ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

9 de Dezembro de 2008 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Directiva 2001/18/CE — Libertação voluntária no ambiente e colocação no mercado de OGM — Acórdão do Tribunal que declara o incumprimento — Inexecução — Artigo 228.o CE — Execução na pendência da acção — Sanções pecuniárias»

No processo C-121/07,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 228.o CE, entrada em 28 de Fevereiro de 2007,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. Stromsky e C. Zadra, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Francesa, representada por E. Belliard, S. Gasri e G. de Bergues, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por

República Checa, representada inicialmente por T. Boček, e em seguida por M. Smolek, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts, A. Ó Caoimh, J.-C. Bonichot e T. von Danwitz, presidentes de secção, K. Schiemann (relator), P. Kūris, E. Juhász, G. Arestis, L. Bay Larsen e P. Lindh, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: M.-A. Gaudissart, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Março de 2008,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 5 de Junho de 2008,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que:

decida que, não tendo adoptado todas as medidas que implica a execução do acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França (C-419/03), relativo à não transposição para o seu direito interno das disposições da Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados e que revoga a Directiva 90/220/CEE do Conselho (JO L 106, p. 1), que divergem ou vão além das da Directiva 90/220/CEE do Conselho, de 23 de Abril de 1990, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados (JO L 117, p. 15), a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem em virtude do artigo 228.o, n.o 1, CE;

condene a República Francesa a pagar à Comissão, por depósito na conta «Recursos próprios da Comunidade Europeia», uma sanção pecuniária compulsória de 366744 euros por dia de atraso na execução do acórdão Comissão/França, já referido, a contar da prolação do presente acórdão e até à execução completa do referido acórdão Comissão/França;

condene a República Francesa a pagar à Comissão, por depósito na conta «Recursos próprios da Comunidade Europeia», a quantia fixa de 43600 euros por dia de atraso na execução do acórdão Comissão/França, já referido, a contar do dia em que esse acórdão foi proferido e até ao dia:

em que esse mesmo acórdão tenha sido plenamente executado, se isto ocorrer antes de ser proferido o presente acórdão;

da prolação do presente acórdão, se o acórdão Comissão/França, já referido, não tiver sido plenamente executado até essa data;

condene a República Francesa nas despesas.

Quadro jurídico

2

A Directiva 2001/18 foi adoptada com base no artigo 95.o CE. Tem por objectivo, nos termos do seu artigo 1.o, a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros e a protecção da saúde humana e do ambiente, por um lado quando são efectuadas libertações deliberadas de organismos geneticamente modificados (a seguir «OGM») no ambiente para qualquer fim diferente da colocação no mercado no território da Comunidade Europeia e, por outro, quando são colocados no mercado no território da Comunidade produtos que contenham ou sejam constituídos por OGM.

3

Em virtude do artigo 34.o, n.o 1, da referida directiva, os Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe darem cumprimento o mais tardar até 17 de Outubro de 2002.

4

O artigo 36.o da Directiva 2001/18 enuncia:

«1.   A Directiva 90/220/CEE é revogada com efeitos a partir de 17 de Outubro de 2002.

2.   As referências feitas à directiva revogada devem entender-se como feitas à presente directiva e ser lidas de acordo com o quadro de correspondência que consta do anexo VIII.»

O acórdão Comissão/França

5

No n.o 1 da parte decisória do acórdão Comissão/França, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu:

«Ao não adoptar, no prazo previsto, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor para o seu direito interno as disposições da [Directiva 2001/18] que divergem ou vão além das da [Directiva 90/220], a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 2001/18.»

Fase pré-contenciosa

6

Interrogada pela Comissão, em 5 de Novembro de 2004, sobre o estado de execução do acórdão Comissão/França, já referido, a República Francesa respondeu por carta de 4 de Fevereiro de 2005. Indicava aí que, atendendo à circunstância de os OGM, designadamente a sua libertação voluntária no ambiente, se terem tornado, em França, num assunto importante de debates e de conflitos por vezes violentos, como é demonstrado pelas numerosas operações de destruição de culturas ao ar livre, foi criada, em Outubro de 2004, uma missão parlamentar de informação destinada a avaliar o interesse dos ensaios e da utilização de OGM, por proposta do Presidente da Assembleia Nacional. Essa mesma carta precisava ainda que o Governo tinha, pela sua parte, decidido esperar pelo fim dos trabalhos dessa missão, tendo em vista favorecer um debate sereno e construtivo sobre o projecto de lei de transposição da Directiva 2001/18. O fim desses trabalhos era esperado para Abril de 2005.

7

Em 21 de Fevereiro de 2005, as autoridades francesas comunicaram à Comissão o texto do Decreto n.o 2005-51, de 26 de Janeiro de 2005, que alterou o Decreto n.o 96-850, de 20 de Setembro de 1996, relativo ao controlo da libertação voluntária e da colocação no mercado para fins civis de produtos total ou parcialmente compostos de organismos geneticamente modificados (JORF de 28 de Janeiro de 2005, p. 1474) que concorre, segundo elas, para a transposição da Directiva 2001/18 na medida em que inclui os reactivos no âmbito de aplicação do referido Decreto n.o 96-850.

8

Tendo considerado que a República Francesa não tinha adoptado as medidas necessárias para dar execução ao acórdão Comissão/França, já referido, a Comissão, em 13 de Julho de 2005, enviou a este Estado-Membro, em aplicação do artigo 228.o CE, uma notificação para cumprir.

9

Não tendo ficado satisfeita com a resposta recebida, a Comissão dirigiu, em 19 de Dezembro de 2005, um parecer fundamentado à República Francesa, convidando-a a adoptar, no prazo de dois meses a contar da notificação desse parecer, as medidas necessárias para assegurar a execução do referido acórdão.

10

Em 20 de Fevereiro de 2006, as autoridades francesas comunicaram à Comissão o texto de um projecto de lei relativo aos OGM, destinado a transpor a Directiva 2001/18, bem como a reformar o regime de conhecimento científico e a criar um fundo de compensação a favor dos agricultores vítimas de uma presença fortuita de OGM nos seus produtos provenientes de uma «cultura não-OGM» (a seguir «projecto de lei de 2006»). Além disso, anunciaram que o referido projecto, bem como as medidas regulamentares a ele referentes, seriam adoptados, o mais tardar, no final de 2006.

11

Em 8 de Maio de 2006, as autoridades francesas comunicaram à Comissão que o Senado adoptara em 23 de Março de 2006 o projecto de lei de 2006 e que este seria depositado na Assembleia Nacional no dia seguinte.

12

Em 21 de Fevereiro de 2007, as mesmas autoridades informaram oralmente os serviços da Comissão de que, atendendo à agenda carregada da Assembleia Nacional e à suspensão dos trabalhos desta última a partir de 25 de Fevereiro de 2007, o projecto de lei de 2006 já não poderia ser adoptado na legislatura em curso, de modo que se tencionava agora proceder à adopção rápida de textos regulamentares destinados a assegurar a transposição da Directiva 2001/18.

13

Nestas condições, tendo considerado que a República Francesa continuava a não dar execução ao acórdão Comissão/França, já referido, a Comissão intentou, em 28 de Fevereiro de 2007, a presente acção.

14

Nesse mesmo dia, as autoridades francesas confirmaram à Comissão o teor da informação oral acima mencionada e transmitiram-lhe dois projectos de decreto. Segundo a República Francesa, a publicação dessas e de outras medidas igualmente destinadas a assegurar a transposição da Directiva 2001/18 era esperada para o início de Abril de 2007.

Desenvolvimentos ocorridos no decurso do presente processo

15

Por uma nota de 20 de Março de 2007, as autoridades francesas transmitiram à Comissão diversos textos publicados nessa mesma data no Journal officiel de la République française (a seguir, em conjunto, «medidas de execução de Março de 2007»), a saber:

o Decreto n.o 2007-357, de 19 de Março de 2007, que modifica o Decreto n.o 93-774, de 27 de Março de 1993, que estabelece a lista das técnicas de modificação genética e os critérios de classificação dos organismos geneticamente modificados;

o Decreto n.o 2007-358, de 19 de Março de 2007, relativo à libertação voluntária para qualquer fim diferente da colocação no mercado de produtos total ou parcialmente compostos por organismos geneticamente modificados;

o Decreto n.o 2007-359, de 19 de Março de 2007, relativo ao procedimento de autorização de colocação no mercado de produtos não destinados à alimentação e total ou parcialmente compostos por organismos geneticamente modificados;

o despacho de 15 de Março de 2007 que modifica o despacho de 2 de Junho de 1998 relativo às regras técnicas que devem ser satisfeitas pelas instalações sujeitas à autorização ao abrigo da rubrica 2680-2 da nomenclatura das instalações classificadas para a protecção do ambiente;

o despacho de 15 de Março de 2007 que modifica o anexo I do despacho de 2 de Junho de 1998 relativo às regras gerais aplicáveis às instalações classificadas para a protecção do ambiente sujeitas a declaração sob a rubrica 2680-1 organismos geneticamente modificados, e

o despacho de 15 de Março relativo à etiquetagem dos organismos geneticamente modificados colocados à disposição de terceiros para uma utilização confinada a fins de investigação, de desenvolvimento ou de ensino.

16

Tendo considerado que as medidas de execução de Março de 2007 não asseguravam a execução integral do acórdão Comissão/França, já referido, e que os artigos 8.o, n.o 2, 17.o, n.os 1, 2 e 9, 19.o e 23.o da Directiva 2001/18 ainda não tinham sido correctamente transpostos, a Comissão, na sua réplica, adaptou os pedidos constantes da petição no que respeita às sanções pecuniárias. A esse respeito, a Comissão passou a propor ao Tribunal de Justiça:

reduzir o montante da sanção pecuniária compulsória diária que propôs na petição, numa medida conforme com o grau de execução do acórdão Comissão/França, já referido;

adaptar, em medida conforme com o referido grau de execução, o montante da quantia fixa proposto na sua petição, mas apenas relativamente à parte dessa quantia correspondente ao período decorrido entre 21 de Março de 2007 e o dia:

da execução plena desse mesmo acórdão Comissão/França, se tal vier a ocorrer antes da prolação do presente acórdão;

da prolação do presente acórdão, se o acórdão Comissão/França, já referido, não tiver sido plenamente executado até essa data.

17

Na audiência, a Comissão indicou, porém, que considerava que o artigo 17.o da Directiva 2001/18 já não exigia medidas suplementares de transposição em França.

18

Embora admitindo que não tinha assegurado a execução do acórdão Comissão/França, já referido, à data do termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado, a República Francesa considera que as medidas de execução de Março de 2007 asseguraram, desde essa data, a transposição integral da Directiva 2001/18 e, portanto, a completa execução desse acórdão. Considera, pois, que os pedidos no sentido da sua condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória e de uma quantia fixa ficaram sem objecto, ou, subsidiariamente, que são desprovidos de fundamento ou, em qualquer caso, excessivos. Por este facto, pede o indeferimento desses pedidos.

19

Após o encerramento da fase oral, a República Francesa, por carta de 27 de Junho de 2008, informou o Tribunal de Justiça e a Comissão da adopção da lei n.o 2008-595, de 25 de Junho de 2008, relativa aos organismos geneticamente modificados (JORF de 26 de Junho de 2008, p. 10218, a seguir «lei de 25 de Junho de 2008»).

20

Após o exame desse texto, a Comissão, por carta com data de 30 de Julho de 2008, informou o Tribunal de Justiça que considerava que a referida lei assegura, a contar da sua entrada em vigor, ou seja, 27 de Junho de 2008, a transposição integral da Directiva 2001/18 e, portanto, a completa execução do acórdão Comissão/França, já referido. Nessa mesma carta, a Comissão indicou ainda que o seu pedido de condenação da República Francesa no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória tinha, por esse motivo, ficado sem objecto.

Quanto ao incumprimento

21

Embora o artigo 228.o CE não especifique o prazo no qual deve ser dada execução a um acórdão, resulta de jurisprudência assente que o interesse na aplicação imediata e uniforme do direito comunitário impõe que essa execução seja iniciada imediatamente e concluída no mais breve prazo possível (v., designadamente, acórdão de 25 de Novembro de 2003, Comissão/Espanha, C-278/01, Colect., p. I-14141, n.o 27 e jurisprudência aí referida).

22

Além disso, a data de referência para apreciar a existência de um incumprimento ao abrigo do artigo 228.o CE coincide com o termo do prazo fixado no parecer fundamentado emitido de harmonia com o disposto na referida disposição (v., designadamente, acórdão de 18 de Julho de 2007, Comissão/Alemanha, C-503/04, Colect., p. I-6153, n.o 19 e jurisprudência aí referida).

23

No caso vertente é manifesto que, na data em que terminou o prazo de dois meses estabelecido no parecer fundamentado de 19 de Dezembro de 2005, o prazo em que devia ter sido executado o acórdão Comissão/França, já referido, que exigia a adopção de medidas de transposição da Directiva 2001/18, tinha sido largamente ultrapassado, visto que haviam decorrido quase 19 meses desde a prolação desse acórdão.

24

Além disso, é pacífico que, nessa mesma data em que terminou o prazo, a República Francesa não tinha adoptado qualquer das medidas que a execução desse acórdão implicava, com excepção da adopção do Decreto n.o 2005-51, medida de alcance extremamente limitado atendendo à obrigação de transposição que então lhe incumbia.

25

Nessas condições, há que declarar que a República Francesa, como ela própria de resto admite, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 228.o, n.o 1, CE.

Quanto à sanção pecuniária

Quanto à sanção pecuniária compulsória

26

Como resulta dos n.os 18 e 19 do presente acórdão, a Comissão indicou que considera que a entrada em vigor da lei de 25 de Junho de 2008 assegurou a completa execução do acórdão Comissão/França, já referido, e que o seu pedido de imposição de uma sanção pecuniária compulsória à República Francesa tinha, por conseguinte, ficado sem objecto.

27

A este respeito, importa recordar que resulta de jurisprudência assente que a eventual imposição ao abrigo do artigo 228.o CE de uma sanção pecuniária compulsória, cuja natureza coerciva em relação ao incumprimento em curso foi várias vezes sublinhada pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, neste sentido, acórdão de 4 de Julho de 2000, Comissão/Grécia, C-387/97, Colect., p. I-5047, n.os 90 e 92), apenas se justifica, em princípio, enquanto durar o incumprimento relativo à inexecução de um precedente acórdão do Tribunal de Justiça (v., designadamente, nesse sentido, acórdãos de 18 de Julho de 2006, Comissão/Itália, C-119/04, Colect., p. I-6885, n.os 45 e 46, e Comissão/Alemanha, já referido, n.o 40).

28

Face ao que precede, o Tribunal de Justiça considera que a condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória não se impõe.

Quanto à quantia fixa

Argumentos das partes

29

A Comissão afirma que, sempre que o caso for levado ao Tribunal de Justiça com base no artigo 228.o CE, ela passará a propor sistematicamente, como enunciado no ponto 10 da sua comunicação SEC (2005) 1658, de 13 de Dezembro de 2005 (a seguir, «comunicação de 2005»), a condenação do Estado-Membro em falta no pagamento de uma quantia fixa, mantendo esse pedido, sem desistir, mesmo em caso de execução, no decurso da instância, do precedente acórdão do Tribunal de Justiça.

30

Segundo a Comissão, essa nova abordagem justifica-se para evitar que a autoridade dos acórdãos do Tribunal de Justiça e os princípios da legalidade e da segurança jurídica, bem como a eficácia do direito comunitário, sejam desrespeitados. A total inexistência de sanção financeira em caso de regularização tardia no decurso da instância implicaria, com efeito, o risco, como tende a suceder cada vez com mais frequência na prática, de incitar os Estados-Membros a não executarem com diligência os acórdãos do Tribunal de Justiça e a adoptarem atitudes sistematicamente dilatórias.

31

A este respeito, a Comissão sublinha que, entre Dezembro de 1996 e Outubro de 2005, procedeu, em aplicação do artigo 228.o CE, ao envio de 296 notificações para cumprir, entre as quais 50 dirigidas à República Francesa, e de 125 pareceres fundamentados, entre os quis 25 dirigidos a esse mesmo Estado-Membro. Durante esse mesmo período, a Comissão decidiu, por 38 vezes, recorrer ao Tribunal de Justiça com base na referida disposição, dizendo 7 dessas decisões respeito à República Francesa, e propôs efectivamente uma acção no Tribunal de Justiça em 23 desses casos, tendo 6 acções sido propostas contra esse Estado-Membro. Apenas 6 dos processos assim iniciados resultaram num acórdão do Tribunal de Justiça, tendo em todos os outros casos ocorrido uma regularização tardia antes do termo do processo judicial. A situação tem, de resto, tendência a agravar-se, tendo a Comissão sido levada a emitir 50 notificações para cumprir ao abrigo do referido artigo 228.o CE entre 1 de Janeiro e 24 de Outubro de 2005.

32

Enquanto instrumento de persuasão, o processo judicial especial de execução previsto no artigo 228.o, n.o 2, CE deve, pois, adaptar-se às circunstâncias particulares de cada caso e a circunstâncias mais gerais, entre as quais figura a evolução descrita no ponto precedente.

33

Contrariamente à sanção pecuniária compulsória, dotada de uma função persuasiva no que respeita ao incumprimento em curso e destinada a prevenir a sua continuação depois de o acórdão do Tribunal de Justiça ser proferido ao abrigo do artigo 228.o CE, a quantia fixa, devida independentemente da atitude adoptada pelo Estado-Membro em causa no que respeita a esse incumprimento após proferido tal acórdão, é sobretudo destinada a punir o comportamento passado. Actua assim com um objectivo dissuasório e preventivo da repetição de infracções análogas. A ameaça da sua imposição é designadamente susceptível de incitar o Estado-Membro a executar o acórdão inicial que declara o incumprimento o mais cedo possível e, em particular, antes de ser proposta nova acção no Tribunal de Justiça.

34

A Comissão propõe a distinção entre dois períodos para efeitos do cálculo da quantia fixa, a saber, por um lado, o período decorrido entre a data da prolação do acórdão Comissão/França, já referido, e 20 de Março de 2007, data em que foram publicadas as medidas de execução de Março de 2007, e, por outro, o período posterior a 20 de Março de 2007.

35

Fazendo referência ao método de cálculo exposto na comunicação de 2005, a Comissão propõe assim, em primeiro lugar, a condenação da República Francesa no pagamento da quantia de 43660 euros por dia decorrido entre 15 de Julho de 2004 e 20 de Março de 2007.

36

Este montante diário resulta, como prevê o referido método de cálculo, da multiplicação de um montante fixo de base de 200 euros por um coeficiente de gravidade da infracção, neste caso fixado em 10 numa escala de 1 a 20, e por um factor n, função da capacidade de pagamento de cada Estado-Membro, estando este factor fixado, no que respeita à República Francesa, em 21,83. O montante da quantia fixa devida relativamente ao período acima mencionado eleva-se assim a 42743140 euros (43660 euros x 979 dias).

37

Segundo a Comissão, o coeficiente de gravidade 10 justifica-se neste caso atendendo ao carácter manifesto da infracção, que resulta da não transposição de uma directiva, à sua longa duração e à importância da norma violada, que se destina a proteger a saúde humana e o ambiente garantindo simultaneamente a liberdade de circulação dos OGM, bem como atendendo ao carácter repetitivo dos incumprimentos da República Francesa às suas obrigações no sector dos OGM. A este respeito, a Comissão faz referência aos acórdãos de 20 de Novembro de 2003, Comissão/França (C-296/01, Colect., p. I-13909) e de 27 de Novembro de 2003, Comissão/França (C-429/01, Colect., p. I-14355), e, tratando-se do segundo desses acórdãos, à sua execução, ocorrida após a submissão do caso ao Tribunal de Justiça com base no artigo 228.o CE (v. despacho de cancelamento no registo de 7 de Fevereiro de 2007, Comissão/França, C-79/06). A Comissão alega igualmente uma falta de cooperação leal e de vontade de executar o acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, de que as autoridades francesas fizeram prova.

38

No que respeita às ofensas aos interesses públicos e privados resultantes do incumprimento da República Francesa, a Comissão insiste mais especificamente na insegurança jurídica que delas resultou para os operadores relativamente aos seus direitos e aos seus deveres. Os «guias» emanados do Ministério da Agricultura e dirigidos a potenciais requerentes da autorização de experimentação de OGM, mencionados, em sede de defesa, pela República Francesa, são desprovidos de força jurídica e não são susceptíveis, designadamente, de criar esses direitos e deveres como o faria uma correcta transposição da Directiva 2001/18. Uma sentença do Tribunal Administrativo de Clermont-Ferrand, de 4 de Maio de 2006, que anulou uma autorização de experimentação por inexistência de base legal decorrente da não transposição dessa directiva ilustra, designadamente, essa insegurança jurídica.

39

A Comissão alega ainda que a inexistência dessa transposição criou riscos em termos de libertações transfronteiriças de OGM não penalmente puníveis, de desencorajamento da investigação biotecnológica sobre os OGM bem como do comércio dos mesmos, ou ainda de conflitos comerciais internacionais ligados à circunstância de a regulamentação comunitária aplicável aos OGM importados de países terceiros não assentar num quadro jurídico interno comunitário coerente susceptível de a justificar.

40

Em segundo lugar, e no que respeita ao período posterior a 20 de Março de 2007, a Comissão considera que as medidas de Março de 2007 não asseguraram a plena execução do acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, visto os artigos 8.o, n.o 2, 19.o e 23.o da Directiva 2001/18 continuarem, segundo ela, incorrectamente transpostos nessa data, de modo que a imposição do pagamento de uma quantia fixa diária, proporcional à gravidade do incumprimento subsistente, continua necessária relativamente ao referido período.

41

A Comissão propõe que a quantia fixa diária a pagar pela República Francesa, a contar de 21 de Março de 2007, seja calculada multiplicando um coeficiente de gravidade da infracção, deixado à apreciação do Tribunal de Justiça mas proporcional à infracção subsistente, pelo montante de base de 200 euros e pelo factor n mencionados no n.o 35 do presente acórdão. Essa quantia diária deve, além disso, ser imposta até à data em que o acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, tenha sido plenamente executado.

42

O método de cálculo assim preconizado pela Comissão permite, segundo ela, no momento em que o Tribunal de Justiça decida, chegar a uma quantia fixa global, proporcional à gravidade da infracção e que tenha em conta a eventual boa vontade tardia do Estado-Membro em causa.

43

Por último, a Comissão indica que a circunstância de uma quantia fixa de 20 milhões de euros ter sido imposta pelo acórdão de 12 de Julho de 2005, Comissão/França (C-304/02, Colect., p. I-6263) não deve constituir um ponto de referência para outros processos, visto que esse montante revestia um carácter simbólico explicado pelas circunstâncias processuais particulares próprias desse processo.

44

A República Francesa considera, a título principal, que o acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, foi inteiramente executado no seguimento da adopção das medidas de execução de Março de 2007 e que o pedido da Comissão relativo à imposição de uma quantia fixa ficou, como tal, sem objecto.

45

Com efeito, tal imposição tem por única função incitar o Estado-Membro a executar um acórdão do Tribunal de Justiça que declare um incumprimento a seu respeito e, desse modo, assegurar a aplicação efectiva do direito comunitário, e não prevenir a prática de eventuais infracções futuras. Os acórdãos proferidos até ao presente pelo Tribunal de Justiça com base no artigo 228.o CE confirmam aliás que, quando seja posto termo ao incumprimento, deixa de haver lugar à condenação no pagamento de tal quantia fixa.

46

A título subsidiário, a República Francesa considera que uma quantia fixa não pode ser imposta com base em considerações de ordem geral, sendo necessária a existência de circunstâncias muito particulares próprias à situação em causa, do tipo das mencionadas pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, já referido, relacionadas com a duração extremamente longa da inexecução de um acórdão do Tribunal de Justiça e com as consequências consideradas particularmente graves desse incumprimento.

47

Ora, tais condições não estão presentes no caso vertente. Por um lado, o tempo decorrido após a prolação do acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, foi, neste caso, bem mais curto e, além disso, foi dada execução ao referido acórdão muito pouco tempo depois de a acção ter sido intentada no Tribunal de Justiça. Por outro lado, o incumprimento apenas diz respeito a uma parte das disposições da Directiva 2001/18, a saber, as que divergem ou vão além das disposições da Directiva 90/220, e, de resto, as suas consequências práticas foram muito limitadas. O presente processo tem, assim, afinidades com todos os outros processos em que o Tribunal de Justiça mão considerou oportuno impor o pagamento de uma quantia fixa.

48

A título ainda mais subsidiário, a República Francesa considera que o montante da quantia fixa proposta é, de qualquer modo, excessivo. Desde logo, é desmesurado em comparação com a quantia de 20 milhões de euros imposta pelo acórdão de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, já referido.

49

Depois, o método de cálculo escolhido desvirtua o carácter fixo da sanção, visto o montante diário proposto se assemelhar mais a uma sanção pecuniária compulsória retroactiva.

50

Por último, o coeficiente de gravidade da infracção proposto é demasiado elevado.

51

Em primeiro lugar, com efeito, a não transposição da Directiva 2001/18 teve consequências práticas muito limitadas. Por um lado, as utilizações mais frequentes de OGM estão abrangidas por outras regulamentações, como o Regulamento (CE) n.o 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados (JO L 268, p. 1), e os pedidos de autorização baseados na Directiva 2001/18 foram extremamente pouco numerosos Por outro lado, um procedimento de autorização de experimentação de plantas superiores geneticamente modificadas, assente em dois guias publicados pelo Ministério da Agricultura, foi de facto instituído e as autorizações emitidas com base nesse fundamento permitiram efectivamente atingir os objectivos da Directiva 2001/18 em matéria de pedido de autorização, de informação e de consulta do público, bem como de limitação dos riscos de propagação, designadamente transfronteiriça, de micro-organismos. Prova-o, designadamente, tanto o conteúdo dos referidos guias, como uma decisão de autorização individual produzida pela República Francesa, como, por último, diversos acórdãos proferidos pelo Conseil d’État.

52

Em segundo lugar, entre 2003 e 2006, a França ocupou a segunda posição entre os Estados-Membros, tanto ao nível do número de pedidos de autorização de libertação com fins experimentais, como no que respeita à produção de OGM com fins comerciais, o que é demonstrado pelo facto de nem o comércio de OGM nem a investigação biotecnológica terem sido desencorajados pela não transposição da Directiva 2001/18.

53

Em terceiro lugar, a questão da transposição da referida directiva nunca foi suscitada no quadro de negociações comerciais internacionais.

54

Em quarto lugar, não houve, da parte da República Francesa, nem falta de cooperação nem abstenção deliberada de executar o acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, estando os atrasos verificados ligados, designadamente, como já foi exposto na fase pré-contenciosa, à preocupação de minorar os problemas de ordem pública causados pelas culturas de OGM e de facilitar a aceitação pela opinião pública dessas culturas, graças a reformas mais ambiciosas do que as exigidas pela simples transposição das disposições da Directiva 2001/18.

55

Em quinto e último lugar, a Comissão não pode invocar circunstâncias que deram lugar a outros processos por incumprimento actualmente encerrados.

Apreciação do Tribunal de Justiça

56

Se é certo que a condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, que reveste uma natureza essencialmente coerciva em relação ao incumprimento em curso, só se impõe, como resulta do n.o 27 do presente acórdão, na medida em que persista a não execução do acórdão que declarou esse incumprimento, nada exige, em contrapartida, que se adopte a mesma abordagem no que respeita à imposição de uma quantia fixa.

57

Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o processo previsto no artigo 228.o, n.o 2, CE tem por objectivo incitar um Estado-Membro inadimplente a executar um acórdão que declara um incumprimento e, desse modo, assegurar a aplicação efectiva do direito comunitário, e que as medidas previstas por essa disposição, ou seja, a quantia fixa e a sanção pecuniária compulsória, têm ambas esse mesmo objectivo (acórdão de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, já referido, n.o 80).

58

Se a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória se afigura especialmente adaptada para incitar um Estado-Membro a pôr termo, o mais rapidamente possível, a um incumprimento que, na falta de tal medida, teria tendência para persistir, a aplicação de uma quantia fixa resulta sobretudo da apreciação das consequências da não execução das obrigações do Estado-Membro em causa para os interesses privados e públicos, designadamente quando o incumprimento tiver persistido por um longo período desde o acórdão que inicialmente o declarou (acórdão de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, já referido, n.o 81).

59

Incumbe ao Tribunal de Justiça, em cada processo e em função das circunstâncias do caso que deve apreciar, bem como do nível de persuasão e de dissuasão que o mesmo lhe pareça exigir, adoptar as sanções pecuniárias adequadas para assegurar a execução mais rápida possível do acórdão que precedentemente tenha declarado um incumprimento e prevenir a repetição de análogas infracções ao direito comunitário (v. acórdão de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, já referido, n.o 97).

60

A esse respeito, a circunstância, referida pela República Francesa, de o pagamento de uma quantia fixa não ter, até à data, sido imposto pelo Tribunal de Justiça em situações em que a execução completa do acórdão inicial foi assegurada antes do termo do processo iniciado com base no artigo 228.o CE, não pode constituir um obstáculo a que tal imposição seja decidida no âmbito de outro processo, se tal for necessário atendendo às características do caso e ao grau de persuasão e de dissuasão requerido.

61

Quanto às propostas contidas na comunicação de 2005 em matéria de imposição de quantias fixas que a Comissão invocou no presente processo, importa recordar que, embora as orientações, como as contidas nas comunicações da Comissão, possam efectivamente contribuir para garantir a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica da acção desenvolvida por esta instituição, não é menos verdade que essas regras não podem vincular o Tribunal de Justiça no exercício do poder que lhe é conferido pelo artigo 228.o, n.o 2, CE (v., designadamente, acórdão de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, já referido, n.o 85 e jurisprudência aí referida).

62

A imposição eventual de uma quantia fixa deve, em cada caso, depender de todos os elementos pertinentes relacionados tanto com as características do incumprimento declarado como com a atitude do Estado-Membro demandado no processo iniciado com base no artigo 228.o CE.

63

Com efeito, importa assinalar, a esse respeito, que a redacção do artigo 228.o CE, tal como a sua finalidade, anteriormente recordada, não indica que a condenação numa quantia fixa deva revestir o carácter automático que a Comissão sugere na comunicação de 2005. Ao dispor que o Tribunal de Justiça «pode» condenar o Estado-Membro inadimplente ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória ou de uma quantia fixa, essa disposição investe o Tribunal de Justiça num amplo poder de apreciação quanto a decidir se há ou não lugar a impor tais sanções.

64

Se o Tribunal de Justiça decide impor uma sanção pecuniária compulsória ou uma quantia fixa, compete-lhe, no exercício do seu poder de apreciação, fixá-la de modo a que seja, por um lado, adaptada às circunstâncias e, por outro, proporcional tanto ao incumprimento constatado como à capacidade de pagamento do Estado-Membro em causa (v. acórdão Comissão/Espanha, já referido, n.o 41 e jurisprudência aí referida). No que respeita mais especificamente à imposição de uma quantia fixa, figuram designadamente, entre os factores pertinentes a esse respeito, elementos como a duração da persistência do incumprimento desde o acórdão que o declara e os interesses públicos e privados em causa (v. acórdão de 12 de Julho de 2005, Comissão/França, já referido, n.o 114).

65

No caso vertente, o Tribunal de Justiça considera que, para se pronunciar sobre o pedido de imposição de uma quantia fixa formulado pela Comissão, deverá atender às circunstâncias seguintes.

66

Em primeiro lugar, e no que respeita à atitude adoptada pela República Francesa relativamente às suas obrigações comunitárias no domínio específico dos OGM, o referido Estado-Membro já foi objecto, como recordado pela Comissão, de vários acórdãos proferidos com base no artigo 226.o CE que declararam um incumprimento da sua parte pelo facto de não ter transposto correctamente directivas adoptadas no referido domínio.

67

Com efeito, para além da constatação da não transposição da Directiva 2001/18 ocorrida no acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, cuja inexecução deu lugar ao presente processo, a constatação do incumprimento da República Francesa às suas obrigações ocorreu igualmente nos acórdãos, já referidos, de 20 de Novembro de 2003 e de 27 de Novembro de 2003, Comissão/França, em virtude de uma transposição incompleta, respectivamente, da Directiva 90/220 e da Directiva 90/219/CEE do Conselho, de 23 de Abril de 1990, relativa à utilização confinada de microrganismos geneticamente modificados (JO L 117, p. 1).

68

Além disso, resulta do despacho de cancelamento no registo de 7 de Fevereiro de 2007, Comissão/França, que só depois de a Comissão ter interposto uma acção destinada a obter a declaração de não execução do referido acórdão de 27 de Novembro de 2003 é que a República Francesa adoptou as medidas para dar cumprimento às suas obrigações, no seguimento do que a Comissão desistiu da acção.

69

Como sugerido pela Comissão, tal repetição de comportamentos ilegais de um Estado-Membro num sector específico da acção comunitária pode constituir um indicador de que a prevenção efectiva da repetição futura de infracções análogas ao direito comunitário é de natureza a requerer a adopção de uma medida dissuasória como a imposição de uma quantia fixa.

70

No que respeita, em segundo lugar, à duração do incumprimento desde a prolação do acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, há que referir que nada, no caso vertente, permite justificar o atraso significativo verificado, após a prolação do referido acórdão, na transposição efectiva da Directiva 2001/18, transposição que, no essencial, exigia apenas a adopção de disposições normativas internas.

71

A esse respeito, importa assinalar designadamente que, apesar de a República Francesa não contestar que não cumpriu a sua obrigação de executar o referido acórdão até à data em que terminou o prazo estabelecido no parecer fundamentado, as medidas de execução de Março de 2007, primeiras medidas consequentes adoptadas para assegurar tal execução, só foram adoptadas mais de um ano após a referida data de termo do prazo.

72

Quanto à circunstância, efectivamente comprovada nos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, de a cultura ao ar livre de OGM ter suscitado e continuar a suscitar em França manifestações violentas, designadamente de arrancamento em pleno campo, e ao facto de o atraso na execução do acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, se explicar designadamente pela preocupação de instruir os trabalhos parlamentares e de efectuar uma reforma mais ambiciosa do que a exigida pela Directiva 2001/18, importa antes de mais recordar que resulta de jurisprudência assente que um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica para justificar a não observância das obrigações resultantes do direito comunitário (v., designadamente, acórdão de 18 de Julho de 2006, Comissão/Itália, já referido, n.o 25). Em particular, mesmo supondo que os problemas invocados pela República Francesa têm de facto a sua origem, em parte, na implementação de regras de origem comunitária, um Estado-Membro não pode invocar dificuldades de aplicação surgidas na fase de execução de um acto comunitário, incluindo dificuldades associadas à resistência de particulares, para justificar o não respeito das obrigações e dos prazos resultantes de normas de direito comunitário (v. acórdão Comissão/Grécia, já referido, n.os 69 e 70).

73

No que respeita, em terceiro lugar, à gravidade do incumprimento, designadamente atendendo ao seu impacto sobre os interesses públicos e privados em presença, importa assinalar que, como resulta do artigo 1.o da Directiva 2001/18, esta tem por objectivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de colocação no mercado de OGM e de libertação voluntária dos mesmos no ambiente, bem como a protecção da saúde humana e do ambiente.

74

Conforme resulta do referido artigo 1.o e dos sexto e oitavo considerandos da referida directiva, o regime por esta instituído é, de resto, inspirado pelos princípios da precaução e da acção preventiva que, há que recordá-lo, constituem princípios fundamentais da protecção do ambiente, designadamente referidos no artigo 174.o, n.o 2, CE.

75

Como é recordado, a este respeito, nos quarto e quinto considerandos da Directiva 2001/18, os organismos vivos, quando libertados no ambiente em grande ou pequena quantidades, para fins experimentais ou sob a forma de produtos comercializados, são susceptíveis de se reproduzir no ambiente e atravessar fronteiras nacionais, afectando deste modo outros Estados-Membros. Os efeitos dessas libertações no ambiente podem ser irreversíveis. A protecção da saúde humana e do ambiente impõe um exame atento do controlo dos riscos resultantes da libertação deliberada no ambiente de OGM.

76

Através da aproximação das legislações nacionais que opera, a Directiva 2001/18, que foi adoptada com base no artigo 95.o CE, visa, além disso, igualmente facilitar a livre circulação de produtos que contenham ou sejam constituídos por OGM.

77

Ora, como o Tribunal de Justiça já assinalou, quando a não execução de um acórdão do Tribunal de Justiça é susceptível de prejudicar o ambiente e de pôr em perigo a saúde do homem, cuja preservação faz parte dos próprios objectivos da política comunitária no domínio do ambiente, como resulta do artigo 174.o CE, tal incumprimento reveste um especial grau de gravidade (v., nesse sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/Grécia, n.o 94, e Comissão/Espanha, n.o 57).

78

O mesmo sucede, em princípio, quando a livre circulação de mercadorias permanece entravada, em violação do direito comunitário, não obstante um acórdão do Tribunal de Justiça ter declarado um incumprimento a esse respeito.

79

No caso vertente, em que as disposições da Directiva 2001/18 deviam ter sido transpostas o mais tardar em 17 de Outubro de 2002, mencionou-se atrás que, não obstante o acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, a República Francesa continuava, na data em que a presente acção foi proposta no Tribunal de Justiça, sem adoptar a menor medida consequente para assegurar a execução do referido acórdão e, desse modo, garantir que os objectivos essenciais assim prosseguidos pelo legislador comunitário fossem plenamente atingidos.

80

O conjunto das considerações que precedem basta para justificar a imposição de uma quantia fixa no âmbito do presente processo.

81

Para fixar o montante dessa quantia fixa, o Tribunal de Justiça considera oportuno ter igualmente em conta, para além das considerações expostas nos n.os 65 a 78 do presente acórdão, as seguintes circunstâncias.

82

Em primeiro lugar, e como resulta designadamente dos primeiro e terceiro considerandos da Directiva 2001/18, esta substituiu a Directiva 90/220, que tinha um objectivo similar, procedendo à sua reformulação e aperfeiçoando-a em diversos pontos. Por este motivo, no seu acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, o Tribunal de Justiça apenas declarou o incumprimento da República Francesa, pela não transposição da Directiva 2001/18, na medida em que as obrigações por esta impostas aos Estados-Membros divergem ou vão além das que resultam da Directiva 90/220.

83

Na sua petição no presente processo, a Comissão sublinhou, de resto, a esse respeito, referindo-se ao n.o 5 do referido acórdão Comissão/França, que, consideradas isoladamente, as disposições dos artigos 1.o, 2.o, 4.o a 6.o, n.os 1, 3 e 5, 8.o, n.o 1, 10.o a 12.o, 15.o, n.os 1 e 3, 21.o, 22.o, 24.o, 25.o, 27.o a 34.o e 36.o a 38.o da Directiva 2001/18 não requeriam medidas de execução do referido acórdão.

84

Decorre designadamente do que precede que a ausência total de medidas consequentes de transposição da Directiva 2001/18 pela República Francesa até à adopção das medidas de execução de Março de 2007 não apresenta o mesmo grau de gravidade, singularmente nos planos de protecção do ambiente, da saúde humana, da livre circulação de mercadorias e dos interesses públicos e privados em causa, que o que resultaria de uma situação em que uma regulamentação comunitária com objectivos da importância dos que caracterizam a referida directiva não tivesse recebido qualquer medida de execução na ordem jurídica do Estado-Membro em questão, não obstante a existência de um acórdão do Tribunal de Justiça a declarar o incumprimento desse Estado-Membro às suas obrigações.

85

Em segundo lugar, pode, em certa medida, ter-se em conta que, não obstante o seu carácter tardio, as medidas de execução de Março de 2007 asseguraram uma transposição absolutamente consequente da Directiva 2001/18, apenas três disposições desta última tendo permanecido, segundo a Comissão, imperfeitamente transpostas até 27 de Junho de 2008.

86

Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça considera, à semelhança do advogado-geral no n.o 82 das conclusões, que as circunstâncias recordadas no n.o 72 do presente acórdão e o desenrolar da fase pré-contenciosa descrito designadamente dos n.os 6 a 13 do presente acórdão não permitem concluir que as referidas autoridades nacionais, para além de não cumprirem a sua obrigação de executarem o acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França, já referido, o que já foi verificado no presente acórdão, também não cumpriram a sua obrigação de cooperação leal, como sustenta a Comissão, durante o período que conduziu à execução do referido acórdão, ou adoptaram uma atitude deliberadamente dilatória com o único objectivo de se subtraírem à execução rápida das suas obrigações a esse respeito.

87

Tendo em conta tudo o que precede, uma apreciação justa das circunstâncias do caso vertente permite fixar em 10 milhões de euros o montante da quantia fixa que a República Francesa deverá pagar.

88

Por conseguinte, há que condenar a República Francesa a pagar à Comissão, por depósito na conta «Recursos próprios da Comunidade Europeia», a quantia fixa de 10 milhões de euros.

Quanto às despesas

89

Por força do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa e tendo-se declarado a existência do incumprimento, há que condená-la nas despesas.

90

A República Checa, que interveio em apoio dos pedidos apresentados pela República Francesa, suportará as suas próprias despesas, em conformidade com o artigo 69.o, n.o 4, do mesmo regulamento.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

Não tendo adoptado, na data em que terminou o prazo fixado no parecer fundamentado, todas as medidas que implica a execução do acórdão de 15 de Julho de 2004, Comissão/França (C-419/03), relativo à não transposição para o seu direito interno das disposições da Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados e que revoga a Directiva 90/220/CEE do Conselho, que divergem ou vão além das da Directiva 90/220/CEE do Conselho, de 23 de Abril de 1990, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 228.o, n.o 1, CE.

 

2)

A República Francesa é condenada a pagar à Comissão das Comunidades Europeias, por depósito na conta «Recursos próprios da Comunidade Europeia», a quantia fixa de 10 milhões de euros.

 

3)

A República Francesa é condenada nas despesas.

 

4)

A República Checa suportará as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.