ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

8 de Setembro de 2009 ( *1 )

«Tratados bilaterais entre Estados-Membros — Protecção num Estado-Membro de uma indicação de proveniência geográfica de outro Estado-Membro — Denominação ‘Bud’ — Utilização da marca American Bud — Artigos 28.o CE e 30.o CE — Regulamento (CE) n.o 510/2006 — Regime comunitário de protecção das indicações geográficas e das denominações de origem — Adesão da República Checa — Medidas transitórias — Regulamento (CE) n.o 914/2004 — Âmbito de aplicação do regime comunitário — Carácter exaustivo»

No processo C-478/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Handelsgericht Wien (Áustria), por decisão de 27 de Setembro de 2007, entrado no Tribunal de Justiça em 25 de Outubro de 2007, no processo

Budějovický Budvar, národní podnik

contra

Rudolf Ammersin GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans (relator), A. Rosas e K. Lenaerts, presidentes de secção, P. Kūris, E. Juhász, L. Bay Larsen e P. Lindh, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,

secretário: K. Sztranc-Sławiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de Dezembro de 2008,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Budějovický Budvar, národní podnik, por C. Petsch, Rechtsanwalt,

em representação da Rudolf Ammersin GmbH, por C. Hauer, B. Goebel e C. Schulte, Rechtsanwälte,

em representação do Governo checo, por T. Boček e M. Smolek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo helénico, por I. Chalkias e K. Marinou, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por B. Doherty, B. Schima e M. Vollkommer, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 5 de Fevereiro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 28.o CE e 30.o CE, do Acto relativo às condições de adesão à União Europeia da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33, a seguir, «Acto de Adesão»), do Regulamento (CE) n.o 918/2004 da Comissão, de 29 de Abril de 2004, relativo a disposições transitórias em matéria de protecção das denominações de origem e das indicações geográficas dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios devido à adesão da República Checa, da Estónia, de Chipre, da Letónia, da Lituânia, da Hungria, de Malta, da Polónia, da Eslovénia e da Eslováquia (JO L 163, p. 88), bem como do Regulamento (CE) n.o 510/2006 do Conselho, de 20 de Março de 2006, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 93, p. 12).

2

Esse pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a Budějovický Budvar, národní podnik (a seguir, «Budvar»), uma fábrica de cerveja estabelecida na cidade de Česke Budějovice (República Checa), à Rudolf Ammersin GmbH (a seguir, «Ammersin»), uma sociedade estabelecida em Viena (Áustria) que explora o comércio de distribuição de bebidas, relativamente ao pedido da Budvar de que seja proibido à Ammersin comercializar sob a marca American Bud cerveja produzida pela fábrica de cerveja Anheuser-Busch Inc. (a seguir, «Anheuser Busch»), estabelecida em Saint Louis (Estados Unidos), com o fundamento de que, em virtude de tratados bilaterais que vinculam a República Checa e a República da Áustria, a utilização da denominação «Bud» neste último Estado-Membro é reservada a cerveja produzida na República Checa.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

O artigo 1.o do Acordo de Lisboa, de 31 de Outubro de 1958, para a protecção das denominações de origem e seu registo internacional, revisto em Estocolmo em 14 de Julho de 1967 e alterado em 28 de Setembro de 1979 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 828, n.o 13172, p. 205, a seguir, «Acordo de Lisboa») dispõe:

«1)   Os países a que se aplica o presente Acordo constituem-se em União Particular no âmbito da União para a protecção da Propriedade Industrial.

2)   Obrigam-se a proteger nos seus territórios, nos termos do presente Acordo, as denominações de origem dos produtos dos outros países da União Particular, reconhecidas e protegidas como tal no país de origem e registadas na Secretaria Internacional da propriedade intelectual […] visada na Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual [OMPI].»

4

Nos termos do artigo 2.o do Acordo de Lisboa:

«1)   Entende-se por denominação de origem, no sentido do presente Acordo, a denominação geográfica de um país, de uma região ou de uma localidade que serve para designar um produto dele originário cuja qualidade ou características são devidas exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo os factores naturais e os factores humanos.

2)   O país de origem é aquele cujo nome, ou no qual está situada a região ou localidade cujo nome constitui a denominação de origem que deu ao produto a sua notoriedade.»

5

A denominação de origem BUD (denominação de origem n.o 598) foi registada em 10 de Março de 1975, para cerveja, na OMPI, ao abrigo do Acordo de Lisboa.

Direito comunitário

Acto de Adesão

6

Nos termos do artigo 20.o do Acto de Adesão:

«Os actos enumerados no anexo II do presente acto devem ser adaptados nos termos desse anexo.»

7

No anexo II do Acto de Adesão intitulado «Lista referida no artigo 20.o do Acto de Adesão», o capítulo 6, A, ponto 18, dispõe:

«31996 R 1107: Regulamento (CE) n.o 1107/96 da Comissão, de 12 de Junho de 1996, relativo ao registo das indicações geográficas e denominações de origem nos termos do procedimento previsto no artigo 17.o do Regulamento (CEE) n.o 2081/92 do Conselho (JO L 148 […], p. 1), alterado por:

[…]

32002 R 1829: Regulamento (CE) n.o 1829/2002 da Comissão, de 14 [de Outubro de] 2002 (JO L 277 […], p. 10).

a)

Ao artigo 1.o é aditado o seguinte parágrafo:

‘As denominações ‘Budějovické pivo’, ‘Českobudějovické pivo’ e ‘Budějovický měšťanský var’ são registadas como Indicações Geográficas Protegidas (IGP) e incluídas no Anexo segundo as especificações apresentadas [à] Comissão, o que não prejudica nenhuma marca de cerveja ou outros direitos existentes na União Europeia à data da adesão’.

b)

Na Parte B do Anexo, é inserido o seguinte na rubrica ‘Cerveja’:

‘REPÚBLICA CHECA:

Budějovické pivo (IGP)

Českobudějovické pivo (IGP)

Budějovický měšťanský [var] (IGP)’.»

Regulamento (CEE) n.o 2081/92

8

O sétimo considerando do Regulamento (CEE) n.o 2081/92 do Conselho, de 14 de Julho de 1992, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO L 208, p. 1), enuncia:

«[…] que as actuais práticas nacionais de execução das denominações de origem e das indicações geográficas não estão harmonizadas; que é necessário prever uma abordagem comunitária; que, com efeito, um quadro de regras comunitárias que inclua um regime de protecção permitirá o desenvolvimento das indicações geográficas e das denominações de origem na medida em que garantirá, através de uma abordagem mais uniforme, a igualdade das condições de concorrência entre os produtores de produtos que beneficiem dessas menções e conduzirá a uma maior credibilidade desses produtos aos olhos dos consumidores».

9

Os artigos 5.o a 7.o do Regulamento n.o 2081/92 estabelecem o procedimento de registo das indicações geográficas e das denominações de origem visadas no artigo 2.o desse regulamento, dito «procedimento normal». Segundo o artigo 5.o, n.o 4, do referido regulamento, o pedido de registo será enviado ao Estado-Membro onde se situa a área geográfica em causa. Este verificará, segundo o artigo 5.o, primeiro parágrafo, a correcta fundamentação do pedido e transmiti-lo-á à Comissão das Comunidades Europeias.

10

Devido ao facto de a instrução de um pedido de registo pela Comissão necessitar de algum tempo e de, enquanto se aguarda uma decisão relativa ao registo de uma denominação, dever admitir-se a concessão pelo Estado-Membro de uma protecção nacional transitória, o Regulamento (CE) n.o 535/97 do Conselho, de 17 de Março de 1997, que altera o Regulamento (CEE) n.o 2081/92 (JO L 83, p. 3), inseriu o seguinte texto após o primeiro parágrafo do artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2081/82:

«A protecção, na acepção do presente regulamento, bem como, se for caso disso, o período de adaptação, só podem ser concedidos a nível nacional e a título transitório por esse Estado-Membro à denominação assim enviada a partir da data desse envio; […]

A protecção nacional transitória deixa de existir a partir da data em que for tomada uma decisão sobre o registo por força do presente regulamento. […]

As consequências de uma tal protecção nacional, no caso de a denominação não ser registada nos termos do presente regulamento, são da exclusiva responsabilidade do Estado-Membro em questão.

As medidas adoptadas pelos Estados-Membros por força do segundo parágrafo só produzirão efeitos a nível nacional e não devem afectar as trocas comerciais intracomunitárias.»

11

O artigo 17.o do Regulamento n.o 2081/92 institui um procedimento de registo, aplicável ao registo das denominações de origem que já existiam à data de entrada em vigor desse regulamento, dito «procedimento simplificado». Essa disposição prevê, nomeadamente, que os Estados-Membros comunicarão à Comissão, no prazo de seis meses seguinte à data da entrada em vigor do Regulamento n.o 2081/92, as denominações que desejam registar ao abrigo deste regulamento.

12

A fim de ter em conta, nomeadamente, o facto de a primeira proposta de registo das indicações geográficas e das denominações de origem, que a Comissão devia elaborar nos termos do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2081/92, só ter sido apresentada ao Conselho da União Europeia no mês de Março de 1996, quando a maior parte do período transitório de cinco anos previsto no artigo 13.o, n.o 2, do mesmo regulamento tinha decorrido, o Regulamento n.o 535/97, entrado em vigor em 28 de Março de 1997, substituiu este último número pelo seguinte texto:

«2.   Em derrogação das alíneas a) e b) do n.o 1, os Estados-Membros podem manter os regimes nacionais que autorizem a utilização das denominações registadas nos termos do artigo 17.o durante um período máximo de cinco anos após a data de publicação do registo, desde que:

os produtos tenham sido comercializados legalmente sob essas denominações durante, pelo menos, cinco anos antes da data de publicação do presente regulamento,

as empresas tenham comercializado legalmente os produtos em causa utilizando de forma contínua as denominações durante o período referido no primeiro travessão,

a rotulagem faça transparecer claramente a verdadeira origem do produto.

Todavia, esta derrogação não pode conduzir à livre comercialização dos produtos no território de um Estado-Membro em que essas denominações eram proibidas.»

13

O artigo 1.o, ponto 15 do Regulamento (CE) n.o 692/2003 do Conselho, de 8 de Abril de 2003, que altera o Regulamento (CEE) n.o 2081/92 (JO L 99, p. 1), dispõe:

«São revogados o n.o 2 do artigo 13.o e o artigo 17.o Todavia, as disposições dos referidos artigos continuam a ser aplicáveis às denominações registadas ou às denominações cujo registo tenha sido solicitado em virtude do procedimento previsto no artigo 17.o antes da entrada em vigor do presente regulamento.»

Regulamento n.o 510/2006

14

O Regulamento n.o 2081/92, conforme alterado pela última vez pelo Regulamento 806/2003 do Conselho, de 14 de Abril de 2003 (JO L 122, p. 1), foi revogado pelo artigo 19.o do Regulamento n.o 510/2006. Este regulamento entrou em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, ou seja, em 31 de Março de 2006.

15

O sexto considerando do Regulamento n.o 510/2006 enuncia:

«É necessário prever uma abordagem comunitária das denominações de origem e indicações geográficas. Com efeito, um quadro de regras comunitárias que inclua um regime de protecção permite o desenvolvimento das indicações geográficas e das denominações de origem na medida em que garante, através de uma abordagem mais uniforme, uma concorrência leal entre os produtores de produtos que beneficiem dessas menções e reforça a credibilidade desses produtos aos olhos dos consumidores.»

16

No termos do décimo nono considerando desse regulamento:

«As denominações já registadas ao abrigo do Regulamento […] n.o 2081/92 […] à data de entrada em vigor do presente regulamento deverão continuar a beneficiar da protecção prevista pelo presente regulamento e ser retomadas automaticamente no registo […]»

17

O artigo 1.o do referido regulamento, intitulado «Âmbito de aplicação» prevê nos seus n.os 1 e 2:

«1.   O presente regulamento estabelece as regras relativas à protecção das denominações de origem e das indicações geográficas dos produtos agrícolas destinados à alimentação humana que constam do anexo I do Tratado, dos géneros alimentícios que constam do anexo I do presente regulamento e dos produtos agrícolas que constam do anexo II do presente regulamento.

[…]

2.   O presente regulamento não prejudica a aplicação de outras disposições comunitárias específicas.»

18

O anexo I do mesmo regulamento, intitulado «Géneros alimentícios a que se refere o n.o 1 do artigo 1.o», menciona as «cervejas» no seu primeiro travessão.

19

O artigo 2.o do Regulamento n.o 510/2006, intitulado «Denominação de origem e indicação geográfica», dispõe nos seus n.os 1 e 2:

«1.   Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

a)

‘Denominação de origem’: o nome de uma região, de um local determinado ou, em casos excepcionais, de um país, que serve para designar um produto agrícola ou um género alimentício:

originário dessa região, desse local determinado ou desse país, e

cuja qualidade ou características se devem essencial ou exclusivamente a um meio geográfico específico, incluindo os factores naturais e humanos, e

cuja produção, transformação e elaboração ocorrem na área geográfica delimitada;

b)

‘Indicação geográfica’: o nome de uma região, de um local determinado ou, em casos excepcionais, de um país, que serve para designar um produto agrícola ou um género alimentício:

originário dessa região, desse local determinado ou desse país, e

que possui determinada qualidade, reputação ou outras características que podem ser atribuídas a essa origem geográfica, e

cuja produção e/ou transformação e/ou elaboração ocorrem na área geográfica delimitada.

2.   São igualmente consideradas denominações de origem ou indicações geográficas as denominações tradicionais, geográficas ou não, que designem um produto agrícola ou um género alimentício que satisfaça[] as condições previstas no n.o 1.»

20

O artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«Para poder beneficiar de uma denominação de origem protegida (DOP) ou de uma indicação geográfica protegida (IGP), o produto agrícola ou o género alimentício deve obedecer a um caderno de especificações.»

21

Os artigos 5.o a 7.o do Regulamento n.o 510/2006 estabelecem o procedimento de registo das indicações geográficas e das denominações de origem a que se refere o artigo 2.o desse regulamento. Segundo o artigo 5.o, n.o 4 do referido regulamento, sempre que diga respeito a uma área geográfica situada num determinado Estado-Membro, o pedido de registo é dirigido a esse Estado-Membro. Em conformidade com o disposto no artigo 5.o, n.o 5, do mesmo regulamento, esse Estado-Membro lança um procedimento nacional de oposição e adopta seguidamente uma decisão sobre esse pedido. Em caso de decisão favorável, o referido Estado-Membro transmite à Comissão os documentos a que se refere o n.o 7 do referido artigo 5.o com vista a uma decisão definitiva tomada no termo de um procedimento que se rege pelos artigos 6.o e 7.o do Regulamento n.o 510/2006 que inclui, nomeadamente, um procedimento de oposição.

22

Nos termos do artigo 5.o, n.o 6, deste regulamento:

«O Estado-Membro pode conceder, ao abrigo do presente regulamento e apenas a título transitório e a nível nacional, uma protecção à denominação, bem como, se for caso disso, um período de adaptação, com efeitos a partir da data de apresentação do pedido à Comissão.

O período de adaptação previsto no primeiro parágrafo apenas pode ser concedido se as empresas interessadas tiverem comercializado legalmente os produtos em causa, utilizando de forma contínua as denominações em questão, pelo menos, durante os cinco anos anteriores, e tiverem mencionado esse facto no decurso do procedimento nacional de oposição referido no primeiro parágrafo do n.o 5.

A protecção nacional transitória cessa a partir da data em que for tomada uma decisão sobre o registo nos termos do presente regulamento.

As consequências da protecção nacional transitória, no caso de a denominação não ser registada em conformidade com o presente regulamento, são da exclusiva responsabilidade do Estado-Membro em questão.

As medidas adoptadas pelos Estados-Membros nos termos do primeiro parágrafo só produzem efeitos ao nível nacional e não devem afectar as trocas comerciais intracomunitárias ou internacionais.»

23

O artigo 13.o, n.o 1, do mesmo regulamento dispõe:

«1.   As denominações registadas são protegidas contra:

a)

Qualquer utilização comercial directa ou indirecta de uma denominação registada para produtos não abrangidos pelo registo, na medida em que esses produtos sejam comparáveis a produtos registados sob essa denominação, ou na medida em que a utilização dessa denominação explore a reputação da denominação protegida;

b)

Qualquer usurpação, imitação ou evocação, ainda que a verdadeira origem do produto seja indicada ou que a denominação protegida seja traduzida ou acompanhada por termos como ‘género’, ‘tipo’, ‘método’, ‘estilo’ ou ‘imitação’, ou por termos similares;

[…]»

Regulamento n.o 918/2004

24

Os segundo a quarto considerandos do Regulamento n.o 918/2004 enunciam:

«(2)

O n.o 5 do artigo 5.o do Regulamento (CEE) n.o 2081/92 prevê que pode ser concedida pelos Estados-Membros uma protecção nacional transitória das denominações de origem e das indicações geográficas a partir da data de envio dos pedidos de registo dessas denominações à Comissão. As consequências dessa protecção nacional, no caso de a denominação não ser registada ao nível comunitário, são da responsabilidade exclusiva do Estado-Membro em causa.

(3)

Na sequência da adesão da República Checa, da Estónia, de Chipre, da Letónia, da Lituânia, da Hungria, de Malta, da Polónia, da Eslovénia e da Eslováquia, as denominações de origem e as indicações geográficas desses Estados (a seguir, denominados ‘os novos Estados-Membros’) podem ser registadas em conformidade com o artigo 5.o do Regulamento (CEE) n.o 2081/92 e protegidas em conformidade com o artigo 13.o do referido regulamento a nível comunitário.

(4)

A fim de facilitar a transmissão dos pedidos de novos Estados-Membros à Comissão e de assegurar a continuidade da protecção das denominações de origem e das indicações geográficas em causa, é conveniente prever que a protecção nacional existente em 30 de Abril de 2004 possa ser mantida por esses Estados-Membros até que seja tomada uma decisão em conformidade com o artigo 6.o do Regulamento (CEE) n.o 2081/92, desde que seja enviado à Comissão um pedido de registo a título do referido regulamento antes de 31 [de] Outubro [de] 2004.»

25

O artigo 1.o do Regulamento n.o 918/2004 prevê:

« A protecção nacional das denominações de origem e das indicações geográficas, nos termos do Regulamento (CEE) n.o 2081/92, da República Checa, da Estónia, de Chipre, da Letónia, da Lituânia, da Hungria, de Malta, da Polónia, da Eslovénia e da Eslováquia existente em 30 de Abril de 2004 pode ser mantida por esses Estados-Membros até 31 [de] Outubro [de] 2004.

Sempre que um pedido de registo a título do Regulamento (CE) n.o 2081/92 tenha sido enviado à Comissão antes de 31 [de] Outubro [de] 2004, essa protecção pode ser mantida até que seja tomada uma decisão em conformidade com o artigo 6.o do referido regulamento.

As consequências de tal protecção, no caso de a denominação não ser registada ao nível comunitário, são da responsabilidade exclusiva do Estado-Membro em causa.»

Direito nacional

Convenção bilateral

26

Em 11 de Junho de 1976, a República da Áustria e a República Socialista da Checoslováquia celebraram um tratado em matéria de indicações de proveniência, de denominações de origem e de outras denominações indicativas da proveniência de produtos agrícolas e industriais (a seguir, «convenção bilateral»).

27

Após a sua aprovação e ratificação, a convenção bilateral foi publicada no Bundesgesetzblatt für die Republik Österreich de 19 de Fevereiro de 1981 (BGBl. 75/1981). Em conformidade com o seu artigo 16, n.o 2, a convenção bilateral entrou em vigor em 26 de Fevereiro de 1981 por tempo indeterminado.

28

O artigo 1.o da convenção bilateral prevê:

«As partes contratantes obrigam-se a adoptar todas as medidas necessárias para assegurar uma eficaz protecção contra a concorrência desleal nas relações comerciais das indicações de proveniência, denominações de origem e outras denominações relativas à origem de produtos agrícolas e industriais constantes do artigo 5.o e precisadas no acordo previsto no artigo 6.o, bem como os nomes e as ilustrações mencionadas nos artigos 3.o, 4.o e 8.o, n.o 2.»

29

Nos termos do artigo 2.o da convenção bilateral:

«Consideram-se indicações de proveniência, denominações de origem e demais denominações relativas à proveniência, na acepção do presente tratado, todas as indicações que directa ou indirectamente se referem à proveniência dos produtos. Trata-se, de modo geral, de uma indicação geográfica em sentido próprio. Pode, porém, tratar-se também de indicações de outro tipo em relação a um certo produto, que sejam entendidas pelos interessados do país de origem como indicações do país de proveniência. As referidas indicações podem conter, além da referência à origem do produto numa determinada área geográfica, também informações sobre a qualidade do produto. Tais propriedades particulares dos produtos serão exclusiva ou predominantemente a consequência de influências geográficas ou humanas.»

30

O artigo 3.o, n.o 1, da convenção bilateral dispõe:

«[…] na República da Áustria, as denominações checoslovacas enumeradas na convenção de execução no artigo 6.o são reservadas exclusivamente aos produtos checoslovacos.»

31

O artigo 5.o, n.o 1, B, ponto 2, da convenção bilateral refere as cervejas entre as categorias de produtos checos abrangidos pela protecção instituída por esta convenção.

32

Nos termos do artigo 6.o da convenção bilateral:

«As denominações relativas aos produtos, a que se aplicam as condições dos artigos 2.o e 5.o, que beneficiam da protecção do tratado e que não são denominações genéricas são enumeradas num acordo que deverá ser concluído entre os governos dos dois Estados contratantes.»

33

O artigo 7.o da convenção bilateral está redigido como se segue:

«1.   Se os nomes e denominações protegidos nos termos dos artigos 3.o, 4.o, 6.o e 8.o, n.o 2, do presente tratado forem utilizados contrariamente a estas disposições, na actividade comercial, para produtos, em especial para o seu acondicionamento ou embalagem, ou em facturas, guias de mercadorias ou outros papéis comerciais, bem como na publicidade, serão aplicáveis todas as medidas legais e administrativas que, de acordo com a legislação do Estado contratante no qual foi posta em causa a protecção, sejam aplicáveis ao combate à concorrência desleal ou de outro modo aplicáveis à repressão de denominações ilegítimas, nas condições estabelecidas nessa legislação e de acordo com o artigo 9.o

2.   Desde que haja risco de confusão na actividade comercial, o n.o 1 deve ser aplicável, mesmo quando as denominações protegidas pelo tratado sejam utilizadas de uma forma modificada ou para produtos diferentes daqueles para os quais elas foram atribuídas de acordo com o artigo 6.o

3.   O n.o 1 também é aplicável quando as denominações protegidas pelo tratado sejam utilizadas de forma traduzida ou como referência à proveniência efectiva ou ainda com acrescentos como ‘modo’, ‘modelo’, ‘estilo’, ‘imitação’ ou ‘similares’.

4.   O n.o 1 não é aplicável às traduções de denominações de um dos Estados contratantes, se a tradução for um termo da linguagem corrente na língua do outro Estado contratante.»

Acordo bilateral

34

Em conformidade com o disposto no artigo 6.o da convenção bilateral, foi concluído em 7 de Junho de 1979 um acordo sobre a sua aplicação (a seguir, «acordo bilateral» e conjuntamente com a convenção bilateral, «tratados bilaterais em causa»).

35

O anexo B do acordo bilateral enuncia:

«Denominações checoslovacas para produtos agrícolas e industriais

[…]

B Alimentação e agricultura (excepto o vinho)

[…]

2. Cerveja

República Socialista Checa

[…]

Bud

Budějovické pivo

Budějovické pivo Budvar

Budějovické Budvar

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

36

O litígio no processo principal já deu lugar ao acórdão de 18 de Novembro de 2003, Budějovický Budvar (C-216/01, Colect., p. I-13617), no qual o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se pelo mesmo órgão jurisdicional de reenvio que apresentou o presente pedido de decisão prejudicial, declarou:

«1)

O artigo 28.o [CE] e o Regulamento […] n.o 2081/92 […], com as alterações introduzidas pelo Regulamento (CE) n.o 535/97 […], não se opõem à aplicação de uma disposição de um tratado bilateral, concluído entre um Estado-Membro e um país terceiro, que confere a uma indicação de origem geográfica simples e indirecta desse país uma protecção num Estado-Membro importador que é independente de qualquer risco de indução em erro e que permite impedir a importação de uma mercadoria legalmente comercializada noutro Estado-Membro.

2)

O artigo 28.o CE opõe-se à aplicação de uma disposição de um tratado bilateral, concluído entre um Estado-Membro e um país terceiro, que confere a uma denominação que não se refere nem directa nem indirectamente nesse país à origem geográfica do produto que designa uma protecção no Estado-Membro importador que é independente de qualquer risco de indução em erro e que permite impedir a importação de uma mercadoria legalmente comercializada noutro Estado-Membro.

3)

O artigo 307.o, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que permite a um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, sem prejuízo das verificações a efectuar por este, tendo em conta, designadamente, os elementos fornecidos pelo presente acórdão, aplicar as disposições de tratados bilaterais como os que estão em causa no processo principal, concluídos entre esse Estado e um país terceiro, que prevêem a protecção de uma denominação desse país terceiro, mesmo que estas disposições se revelem contrárias às regras do Tratado CE, com fundamento de que se trata de uma obrigação que resulta de convenções concluídas antes da data de adesão do Estado-Membro em causa à União Europeia. Na expectativa de um dos meios previstos no artigo 307.o, segundo parágrafo, CE permitir eliminar as eventuais incompatibilidades existentes entre uma convenção anterior a essa adesão e o referido Tratado, o primeiro parágrafo do referido artigo autoriza o Estado a continuar a aplicar tal convenção desde que ela contenha obrigações a que esteja vinculado por força do direito internacional.»

37

Nos n.os 28 a 42 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, o litígio no processo principal foi resumido do seguinte modo:

«28

A Budvar comercializa cerveja, designadamente com as marcas Budejovický Budvar e Budweiser Budvar, e exporta cerveja denominada ‘Budweiser Budvar’, em particular para a Áustria.

29

A Ammersin comercializa, designadamente, a cerveja da marca American Bud produzida pela cervejeira Anheuser-Busch que compra à firma Josef Sigl KG (a seguir ‘Josef Sigl’), estabelecida em Obertrum (Áustria), importadora exclusiva da referida cerveja.

30

Por petição de 22 de Julho de 1999, a Budvar pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que ordenasse à Ammersin que se abstivesse de utilizar, no território austríaco, no âmbito da sua actividade comercial, a denominação Bud, ou denominações análogas que se prestassem a criar confusão, para a cerveja ou produtos similares ou em relação com estes produtos, salvo se se tratar de produtos da Budvar. Além disso, pediu a eliminação de todas as denominações contrárias a esta proibição, bem como a condenação nas custas e a publicação da decisão. A acção foi acompanhada de um pedido de medidas provisórias.

31

A acção da Budvar no processo principal assenta, essencialmente, em dois fundamentos jurídicos distintos.

32

Em primeiro lugar, a Budvar alega que a marca American Bud, registada como marca pela Anheuser-Busch, apresenta uma semelhança que se presta a confusão, na acepção da legislação contra a concorrência desleal, com as suas próprias marcas prioritárias que beneficiam de protecção na Áustria, a saber, Budweiser, Budweiser Budvar e Bud.

33

Em segundo lugar, a Budvar sustenta que a utilização da denominação de origem American Bud para uma cerveja proveniente de um Estado distinto da República Checa é contrária às disposições da convenção bilateral, pois a denominação Bud, prevista no anexo B do acordo bilateral, constitui uma denominação protegida, nos termos do artigo 6.o da referida convenção, que está assim exclusivamente reservada aos produtos checos.

34

Em 15 de Outubro de 1999, o órgão jurisdicional de reenvio decretou as medidas provisórias solicitadas pela Budvar.

35

O recurso interposto pela Ammersin contra as referidas medidas no Oberlandesgericht Wien (Áustria) foi julgado improcedente e ao recurso para o Oberster Gerichtshof (Áustria) foi negado provimento. Tendo terminado o processo de medidas provisórias, o Handelsgericht Wien julga presentemente o mérito do processo.

36

O órgão jurisdicional de reenvio observa que, antes de propor a acção no processo principal, a Budvar já tinha intentado no Landesgericht Salzburg (Áustria) uma acção idêntica, tanto pelo seu objecto como pelo seu fundamento, à acção proposta no processo principal, mas contra a Josef Sigl.

37

Nesse processo paralelo, o Landesgericht Salzburg decretou as medidas provisórias requeridas e o Oberlandesgericht Linz (Áustria) não deu provimento ao recurso interposto desse despacho. Por despacho de 1 de Fevereiro de 2000, o Oberster Gerichtshof negou provimento ao recurso de ‘Revista’ contra o despacho proferido no recurso de apelação e confirmou as medidas provisórias.

38

O órgão jurisdicional de reenvio refere que esse despacho do Oberster Gerichtshof se baseia essencialmente nas seguintes considerações.

39

O Oberster Gerichtshof, que limitou o seu exame ao fundamento baseado na convenção bilateral, decidiu que a proibição solicitada em relação à Josef Sigl, parte demandada, pode constituir um obstáculo à livre circulação de mercadorias na acepção do artigo 28.o CE.

40

Contudo, considerou que este obstáculo é compatível com o artigo 28.o CE porque a protecção da denominação Bud, como está prevista pela convenção bilateral, é abrangida pela protecção da propriedade industrial e comercial na acepção do artigo 30.o CE.

41

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, parece que o Oberster Gerichtshof decidiu que a denominação Bud é uma ‘indicação geográfica simples ou uma indicação de proveniência indirecta’, ou seja, uma indicação que não pressupõe o respeito das garantias associadas à denominação de origem — como a produção respeitando as normas de qualidade ou de fabrico adoptadas e controladas pelas autoridades ou as características particulares do produto. A denominação Bud beneficia, além disso, de uma ‘protecção absoluta’, quer dizer, independente de qualquer risco de confusão ou de indução em erro.

42

Face aos argumentos que lhe foram apresentados, o órgão jurisdicional de reenvio considera que subsiste uma dúvida razoável quanto às respostas a dar às questões de direito comunitário suscitadas no processo principal, designadamente porque a jurisprudência do Tribunal de Justiça não permite determinar se as indicações de proveniência geográfica ditas ‘simples’, que não induzem em erro, estão igualmente abrangidas pela protecção da propriedade industrial e comercial na acepção do artigo 30.o CE.»

38

Na decisão de reenvio, o órgão jurisdicional resume assim os desenvolvimentos ocorridos desde a prolação do acórdão Budějovický Budvar, já referido.

39

Por decisão de 8 de Dezembro de 2004, o órgão jurisdicional de reenvio julgou improcedente a acção da Budvar, declarando que a denominação «Bud» não é uma indicação de proveniência uma vez que a população checa não associa essa denominação a um local da República Checa e de que esta nunca foi utilizada nesse país para designar um lugar. O órgão jurisdicional de reenvio concluiu que a protecção da referida denominação pelos tratados bilaterais em causa é incompatível com o artigo 28.o CE. Essa decisão foi confirmada por acórdão do Oberlandesgericht Wien de 21 de Março de 2005.

40

Todavia, por despacho de 29 de Novembro de 2005, o Oberster Gerichtshof anulou as decisões dos órgãos jurisdicionais inferiores e remeteu o processo ao órgão jurisdicional de reenvio, para que este decidisse de novo após ter completado a respectiva tramitação.

41

Segundo o Oberster Gerichtshof, a questão de saber se a denominação «Bud» designa uma região ou um lugar do território da República Checa deve ser considerada conjuntamente com os critérios de uma indicação de proveniência simples e indirecta.

42

Face aos n.os 54 e 101 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, deve examinar-se se a denominação «Bud» é, pelo menos, adequada para informar o consumidor de que o produto assim designado provém de um lugar determinado, de uma região determinada ou de um país determinado. Deve, portanto, pôr-se a questão de saber se os consumidores compreendem essa denominação, associada à da cerveja, como uma indicação de proveniência geográfica simples ou indirecta. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio não examinara ainda essa questão.

43

Em seguida, por decisão de 23 de Março de 2006, o órgão jurisdicional de reenvio, baseando-se principalmente nos resultados de uma sondagem de opinião comunicados pela Anheuser-Busch, julgou improcedente a acção da Budvar pela razão de que os consumidores checos não compreendem a denominação «Bud», associada a cerveja, como uma indicação de proveniência.

44

Todavia, o Oberlandesgericht Wien anulou essa decisão por acórdão de 10 de Julho de 2006 e remeteu de novo o processo ao órgão jurisdicional de reenvio, pela razão essencial de que o órgão jurisdicional de reenvio devia completar o processo, uma vez que ele não tinha dado satisfação a um pedido de instrução solicitada pela Budvar que tinha por objecto um exame pericial judicial após a realização de uma sondagem junto do grupo de população pertinente e que devia limitar-se às questões de saber:

se os consumidores checos associam a denominação «Bud» a cerveja;

se, associando eles próprios a denominação «Bud» a cerveja ou pela ligação sugerida pelo perito entre essa denominação e a cerveja, compreendem a referida denominação como indicando que a cerveja provém de um determinado lugar, de uma determinada região ou de um determinado país, e

em caso de resposta afirmativa à questão precedente, a que lugar, a que região ou a que país eles associam a denominação «Bud» relacionada com a cerveja.

45

O órgão jurisdicional de reenvio considera que se impõe um novo pedido de decisão prejudicial.

46

Em primeiro lugar, tal como o demonstra o desenrolar do processo após a prolação do acórdão Budějovický Budvar, já referido, existem incertezas quanto ao alcance desse acórdão.

47

Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber se os n.os 54 e 101 do referido acórdão devem ser compreendidos no sentido de que, a fim de determinar se uma denominação pode ser considerada como uma indicação de proveniência simples e indirecta susceptível de ser compatível com o artigo 28.o CE, só importa saber se, segundo as condições de facto e as concepções prevalecentes na República Checa, a denominação «Bud» designa uma região ou um lugar do território desse Estado, ou se deve antes examinar-se se, associada ao produto em que ela é aposta, neste caso a cerveja, essa denominação é adequada para informar os consumidores de que o produto que a ostenta provém de um determinado lugar, de uma determinada região ou de um determinado país sem que seja necessário que, segundo as referidas condições e concepções, a referida denominação designe por si mesma esse lugar, essa região ou esse país.

48

Em seguida, permanece a incerteza igualmente quanto ao método que deve ser seguido pelo órgão jurisdicional de reenvio para determinar se, face aos critérios que deve aplicar, a denominação em causa constitui uma indicação de proveniência simples e indirecta. Coloca-se, em particular, a questão de saber se é exigível uma sondagem de opinião e que grau de reconhecimento exigido.

49

Finalmente, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, tendo presente a referência, no n.o 101 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, às condições de facto prevalecentes na República Checa, se coloca a questão de saber se devem ser impostas exigências concretas tanto à qualidade como à duração do uso que é feito da denominação «Bud». Em particular, há que interrogar-se quanto à questão de saber se essa denominação foi utilizada como indicação geográfica ou como marca. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é claro a esse propósito que nenhuma outra empresa estabelecida na República Checa para além da Budvar utilizou a denominação «Bud» e que esta a utilizou como marca e não como indicação de proveniência.

50

Em segundo lugar, na opinião do órgão jurisdicional de reenvio, o contexto factual e jurídico do litígio no processo principal sofreu alterações essenciais em relação ao existente quando esse órgão jurisdicional submeteu ao Tribunal de Justiça a intervir o pedido de decisão prejudicial que deu lugar ao acórdão Budějovický Budvar, já referido.

51

A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, segundo a situação prevalecente no país de origem, a saber, a República Checa, a denominação «Bud» é protegida como denominação de origem. Na sequência do registo dessa denominação na OMPI ao abrigo do Acordo de Lisboa, essa protecção ter-se-á estendido a outros Estados, igualmente partes nesse acordo.

52

Ora, as condições de protecção dessa denominação de origem correspondem àquelas de que beneficiam denominações de origem tal como definidas no artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 510/2006. Por isso, segundo aquele órgão jurisdicional, já não é permitido basear-se na hipótese de que a denominação «Bud» constitui uma indicação de proveniência simples e indirecta que escapa ao âmbito de aplicação do referido regulamento.

53

Isto é confirmado pelo Acto de Adesão uma vez que este protege três indicações de proveniência relativas a cerveja produzida na cidade de Česke Budějovice, a saber, «Budějovické pivo», «Českobudějovické pivo» e «Budějovický měšťanský var», que designam uma cerveja forte denominada «Bud Super Strong».

54

Perante esta nova situação, duas questões se colocam.

55

Coloca-se, em primeiro lugar, a questão, sobre a qual o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou, de saber se o Regulamento n.o 510/2006 reveste um carácter definitivo no sentido de que se opõe a uma protecção prevista pelo direito nacional ou por um tratado bilateral de denominações, como a denominação de origem «Bud», cujo registo não foi pedido em conformidade com este regulamento mas que são abrangidas, em princípio, pelo seu âmbito de aplicação material (a seguir carácter exaustivo do Regulamento n.o 510/2006).

56

O órgão jurisdicional de reenvio considera que o Regulamento n.o 918/2004, uma vez que prevê um período transitório de protecção durante o qual a protecção nacional de denominações de origem e de indicações geográficas pode ser mantida, se baseia manifestamente nesse carácter exaustivo.

57

Todavia, mesmo que se concluísse que o Regulamento n.o 510/2006 não reveste carácter exaustivo, o órgão jurisdicional de reenvio considera que deve ainda ser examinado se, de qualquer forma, esse regulamento se opõe à extensão da protecção de uma denominação de origem a outros Estados-Membros no caso de se considerar que o referido regulamento reveste carácter exaustivo no que diz respeito à protecção transfronteira na União Europeia.

58

Em segundo lugar, coloca-se a questão do carácter exaustivo da protecção concedida pelo Acto de Adesão às cervejas produzidas na cidade de Česke Budějovice sob a forma das indicações geográficas «Budějovické pivo», «Českobudějovické pivo» e «Budějovický měšťanský var» protegidas ao abrigo do Regulamento n.o 510/2006. Tal carácter exaustivo implica que a existência dessa protecção se opõe à manutenção de outra denominação, como «Bud», que designa igualmente cerveja produzida nessa cidade, protegida como denominação de origem por força do direito nacional.

59

Mesmo que tal carácter exaustivo não seja reconhecido, deve ainda ser examinado se a existência da protecção das referidas três denominações se opõe pelo menos à extensão da protecção nacional de outra indicação geográfica como «Bud» a outros Estados-Membros mediante tratados bilaterais celebrados entre Estados-Membros.

60

Nestas condições, o Handelsgericht Wien, considerando que a solução do litígio que lhe foi submetido depende da interpretação do direito comunitário, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O Tribunal de Justiça, no [acórdão Budějovický Budvar, já referido] estabeleceu os requisitos da compatibilidade com o artigo 28.o CE da protecção como indicação geográfica de uma denominação que, no país de origem, não é o nome de uma localidade nem de uma região, segundo os quais essa denominação,

de acordo com as condições de facto

e as concepções prevalecentes no país de origem, designa uma região ou um local do território deste Estado

e a sua protecção deve ser justificada à luz dos critérios do artigo 30.o CE.

Estes requisitos significam

que a denominação em si mesma tem uma função de indicação geográfica concreta de um determinado local ou determinada região ou é suficiente que a denominação, conjuntamente com o produto que designa, seja adequada para indicar ao consumidor que o produto denominado provém de determinado local ou de determinada região do país de origem?

que as três condições devem ser apreciadas separadamente e preenchidas cumulativamente?

que, para apurar as concepções prevalecentes no país de origem, há que efectuar um inquérito aos consumidores e, em caso afirmativo, se deve exigir, para conceder a protecção, um grau de conhecimento e de associação baixo, médio ou elevado?

que a denominação tenha sido efectivamente utilizada como indicação geográfica no país de origem por várias empresas, e não apenas por uma empresa, e que a utilização como marca por uma única empresa é contrária a esta protecção?

2)

A circunstância de uma denominação não ter sido notificada […] no prazo de seis meses previsto no Regulamento (CE) n.o 918/2004 nem requerida de qualquer modo no quadro do Regulamento (CE) n.o 510/2006 tem por consequência que uma protecção nacional já existente ou, em todo o caso, uma protecção bilateral extensiva a outro Estado-Membro se torna ineficaz, quando se trate de uma indicação geográfica qualificada, na acepção do Regulamento n.o 510/2006, segundo a legislação nacional do Estado de origem?

3)

A circunstância de, no quadro do Acto de Adesão […], um Estado-Membro ter pedido a protecção de diversas indicações geográficas qualificadas para um produto alimentar nos termos do Regulamento (CE) n.o 510/2006 tem por consequência que uma protecção nacional ou uma protecção bilateral extensiva a outro Estado-Membro de uma outra denominação para o mesmo produto não pode manter-se e, nessa medida, o Regulamento (CE) n.o 510/2006 tem um efeito [exaustivo]?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

Quanto à admissibilidade

61

Segundo a Budvar, há que colocar a questão de saber se a primeira questão não é hipotética e, portanto, inadmissível, uma vez que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a hipótese em que esta se baseia, a saber, que o vocábulo «Bud», tal como protegido pelos tratados bilaterais em causa, constitui uma denominação de proveniência geográfica simples e indirecta não compreendida nas designações abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 2081/92, ponto de vista, aliás, já adoptado pelo Oberster Gerichtshof e, portanto, retomado pelo Tribunal de Justiça como hipótese de direito nacional visada pela primeira questão submetida na processo que deu lugar ao acórdão Budějovický Budvar, já referido (v. n.os 41, 54 e 57 do referido acórdão), já não poderá ser considerada.

62

Com efeito, como já foi salientado nos n.os 51 e 52 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio considera que se deve agora tomar como base de referência a premissa de que, na República Checa, a denominação «Bud» é protegida como denominação de origem dita qualificada, a saber, uma denominação de origem abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 510/2006, âmbito de aplicação idêntico neste ponto ao do Regulamento n.o 2081/92, uma vez que foi a esse título que esta foi registada na OMPI ao abrigo do Acordo de Lisboa, já que só as denominações de origem qualificadas podem ser objecto de tal registo.

63

A este propósito, deve, todavia, recordar-se que, segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito comunitário submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que o mesmo define sob a sua responsabilidade, e cuja exactidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar-se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se se afigurar de forma manifesta que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema for de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (v., nomeadamente, acórdão de 22 de Dezembro de 2008, Regie Networks, C-333/07, Colect., p. I-10807, n.o 46 e jurisprudência citada).

64

O espírito de colaboração que deve presidir ao funcionamento do reenvio prejudicial implica que, pelo seu lado, o juiz nacional tenha em consideração a função confiada ao Tribunal de Justiça, que é contribuir para a administração da justiça nos Estados-Membros e não formular opiniões de carácter consultivo sobre questões gerais ou hipotéticas. (v., nomeadamente, acórdão de 5 de Março de 2009, Kattner Stahlbau, C-350/07, Colect., p. I-1513, n.o 29 e jurisprudência citada).

65

A este propósito, deve reconhecer-se que a nova apreciação do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual a denominação «Bud», tal como protegida pelos tratados bilaterais em causa, deve ser qualificada como denominação de origem, premissa de direito nacional subjacente à segunda e terceira questões no presente pedido de decisão prejudicial, constitui uma hipótese que, na verdade, é significativamente diferente da visada pela primeira questão no pedido de decisão prejudicial que deu lugar ao acórdão Budějovický Budvar, já referido, e que motiva igualmente a primeira questão no presente pedido de decisão prejudicial, a saber, que se trata de uma indicação de proveniência geográfica simples e indirecta.

66

Todavia, não pode excluir-se que se trate, na realidade, de duas hipóteses distintas e a priori contempláveis e que, nesta fase, o órgão jurisdicional de reenvio não tem a intenção de afastar definitivamente a hipótese da indicação de proveniência geográfica simples e indirecta, de modo que terá submetido a primeira questão para o caso de vir a considerar também essa hipótese.

67

Além disso, a qualificação de denominação de origem da denominação «Bud», tal como protegida pelos tratados bilaterais em causa, diz respeito a uma questão que é exclusivamente do domínio do direito nacional e que pode ser contestada perante os órgãos jurisdicionais superiores, tendo estes, aliás, no passado, proferido decisões, algumas das quais concluíram expressamente por uma qualificação diferente.

68

Nestas circunstâncias, deve concluir-se que o carácter hipotético da primeira questão não está demonstrado. Portanto, a presunção de pertinência de que beneficiam os pedidos de decisão prejudicial não é ilidida pelas dúvidas manifestadas pela Budvar.

69

Daqui decorre que a primeira questão prejudicial é admissível.

Quanto ao mérito

70

Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, esclarecimentos sobre o n.o 101 do acórdão Budějovický Budvar, já referido.

71

A título preliminar, deve salientar-se que esta primeira questão diz respeito à protecção da denominação «Bud» como indicação de proveniência geográfica simples ao abrigo dos tratados bilaterais em causa, celebrados em 11 de Junho de 1976 e 7 de Junho de 1979 entre a República da Áustria e a República Socialista da Checoslováquia. Trata-se, portanto, de tratados bilaterais celebrados muito antes da adesão da República Checa à União Europeia. Por isso, o processo principal não diz respeito à situação de tratados bilaterais celebrados numa época em que os Estados em causa são efectivamente Estados-Membros.

72

A fim de responder a esta questão, é necessário recolocar o referido n.o 101 no quadro da análise do Tribunal de Justiça da qual esse número faz parte integrante.

73

A este propósito, há que recordar que, no n.o 54 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, o Tribunal de Justiça salientou que a primeira questão submetida nesse processo visava a hipótese de que a denominação «Bud» constituía uma indicação de proveniência geográfica simples e indirecta, ou seja, uma denominação para a qual não existe ligação directa entre, por um lado, uma qualidade determinada, a reputação ou outra característica do produto e, por outro, a sua origem geográfica específica e que, por isso, não era abrangida pelo artigo 2.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 2081/92 (v. acórdão de 7 de Novembro de 2000, Warsteiner Brauerei, C-312/98, Colect., p. I -9187, n.os 43 e 44), denominação que, além disso, não era em si mesma um nome geográfico, mas, pelo menos, era adequada para informar o consumidor de que o produto que a ostentava provinha de um lugar, de uma região ou de um país determinado (v. acórdão de 10 de Novembro de 1992, Exportur, C-3/91, Colect., p. I-5529, n.o 11).

74

Baseando-se nessa hipótese, o Tribunal de Justiça examinou se a protecção absoluta, ou seja, independente de qualquer risco de indução em erro, de uma indicação de proveniência geográfica simples e indirecta como a conferida à denominação «Bud» pelos tratados bilaterais em causa, uma vez que era susceptível de comportar uma restrição à livre circulação de mercadorias (acórdão Budějovický Budvar, já referido, n.o 97), podia ser justificada à luz do direito comunitário.

75

No n.o 99 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, o Tribunal de Justiça lembrou que, no tocante a uma protecção conferida por uma convenção bilateral que tem essencialmente a mesma natureza que a convenção que está em causa no processo principal, já tinha decidido que o objectivo de uma convenção deste tipo, que consiste em impedir que os produtores de um Estado contratante utilizem as denominações geográficas de outro Estado, explorando assim a reputação associada aos produtos das empresas estabelecidas nas regiões ou nos locais que essas denominações designam, e garantir a lealdade da concorrência, podendo considera-se que este objectivo se enquadra na protecção da propriedade industrial e comercial, na acepção do artigo 30.o CE, desde que as denominações em questão não tenham adquirido, à data da entrada em vigor dessa convenção ou posteriormente a essa data, um carácter genérico no Estado de origem (v. acórdãos Exportur, já referido, n.o 37, e de 4 de Março de 1999, Consorzio per la tutela del formaggio Gorgonzola, C-87/97, Colect., p. I-1301, n.o 20).

76

No n.o 100 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, o Tribunal de Justiça reconheceu que, como decorre designadamente dos artigos 1.o, 2.o, e 6 da convenção bilateral, esse objectivo constitui o fundamento do regime de protecção instituído pelos tratados bilaterais em causa.

77

Foi à luz destas considerações que o Tribunal de Justiça decidiu, no n.o 101 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, que, se resultar das verificações do órgão jurisdicional de reenvio que, de acordo com as condições de facto e as concepções prevalecentes na República Checa, a denominação «Bud» designa uma região ou um lugar do território deste Estado e que a sua protecção é justificada à luz dos critérios do artigo 30.o CE, este não se opõe igualmente a que tal protecção seja alargada ao território de outro Estado-Membro como, no caso em apreço, a República da Áustria.

78

No que toca, em primeiro lugar, à referência feita, no referido número desse acórdão, às condições de facto e às concepções prevalecentes na República Checa, essa expressão deve ser compreendida no quadro particular do mecanismo de protecção da designação «Bud» ao abrigo dos tratados bilaterais em causa, que reside no facto de esse mecanismo, à semelhança por exemplo do que estava em causa no acórdão Exportur, já referido, se basear numa extensão da protecção, tal como prevista no Estado-Membro de origem, neste caso a República Checa, ao Estado-Membro de importação, no caso vertente a República da Áustria.

79

Tal mecanismo é caracterizado pela circunstância, que derroga o princípio da territorialidade, de a protecção conferida ser determinada pelo direito do Estado-Membro de origem bem como pelas condições de facto e pelas concepções existentes nesse Estado (acórdão Exportur, já referido, n.os 12, 13 e 38).

80

Portanto, a questão de saber se a denominação «Bud» constitui uma indicação de proveniência geográfica simples e indirecta deve ser verificada pelo órgão jurisdicional de reenvio à luz das referidas condições e concepções prevalecentes na República Checa.

81

Em particular, como o Tribunal de Justiça recordou no n.o 54 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, uma denominação de proveniência geográfica simples reveste carácter indirecto se não for, enquanto tal, um nome geográfico, mas, pelo menos, for apta a informar o consumidor de que o produto que a ostenta provém de um lugar, de uma região ou de um determinado país.

82

Deve concluir-se que, para determinar se uma denominação como «Bud» pode ser considerada uma indicação de proveniência geográfica simples e indirecta cuja protecção ao abrigo dos tratados bilaterais em causa é susceptível de ser justificada à luz dos critérios do artigo 30.o CE, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, segundo as condições de facto e as concepções prevalecentes na República Checa, essa denominação, mesmo não sendo, enquanto tal, um nome geográfico, é pelo menos apta a informar o consumidor de que o produto que a ostenta provém de uma região ou de um lugar do território desse Estado-Membro.

83

Pelo contrário, se tal exame demonstrar que a denominação em causa é desprovida dessa capacidade mínima de evocar a proveniência geográfica do produto em causa, a sua protecção não pode ser justificada como protecção da propriedade industrial e comercial na acepção do artigo 30.o CE e, em princípio, é contrária ao artigo 28.o CE por não poder ser justificada a outro título (acórdão Budějovický Budvar, já referido, n.os 107 a 111).

84

Em segundo lugar, no que diz respeito à afirmação feita no n.o 101 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, de que a protecção da denominação «Bud» deve ser justificada à luz dos critérios do artigo 30.o CE, decorre do que precede que o órgão jurisdicional de reenvio deve, além disso, verificar, igualmente à luz das condições de facto e das concepções prevalecentes na República Checa, se, como se afirma no n.o 99 do referido acórdão, a denominação em causa no processo principal não adquiriu, à data da entrada em vigor dos tratados bilaterais em causa ou posteriormente a essa data, um carácter genérico nesse Estado-Membro, tendo o Tribunal de Justiça já decidido, nos n.os 99 e 100 do mesmo acórdão, que o objectivo do regime de protecção instituído por esses tratados se enquadra na protecção da propriedade industrial e comercial na acepção do artigo 30.o CE.

85

Por outro lado, pode salientar-se que se se afigurar, no termo das verificações referidas nos n.os 82 e 84 do presente acórdão, que, segundo as condições de facto e as concepções prevalecentes na República Checa, a denominação «Bud» em causa no processo principal é pelo menos apta a informar o consumidor de que o produto que a ostenta provém de uma região ou de um lugar do território desse Estado-Membro e que, segundo essas mesmas condições de facto e concepções, essa denominação não adquiriu, à data da entrada em vigor dos tratados bilaterais em causa ou posteriormente a essa data, um carácter genérico nesse Estado-Membro, daí decorre que os artigos 28.o CE e 30.o CE não se opõem a uma protecção nacional de tal indicação de proveniência geográfica simples nem, aliás, à extensão dessa protecção através de um tratado bilateral ao território de outro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdão Budějovický Budvar, já referido, n.os 101 e 102 e jurisprudência citada).

86

Na terceira parte da primeira questão, que deve examinar-se agora, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se, no quadro das verificações que devem ser efectuadas por esse órgão jurisdicional, se deve encomendar uma sondagem de opinião a efectuar junto dos consumidores para determinar as concepções prevalecentes na República Checa e pergunta, além disso, que grau de notoriedade e de reconhecimento deverá ser exigido.

87

A este propósito, é claro que, sobre estas questões, o direito comunitário não prevê nenhuma disposição particular.

88

Ora, na falta de regulamentação comunitária na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais dos recursos destinados a assegurar a salvaguarda dos direitos atribuidos aos cidadãos por força do efeito directo do direito comunitário, contanto que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as que regulam os recursos similares de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v., nomeadamente, acórdão de 12 de Fevereiro de 2008, Kempter, C-2/06, Colect., p. I-411, n.o 57 e jurisprudência citada).

89

Portanto, na falta de disposições comunitárias na matéria, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir, em conformidade com o seu direito nacional, se deve encomendar uma sondagem de opinião destinada a esclarecê-lo sobre as condições de facto e as concepções prevalecentes na República Checa a fim de verificar se a denominação «Bud» pode ser qualificada como indicação de proveniência geográfica simples e indirecta e se não adquiriu carácter genérico nesse Estado-Membro. É igualmente à luz desse mesmo direito nacional que o órgão jurisdicional de reenvio, se considerar necessário encomendar uma sondagem de opinião, deve determinar, para efeitos dessas verificações, a percentagem de consumidores considerada suficientemente significativa (v., por analogia, acórdão de 16 de Julho de 1998, Gut Springenheide e Tusky, C-210/96, Colect., p. I-4657, n.os 35 e 36).

90

Finalmente, através da quarta parte da primeira questão, que deve examinar-se em último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se decorre do n.o 101 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, em particular da referência às condições de facto prevalecentes na República Checa, que devem ser impostas exigências concretas tanto à qualidade como à duração do uso que é feito de uma denominação no sentido de que essa denominação deve efectivamente ter sido utilizada como indicação geográfica no Estado-Membro de origem por várias empresas e não, como acontece em relação à denominação em causa no processo principal, unicamente como marca por uma só empresa.

91

A este respeito, há que reconhecer que o n.o 101 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, sobretudo se for recolocado no contexto do raciocínio feito na resposta à primeira questão submetida no processo que deu lugar a esse acórdão (v. n.os 73 a 77 do presente acórdão), não abona a tese de que o artigo 30.o CE comporta uma exigência concreta quanto à qualidade e à duração do uso que é feito de uma denominação no Estado-Membro de origem para que a respectiva protecção seja justificada como salvaguarda da propriedade industrial e comercial na acepção do referido artigo.

92

Com efeito, resulta de uma leitura combinada dos n.os 54 e 99 a 101 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, que o artigo 30.o CE não se opõe à extensão, conferida pelos tratados bilaterais em causa, da protecção específica prevista para a denominação «Bud» ao território de um Estado-Membro diferente da República Checa, uma vez que o objectivo desta protecção se enquadra na protecção da propriedade industrial e comercial na acepção do referido artigo, desde que se verifique que, segundo as condições de facto e as concepções prevalecentes na República Checa, essa denominação pode ser qualificada como indicação de proveniência geográfica simples e indirecta e que não adquiriu carácter genérico nesse Estado-Membro.

93

Portanto, o artigo 30.o CE, tal como interpretado no n.o 101 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, não impõe uma exigência concreta à qualidade e à duração do uso que é feito de uma denominação no Estado-Membro de origem para que a respectiva protecção seja justificada à luz do referido artigo. A questão de saber se tal exigência se aplica no quadro do processo principal deve ser resolvida pelo órgão jurisdicional de reenvio à luz do direito nacional aplicável, em particular do regime de protecção previsto pelos tratados bilaterais em causa.

94

Atendendo ao que precede, deve responder-se à primeira questão que decorre do n.o 101 do acórdão Budějovický Budvar, já referido, que:

para determinar se uma denominação como a que está em causa no processo principal pode ser considerada uma indicação de proveniência geográfica simples e indirecta cuja protecção ao abrigo dos tratados bilaterais em causa é susceptível de ser justificada à luz dos critérios do artigo 30.o CE, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, segundo as condições de facto e as concepções prevalecentes na República Checa, essa denominação, mesmo não sendo, enquanto tal, um nome geográfico, é pelo menos apta a informar o consumidor de que o produto que a ostenta provém de uma região ou de um lugar do território desse Estado-Membro;

o órgão jurisdicional de reenvio deve, além disso, verificar, também à luz das condições de facto e das concepções prevalecentes na República Checa, se, como é indicado no n.o 99 do referido acórdão, a denominação em causa no processo principal não adquiriu um carácter genérico nesse Estado-Membro à data da entrada em vigor dos tratados bilaterais em causa ou posteriormente a essa data, tendo o Tribunal de Justiça já decidido, nos n.os 99 e 100 do mesmo acórdão, que o objectivo do regime de protecção instituído por esses tratados se enquadra na protecção da propriedade industrial e comercial na acepção do artigo 30.o CE;

na falta de disposições comunitárias na matéria, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir, em conformidade com o seu direito nacional, se deve encomendar uma sondagem de opinião destinada a esclarecê-lo sobre as condições de facto e as concepções prevalecentes na República Checa, a fim de verificar se a denominação «Bud», em causa no processo principal, pode ser qualificada como indicação de proveniência geográfica simples e indirecta e se não adquiriu carácter genérico nesse Estado-Membro. É igualmente à luz desse mesmo direito nacional que o órgão jurisdicional de reenvio, se considerar necessário encomendar uma sondagem de opinião, deve determinar, para efeitos dessas verificações, a percentagem de consumidores considerada suficientemente significativa, e

o artigo 30.o CE não impõe uma exigência concreta à qualidade e à duração do uso que é feito de uma denominação no Estado-Membro de origem para que a respectiva protecção seja justificada à luz do referido artigo. A questão de saber se tal exigência se aplica no quadro do processo principal deve ser resolvida pelo órgão jurisdicional de reenvio à luz do direito nacional aplicável, em particular do regime de protecção previsto pelos tratados bilaterais em causa.

Quanto à segunda questão

95

Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o regime comunitário de protecção que o Regulamento n.o 510/2006 prevê tem carácter exaustivo, opondo-se portanto à aplicação de um regime de protecção previsto por tratados que vinculam dois Estados-Membros, como os tratados bilaterais em causa, que confere a uma denominação, reconhecida segundo o direito de um Estado-Membro como denominação de origem, uma protecção noutro Estado-Membro em que essa protecção é efectivamente reclamada, quando essa denominação de origem não foi objecto de um pedido de registo ao abrigo do referido regulamento.

Observações preliminares

96

A título preliminar, deve recordar-se, em primeiro lugar, como foi afirmado nos n.os 51 e 52 do presente acórdão, que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a presente questão visa a hipótese segundo a qual, na República Checa, a denominação «Bud» é protegida como denominação de origem e não como indicação de proveniência geográfica simples.

97

Deve salientar-se, em segundo lugar, que, depois de o Tribunal de Justiça ter proferido o acórdão Budějovický Budvar, já referido, a República Checa aderiu à União Europeia.

98

Daí resulta que, uma vez que os tratados bilaterais em causa dizem agora respeito a dois Estados-Membros, as suas disposições não podem aplicar-se nas relações entre esses Estados caso se revelem contrárias ao direito comunitário, nomeadamente às regras do Tratado em matéria de livre circulação de mercadorias (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 20 de Maio de 2003, Ravil, C-469/00, Colect., p. I-5053, n.o 37 e jurisprudência citada).

99

Além disso, deve indicar-se que o artigo 307.o CE não é aplicável a tais convenções uma vez que nenhum Estado terceiro é parte nelas (acórdão de 27 de Setembro de 1988, Matteucci, 235/87, Colect., p. 5589, n.o 21).

100

Em terceiro lugar, há que recordar que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a referida denominação foi registada como denominação de origem e continua a ser protegida ao abrigo do Acordo de Lisboa.

101

A este propósito, há que observar que, contrariamente à República Checa, a República da Áustria não é parte no referido acordo, pelo que a protecção que prevê esse mesmo acordo não pode ser invocada neste último Estado-Membro.

102

Portanto, a questão de saber se o carácter exaustivo do Regulamento n.o 510/2006 se opõe a uma eventual protecção da denominação em causa no processo principal ao abrigo do Acordo de Lisboa não se coloca no processo principal.

103

Uma vez que a definição do conceito de denominação de origem prevista no artigo 2.o, n.o 1, do Acordo de Lisboa, é, em substância, idêntica à do artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 510/2006, segundo o órgão jurisdicional de reenvio a denominação «Bud» constitui uma denominação de origem na acepção do referido regulamento.

104

Ora, é facto assente que, até hoje, a referida denominação não foi objecto de um pedido de registo ao abrigo do Regulamento n.o 510/2006. Também não é contestado que não foi transmitido à Comissão nenhum pedido de registo dessa mesma denominação ao abrigo do Regulamento n.o 2081/92 no quadro das disposições transitórias previstas pelo Regulamento n.o 918/2004 em matéria de denominações de origem e de indicações geográficas existentes nos dez Estados que se tornaram Estados-Membros da União Europeia no penúltimo alargamento desta.

105

Portanto, a segundo questão visa a hipótese de a protecção da denominação «Bud» reclamada na República da Áustria pela Budvar a título dos tratados bilaterais em causa se basear na extensão a este Estado-Membro da protecção dessa denominação como denominação de origem tal como existente na República Checa, denominação que corresponde igualmente à definição de denominação de origem na acepção do Regulamento n.o 510/2006.

106

Assim, coloca-se mais concretamente a questão de saber se o Regulamento n.o 510/2006 tem natureza exaustiva, opondo-se, portanto, a essa protecção nacional e, em consequência, igualmente à extensão dessa protecção ao território de outro Estado-Membro por força dos tratados bilaterais em causa.

Resposta do Tribunal de Justiça

107

Em conformidade com jurisprudência constante, o Regulamento n.o 2081/92 tem por objectivo assegurar uma protecção uniforme, na Comunidade, das denominações geográficas que refere e instituiu a obrigação de registo comunitário dessas denominações para que possam beneficiar de protecção em qualquer Estado-Membro. (v. neste sentido, nomeadamente, acórdão Budějovický Budvar, já referido, n.o 74 e jurisprudência citada).

108

Esse objectivo resulta do sétimo considerando do Regulamento n.o 2081/92 (acórdão de 9 de Junho de 1998, Chiciak e Fol, C-129/97 e C-130/97, Colect., p. I-3315, n.os 25 e 26), que é, em substância, idêntico ao sexto considerando do Regulamento n.o 510/2006, e no qual se afirma:

«É necessário prever uma abordagem comunitária das denominações de origem e indicações geográficas. Com efeito, um quadro de regras comunitárias que inclua um regime de protecção permite o desenvolvimento das indicações geográficas e das denominações de origem na medida em que garante, através de uma abordagem mais uniforme, uma concorrência [igual] entre os produtores de produtos que beneficiem dessas menções e reforça a credibilidade desses produtos aos olhos dos consumidores.»

109

O Tribunal de Justiça salientou igualmente que a legislação comunitária manifesta uma tendência geral para valorizar a qualidade dos produtos no quadro da política agrícola comum, a fim de favorecer a reputação dos referidos produtos, graças, designadamente, à utilização de denominações de origem que são objecto de protecção particular. Esta tendência concretizou-se, nomeadamente, para os produtos agrícolas, pela adopção do Regulamento n.o 2081/92 que, à luz dos seus considerandos, visa, nomeadamente, satisfazer as expectativas dos consumidores em matéria de produtos de qualidade e de uma origem geográfica certa, bem como facilitar a obtenção pelos produtores, em condições de igual concorrência, de melhores rendimentos em contrapartida de um esforço qualitativo real (v., neste sentido, acórdãos Ravil, já referido, n.o 48, bem como de 20 de Maio de 2003, Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita, C-108/01, Colect., p. I-5121, n.o 63).

110

As denominações de origem enquadram-se no âmbito dos direitos de propriedade industrial e comercial. A regulamentação aplicável protege os seus beneficiários contra a utilização abusiva das referidas denominações por terceiros que pretendam tirar proveito da reputação que as mesmas adquiriram. Visam garantir que o produto que as ostenta provém de uma zona geográfica determinada e apresenta certas características particulares. São susceptíveis de gozar de grande reputação junto dos consumidores e de constituir, para os produtores que preencham os requisitos da sua utilização, um meio essencial de fidelizar uma clientela. A reputação das denominações de origem é função da imagem de que gozam junto dos consumidores. Essa imagem depende, por sua vez, essencialmente das características particulares e, mais geralmente, da qualidade do produto. É esta qualidade que cria, definitivamente, a reputação do produto. Na percepção do consumidor, o nexo entre a reputação dos produtores e a qualidade dos produtos depende, além disso, da sua convicção de que os produtos vendidos sob a denominação de origem são autênticos (acórdãos já referidos Ravil, n.o 49, e Consorzio del Prosciutto di Parma e Salumificio S. Rita, n.o 64).

111

Decorre do exposto que o Regulamento n.o 510/2006, adoptado com fundamento no artigo 37.o CE, constitui um instrumento da política agrícola comum que visa essencialmente assegurar aos consumidores que produtos agrícolas que ostentam uma indicação geográfica registada nos termos desse regulamento apresentam, em razão da sua proveniência de uma zona geográfica determinada, certas características particulares e, portanto, oferecem uma garantia de qualidade devida à sua proveniência geográfica, com o objectivo de permitir aos operadores agrícolas que tenham feito esforços qualitativos reais obter em contrapartida melhores rendimentos e impedir que terceiros tirem abusivamente proveito da reputação decorrente da qualidade desses produtos.

112

Ora, se os Estados-Membros pudessem permitir aos seus produtores utilizar nos respectivos territórios nacionais uma das menções ou um dos símbolos que o artigo 8.o do Regulamento n.o 510/2006 reserva às denominações registadas ao abrigo desse regulamento, baseando-se num regime que pudesse satisfazer exigências menos rigorosas que as impostas no quadro do referido regulamento para os produtos em causa, a referida garantia de qualidade, que constitui a função essencial dos títulos conferidos por força do Regulamento n.o 510/2006, correria o risco de não ser assegurada, o que, no mercado interno, poderia igualmente comprometer a finalidade de uma concorrência igual entre os produtores de produtos que ostentam essas menções ou símbolos e, em particular, seria susceptível de prejudicar os direitos que devem ser reservados aos produtores que fizeram esforços qualitativos reais para poderem utilizar uma indicação geográfica registada ao abrigo desse regulamento.

113

Esse risco ver posto em causa o objectivo central de assegurar a qualidade de tais produtos agrícolas é tanto mais importante quanto, como o advogado-geral salientou no n.o 111 das suas conclusões, contrariamente às marcas, nenhuma medida comunitária de harmonização de eventuais regimes nacionais de protecção das indicações geográficas foi adoptada paralelamente.

114

Deve concluir-se que a finalidade do Regulamento n.o 510/2006 não é estabelecer, a par de regras nacionais que podem continuar a existir, um regime complementar de protecção das indicações geográficas qualificadas, à semelhança por exemplo do instaurado pelo Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), mas prever um regime de protecção uniforme e exaustivo para tais indicações.

115

Várias características do regime de protecção tal como previsto pelos Regulamentos n.os 2081/92 e 510/2006 militam igualmente a favor do carácter exaustivo do referido regime.

116

Em primeiro lugar, contrariamente a outros regimes comunitários de protecção de direitos de propriedade industrial e comercial, como o da marca comunitária previsto no Regulamento n.o 40/94 ou o das variedades vegetais estabelecido pelo Regulamento (CE) n.o 2100/94 do Conselho, de 27 de Julho de 1994, relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais (JO L 227, p. 1), o procedimento de registo dos Regulamentos n.os 2081 e 510/2006 baseia-se na repartição das competências entre o Estado-Membro em causa e a Comissão, uma vez que a decisão de registar uma denominação só pode ser tomada pela Comissão se o Estado-Membro em causa lhe tiver submetido um pedido para esse efeito e que tal pedido só pode ser feito se o Estado-Membro tiver verificado se ele se justifica (acórdão de 6 de Dezembro de 2001, Carl Kühne e o., C-269/99, Colect., p. I-9517, n.o 53).

117

Os procedimentos nacionais de registo são, portanto, integrados no processo decisório comunitário e constituem uma parte essencial dele. Não podem existir fora do regime comunitário de protecção.

118

No que respeita ao procedimento de registo comunitário, é igualmente revelador o facto de o artigo 5.o, n.o 6, do Regulamento n.o 510/2006, disposição em substância idêntica ao artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento n.o 2081/92 tal como inserido nesse regulamento pelo Regulamento n.o 535/97, dispor que os Estados-Membros podem conceder, sob sua exclusiva responsabilidade, uma protecção nacional transitória até que seja tomada uma decisão sobre o pedido de registo.

119

A este propósito, o Tribunal de Justiça já decidiu, aliás, que decorre dessa disposição que, no sistema instituído pelo Regulamento n.o 2081/92, quando os Estados-Membros dispõem da competência para tomar decisões, mesmo provisórias, derrogatórias das disposições do referido regulamento, essa competência deve resultar de regras expressas (acórdão Chiciak e Fol, já referido, n.o 32).

120

Como o advogado-geral salientou no n.o 102 das suas conclusões, uma disposição dessa natureza não teria qualquer sentido se os Estados-Membros pudessem, em qualquer circunstância, conservar os seus próprios regimes de protecção de denominações de origem e de indicações geográficas na acepção dos Regulamentos n.os 2081/92 e 510/2006 e fazê-los coexistir com esses regulamentos.

121

Em segundo lugar, o carácter exaustivo do regime de protecção tal como previsto pelos Regulamentos n.os 2081/92 e 510/2006 é igualmente comprovado pelas disposições transitórias previstas para as denominações nacionais existentes, como a denominação checa «Bud» em causa no processo principal.

122

Assim, o artigo 17.o do Regulamento n.o 2081/92 instituía um procedimento de registo dito simplificado para as denominações nacionais legalmente protegidas no Estado-Membro que pediu o seu registo ou, nos Estados-Membros em que não existisse um sistema de protecção, nele consagradas pelo uso (acórdão de 25 de Junho de 2002, Bigi, C-66/00, Colect., p. I-5917, n.o 28).

123

Estava previsto que, se o seu registo fosse pedido no prazo de seis meses, a sua protecção nacional podia, em certas condições, ser mantida durante um período transitório de cinco anos em conformidade com o disposto no artigo 13.o, n.o 2, do referido regulamento, período que, a seguir, foi prorrogado por um período suplementar de cinco anos pelo Regulamento n.o 535/97.

124

Uma vez que esse regime específico para a protecção transitória de denominações nacionais existentes tinha sido revogado pelo artigo 1.o, ponto 15, do Regulamento n.o 692/2003, a Comissão, através do Regulamento n.o 918/2004, previu disposições transitórias em matéria de protecção nacional das denominações de origem e das indicações geográficas existentes nos dez Estados que se tornaram Estados-Membros no penúltimo alargamento da União Europeia, decalcadas das previstas para os quinze antigos Estados-Membros.

125

Essas disposições são particularmente pertinentes no caso em apreço uma vez que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a denominação «Bud» existia nessa época como denominação geográfica na República Checa.

126

O Regulamento n.o 918/2004 previa que a protecção nacional das denominações de origem e das indicações geográficas na acepção do Regulamento n.o 2081/92 existentes nos dez novos Estados-Membros em 30 de Abril de 2004 podia ser mantida durante seis meses. Todavia, como o procedimento simplificado já não existia, o referido regulamento dispunha que, quando um pedido de registo tivesse sido transmitido nesse prazo de seis meses, essa protecção nacional podia ser mantida até a Comissão tomar uma decisão em conformidade com o disposto no artigo 6.o do Regulamento n.o 2081/92.

127

O referido regulamento confirma, por conseguinte, para os dez novos Estados-Membros o que já acontecia para os quinze antigos Estados-Membros, a saber, que a protecção nacional de indicações geográficas qualificadas existentes só é permitida se forem satisfeitos os requisitos das regras jurídicas transitórias especificamente previstas para tais indicações, entre as quais a de ser apresentado um pedido de registo no prazo de seis meses, o que as autoridades checas omitiram no que respeita à denominação «Bud» em causa no processo principal.

128

Ora, esses regimes específicos, em particular a autorização expressa concedida, em certas condições, aos Estados-Membros para manterem, de modo transitório, a protecção nacional de indicações geográficas qualificadas existentes seria dificilmente compreensível se o regime de protecção comunitária de tais indicações apresentasse um carácter exaustivo que implicasse que os Estados-Membros conservassem, em qualquer circunstância, uma faculdade ilimitada para manter tais títulos nacionais.

129

Face ao que precede, deve responder-se à segunda questão que o regime comunitário de protecção previsto pelo Regulamento n.o 510/2006 tem carácter exaustivo, opondo-se portanto à aplicação de um regime de protecção previsto por tratados que vinculam dois Estados-Membros, como os tratados bilaterais em causa, que confere a uma denominação, reconhecida segundo o direito de um Estado-Membro como denominação de origem, uma protecção noutro Estado-Membro em que essa protecção é efectivamente reclamada, quando essa denominação de origem não tenha sido objecto de um pedido de registo ao abrigo do referido regulamento.

130

Tendo em conta esta resposta à segunda questão, não há que responder à terceira questão.

Quanto às despesas

131

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

Decorre do n.o 101 do acórdão de 18 de Novembro de 2003, Budějovický Budvar (C-216/01), que:

para determinar se uma denominação como a que está em causa no processo principal pode ser considerada uma indicação de proveniência geográfica simples e indirecta cuja protecção ao abrigo dos tratados bilaterais em causa no processo principal é susceptível de ser justificada à luz dos critérios do artigo 30.o CE, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, segundo as condições de facto e as concepções prevalecentes na República Checa, essa denominação, mesmo não sendo, enquanto tal, um nome geográfico, é pelo menos apta a informar o consumidor de que o produto que a ostenta provém de uma região ou de um lugar do território desse Estado Membro;

o órgão jurisdicional de reenvio deve, além disso, verificar, também à luz das condições de facto e das concepções prevalecentes na República Checa, se, como é indicado no n.o 99 do referido acórdão, a denominação em causa no processo principal não adquiriu um carácter genérico nesse Estado-Membro à data da entrada em vigor dos tratados bilaterais em causa ou posteriormente a essa data, tendo o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias já decidido, nos n.os 99 e 100 do mesmo acórdão, que o objectivo do regime de protecção instituído por esses tratados se enquadra na protecção da propriedade industrial e comercial na acepção do artigo 30.o CE;

na falta de disposições comunitárias na matéria, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir, em conformidade com o seu direito nacional, se deve encomendar uma sondagem de opinião destinada a esclarecê-lo sobre as condições de facto e as concepções prevalecentes na República Checa, a fim de verificar se a denominação «Bud», em causa no processo principal, pode ser qualificada como indicação de proveniência geográfica simples e indirecta e se não adquiriu carácter genérico nesse Estado-Membro. É igualmente à luz desse mesmo direito nacional que o órgão jurisdicional de reenvio, se considerar necessário encomendar uma sondagem de opinião, deve determinar, para efeitos dessas verificações, a percentagem de consumidores considerada suficientemente significativa, e

o artigo 30.o CE não impõe uma exigência concreta à qualidade e à duração do uso que é feito de uma denominação no Estado-Membro de origem para que a respectiva protecção seja justificada à luz do referido artigo. A questão de saber se tal exigência se aplica no quadro do processo principal deve ser resolvida pelo órgão jurisdicional de reenvio à luz do direito nacional aplicável, em particular do regime de protecção previsto pelos tratados bilaterais em causa.

 

2)

O regime comunitário de protecção previsto pelo Regulamento (CE) n.o 510/2006 do Conselho, de 20 de Março de 2006, relativo à protecção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, tem carácter exaustivo, opondo-se portanto à aplicação de um regime de protecção previsto por tratados que vinculam dois Estados-Membros, como os tratados bilaterais em causa no processo principal, que confere a uma denominação, reconhecida segundo o direito de um Estado-Membro como denominação de origem, uma protecção noutro Estado-Membro em que essa protecção é efectivamente reclamada, quando essa denominação de origem não tenha sido objecto de um pedido de registo ao abrigo do referido regulamento.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: alemão.