros, nomeados pela assembleia com base na designação do Comité unitário referido no artigo 8.o ter. Em todo o caso, compete aos accionistas adjudicantes nomear directamente, destituir e substituir um número de administradores (incluindo o presidente do conselho de administração) proporcional ao tamanho da sua participação e, em todo o caso, superior à metade destes.

[…]

6.   O conselho de administração adopta as decisões relativas à organização e/ou à gestão dos serviços públicos locais que são objecto de uma adjudicação directa no respeito das orientações adoptadas pelos órgãos de controlo referidos nos artigos 8.o bis e seguintes dos presentes estatutos.

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

20

A Sea, adjudicatária na sequência do concurso público de adjudicação do contrato de serviço de recolha, transporte e eliminação de resíduos sólidos urbanos e resíduos semelhantes no território da Comune di Ponte Nossa, prestou o referido serviço por um período de três anos, de 1 de Janeiro de 2004 a 31 de Dezembro de 2006.

21

A Setco é uma sociedade anónima participada por algumas autarquias de Val Seriana, cujo maior accionista é a Comune di Clusone.

22

Por decisão de 16 de Dezembro de 2006, a Comune di Ponte Nossa decidiu tornar-se sócia minoritária da Setco com o objectivo de adjudicar directamente à mesma o referido serviço a partir de 1 de Janeiro de 2007.

23

Em 23 de Dezembro de 2006, as autarquias accionistas da Setco, incluindo a Comune di Ponte Nossa, adaptaram os estatutos desta sociedade com vista a submetê-la a um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços, em conformidade com o disposto no artigo 113.o, n.o 5, alínea c), do Decreto legislativo n.o 267/2000.

24

Por decisão de 30 de Dezembro de 2006, a Comune di Ponte Nossa adjudicou directamente o serviço de recolha, transporte e eliminação de resíduos sólidos urbanos e resíduos semelhantes no seu território à Setco a partir de 1 de Janeiro de 2007, sem concurso prévio.

25

Em 2 de Janeiro de 2007, a Sea interpôs recurso no Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia (tribunal administrativo regional da Lombardia) das decisões da Comune di Ponte Nossa de 16 e 30 de Dezembro de 2006.

26

A Sea alegou, nomeadamente, que a Comune di Ponte Nossa, ao adjudicar directamente o serviço em questão à Setco, violou o artigo 113.o, n.o 5, do Decreto legislativo n.o 267/2000 e os artigos 43.o CE, 49.o CE e 86.o CE, na medida em que não exerce sobre a Setco um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, como é exigido para a adjudicação directa de um serviço a uma empresa em cujo capital a entidade adjudicante participa.

27

O órgão jurisdicional de reenvio considera que há certos factores que podem suscitar dúvidas quanto à questão de saber se a Comune di Ponte Nossa exerce sobre a Setco um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços.

28

Por um lado, é possível que particulares participem no capital da Setco, embora esta participação não exista actualmente. O órgão jurisdicional de reenvio esclarece a este respeito que, apesar de ser excluída expressamente a participação de particulares no capital da Setco no artigo 1.o, n.o 4, dos seus estatutos, esta parece possível em virtude do disposto no artigo 6.o, n.o 4, dos mesmos estatutos e no artigo 2355.o A do Código Civil italiano.

29

Por outro lado, em relação aos poderes de controlo efectivamente atribuídos à Comune di Ponte Nossa relativamente à Setco, este órgão jurisdicional interroga-se se pode existir um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços quando detém apenas uma participação minoritária na referida sociedade.

30

Nestas condições, o Tribunale amministrativo regionale per la Lombardia decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É compatível com o direito comunitário, em particular com a liberdade de estabelecimento ou de prestação de serviços, com a proibição de discriminação e com as obrigações decorrentes do princípio da igualdade de tratamento, da transparência e da liberdade de concorrência, previstos nos artigos 12.o CE, 43.o CE, 45.o CE, 46.o CE, 49.o CE e 86.o CE, a adjudicação directa de um serviço de recolha, transporte e eliminação de resíduos sólidos urbanos e resíduos semelhantes a uma sociedade anónima de capitais inteiramente públicos e estatutos adaptados — para efeitos do artigo 113.o do Decreto legislativo n.o 267, de 18 de Agosto de 2000 — nos termos expostos na fundamentação?»

Quanto à questão prejudicial

31

A título preliminar, importa observar que a adjudicação de um serviço de recolha, transporte e eliminação de resíduos urbanos, como o que está em causa no processo principal, pode, dependendo das especificidades da contrapartida desse serviço, enquadrar-se na definição de contratos públicos de serviços ou na de concessão de serviços públicos, na acepção, respectivamente, do artigo 1.o, n.o 2, alínea d), ou n.o 4, da Directiva 2004/18.

32

De acordo com os elementos que constam da decisão de reenvio e dos autos transmitidos ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio, o contrato em causa no processo principal poderá constituir um contrato público de serviços, especialmente pelo facto de o contrato celebrado entre a Setco e a Comune di Ponte Nossa de prestação dos serviços em questão prever que esta pague à Setco a contrapartida dos serviços por ela prestados.

33

Um contrato como este pode enquadrar-se no âmbito da Directiva 2004/18, enquanto contrato de serviços de recolha de lixo pertencente à categoria 16 do anexo II A desta directiva.

34

No entanto, a decisão de reenvio não contém todas as informações necessárias para se determinar se se trata de uma concessão de serviços ou de um contrato público de serviços e, neste último caso, se todas as condições de aplicação desta directiva estão preenchidas. Em particular, não indica se o montante do contrato em causa no processo principal ultrapassa o limiar para a aplicação desta.

35

Em todo o caso, a questão de saber se o processo principal diz respeito a uma concessão de serviços ou a um contrato público de serviços, e a questão de saber se, neste último caso, esse contrato de serviços se enquadra ou não no âmbito de aplicação da Directiva 2004/18, não vão influenciar a resposta a dar pelo Tribunal de Justiça à questão prejudicial.

36

Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um concurso não é obrigatório quando tiver sido celebrado contrato oneroso com uma entidade juridicamente distinta da autoridade local que é a entidade adjudicante, no caso em que este organismo exerce sobre a referida entidade um controlo, mesmo que o contraente seja uma entidade juridicamente distinta da entidade adjudicante, no caso em que o organismo local, que é a entidade adjudicante, exerce sobre a entidade distinta em causa um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, e no caso em que essa entidade realiza o essencial da sua actividade com a autarquia ou autarquias que a detêm (v., neste sentido, acórdão de 18 de Novembro de 1999, Teckal, C-107/98, Colect., p. I-8121, n.o 50).

37

Ora, esta jurisprudência é pertinente tanto para a interpretação da Directiva 2004/18 como para a interpretação dos artigos 12.o CE, 43.o CE e 49.o CE e dos princípios gerais de que eles constituem a expressão específica (v., neste sentido, acórdãos de 11 de Janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau, C-26/03, Colect., p. I-1, n.o 49; e de 13 de Outubro de 2005, Parking Brixen, C-458/03, Colect., p. I-8585, n.o 62).

38

Importa recordar que, não obstante o facto de certos contratos não se enquadrarem no âmbito de aplicação das directivas comunitárias em matéria de contratos públicos, as entidades adjudicantes que os celebram estão obrigadas a respeitar as regras fundamentais do Tratado CE (v., neste sentido, acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress, C-324/98, Colect., p. I-10745, n.o 60; e despacho de 3 de Dezembro de 2001, Vestergaard, C-59/00, Colect., p. I-9505, n.o 20).

39

No que se refere à adjudicação de contratos públicos de serviços, as entidades adjudicantes devem respeitar, em particular, os artigos 43.o CE e 49.o CE e os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, assim como a obrigação de transparência que deles decorre (v., neste sentido, acórdãos Parking Brixen, já referido, n.os 47 a 49; e de 6 de Abril de 2006, ANAV, C-410/04, Colect., p. I-3303, n.os 19 a 21).

40

A aplicação das regras enunciadas nos artigos 12.o CE, 43.o CE e 49.o CE, bem como dos princípios gerais de que elas constituem a expressão específica, está no entanto excluída se simultaneamente o organismo local que é a entidade adjudicante exercer sobre a entidade adjudicatária um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e se aquela entidade realizar o essencial da sua actividade com a autoridade ou com as autoridades que a detêm (v., neste sentido, acórdãos Teckal, já referido, n.o 50; Parking Brixen, já referido, n.o 62; e de 9 de Junho de 2009, Comissão/Alemanha, C-480/06, Colect., p. I-4747, n.o 34).

41

O facto de a entidade adjudicatária ser constituída como sociedade de capitais não exclui de forma alguma a aplicação da excepção permitida pela jurisprudência recordada no parágrafo anterior. No acórdão ANAV, já referido, o Tribunal de Justiça reconheceu que essa jurisprudência era aplicável no caso de uma sociedade anónima.

42

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, não obstante o facto de, nos termos do disposto no artigo 1.o, n.os 3 e 4, dos estatutos da Setco, o acesso ao capital da Setco estar reservado a entidades públicas, o artigo 6.o, n.o 4, desses estatutos prevê que a Setco pode emitir acções privilegiadas, para eventualmente fomentar a aquisição de acções, a nível local, por cidadãos e operadores económicos ou a aquisição de acções por funcionários.

43

Na audiência, a Comune di Ponte Nossa alegou que o referido artigo 6.o, n.o 4, deveria ter sido revogado no âmbito da alteração dos estatutos da Setco em 23 de Dezembro de 2006, mas que, por erro, foi mantido. Ainda segundo a Comune di Ponte Nossa, este artigo 6.o, n.o 4, foi posteriormente revogado. Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar a veracidade destes elementos, que poderão levar a excluir a possibilidade de o capital da Setco ser aberto a investidores privados.

44

A decisão de reenvio suscita a questão de saber se uma entidade adjudicante pode exercer sobre uma sociedade da qual é accionista, com a qual pretende celebrar um contrato, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços no caso em que existe a possibilidade de investidores privados entrarem no capital da sociedade em questão, ainda que isso não tenha ocorrido.

45

Para responder a esta questão, importa salientar que a circunstância de a entidade adjudicante deter, em conjunto com outras autoridades públicas, a totalidade do capital de uma sociedade adjudicatária indicia, sem ser decisiva, que essa entidade adjudicante exerce sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços (v., neste sentido, acórdãos de 11 de Maio de 2006, Carbotermo e Consorzio Alisei, C-340/04, Colect., p. I-4137, n.o 37; e de 13 de Novembro de 2008, Coditel Brabant, C-324/07, Colect., p. I-8457, n.o 31).

46

Ao invés, a participação, ainda que minoritária, de uma empresa privada no capital de uma sociedade na qual também participa a entidade adjudicante em causa exclui, de qualquer forma, que esta entidade adjudicante possa exercer sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços. (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Stadt Halle e RPL Lochau, n.o 49; e Coditel Brabant, n.o 30).

47

Em regra, a existência efectiva de uma participação privada no capital da sociedade adjudicatária deve ser verificada no momento da adjudicação do contrato público em causa (v., neste sentido, acórdão Stadt Halle e RPL Lochau, já referido, n.os 15 e 52). Pode igualmente ser pertinente ter em conta o facto de que, no momento em que uma entidade adjudicante atribui um contrato a uma sociedade na qual detém a totalidade do capital, a legislação nacional aplicável prevê a abertura obrigatória da sociedade, a curto prazo, a outros capitais (v., neste sentido, acórdão Parking Brixen, já referido, n.os 67 e 72).

48

Excepcionalmente, circunstâncias particulares podem exigir que sejam tidos em consideração factos ocorridos após a data da adjudicação do contrato em causa. É este o caso, em particular, quando acções da sociedade adjudicatária, anteriormente detidas inteiramente pela entidade adjudicante, são transmitidas a uma empresa privada pouco depois de o contrato em causa ter sido adjudicado a essa sociedade no quadro de um artifício destinado a contornar as normas comunitária na matéria (v., neste sentido, acórdão de 10 de Novembro de 2005, Comissão/Áustria, C-29/04, Colect., p. I-9705, n.os 38 a 41).

49

É verdade que não se pode excluir a possibilidade de acções de uma sociedade serem vendidas a terceiros em qualquer momento. No entanto, admitir que esta mera possibilidade possa manter em suspenso indefinidamente a apreciação sobre o carácter público ou não do capital de uma sociedade adjudicatária de um contrato público não seria conforme com o princípio da segurança jurídica.

50

Se o capital de uma sociedade for inteiramente detido pela entidade adjudicante, sozinha ou conjuntamente com outras autoridades públicas, no momento em que o contrato em questão é adjudicado a essa sociedade, a abertura do capital da sociedade a investidores privados só pode ser tomada em consideração se existir, nesse momento, uma perspectiva concreta e a curto prazo dessa abertura.

51

Daqui resulta que, numa situação como a do processo principal, em que o capital da sociedade adjudicatária é inteiramente público e em que não há nenhum indício concreto da abertura iminente do capital dessa sociedade a accionistas privados, a mera possibilidade de particulares participarem no capital da referida sociedade não basta para se concluir que a condição relativa ao controlo da autoridade pública não foi preenchida.

52

Esta conclusão não é posta em causa pelas considerações que constam do n.o 26 do acórdão de 21 de Julho de 2005, Coname (C-231/03, Colect., p. I-7287), segundo as quais o facto de uma sociedade como a que está em causa no processo que deu origem a esse acórdão estar aberta ao capital privado impede que seja considerada uma estrutura de gestão interna de um serviço público no âmbito dos municípios que dela fazem parte. Com efeito, nesse processo, tinha sido adjudicado um serviço público a uma sociedade cujo capital não era inteiramente público, mas maioritariamente público, e, portanto, misto, no momento dessa adjudicação (v. acórdão Coname, já referido, n.os 5 e 28).

53

Importa, todavia, esclarecer que, no caso em que um contrato tenha sido adjudicado, sem concurso, a uma sociedade de capitais públicos nas condições indicadas no n.o 51 do presente acórdão, o facto de, posteriormente, mas sempre durante o período de validade desse contrato, ser permitido a accionistas privados participar no capital da referida sociedade constituiria a alteração de uma condição fundamental do contrato, exigindo assim a realização de um concurso.

54

A questão que se coloca a seguir é a de saber se, no caso em que uma autoridade pública se torna numa accionista minoritária de uma sociedade anónima de capitais inteiramente públicos a fim de lhe adjudicar a gestão de um serviço público, o controlo que as autoridades públicas accionistas dessa sociedade exercem sobre ela deve, para ser qualificado de análogo ao controlo que exercem sobre os seus próprios serviços, ser exercido separadamente por cada uma dessas autoridades ou pode ser exercido por elas conjuntamente.

55

A jurisprudência não exige que o controlo exercido sobre a sociedade adjudicatária num caso como este seja exercido por cada autoridade separadamente (v., neste sentido, acórdão Coditel Brabant, já referido, n.o 46).

56

Com efeito, no caso de várias autoridades públicas optarem por desempenhar algumas das suas missões de serviço público através do recurso a uma sociedade que detêm em comum, está normalmente excluído que uma dessas autoridades, que tenha apenas uma participação minoritária nessa sociedade, exerça sozinha um controlo determinante sobre as decisões desta última. Exigir em semelhante caso que o controlo exercido por uma autoridade pública seja individual teria por consequência impor um concurso na maioria dos casos em que essa autoridade pretendesse tornar-se accionista de uma sociedade detida por outras autoridades públicas a fim de lhe adjudicar a gestão de um serviço público (v., neste sentido, acórdão Coditel Brabant, já referido, n.o 47).

57

Um tal resultado não seria conforme com o sistema das regras comunitárias em matéria de contratos públicos e de concessões. Com efeito, aceita-se que uma autoridade pública tenha a possibilidade de desempenhar as missões de interesse público que lhe incumbem através dos seus próprios meios, administrativos, técnicos e outros, sem ser obrigada a recorrer a entidades externas que não pertençam aos seus serviços (acórdãos, já referidos, Stadt Halle e RPL Lochau, n.o 48; Coditel Brabant, n.o 48; e Comissão/Alemanha, n.o 45).

58

Esta possibilidade de as autoridades públicas recorrerem aos seus próprios meios para darem execução às suas missões de serviço público pode ser exercida em colaboração com outras autoridades públicas (v., neste sentido, acórdãos de 19 de Abril de 2007, Asemfo, C-295/05, Colect., p. I-2999, n.o 57; e Coditel Brabant, já referido, n.o 49).

59

Há assim que admitir que, quando diversas autoridades públicas detêm uma sociedade à qual confiam a execução de uma das suas missões de serviço público, o controlo dessas autoridades públicas sobre esta sociedade pode ser exercido de forma conjunta por estas últimas (v., neste sentido, acórdão Coditel Brabant, já referido, n.o 50).

60

Relativamente a um órgão colegial, o processo utilizado para a tomada de decisão, designadamente o recurso à aprovação por maioria, é irrelevante (v. acórdão Coditel Brabant, já referido, n.o 51).

61

Esta conclusão também não é posta em causa pelo acórdão Coname, já referido. É certo que o Tribunal de Justiça considerou, no n.o 24 desse acórdão, que uma participação de 0,97% é tão reduzida que não é susceptível de permitir que um município exerça o controlo sobre o concessionário que gere um serviço público. No entanto, nesta passagem do mencionado acórdão, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a questão de saber se tal controlo podia ser exercido de forma conjunta (v. acórdão Coditel Brabant, já referido, n.o 52).

62

De resto, o Tribunal de Justiça admitiu posteriormente, no acórdão Asemfo, já referido (n.os 56 a 61), que, em determinadas circunstâncias, a condição relativa ao controlo exercido pela autoridade pública adjudicante podia considerar-se verificada se esta autoridade detivesse apenas 0,25% do capital de uma empresa pública (v. acórdão Coditel Brabant, já referido, n.o 53).

63

Daqui decorre que, se uma autoridade pública se tornar accionista minoritária de uma sociedade anónima de capitais inteiramente públicos a fim de lhe adjudicar a gestão de um serviço público, o controlo que as autoridades públicas accionistas dessa sociedade exercem sobre ela pode ser qualificado de análogo ao controlo que exercem sobre os seus próprios serviços quando for exercido de forma conjunta por essas autoridades.

64

A questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio visa, além disso, determinar se as estruturas decisórias como as previstas pelos estatutos da Setco são susceptíveis de permitir aos municípios accionistas exercer efectivamente sobre a sociedade que detêm um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços.

65

Para verificar se a entidade adjudicante exerce sobre a sociedade adjudicatária um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, devem tomar-se em consideração todas as disposições legislativas e todas as circunstâncias pertinentes. Deve resultar deste exame que a sociedade adjudicatária está sujeita a um controlo que permite à entidade adjudicante influenciar as decisões da referida sociedade. Deve tratar-se de uma possibilidade de influência determinante, tanto sobre os objectivos estratégicos como sobre as decisões importantes desta sociedade (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Carbotermo e Consorzio Alisei, n.o 36, e Coditel Brabant, n.o 28).

66

Entre os elementos pertinentes identificados na decisão de reenvio, cabe examinar, desde logo, a legislação aplicável, a seguir, a questão de saber se a sociedade em causa é orientada para o mercado e, por último, os mecanismos de controlo previstos nos estatutos da Setco.

67

No que se refere à legislação aplicável, o artigo 113.o, n.o 5, alínea c), do Decreto legislativo n.o 267/2000 prevê que a exploração do serviço pode ser conferida, com observância da regulamentação da União Europeia, a sociedades de capital inteiramente público, na condição de o organismo ou organismos públicos titulares do capital social «exercerem sobre a empresa um controlo análogo ao exercido sobre os seus próprios serviços e de a empresa desenvolver o essencial da sua actividade com o organismo ou os organismos públicos que a controlam».

68

Ao adoptar estes termos, o legislador italiano retomou textualmente a redacção das condições enunciadas no n.o 50 do acórdão Teckal, já referido, e confirmadas em vários acórdãos posteriores do Tribunal de Justiça. Uma legislação nacional como esta está, em princípio, em conformidade com o direito comunitário, sendo de precisar que a interpretação da referida legislação deve também ser conforme às exigências do direito comunitário (v., neste sentido, acórdão ANAV, já referido, n.o 25).

69

Por outro lado, resulta da decisão de reenvio que os municípios accionistas da Setco alteraram os estatutos desta sociedade, em 23 de Dezembro de 2006, a fim de a submeter a um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços, em conformidade com o disposto no artigo 113.o, n.o 5, alínea c), do Decreto legislativo n.o 267/2000.

70

Resulta também do artigo 8.o bis, n.o 1, desses estatutos que essa alteração dos estatutos da Setco visa assegurar a observância da regulamentação comunitária na matéria.

71

De resto, não há nenhum elemento nos autos que indique que os referidos estatutos tenham sido alterados com a intenção de contornar as normas comunitárias em matéria de contratos públicos.

72

Por último, tal como decorre da decisão de reenvio, tanto o quadro legislativo como o quadro estatutário pertinentes só permitem às entidades locais menores confiar directamente a gestão dos serviços públicos locais de relevância económica a sociedades de capitais inteiramente públicos se esses organismos exercerem sobre a sociedade um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços na acepção do direito comunitário. Segundo o órgão jurisdicional nacional, a expressão «controlo análogo» não é, porém, aí definida.

73

No que se refere à questão de saber se a sociedade em causa é orientada para o mercado que torna difícil o controlo dos organismos que são dela accionistas, importa examinar o âmbito geográfico e material das actividades dessa sociedade, assim como a possibilidade de esta estabelecer relações com empresas do sector privado.

74

O artigo 3.o dos estatutos da Setco, intitulado «Objecto social», dispõe que a Setco gere os serviços públicos locais respeitantes exclusivamente aos organismos públicos locais que adjudicam esses serviços.

75

Além disso, o artigo 8.o bis, n.o 2, desses estatutos enuncia que a Setco gere os serviços exclusivamente em benefício dos sócios adjudicantes e no limite dos territórios abrangidos pela competência desses sócios.

76

Essas disposições indicam, por um lado, que o âmbito geográfico das actividades da sociedade adjudicatária em causa no processo principal não se estende para além do território dos municípios que são dela accionistas e, por outro, que essa sociedade tem por objecto a gestão dos serviços públicos somente para esses municípios.

77

Todavia, o artigo 3.o, n.o 3, dos referidos estatutos prevê que a Setco pode igualmente efectuar serviços a favor de particulares, quando isso não é contrário aos objectivos sociais ou contribui para a sua melhor realização.

78

Na audiência, a Setco afirmou que o poder de que dispõe de lidar com empresas do sector privado constitui um acessório indispensável à execução das suas missões de serviço público. A título exemplificativo, mencionou a triagem selectiva dos resíduos, que pode tornar necessária a revenda de certas categorias de matérias recuperadas a entidades especializadas a fim de realizarem a sua reciclagem. Segundo a Setco, tratava-se de actividades acessórias à recolha de resíduos, e não de actividades alheias à actividade principal.

79

Importa considerar que, ainda que o poder reconhecido à sociedade adjudicatária em causa no processo principal de prestar serviços a operadores económicos privados seja meramente acessório à sua actividade principal, que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a existência desse poder não impede que o objectivo principal desta sociedade continue a ser a gestão de serviços públicos. Por conseguinte, a existência desse poder não basta para considerar que a referida sociedade é orientada para o mercado, tornando assim difícil o controlo dos organismos que a detêm.

80

Esta conclusão é confirmada pelo facto de a segunda condição colocada no n.o 50 do acórdão Teckal, já referido, segundo a qual a sociedade adjudicatária deve desenvolver o essencial da sua actividade com os organismos que a detêm, permitir que esta sociedade exerça uma actividade com carácter marginal com outros operadores diferentes desses organismos (v., neste sentido, acórdão Carbotermo e Consorzio Alisei, já referido, n.o 63). Esta condição deixaria de ter objecto se a primeira condição estabelecida no n.o 50 do acórdão Teckal, já referido, fosse interpretada no sentido de proibir qualquer actividade acessória, incluindo com o sector privado.

81

No que se refere aos mecanismos de controlo previstos nos estatutos da Setco, decorre dos autos que, pelas alterações efectuadas a esses estatutos em 23 de Dezembro de 2006, os sócios pretenderam sobrepor à assembleia geral e ao conselho de administração, tal como previstos no direito societário italiano, estruturas decisórias não expressamente previstas nesse direito, destinadas a assegurar sobre a Setco um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços. Trata-se, designadamente, de assegurar um controlo reforçado através, por um lado, do Comité unitário e, por outro, de um Comité técnico para cada divisão responsável pelas diferentes actividades da Setco.

82

Tal como resulta dos artigos 8.o ter e 8.o quater dos referidos estatutos, o Comité unitário e os comités técnicos são compostos por representantes dos organismos que são sócios. Cada um desses organismos dispõe de um voto no seio desse comités, qualquer que seja a dimensão do organismo em causa ou o número de acções que detém.

83

Por outro lado, os artigos 8.o bis a 8.o quater dos estatutos da Setco atribuem ao Comité unitário e aos comités técnicos amplos poderes de controlo e de decisão.

84

Correlativamente, o artigo 14.o desses estatutos limita os poderes da assembleia geral impondo-lhe considerar as orientações e instruções aprovadas pelos comités acima mencionados e exigindo um parecer favorável do Comité unitário antes de a assembleia geral poder autorizar a realização de certos actos pelos administradores da sociedade.

85

De igual modo, o artigo 16.o dos referidos estatutos restringe a autonomia decisória do conselho de administração, impondo-lhe que respeite os poderes reservados aos referidos comités e subordinando as suas decisões ao respeito das instruções deles provenientes.

86

Atendendo ao alcance dos poderes de controlo e de decisão que atribuem aos comités que estabelecem e ao facto de esses comités serem compostos por representantes dos organismos accionistas, as disposições estatutárias, como as da sociedade adjudicatária em causa no processo principal, devem ser interpretadas no sentido de que criam condições para os organismos accionistas poderem exercer, por intermédio desses comités, uma influência determinante, tanto sobre os objectivos estratégicos como sobre as decisões importantes desta sociedade.

87

O órgão jurisdicional de reenvio considera, no entanto, que os artigos 8.o bis a 8.o quater dos estatutos da Setco, na medida em que se referem ao Comité unitário e aos comités técnicos, são assemelhados aos pactos parassociais previstos no artigo 2341.o bis do Código Civil italiano. Daqui infere que o controlo análogo ao que os organismos accionistas exercem sobre os seus próprios serviços, alvo do mecanismo dos referidos comités, poderá ser inoperante.

88

Trata-se de uma questão de interpretação das normas nacionais que compete ao órgão jurisdicional de reenvio resolver.

89

Sem prejuízo da verificação por este da relevância das disposições estatutárias em causa, daqui resulta que, em circunstâncias como as do processo principal, o controlo exercido, através dos órgãos estatutários, pelos organismos accionistas sobre a sociedade adjudicatária pode ser interpretado no sentido de permitir que esses organismos exerçam sobre essa sociedade um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços.

90

À luz do exposto, há que responder à questão prejudicial do seguinte modo:

Os artigos 43.o CE e 49.o CE, os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como a obrigação de transparência que deles decorre, não se opõem à adjudicação directa de um contrato público de serviços a uma sociedade anónima de capitais inteiramente públicos, desde que o organismo público que constitui a entidade adjudicante exerça sobre essa sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e que essa sociedade desenvolva o essencial da sua actividade com o organismo ou organismos que a detém.

Sem prejuízo da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio da relevância das disposições estatutárias em causa, o controlo exercido pelos organismos accionistas sobre a referida sociedade pode ser considerado análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços em circunstâncias como as do processo principal, quando:

a actividade da referida sociedade esteja limitada ao território dos referidos organismos e for essencialmente exercida em benefício destes, e

através dos órgãos estatutários compostos por representantes dos referidos organismos, estes exerçam uma influência determinante tanto sobre os objectivos estratégicos como sobre as decisões importantes da referida sociedade.

Quanto às despesas

91

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

 

Os artigos 43.o CE e 49.o CE, os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como a obrigação de transparência que deles decorre, não se opõem à adjudicação directa de um contrato público de serviços a uma sociedade anónima de capitais inteiramente públicos, desde que o organismo público que constitui a entidade adjudicante exerça sobre essa sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e que essa sociedade desenvolva o essencial da sua actividade com o organismo ou organismos que a detém.

 

Sem prejuízo da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio da relevância das disposições estatutárias em causa, o controlo exercido pelos organismos accionistas sobre a referida sociedade pode ser considerado análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços em circunstâncias como as do processo principal, quando:

 

a actividade da referida sociedade esteja limitada ao território dos referidos organismos e for essencialmente exercida em benefício destes, e

 

através dos órgãos estatutários compostos por representantes dos referidos organismos, estes exerçam uma influência determinante tanto sobre os objectivos estratégicos como sobre as decisões importantes da referida sociedade.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.