ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

11 de Junho de 2009 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância — Marca comunitária — Recusa de registo — Regulamento (CE) n.o 40/94 — Artigo 7.o, n.o 3 — Carácter distintivo adquirido pela utilização — Utilização posterior à data da apresentação do pedido de registo»

No processo C-542/07 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, interposto em 30 de Novembro de 2007,

Imagination Technologies Ltd, com sede em Kings Langley, Hertfordshire (Reino Unido), representada por M. Edenborough, barrister, mandatado por P. Brownlow e N. Jenkins, solicitors,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por D. Botis, na qualidade de agente,

recorrido em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, A. Tizzano e J.-J. Kasel (relator), juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Fevereiro de 2009,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Através do seu recurso, a Imagination Technologies Ltd (a seguir «Imagination Technologies») pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 20 de Setembro de 2007, Imagination Technologies/IHMI (PURE DIGITAL) (T-461/04, a seguir «acórdão recorrido»), no qual foi negado provimento ao seu recurso de anulação da decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) de 16 de Setembro de 2004, que recusou o registo como marca comunitária do sinal nominativo «PURE DIGITAL» (a seguir «decisão controvertida»), com o fundamento de que a marca em causa era «descritiva e desprovida de carácter distintivo» na acepção do artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), e que, atendendo aos elementos de prova fornecidos, o n.o 3 deste artigo não era de aplicar.

Quadro jurídico

2

O Regulamento n.o 40/94 foi revogado pelo Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (versão codificada) (JO L 78, p. 1), que entrou em vigor em 13 de Abril de 2009. No entanto, atendendo à data dos factos, o litígio no processo principal é regulado pelo Regulamento n.o 40/94.

3

Por força do disposto no artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento n.o 40/94, será recusado o registo:

«[…]

b)

De marcas desprovidas de carácter distintivo;

c)

De marcas compostas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de fabrico do produto ou da prestação do serviço, ou outras características destes;

[…]»

4

Nos termos do n.o 3 do mesmo artigo 7.o, «[a]s alíneas b), c) e d) do n.o 1 não são aplicáveis se, na sequência da utilização da marca, esta tiver adquirido um carácter distintivo para os produtos ou serviços para os quais foi pedido o registo».

5

O artigo 9.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94 dispõe:

«3.   O direito conferido pela marca comunitária só é oponível a terceiros a partir da publicação do registo da marca. Todavia, pode ser exigida uma indemnização razoável por actos posteriores à publicação do pedido de marca comunitária que, após a publicação do registo da marca, sejam proibidos por força desta. O tribunal em que for proposta a acção não pode decidir do mérito da causa enquanto o registo não for publicado.»

6

O artigo 51.o, n.os 1 e 2, do referido regulamento, intitulado «Causas de nulidade absoluta», prevê:

«1.   A nulidade da marca comunitária é declarada […]:

[…]

b)

Sempre que o titular da marca não tenha agido de boa-fé no acto de depósito do pedido de marca.

2.   Se a marca comunitária tiver sido registada contrariamente ao n.o 1, alíneas b), c) ou d), do artigo 7.o, não pode, todavia, ser declarada nula se, pela utilização que dela foi feita, tiver adquirido, depois do registo, um carácter distintivo para os produtos ou serviços para que foi registada.»

Factos na origem do litígio

7

Em 1 de Outubro de 2001, a Imagination Technologies apresentou ao IHMI um pedido de registo de marca comunitária ao abrigo do Regulamento n.o 40/94.

8

A marca cujo registo foi requerido é o sinal nominativo «PURE DIGITAL». Os produtos e serviços para os quais o registo da marca foi pedido fazem parte das classes 9 e 38, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição:

classe 9: «Aparelhos eléctricos e electrónicos a utilizar com sistemas de entretenimento multimédia; aparelhos de instalação para receber, gravar e reproduzir som, vídeo e informações digitais; adaptadores vídeo digitais e adaptadores vídeo interactivos a utilizar com computadores, aparelhos de vídeo, material informático, programa para utilizar com aplicações multimédia e aplicações gráficas; colunas, amplificadores, descodificadores, sistemas DVD e de rádio digital; computadores portáteis de bolso e dispositivos de comunicação; placas, placas de som, cartuchos; fitas, discos, cassetes e outros suportes para a gravação de dados, de som e de imagem; sistema de entretenimento pré-instalado, neste caso dispositivos de navegação pré-instalados, rádios ou vídeos pré-instalados funcionando em qualquer sistema de reprodução pré-instalado; peças, instalações e componentes electrónicos para todos os produtos citados»;

classe 38: «Telecomunicação de informações, programas informáticos, jogos e programas para computadores e instalações de vídeo; serviços de correio electrónico, fornecimento de acesso mediante telecomunicação às bases de dados informáticas e à Internet».

9

Por decisão de 12 de Dezembro de 2003, o examinador do IHMI rejeitou o pedido de registo com o fundamento de que a marca em causa era descritiva e desprovida de carácter distintivo na acepção do artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 40/94. À luz dos elementos de prova apresentados pela Imagination Technologies, o examinador afastou, além disso, a aplicação do n.o 3 do mesmo artigo.

10

Em 29 de Janeiro de 2004, a Imagination Technologies interpôs recurso da referida decisão para o IHMI. Através da decisão controvertida, a Segunda Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso, confirmando a recusa do registo da marca requerida.

Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

11

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Dezembro de 2004, a Imagination Technologies interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida.

12

A recorrente apresenta os três fundamentos de recurso seguintes:

em primeiro lugar, violação do artigo 7.o, n.o 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 40/94, na medida em que a Câmara de Recurso considerou erradamente que o sinal não possuía carácter distintivo intrínseco;

em segundo lugar, violação do artigo 38.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94, na medida em que a referida Câmara não tomou em consideração a possibilidade de pedir a declaração de renúncia prevista nesta disposição; e

em terceiro lugar, violação do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94, na medida em que a Câmara de Recurso devia ter reconhecido que a marca tinha adquirido carácter distintivo pela utilização que a recorrente dela tinha feito.

13

Depois de julgar os dois primeiros fundamentos improcedentes, o Tribunal de Primeira Instância pronunciou-se sobre os argumentos relativos ao artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94, designadamente o relativo à não tomada em consideração dos elementos de prova da utilização pelo facto de que estes se referiam a um período posterior à apresentação do pedido de registo.

14

A este respeito, referindo-se, no n.o 77 do acórdão recorrido, à sua jurisprudência constante [v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2002, eCopy/IHMI (ECOPY), T-247/01, Colect., p. II-5301, n.o 36; de 13 de Dezembro de 2004, El Corte Inglés/IHMI — Pucci (EMILIO PUCCI), T-8/03, Colect., p. II-4297, n.os 71 e 72; e de 15 de Dezembro de 2005, BIC/IHMI (Forma de um isqueiro de pedra), T-262/04, Colect., p. II-5959, n.o 66], o Tribunal de Primeira Instância recordou, em primeiro lugar, que o carácter distintivo de uma marca deve ter sido adquirido por uma utilização anterior à apresentação do pedido de registo dessa marca.

15

Segundo o Tribunal de Primeira Instância, esta interpretação é a única compatível com a coerência do sistema dos motivos absolutos e relativos de recusa em matéria de registo da marca comunitária, por força do qual a data da apresentação do pedido de registo determina a prioridade de uma marca em relação a outra. Declarou aquele Tribunal que esta interpretação permite igualmente evitar que o requerente da marca possa tirar indevidamente partido da duração do período de registo a fim de provar que a sua marca adquiriu carácter distintivo através de uma utilização posterior à apresentação do seu pedido.

16

Em seguida, no n.o 78 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância afastou o argumento da recorrente baseado no artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94, indicando que a referida disposição se justifica em razão da confiança legítima do titular da marca e dos investimentos realizados durante o período decorrido desde o registo, mas que, em contrapartida, não existe uma confiança legítima no quadro de um simples pedido de registo. Por consequência, aquele Tribunal entendeu que não há que tomar em consideração a eventual utilização da marca posteriormente à apresentação do pedido de registo.

17

Por último, no n.o 79 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que elementos de prova posteriores à data da apresentação do pedido não permitem tirar conclusões sobre a utilização da marca tal como se apresentava nessa mesma data (v., por analogia, despachos do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 2004, La Mer Technology, C-259/02, Colect., p. I-1159, n.o 31, e de 5 de Outubro de 2004, Alcon/IHMI, C-192/03 P, Colect., p. I-8993, n.o 41).

18

Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância julgou igualmente o terceiro fundamento improcedente.

19

Por consequência, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso na totalidade.

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

20

No presente recurso, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular o acórdão recorrido;

declarar que a recorrente tem o direito de ser reembolsada das despesas que efectuou no âmbito do presente processo e do processo no Tribunal de Primeira Instância.

21

O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar integralmente provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao presente recurso

Argumentos das partes

22

A Imagination Technologies invoca um único fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94 pelo Tribunal de Primeira Instância, na medida em que este considerou que o carácter distintivo de uma marca cujo registo foi pedido deve ter sido adquirido antes da data da apresentação do pedido.

23

A Imagination Technologies considera que o carácter distintivo requerido não deve necessariamente existir antes da data da apresentação do pedido de registo, mas que pode igualmente ser adquirido no decurso do processo de registo e até à data em que é tomada a decisão sobre o referido carácter distintivo, ou seja, até ao momento em que o IHMI decide sobre a questão de saber se existem motivos absolutos de recusa que obstem ao registo da marca.

24

Antes de mais, a Imagination Technologies considera que a «coerência do sistema» dos motivos absolutos e relativos de recusa, em que se baseia o Tribunal de Primeira Instância no n.o 77 do acórdão recorrido, já admite uma situação comparável àquela a que conduz a interpretação que a recorrente preconiza para o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94.

25

Com efeito, segundo a recorrente, em conformidade com o disposto no artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94, quando um primeiro pedido de marca tiver sido apresentado contrariamente ao n.o 1, alíneas b), c) ou d), do artigo 7.o deste regulamento, o seu registo não pode ser posto em causa se a marca tiver entretanto adquirido carácter distintivo. Este primeiro registo obsta assim a um pedido de registo posterior, apesar de a primeira marca ser desprovida de carácter distintivo na data da apresentação do segundo pedido de registo.

26

No contexto do artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94, a apreciação do carácter distintivo da marca podia portanto ser efectuada após o registo. Em contrapartida, segundo a recorrente, não é exigido que a utilização correspondente seja igualmente posterior a esse registo. A marca podia, consequentemente, adquirir carácter distintivo no decurso do processo de registo. Se o artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94 admite a prova da aquisição do carácter distintivo pela utilização da marca após a apresentação do pedido de registo, este mesmo raciocínio deve também aplicar-se ao artigo 7.o, n.o 3, do referido regulamento.

27

A recorrente considera, em seguida, que a confiança legítima, invocada pelo Tribunal de Primeira Instância no n.o 78 do acórdão recorrido, em que analisou o artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94, deve ser modulada em razão do facto de o titular de uma marca registada por erro ter perfeitamente consciência da fragilidade do seu registo.

28

Por outro lado, a recorrente entende que a interpretação literal do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94, segundo a qual a expressão «foi pedido o registo» visa unicamente o momento da apresentação do pedido de registo, não é de nenhuma utilidade, uma vez que não tem em conta todos os eventos susceptíveis de se produzirem posteriormente, como uma alteração da lista dos produtos e serviços ou a retirada desse pedido de registo.

29

A recorrente entende ainda dever beneficiar do artigo 9.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94 na medida em que este está em perfeita sintonia com a sua posição relativa à data a tomar em consideração para apreciar o carácter distintivo de uma marca. Com efeito, se a data-limite fosse aquela em que o IHMI se pronuncia sobre o carácter distintivo, só poderia, nesse caso, ser concedida, em conformidade com o referido artigo 9.o, n.o 3, «uma indemnização razoável por actos posteriores à publicação do pedido de marca comunitária» quando se tratasse de uma marca efectivamente distintiva.

30

Por último, a recorrente invoca um princípio jurisprudencial por força do qual devem ser tomados em consideração elementos pertinentes ocorridos após a abertura do processo judicial em causa. Assim, afirma que já houve situações em que o Tribunal de Justiça teve em conta factos ocorridos entre a apresentação do pedido por violação do direito de marca e o momento em que foi proferida a decisão relativa a essa acção (acórdão de 27 de Abril de 2006, Levi Strauss, C-145/05, Colect., p. I-3703, n.o 37).

31

Além disso, a recorrente afirma que o Tribunal de Primeira Instância considerou que devem ser tomados em consideração elementos posteriores à apresentação de uma oposição, até à data em que a decisão é tomada [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Setembro de 2006, MIP Metro/IHMI-Tesco Stores (METRO), T-191/04, Colect., p. II-2855, n.o 46].

32

O IHMI considera, pelo contrário, que a decisão controvertida aplica o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94 de maneira conforme.

33

Por um lado, a interpretação literal do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94, em especial da expressão «foi pedido o registo», confirma a interpretação segundo a qual a marca deve ter atingido o grau de carácter distintivo requerido antes da data da apresentação do pedido de registo.

34

Por outro lado, a interpretação teleológica do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94, tendo em conta a «coerência do sistema» dos motivos absolutos e relativos de recusa, obsta a que sejam aceites provas da aquisição do carácter distintivo da marca posteriormente à apresentação do pedido de registo, hipótese que apresenta o risco de alargar artificialmente o monopólio do titular da marca e de encorajar os requerentes a apresentarem muito rapidamente os seus pedidos de marcas desprovidas de carácter distintivo com o único objectivo de beneficiarem de uma data prioritária de protecção para os sinais em causa.

35

O IHMI entende que, se o sistema de protecção instituído pelo Regulamento n.o 40/94 tolera, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 3, do mesmo regulamento, uma excepção ao princípio segundo o qual apenas os sinais conformes com as exigências da regulamentação em causa devem ser protegidos como marcas comunitárias, é em razão da utilização que já foi feita do sinal no momento em que começa o período de protecção.

36

No que respeita à pretensa fragilidade da confiança legítima, o IHMI considera o argumento da recorrente desprovido de fundamento, na medida em que esta última já não pode legitimamente confiar que a sua marca venha a ser registada. Segundo o IHMI, se todos os requerentes de marca estivessem conscientes da fragilidade dos seus pedidos, deveriam ser considerados requerentes de má fé e a excepção prevista no artigo 51.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 40/94 perderia a sua razão de ser. A expressão «confiança legítima» deve ser interpretada no sentido de que, ao registar uma marca, se cria uma presunção legal de validade do monopólio relativamente ao titular.

37

O IHMI alega ainda que os artigos 7.o, n.o 3, e 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94 são de tal forma distintos do ponto de vista material e jurídico que é impossível encará-los de forma analógica. Isto é tanto mais válido quanto estas disposições devem, enquanto excepções ao princípio da recusa do registo de um sinal abrangido por um motivo absoluto, ser interpretadas em sentido estrito. A própria existência do artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94 demonstra, de resto, que o legislador comunitário pretendeu dar importância ao carácter distintivo adquirido após o registo unicamente nas situações previstas por esta disposição.

38

No que respeita ao artigo 9.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94, relativo à indemnização que pode ser exigida a partir da data de publicação da marca, o IHMI é de opinião que esta disposição de forma nenhuma afecta os direitos conferidos ao titular pela data de prioridade do seu registo.

39

O IHMI alega que, de qualquer forma, seguir o raciocínio da recorrente comportaria o risco de violar os princípios da economia processual e da segurança jurídica, na medida em que haveria então a tentação por parte dos requerentes de pedir sistematicamente prorrogações dos seus pedidos, o que levaria a um alongamento da duração do procedimento de exame e a um aumento dos custos administrativos, bem como a um risco acrescido de ver terceiros apresentarem pedidos para sinais idênticos àqueles cujo processo de registo está em curso.

40

Finalmente, em relação aos acórdãos referidos pela recorrente, o IHMI indica que se trata de processos relativos à necessidade de manter a validade de um direito anterior em razão de factos ocorridos após o registo da marca, de forma que nenhuma consequência pode ser deduzida em relação ao presente processo.

Apreciação do Tribunal de Justiça

41

Para se pronunciar sobre o fundamento suscitado pela recorrente no âmbito do seu recurso, importa recordar que, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94, «[a]s alíneas b), c) e d) do n.o 1 não são aplicáveis se, na sequência da utilização da marca, esta tiver adquirido um carácter distintivo para os produtos ou serviços para os quais foi pedido o registo».

42

Resulta assim da própria redacção desta disposição, mais concretamente da utilização dos verbos no pretérito nas expressões «[a marca] tiver adquirido» e «na sequência da utilização da marca», que a marca já deve ter adquirido, no momento da apresentação do pedido de registo, carácter distintivo através de uma utilização anterior.

43

Cabe sublinhar que esta constatação, que respeita à versão francesa, é corroborada pela análise de diferentes outras versões linguísticas, designadamente as versões inglesa, alemã, italiana e neerlandesa.

44

Por outro lado, a evolução da legislação na matéria reflecte claramente que a intenção do legislador comunitário foi conferir a protecção associada à marca comunitária apenas às marcas cujo carácter distintivo tenha sido adquirido através de uma utilização anterior ao pedido de registo.

45

Com efeito, o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94 é idêntico, no essencial, ao artigo 3.o, n.o 3, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), revogada pela Directiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (versão codificada) (JO L 299, p. 25) (a seguir «Directiva 89/104»), que entrou em vigor em 28 de Novembro de 2008.

46

O artigo 3.o, n.o 3, da Directiva 89/104 tem a seguinte redacção:

«Não será recusado o registo de uma marca ou este não será declarado nulo nos termos do n.o 1, alíneas b), c) ou d), se, antes da data do pedido de registo e após o uso que dele foi feito, a marca adquiriu um carácter distintivo. Os Estados-Membros podem prever, por outro lado, que o disposto no primeiro período se aplicará também no caso em que o carácter distintivo tiver sido adquirido após o pedido de registo ou o registo.»

47

A este respeito, o quarto considerando da Directiva 89/104 indica que esta última não retira aos Estados-Membros a faculdade de continuarem a proteger as marcas adquiridas pela utilização, mas que regula apenas as suas relações com as marcas adquiridas pelo registo.

48

Todavia, na medida em que o direito comunitário deixou de prever, desde a entrada em vigor do Regulamento n.o 40/94, cujo objectivo consiste em instituir um regime comunitário das marcas, a faculdade de os Estados-Membros aplicarem o artigo 7.o, n.o 3, deste regulamento às marcas que tenham adquirido carácter distintivo após o pedido de registo ou após o registo, há que concluir que o legislador comunitário pretendeu limitar a protecção das marcas ao abrigo do artigo 7.o, n.o 3, deste regulamento às marcas cujo carácter distintivo tenha sido adquirido por uma utilização anterior ao pedido de registo.

49

A interpretação literal do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94 e do artigo 3.o, n.o 3, primeiro período, da Directiva 89/104 permite portanto concluir que o carácter distintivo deve ter sido adquirido através de uma utilização da marca anterior à data do pedido de registo.

50

Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a interpretação literal do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94 não permite tomar em consideração os eventos susceptíveis de se produzirem posteriormente à apresentação do pedido de registo, basta sublinhar que a recorrente não demonstra de que modo uma modificação da lista de produtos ou a retirada do pedido de registo poderia ter uma incidência sobre a data da apreciação do carácter distintivo da marca. Este argumento deve, consequentemente, ser rejeitado.

51

Por outro lado, como declarou acertadamente o Tribunal de Primeira Instância no n.o 77 do acórdão recorrido, tal interpretação literal do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94 é a única que é compatível com a coerência do sistema dos motivos absolutos e relativos de recusa em matéria de registo da marca comunitária, segundo o qual a data da apresentação do pedido de registo determina a prioridade de uma marca em relação a outra.

52

Acresce que uma marca desprovida de carácter distintivo no momento da apresentação do pedido de registo poderia servir de fundamento para a aplicação, no quadro de uma oposição ou de um pedido de declaração de nulidade, de um motivo relativo de recusa contra outra marca cuja data de apresentação fosse posterior à data da apresentação da primeira marca. Semelhante hipótese é ainda mais inaceitável quando, na data da sua apresentação, a segunda marca já apresenta um carácter distintivo, enquanto a primeira ainda não adquiriu esse carácter através da utilização.

53

A este respeito, o argumento da recorrente baseado no artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94, segundo o qual este artigo já admite a prova de uma utilização após a apresentação do pedido de registo, não pode ser acolhido.

54

Com efeito, por um lado, o artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94, na medida em que institui uma excepção relativamente às causas de nulidade absoluta reguladas pelo n.o 1 do referido artigo 51.o, deve ser objecto de interpretação restritiva e não pode, portanto, servir de fundamento para um raciocínio por analogia no quadro da interpretação do artigo 7.o, n.o 3, do referido regulamento.

55

Por outro lado, importa recordar, como acertadamente fez o Tribunal de Primeira Instância no n.o 78 do acórdão recorrido, que o artigo 51.o, n.o 2, do Regulamento n.o 40/94 se justifica pela confiança legítima do titular da marca no registo desta última, e que é com fundamento nesta confiança legítima que o titular da marca efectua investimentos durante o período decorrido desde o registo. Ora, há que reconhecer que tal confiança legítima no registo da marca não pode ser invocado por ocasião do pedido de registo.

56

Neste contexto, a afirmação da recorrente segundo a qual a confiança legítima que pode ser invocada pelo titular de uma marca registada por erro deve ser modulada, em razão da consciência que esse titular deve ter da fragilidade do registo da marca, não é convincente. Se se considerasse que todos os titulares de marcas registadas por erro estão de má fé, o artigo 51.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 40/94, que considera a má fé do requerente uma causa de nulidade absoluta, deveria ser aplicado em todas as situações de registo de uma marca por erro, de modo que o n.o 2 do referido artigo ficaria privado de substância.

57

A recorrente alega que a apreciação do carácter distintivo da marca no dia da análise dos motivos de recusa está em perfeita sintonia com a leitura do artigo 9.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94; ora, basta salientar que o referido artigo, além de se coadunar igualmente com a interpretação segundo a qual o carácter distintivo deve ter sido adquirido antes do pedido de registo, regula a questão da indemnização susceptível de ser exigida aos terceiros por factos ocorridos posteriormente à publicação da marca, mas anteriores ao seu registo. A verdade é que a recorrente não demonstra de que forma a questão da oponibilidade em relação a terceiros do direito conferido pela marca comunitária seria susceptível de afectar a questão do carácter distintivo da marca no momento da apresentação do pedido de registo.

58

Relativamente aos acórdãos invocados pela recorrente em apoio da sua tese, deve salientar-se que, por um lado, no acórdão Levi Strauss, já referido, o Tribunal de Justiça se pronunciou sobre as consequências do comportamento do titular em relação ao alcance da protecção de uma marca regularmente adquirida e, por outro, no acórdão MIP Metro/IHMI-Tesco Stores (METRO), já referido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que devem ser tomadas em consideração as alterações de circunstâncias ocorridas entre a apresentação da oposição e a decisão que se pronuncia sobre esta última.

59

Ora, impõe-se reconhecer que estes acórdãos não são pertinentes para decidir a questão de direito suscitada no presente processo, relativa a um pedido de registo de uma marca desprovida de carácter distintivo no momento da sua apresentação.

60

Tendo em conta o que precede, importa concluir que foi acertadamente que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a marca em causa devia ter adquirido carácter distintivo antes da data da apresentação do pedido de registo em consequência da utilização que dela tenha sido feita.

61

Consequentemente, o único fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento n.o 40/94, não é procedente, pelo que há que negar provimento ao recurso.

Quanto às despesas

62

Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 118.o do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o IHMI pedido a condenação da Imagination Technologies e tendo esta última sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Imagination Technologies Ltd é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.