ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

28 de Fevereiro de 2008 ( *1 )

«Directiva 85/337/CEE — Avaliação dos efeitos de projectos no ambiente — Aeroporto com uma pista de descolagem e de aterragem de comprimento superior a 2 100 metros»

No processo C-2/07,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pela Cour de cassation (Bélgica), por decisão de 14 de Dezembro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 4 de Janeiro de 2007, no processo

Paul Abraham e o.

contra

Région wallonne,

Société de développement et de promotion de l’aéroport de Liège-Bierset,

T.N.T. Express Worldwide (Euro Hub) SA,

Société nationale des voies aériennes-Belgocontrol,

État belge,

Cargo Airlines Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, L. Bay Larsen, K. Schiemann, P. Kūris e J.-C. Bonichot (relator), juízes,

advogada-geral: J. Kokott,

secretário: M.-A. Gaudissart, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Outubro de 2007,

vistas as observações apresentadas:

em representação de P. Abraham e o., por L. Misson, L. Wysen e X. Close, avocats, e por A. Kettels, Rechtsanwältin,

em representação de R. Beaujean e o., por L. Cambier e M. t’Serstevens, avocats,

em representação de E. Dehalleux e o., por L. Cambier, avocat,

em representação de P. Descamps e o., por A. Lebrun, avocat,

em representação da Région wallonne, por F. Haumont, avocat,

em representação da Société de développement e de promotion de l’aéroport de Liège-Bierset, por P. Ramquet, avocat,

em representação da T.N.T. Express Worldwide (Euro Hub) SA, por P. Henfling e V. Bertrand, avocats,

em representação do Governo belga, por A. Hubert e C. Pochet, na qualidade de agentes, assistidas por F. Haumont, avocat,

em representação do Governo checo, por T. Boček, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Konstantinidis e J.-B. Laignelot, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 29 de Novembro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9; a seguir «Directiva 85/337»), na redacção anterior à dada pela Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997 (JO L 73, p. 5, a seguir «Directiva 97/11»), e designadamente do ponto 7 do seu anexo I e do ponto 12 do seu anexo II.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe numerosos residentes nas proximidades do Aeroporto de Liège-Bierset (Bélgica) à Région wallonne (Região da Valónia), à Société de développement et de promotion de l’aéroport de Liège-Bierset, à T. N. T. Express Worldwide (Euro Hub) SA (a seguir «T. N. T. Express Worldwide»), à Société nationale des voies aériennes Belgocontrol, ao État belge e à Cargo Airlines Ltd, a propósito da poluição sonora provocada pela instalação, nesse aeroporto, de um centro de transporte aéreo de carga.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3

A Directiva 85/337, aplicável ao caso em apreço na redacção original, diz respeito, segundo o artigo 1.o, n.o 1, à avaliação dos efeitos no ambiente de determinados projectos públicos e privados susceptíveis de terem um impacto considerável no ambiente.

4

Nos termos do n.o 2 do mesmo artigo:

«[…] entende-se por:

projecto:

a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras,

outras intervenções no meio natural ou na paisagem, incluindo as intervenções destinadas à exploração dos recursos do solo;

dono da obra:

o autor de um pedido de aprovação de um projecto privado, ou a autoridade pública que toma a iniciativa relativa a um projecto;

aprovação:

a decisão da autoridade ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar o projecto.»

5

Segundo o artigo 2.o, n.o 1, da Directiva 85/337, «[o]s Estados-Membros tomarão as disposições necessárias para que, antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos. Estes projectos são definidos no artigo 4.o».

6

O artigo 3.o descreve o objecto da avaliação dos efeitos no ambiente:

«A avaliação dos efeitos no ambiente identificará, descreverá e avaliará, de modo adequado, em função de cada caso particular e nos termos dos artigos 4.o a 11.o, os efeitos directos e indirectos de um projecto sobre os seguintes factores:

o homem, a fauna e a flora,

o solo, a água, o ar, o clima e a paisagem,

a interacção entre os factores referidos nos primeiro e segundo travessões,

os bens materiais e o património cultural.»

7

O artigo 4.o distingue dois tipos de projectos.

8

O artigo 4.o, n.o 1, exige que, sem prejuízo do disposto no n.o 3 do artigo 2.o, os projectos que pertencem às categorias enumeradas no anexo I da directiva sejam submetidos a uma avaliação, nos termos dos artigos 5.o a 10.o da mesma directiva. Entre os projectos abrangidos pelo artigo 4.o, n.o 1, o ponto 7 do anexo I refere a «[c]onstrução de […] aeroportos (2) cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de 2100 metros ou mais».

9

A nota de pé de página (2), relativa a este ponto 7, precisa que, «[n]a acepção da presente directiva, entende-se por ’aeroporto’ um aeroporto que corresponda à definição da Convenção de Chicago de 1944 relativa à criação da Organização da Aviação Civil Internacional (anexo 14).»

10

No que respeita aos outros tipos de projectos, o artigo 4.o, n.o 2, da Directiva 85/337 prevê:

«Os projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II são submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.o a 10.o, sempre que os Estados-Membros considerarem que as suas características assim o exigem.

Para este fim, os Estados-Membros podem nomeadamente especificar determinados tipos de projectos a submeter a uma avaliação ou fixar critérios e/ou limiares a reter para poderem, de entre os projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II, determinar quais os que devem ser submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.o a 10.o»

11

A título destes mesmos projectos abrangidos pelo artigo 4.o, n.o 2, da directiva, o ponto 10, alínea d), do anexo II desta última prevê a «[c]onstrução de […] aeródromos (projectos que não constem do anexo I)» e o ponto 12 do mesmo anexo menciona a «[a]lteração dos projectos que constam do anexo I».

12

Os artigos 5.o a 9.o da Directiva 85/337, aos quais o artigo 4.o desta directiva faz referência, prevêem, no essencial, o seguinte: o artigo 5.o precisa as informações mínimas que deve fornecer o dono da obra, o artigo 6.o institui, nomeadamente, a obrigação de o dono da obra informar as autoridades e o público, o artigo 8.o refere a obrigação de as autoridades competentes tomarem em consideração as informações reunidas no âmbito do processo de aprovação e o artigo 9.o institui a obrigação de as autoridades competentes informarem o público da decisão tomada e das condições que eventualmente a acompanhem.

Legislação nacional

13

Na Région wallonne, a avaliação dos efeitos dos projectos no ambiente era regulada, até 1 de Outubro de 2002, por um Decreto de 11 de Setembro de 1985 e pelo seu Decreto de execução de 31 de Outubro de 1991.

14

Estes diplomas previam que os projectos referidos no anexo I do Decreto de 11 de Setembro de 1985, que reproduz a lista do anexo I da Directiva 85/337, e no anexo II do Decreto de 31 de Outubro de 1991 deviam ser submetidos oficiosamente a um estudo de impacto ambiental. Os outros projectos, para os quais não era prescrito oficiosamente um estudo de impacto ambiental, apenas deviam ser objecto de uma nota de avaliação prévia dos efeitos no ambiente.

15

Em conformidade com o anexo I do Decreto de 11 de Setembro de 1985, a construção de aeroportos cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de pelo menos 2100 metros é obrigatoriamente submetida a um estudo de impacto ambiental. Por outro lado, nos termos do anexo II do Decreto de 31 de Outubro de 1991, a construção de aeroportos cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de 1200 metros ou mais, incluindo o prolongamento de pistas já existentes para além deste limiar, assim como os aeroportos destinados a viagens de férias devem também ser objecto de um estudo de impacto ambiental.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16

Os residentes nas proximidades do Aeroporto de Liège-Bierset queixam-se da poluição sonora, frequentemente nocturna, resultante da reestruturação deste antigo aeroporto militar e da sua utilização desde 1996 por sociedades de transporte aéreo de carga.

17

Um contrato, assinado em 26 de Fevereiro de 1996 entre a Région wallonne, a Société de développement et de promotion de l’aéroport de Liège-Bierset e a T.N.T. Express Worldwide, previu um determinado número de obras de modificação das infra-estruturas desse aeroporto para permitir a sua utilização 24 horas por dia e 365 dias por ano. As pistas de descolagem e de aterragem foram, designadamente, reestruturadas e alargadas. Foram também construídas uma torre de controlo, novas vias de saída das pistas e zonas de estacionamento. Ao invés, o comprimento da pista de descolagem e de aterragem, de 3297 metros, permaneceu inalterado.

18

A fim de permitir a realização destas obras, foram ainda concedidas licenças de construção e de exploração.

19

O litígio pendente no órgão jurisdicional nacional belga insere-se no âmbito da responsabilidade: com efeito, os recorrentes no processo principal pediram o ressarcimento dos danos que consideram ter sofrido em resultado da poluição sonora, na sua opinião grave, ligada à reestruturação do aeroporto.

20

Foi neste contexto que foi interposto recurso de cassação, para a Cour de cassation, do acórdão proferido pela cour d’appel de Liège em 29 de Junho de 2004.

21

Por considerar que o litígio de que foi chamada a conhecer coloca questões de interpretação do direito comunitário, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudicais:

«1)

Um contrato que vincula as autoridades públicas e uma empresa privada, celebrado com o objectivo de esta empresa se instalar num aeroporto que tem uma pista [de descolagem e de aterragem] de comprimento superior a 2100 metros, que contém a descrição precisa das obras de infra-estruturas a efectuar para a adaptação da pista, sem que esta seja prolongada, e para a construção de uma torre de controlo, com vista a permitir o voo de aeronaves de grande capacidade, 24 horas por dia e 365 dias por ano, e que prevê voos, tanto nocturnos como diurnos, a partir das instalações dessa empresa, constitui um projecto na acepção da Directiva 85/337[…], na redacção em vigor antes de ser alterada pela Directiva 97/11[…]?

2)

As obras de alteração efectuadas nas infra-estruturas de um aeroporto já existente, com vista a adaptá-lo a um projectado aumento do número de voos nocturnos e diurnos, sem prolongamento da pista [de descolagem e de aterragem], correspondem ao conceito de projecto para o qual é necessário um estudo de impacto ambiental, na acepção dos artigos 1.o, 2.o e 4.o da Directiva 85/337[…], na redacção em vigor antes de ser alterada pela Directiva 97/11[…]?

3)

Apesar de o projectado aumento da actividade de um aeroporto não ser directamente referido nos anexos da Directiva 85/337[…], o Estado-Membro deve ter em conta esse aumento quando analisa o potencial efeito no ambiente das alterações efectuadas nas infra-estruturas desse aeroporto para o adaptar a esse acréscimo de actividade?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

22

Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se um contrato como o que está em causa no litígio no processo principal constitui um «projecto», na acepção da Directiva 85/337.

23

Esta questão deve ter uma resposta negativa. Com efeito, resulta dos próprios termos do artigo 1.o, n.o 2, da Directiva 85/337 que a expressão «projecto» se refere a obras ou intervenções físicas. Por conseguinte, um contrato não pode ser considerado um projecto na acepção da Directiva 85/337, independentemente da questão de saber se este contrato contém uma descrição, mais ou menos precisa, das obras a realizar.

24

No entanto, com vista a fornecer uma resposta útil a um órgão jurisdicional que lhe submeteu uma questão prejudicial, o Tribunal pode ainda ser levado a tomar em consideração normas de direito comunitário às quais o juiz nacional não fez referência na sua questão (v., designadamente, acórdão de 20 de Março de 1986, Tissier, 35/85, Colect., p. 1207, n.o 9).

25

No presente processo, importa indicar ao órgão jurisdicional de reenvio que lhe cabe determinar, com base na regulamentação nacional aplicável, se um contrato, como o que está em causa no litígio no processo principal, implica uma aprovação na acepção do artigo 1.o, n.o 2, da Directiva 85/337, a saber, uma decisão da autoridade competente que confere ao dono da obra o direito de realizar o projecto em questão (v., neste sentido, acórdão de 18 de Junho de 1998, Gedeputeerde Staten van Noord-Holland, C-81/96, Colect., p. I-3923, n.o 20). Esse seria o caso se, em aplicação do direito nacional, esta decisão pudesse ser considerada uma decisão da ou das autoridades competentes que confere ao dono da obra o direito de realizar obras de construção ou outras obras ou instalações, ou de intervir no meio natural ou na paisagem.

26

Por outro lado, quando o direito nacional prevê que o procedimento de aprovação se desenrole em várias etapas, a avaliação dos efeitos de um projecto no ambiente deve, em princípio, ser efectuada logo que seja possível identificar e avaliar todos os efeitos que o projecto é susceptível de ter no ambiente (v. acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Wells, C-201/02, Colect., p. I-723, n.o 53). Assim, quando uma dessas etapas é uma decisão principal e a outra uma decisão de execução que não pode ir além dos parâmetros determinados pela decisão principal, os efeitos que o projecto é susceptível de ter no ambiente devem ser identificados e avaliados quando do procedimento relativo à decisão principal. Só se esses efeitos apenas forem identificáveis quando do procedimento relativo à decisão de execução é que a avaliação deve ser efectuada durante este procedimento (acórdão Wells, já referido, n.o 52).

27

Importa, por último, recordar ao órgão jurisdicional de reenvio que o objectivo da regulamentação não pode ser desviado através de um fraccionamento dos projectos e que o facto de o efeito cumulativo destes não ser tomado em consideração não pode ter o resultado prático de os subtrair na sua totalidade à obrigação de avaliação, quando, considerados no seu conjunto, são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente, na acepção do artigo 2.o, n.o 1, da Directiva 85/337 (v., neste sentido, acórdão de 21 de Setembro de 1999, Comissão/Irlanda, C-392/96, Colect., p. I-5901, n.o 76).

28

Por conseguinte, há que responder à primeira questão que, apesar de um contrato, como o que está em causa no litígio no processo principal, não constituir um projecto na acepção da Directiva 85/337, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, com base na regulamentação nacional aplicável, se esse contrato implica uma aprovação na acepção do artigo 1.o, n.o 2, da Directiva 85/337. Cumpre, neste contexto, examinar se esta aprovação se insere num procedimento com várias etapas que comporte uma decisão principal e decisões de execução e se deve ser tido em conta o efeito cumulativo de diversos projectos cujo impacto ambiental deva ser apreciado globalmente.

Quanto à segunda questão

29

Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as obras efectuadas nas infra-estruturas de um aeroporto já construído e cuja pista de descolagem e de aterragem já tem um comprimento superior a 2100 metros são abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições conjugadas do ponto 12 do anexo II e do ponto 7 do anexo I da Directiva 85/337, na redacção original.

30

Por força do ponto 12 do anexo II na redacção anterior à dada pela Directiva 97/11, constitui um projecto referido no artigo 4.o, n.o 2, a «[a]lteração dos projectos que constam do anexo I». O ponto 7 deste anexo I refere, por seu turno, a «[c]onstrução de […] aeroportos […] cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de 2100 metros ou mais».

31

A Société de développement et de promotion de l’aéroport de Liège-Bierset, a T. N. T. Express Worldwide e o Reino da Bélgica alegam que decorre necessariamente desta redacção que apenas estão em causa as alterações efectuadas na «construção» de um aeroporto cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de 2100 metros ou mais, e não as alterações efectuadas num aeroporto existente.

32

Todavia, o Tribunal de Justiça declarou por várias vezes que o âmbito de aplicação da Directiva 85/337 é vasto e o seu objectivo muito lato (v., neste sentido, acórdãos de 24 de Outubro de 1996, Kraaijeveld e o., C-72/95, Colect., p. I-5403, n.o 31, e de 16 de Setembro de 1999, WWF e o., C-435/97, Colect., p. I-5613, n.o 40). A este respeito, seria contrário ao próprio objectivo da Directiva 85/337 excluir do âmbito de aplicação do seu anexo II as obras de melhoramento ou de ampliação das infra-estruturas de um aeroporto já construído, por o anexo I da Directiva 85/337 referir a «construção de aeroportos» e não os «aeroportos» enquanto tais. Esta interpretação permitiria, com efeito, subtrair às obrigações que decorrem da Directiva 85/337 todas as obras de alteração efectuadas num aeroporto já existente, independentemente da extensão dessas obras, e, assim, esvaziaria de conteúdo útil, quanto a este ponto, o anexo II da Directiva 85/337.

33

Por conseguinte, deve considerar-se que as disposições conjugadas do ponto 12 do anexo II e do ponto 7 do anexo I abarcam também as obras de alteração efectuadas num aeroporto já construído.

34

Esta interpretação não é de modo algum posta em causa pela circunstância de a Directiva 97/11 ter substituído o ponto 12 do anexo II da Directiva 85/337 por um novo ponto 13, que designa expressamente como projecto referido no artigo 4.o, n.o 2, da Directiva 85/337, conforme alterada pela Directiva 97/11, «[q]ualquer alteração ou ampliação de projectos incluídos no anexo I ou no anexo II, já autorizados, executados ou em execução […]», ao passo que o ponto 12 do anexo II se limitava a mencionar a «[a]lteração dos projectos que constam do anexo I». Efectivamente, a nova redacção adoptada pela Directiva 97/11, cujo quarto considerando assinala a experiência adquirida no domínio da avaliação do impacto ambiental e insiste na necessidade de introduzir disposições destinadas a clarificar, complementar e melhorar as regras relativas ao processo de avaliação, apenas serve, quanto a este ponto, para explicitar com mais clareza o alcance que deve ser dado à Directiva 85/337 na redacção original. Por conseguinte, da intervenção do legislador comunitário não é possível deduzir uma interpretação a contrario da directiva na redacção original.

35

Além disso, a circunstância de as obras em causa no litígio no processo principal não incidirem no comprimento da pista de descolagem e de aterragem não é relevante para a questão de saber se estas obras estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do ponto 12 do anexo II da Directiva 85/337. Com efeito, o ponto 7 do anexo I da Directiva 85/337 tem o cuidado de precisar o conceito de «aeroporto» remetendo para a definição dada no anexo 14 da Convenção de Chicago, de 7 de Dezembro de 1944, relativa à Aviação Civil Internacional. Nos termos deste anexo, «um aérodromo é [u]ma área definida, em terra ou na água (incluindo edifícios, instalações e equipamentos), destinada a ser utilizada total ou parcialmente para a chegada, partida e manobras de aeronaves».

36

Daí resulta que as obras efectuadas nos edifícios, instalações ou equipamentos de um aeroporto devem ser consideradas obras efectuadas no aeroporto enquanto tal. Para a aplicação das disposições conjugadas do ponto 12 do anexo II e do ponto 7 do anexo I da Directiva 85/337, isso significa que as obras de alteração de um aeroporto cuja pista de descolagem e de aterragem tenha um comprimento de 2100 metros ou mais são, portanto, não apenas as obras que tenham por objecto prolongar a pista mas todas as obras efectuadas nos edifícios, instalações ou equipamentos desse aeroporto, desde que, em especial pela sua natureza, importância e características, possam ser consideradas uma alteração do próprio aeroporto. O mesmo se passa, em particular, com as obras destinadas a aumentar de modo significativo a actividade do aeroporto e o tráfego aéreo.

37

Importa, por último, recordar ao órgão jurisdicional de reenvio que, embora o artigo 4.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Directiva 85/337 confira aos Estados-Membros uma margem de apreciação para especificar certos tipos de projectos a submeter a uma avaliação ou para fixar critérios e/ou limiares a reter, essa margem de apreciação tem os seus limites na obrigação, enunciada no artigo 2.o, n.o 1, desta directiva, de submeter a um estudo de impacto ambiental os projectos susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização (acórdão Kraaijeveld e o., já referido, n.o 50).

38

Assim, um Estado-Membro que fixe critérios e/ou limiares tendo em conta apenas as dimensões dos projectos, sem tomar também em consideração a sua natureza e a sua localização, excede a margem de apreciação de que dispõe nos termos dos artigos 2.o, n.o 1, e 4.o, n.o 2, da Directiva 85/337.

39

Compete ao órgão jurisdicional de reenvio certificar-se de que as autoridades competentes avaliaram correctamente se as obras em causa no litígio no processo principal deviam ter sido submetidas a um estudo de impacto ambiental.

40

Consequentemente, deve responder-se à segunda questão que as disposições conjugadas do ponto 12 do anexo II e do ponto 7 do anexo I da Directiva 85/337, na redacção original, abrangem igualmente as obras de alteração efectuadas nas infra-estruturas de um aeroporto já existente, sem prolongamento da pista de descolagem e de aterragem, desde que, em especial pela sua natureza, importância e características, possam ser consideradas uma alteração do próprio aeroporto. O mesmo se passa, em particular, com as obras destinadas a aumentar de modo significativo a actividade do aeroporto e o tráfego aéreo. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio certificar-se de que as autoridades competentes apreciaram correctamente se as obras em causa no litígio no processo principal deviam ter sido submetidas a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente.

Quanto à terceira questão

41

Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as autoridades competentes são obrigadas a ter em conta o aumento projectado da actividade de um aeroporto para determinar se um projecto referido no ponto 12 do anexo II da Directiva 85/337 deve ser submetido a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente.

42

Como foi referido no n.o 32 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça declarou por várias vezes que o âmbito de aplicação da Directiva 85/337 é vasto e o seu objectivo muito lato. Além disso, embora o artigo 4.o, n.o 2, segundo parágrafo, da directiva confira aos Estados-Membros uma margem de apreciação para especificar certos tipos de projectos a submeter a uma avaliação ou para fixar critérios e/ou limiares a reter, essa margem de apreciação tem os seus limites na obrigação, enunciada no artigo 2.o, n.o 1, de submeter a um estudo de impacto ambiental os projectos susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização. A este respeito, a Directiva 85/337 adere a uma apreciação global dos efeitos no ambiente dos projectos ou da sua alteração.

43

Seria redutor e contrário a este entendimento se, na avaliação dos efeitos no ambiente de um projecto ou da sua alteração, fossem unicamente tidos em conta os efeitos directos das próprias obras planeadas, sem ter em consideração os efeitos no ambiente susceptíveis de serem provocados pela utilização e exploração do resultado final dessas obras.

44

De resto, a enumeração feita no artigo 3.o da Directiva 85/337 dos elementos a ter em conta, como o efeito do projecto, designadamente no homem, na fauna e na flora, no solo, na água, no ar ou no património cultural, mostra, por si só, que os efeitos no ambiente, cuja avaliação constitui o objectivo da Directiva 85/337, não são apenas os das obras planeadas mas também, e sobretudo, os do projecto a realizar.

45

Foi assim que o Tribunal de Justiça considerou, tratando-se de um projecto de duplicação de uma via férrea já existente, que um projecto desta natureza pode ter um efeito significativo no ambiente, na acepção da Directiva 85/337, uma vez que é susceptível de ter, nomeadamente, um impacto sonoro significativo (acórdão de 16 de Setembro de 2004, Comissão/Espanha, C-227/01, Colect., p. I-8253, n.o 49). Ora, no processo que originou esse acórdão, o impacto sonoro significativo não era o provocado pelas obras de duplicação da via férrea, mas o causado pelo previsível aumento do tráfego ferroviário, aumento permitido precisamente por estas obras de duplicação da via férrea. O mesmo deve valer no que se refere a um projecto, como o que está em causa no litígio no processo principal, cujo objectivo é permitir um aumento da actividade de um aeroporto e, consequentemente, a intensidade do tráfego aéreo.

46

Por conseguinte, deve responder-se à terceira questão que as autoridades competentes devem ter em conta o aumento projectado da actividade de um aeroporto quando examinam os efeitos no ambiente das alterações efectuadas nas suas infra-estruturas para o adaptar a esse acréscimo de actividade.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

Apesar de um contrato, como o que está em causa no litígio no processo principal, não constituir um projecto na acepção da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, com base na regulamentação nacional aplicável, se esse contrato implica uma aprovação na acepção do artigo 1.o, n.o 2, da Directiva 85/337. Cumpre, neste contexto, examinar se esta aprovação se insere num procedimento com várias etapas que comporte uma decisão principal e decisões de execução e se deve ser tido em conta o efeito cumulativo de diversos projectos cujo impacto ambiental deva ser apreciado globalmente.

 

2)

As disposições conjugadas do ponto 12 do anexo II e do ponto 7 do anexo I da Directiva 85/337, na redacção original, abrangem igualmente as obras de alteração efectuadas nas infra-estruturas de um aeroporto já existente, sem prolongamento da pista de descolagem e de aterragem, desde que, em especial pela sua natureza, importância e características, possam ser consideradas uma alteração do próprio aeroporto. O mesmo se passa, em particular, com as obras destinadas a aumentar de modo significativo a actividade do aeroporto e o tráfego aéreo. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio certificar-se de que as autoridades competentes apreciaram correctamente se as obras em causa no litígio no processo principal deviam ter sido submetidas a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente.

 

3)

As autoridades competentes devem ter em conta o aumento projectado da actividade de um aeroporto quando examinam os efeitos no ambiente das alterações efectuadas nas suas infra-estruturas para o adaptar a esse acréscimo de actividade.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.