ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

8 de Outubro de 2008 ( *1 )

«Contratos de empreitada de obras públicas — Concurso público da Agência Europeia de Reconstrução — Decisão de anular o concurso público e de organizar um novo concurso — Recurso de anulação — Competência do Tribunal de Primeira Instância — Necessidade de uma reclamação administrativa prévia — Prazo para a interposição do recurso — Mandato — Dever de fundamentação — Pedido de indemnização»

No processo T-411/06,

Sogelma – Societá generale lavori manutenzioni appalti Srl, com sede em Scandicci (Itália), representada por E. Cappelli, P. De Caterini, A. Bandini e A. Gironi, advogados,

recorrente,

contra

Agência Europeia de Reconstrução (AER), representada inicialmente por O. Kalha, em seguida por M. Dischendorfer e, por último, por R. Lundgren, na qualidade de agentes, assistidos por S. Bariatti e F. Scanzano, advogados,

recorrida,

apoiada por:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. van Nuffel e L. Prete, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação das decisões da AER de anular o concurso público relativo à adjudicação do contrato de empreitada com a referência EuropeAid/120694/D/W/YU e de organizar um novo concurso, bem como um pedido de indemnização pelo prejuízo alegadamente sofrido,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Oitava Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, S. Papasavvas e A. Dittrich (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Junho de 2008,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico

1

A Agência Europeia de Reconstrução (AER) foi criada pelo Regulamento (CE) n.o 2454/1999 do Conselho, de 15 de Novembro de 1999, que altera o Regulamento (CE) n.o 1628/96 relativo ao auxílio à Bósnia-Herzegovina, à Croácia, à República Federativa da Jugoslávia e à antiga República Jugoslava da Macedónia, nomeadamente através da criação da AER (JO L 299, p. 1).

2

O Regulamento (CE) n.o 1628/96 do Conselho, de 25 de Julho de 1996 (JO L 204, p. 1), foi revogado pelo artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 2666/2000 do Conselho, de 5 de Dezembro de 2000, relativo à ajuda à Albânia, à Bósnia-Herzegovina, à Croácia, à República Federativa da Jugoslávia e à antiga República Jugoslava da Macedónia, que revoga o Regulamento (CE) n.o 1628/96 e altera os Regulamentos (CEE) n.os 3906/89 e (CEE) 1360/90, bem como as Decisões 97/256/CE e 1999/311/CE (JO L 306, p. 1). As disposições do Regulamento no 1628/96, na redacção dada pelo Regulamento n.o 2454/1999, relativas à criação e ao funcionamento da AER foram readoptadas e alteradas pelo Regulamento (CE) n.o 2667/2000 do Conselho, de 5 de Dezembro de 2000, relativo à AER (JO L 306, p. 7).

3

Segundo o artigo 1.o do Regulamento n.o 2667/2000, a Comissão pode, designadamente, delegar na AER a execução da ajuda comunitária prevista no artigo 1.o do Regulamento n.o 2666/2000 a favor da Sérvia e Montenegro. Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 2667/2000, a AER pode ser encarregada pela Comissão de todas as operações necessárias à execução dos programas para a reconstrução da Sérvia e Montenegro, nomeadamente da preparação e avaliação dos concursos e da adjudicação de contratos. Além disso, nos termos do artigo 3.o desse regulamento, a AER tem personalidade jurídica.

Antecedentes do litígio

4

Em 7 de Setembro de 2005, a AER publicou no Suplemento do Jornal Oficial da União Europeia (JO S 172) um anúncio de concurso público, com a referência EuropeAid/120694/D/W/YU, relativo à adjudicação do contrato de empreitada de obras para o «Restabelecimento da navegação sem entraves (remoção de munições por explodir) no sistema de transporte por vias de navegação internas, República da Sérvia, Sérvia e Montenegro» (a seguir «anúncio do concurso»).

5

Segundo o anúncio do concurso e o ponto 2 das instruções aos proponentes que constam da documentação do concurso, o projecto em causa devia ser financiado pela AER e a entidade adjudicante era o Ministério dos Investimentos de Capital sérvio.

6

O ponto 16, alínea x), do anúncio do concurso e o ponto 4.2, alínea x), das instruções aos proponentes previam, entre os «Critérios mínimos de selecção» do adjudicatário, que o seu pessoal principal devia ter uma experiência profissional adequada de, pelo menos, dez anos.

7

O ponto 37 das instruções aos proponentes previa o seguinte:

«Vias de recurso

(1)

Se um proponente se considerar lesado por um erro ou uma irregularidade cometidos no âmbito do processo de adjudicação, pode reclamar directamente para a [AER] e informar a Comissão desse facto. A [AER] deve responder no prazo de 90 dias a contar da data da recepção da reclamação.

(2)

Quando tenha sido informada de tal reclamação, a Comissão deve comunicar o seu parecer à [AER] e fazer tudo o que estiver ao seu alcance para promover uma solução amigável entre o autor da reclamação (proponente) e a [AER].

(3)

Caso o procedimento acima descrito não seja bem sucedido, o proponente pode recorrer aos procedimentos estabelecidos pela Comissão Europeia.»

8

Antes da data-limite definitiva para a apresentação das propostas, a AER recebeu três propostas, apresentadas, respectivamente, por um consórcio composto pela recorrente, a Sogelma – Societá generale lavori manutenzioni appalti Srl, e pela sociedade croata DOK ING RAZMINIRANJE d.o.o. (a seguir «DOK ING») e por outros dois consórcios.

9

Em 10 de Março de 2006, a AER procedeu à abertura das propostas numa sessão pública. A proposta da recorrente continha um preço inferior aos propostos pelas suas concorrentes.

10

Em 14 e 22 de Março de 2006, a AER enviou pedidos de esclarecimento aos proponentes. O segundo pedido dizia respeito, designadamente, aos curriculum vitae do pessoal principal proposto. Todos os proponentes responderam aos pedidos de esclarecimento nos prazos fixados pela AER.

11

Por carta com data de 9 de Outubro de 2006, a AER comunicou à recorrente que o concurso em causa tinha sido anulado pelo facto de nenhuma das propostas recebidas preencher as condições técnicas aplicáveis. No que se refere à proposta da recorrente, a AER indicou que, de entre os membros do pessoal principal proposto, o «Superintendent Survey Team» não preenchia as condições previstas no ponto 16, alínea x), do anúncio do concurso e no ponto 4.2, alínea x), das instruções aos proponentes.

12

Por carta de 19 de Outubro de 2006 (datada, por erro, de 19 de Setembro de 2006), a recorrente pediu cópia da decisão de anulação do concurso (a seguir «decisão de anulação do concurso») e da respectiva acta. Nessa carta, faz ainda referência à possibilidade de dar início a um procedimento por negociação nos termos do artigo 30.o da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114).

13

Por carta de 13 de Novembro de 2006, a recorrente reiterou esse pedido e pediu à AER que adoptasse uma decisão fundamentada sobre o eventual lançamento de um procedimento por negociação.

14

Por carta de 1 de Dezembro de 2006, a recorrente pediu à AER, com base no artigo 6.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43), que lhe fornecesse uma cópia de todas as actas do comité de avaliação que examinara as propostas apresentadas em resposta ao anúncio do concurso e da acta da sessão pública de abertura das propostas, bem como uma cópia da decisão de anulação do concurso e da respectiva acta.

15

Por carta de 14 de Dezembro de 2006, a AER comunicou à recorrente que tinha exercido o seu direito de anular o concurso e de lançar um novo concurso, devido ao facto de as condições técnicas «se terem alterado de modo considerável». Afirmou ainda que, para além da constatação de que nenhuma das propostas recebidas preenchia as condições técnicas, o comité de avaliação não fizera qualquer outra observação. Em anexo a essa carta, a AER enviou a acta da sessão de abertura das propostas.

Tramitação processual e pedidos das partes

16

Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Dezembro de 2006, a recorrente interpôs o presente recurso, indicando agir em seu próprio nome e enquanto mandatária da sociedade DOK ING.

17

Por despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Junho de 2007, foi admitida a intervenção da Comissão em apoio da AER.

18

A Comissão apresentou as suas alegações enquanto interveniente. A recorrente apresentou observações a respeito dessas alegações dentro do prazo fixado.

19

Na sequência da renovação parcial da composição do Tribunal de Primeira Instância, o processo foi atribuído a um novo juiz-relator. Este juiz foi posteriormente afectado à Oitava Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

20

Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Oitava Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do seu Regulamento de Processo, convidou as partes a responderem por escrito a algumas questões. As partes satisfizeram esse pedido no prazo estabelecido.

21

Na audiência de 18 de Junho de 2008, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância.

22

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular as decisões da AER relativas:

à anulação do concurso e

à organização de um novo concurso;

condenar a AER a indemnizá-la pelo prejuízo sofrido, na medida indicada na petição;

condenar a AER nas despesas.

23

A AER conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, negar-lhe provimento;

condenar a recorrente nas despesas.

24

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar o pedido de anulação inadmissível ou, a título subsidiário, julgá-lo improcedente;

julgar improcedente o pedido de indemnização;

condenar a recorrente nas despesas.

25

Além disso, a recorrente pede ao Tribunal que ordene à AER, com base no artigo 65.o, alínea b), do Regulamento de Processo, que junte ao processo todos os documentos relativos ao processo de adjudicação em causa. A AER e a Comissão opõem-se a este pedido.

26

Na petição, a recorrente também pediu ao Tribunal que anulasse «qualquer outro acto prévio, coordenado e conexo, incluindo a decisão de excluir a recorrente». Na audiência, a recorrente afirmou que este pedido já não devia ser tido em consideração pelo Tribunal, o que foi consignado em acta.

Quanto à admissibilidade

27

A AER invoca vários fundamentos de inadmissibilidade. Há que examinar, em primeiro lugar, o relativo à falta de competência do Tribunal para decidir um recurso de anulação interposto com base no artigo 230.o, quarto parágrafo, CE de um acto da AER e, em segundo lugar, o relativo à não apresentação pela recorrente de uma reclamação administrativa prévia à interposição do presente recurso. Em terceiro lugar, deve verificar-se, no que se refere ao pedido de anulação da decisão de anular o concurso, se o prazo de recurso previsto no artigo 230.o, quinto parágrafo, CE foi respeitado. Em quarto lugar, será examinada a questão da admissibilidade do recurso na parte em que visa obter a anulação da decisão da AER de organizar um novo concurso. Em último lugar, será analisada a questão da admissibilidade do recurso na medida em que a recorrente faz valer os direitos da DOK ING.

A — Quanto à competência do Tribunal para decidir um recurso, interposto com base no artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, de um acto da AER

1. Argumentos das partes

28

A AER alega que a decisão de anulação do concurso não faz parte dos actos cuja legalidade é fiscalizada pelo Tribunal, na acepção do artigo 230.o CE. A este respeito, a AER salienta que, segundo esse artigo, a fiscalização do juiz comunitário se limita aos actos adoptados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, aos actos do Conselho, da Comissão e do Banco Central Europeu que não sejam recomendações ou pareceres e aos actos do Parlamento Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros.

29

Em seu entender, o artigo 13.o-A do Regulamento n.o 2667/2000, na redacção dada pelo Regulamento (CE) n.o 1646/2003 do Conselho, de 18 de Junho de 2003 (JO L 245, p. 16), não é pertinente nesta matéria, dado que só se refere aos recursos das decisões tomadas pela AER ao abrigo do artigo 8.o do Regulamento n.o 1049/2001.

30

De igual modo, o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2667/2000 limita-se a prever a competência dos tribunais comunitários para conhecer dos litígios relativos à reparação de danos em matéria de responsabilidade extracontratual da AER.

31

Segundo a AER, os proponentes não estão privados de protecção. Os seus direitos são protegidos pelo procedimento previsto no ponto 37 das instruções aos proponentes (acima citado no n.o 7). A AER salienta que, de acordo com esse ponto, o proponente pode, caso o procedimento previsto no mesmo ponto não seja bem sucedido, recorrer aos procedimentos estabelecidos pela Comissão, cujos actos podem ser impugnados nos termos do artigo 230.o CE. A AER invoca igualmente a possibilidade de interpor um recurso nos tribunais nacionais.

32

A recorrente e a Comissão contestam este fundamento de inadmissibilidade.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

33

Antes de mais, deve observar-se que as agências criadas com base no direito derivado, como a AER, não figuram entre as instituições comunitárias enumeradas no artigo 230.o, primeiro parágrafo, CE.

34

Acresce que o Regulamento n.o 2667/2000, conforme alterado, que se limita a dispor, nos seus artigos 13.o e 13o-A, que o Tribunal de Justiça é competente para conhecer das acções de indemnização em matéria de responsabilidade extracontratual da AER e dos recursos de decisões relativas ao acesso a documentos tomadas pela AER ao abrigo do artigo 8.o do Regulamento n.o 1049/2001, não prevê que o Tribunal de Justiça seja competente para decidir os recursos de anulação de outras decisões tomadas pela AER.

35

Todavia, estas considerações não obstam a que o Tribunal fiscalize, ao abrigo do artigo 230.o CE, a legalidade dos actos da AER não referidos nos artigos 13.o e 13.o-A do Regulamento n.o 2667/2000.

36

Com efeito, importa frisar que o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 23 do acórdão de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, dito «Os Verdes» (294/83, Colect., p. 1339), que a Comunidade Europeia é uma comunidade de direito e que o Tratado estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de procedimentos destinado a confiar ao Tribunal de Justiça a fiscalização da legalidade dos actos das instituições. O sistema do Tratado consiste em permitir um recurso directo contra quaisquer disposições adoptadas pelas instituições que se destinem a produzir efeitos jurídicos (v. acórdão Os Verdes, já referido, n.o 24 e jurisprudência aí referida). O Tribunal de Justiça concluiu que podia ser interposto recurso de anulação dos actos do Parlamento Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros, apesar de o artigo 173.o do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.o CE), na sua versão aplicável à época dos factos, apenas referir os actos do Conselho e da Comissão. O Tribunal de Justiça salientou que uma interpretação desse artigo que excluísse os actos do Parlamento Europeu dos actos que podem ser impugnados conduziria a um resultado contrário tanto ao espírito do Tratado, tal como foi consignado no artigo 164.o do Tratado CE (actual artigo 220.o CE), como ao seu sistema (acórdão Os Verdes, já referido, n.o 25).

37

É possível inferir desse acórdão o princípio geral segundo o qual qualquer acto que emane de um organismo comunitário e se destine a produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros deve poder ser objecto de fiscalização jurisdicional. É certo que o n.o 24 do acórdão Os Verdes, já referido, só faz referência às instituições comunitárias e que a AER não faz parte das instituições enumeradas no artigo 7.o CE. Todavia, a situação dos organismos comunitários que dispõem do poder de adoptar actos destinados a produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros é idêntica à que conduziu ao acórdão Os Verdes, já referido: não é aceitável que, numa comunidade de direito, esses actos escapem à fiscalização jurisdicional.

38

A este respeito, cumpre frisar que a anulação de um concurso é um acto que é, em princípio, recorrível nos termos do artigo 230.o CE (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Outubro de 2007, Evropaïki Dynamiki/EFSA, T-69/05, não publicado na Colectânea, n.o 53). Com efeito, trata-se de um acto que lesa a recorrente e que modifica substancialmente a sua situação jurídica, uma vez que implica que o contrato para o qual apresentou uma proposta já não lhe pode ser adjudicado.

39

Importa ainda recordar que, segundo os artigos 1.o e 2.o do Regulamento n.o 2667/2000, conforme alterado, a Comissão pode delegar na AER a execução da ajuda comunitária prevista no artigo 1.o do Regulamento n.o 2666/2000 a favor da Sérvia e Montenegro, nomeadamente encarregá-la da preparação e avaliação dos concursos e da adjudicação de contratos. Como a Comissão salienta, a AER adopta, assim, decisões que a própria Comissão tomaria se não tivesse delegado esses poderes na AER.

40

As decisões que a Comissão teria tomado não podem perder a sua qualidade de acto recorrível só pelo facto de a Comissão ter delegado as suas competências na AER, sob pena de se criar um vazio jurídico.

41

Há que rejeitar o argumento da AER de que os direitos dos proponentes são protegidos pelo procedimento previsto no ponto 37 das instruções aos proponentes, uma vez que podem recorrer aos procedimentos estabelecidos pela Comissão, cujos actos são recorríveis nos termos do artigo 230.o CE. Com efeito, o ponto 37 das instruções aos proponentes não prevê que a Comissão adopte, no âmbito do processo, uma decisão que possa ser objecto de um recurso jurisdicional. Além disso, deve salientar-se que a Comissão declarou, em resposta a uma questão escrita do Tribunal, que não estabelecera nenhum procedimento específico para tratar dos casos de reclamações que não tenham dado lugar a uma solução amigável, na acepção do ponto 37 das instruções aos proponentes.

42

Por fim, há que rejeitar o argumento da AER de que é possível recorrer dos seus actos para um tribunal nacional. Embora seja verdade que, no caso em apreço, nos termos do anúncio do concurso e do ponto 2 das instruções aos proponentes, a entidade adjudicante é o Ministério dos Investimentos de Capital sérvio, foi a AER, e não uma autoridade nacional, que tomou a decisão de anular o concurso. Importa salientar que nenhum juiz nacional é competente para apreciar a legalidade dessa decisão.

43

Decorre do exposto que as decisões tomadas pela AER no âmbito de processos de adjudicação de contratos que se destinam a produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros constituem actos impugnáveis perante o juiz comunitário.

44

Esta conclusão não é posta em causa pela jurisprudência referida pela AER em apoio da sua defesa.

45

No que respeita ao acórdão de 15 de Março de 2005, Espanha/Eurojust (C-160/03, Colect., p. I-2077), é verdade que o Tribunal de Justiça declarou nesse acórdão que os actos impugnados nesse recurso não constavam da lista dos actos cuja legalidade pode fiscalizar nos termos do artigo 230.o CE (n.o 37 desse acórdão). Todavia, no número seguinte desse acórdão, o Tribunal de Justiça também afirmou que o artigo 41.o UE não previa a aplicação do artigo 230.o CE às disposições relativas à cooperação policial e judiciária em matéria penal que figuram no título VI do Tratado da União Europeia, sendo a competência do Tribunal de Justiça nesta matéria precisada no artigo 35.o UE, para o qual remete o artigo 46.o, alínea b), UE. Nos n.os 41 e 42 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou também que os actos impugnados nesse processo não estavam subtraídos à fiscalização jurisdicional.

46

No despacho de 8 de Junho de 1998, Keeling/IHMI (T-148/97, Colect., p. II-2217), o Tribunal de Primeira Instância também não se limitou a declarar, no n.o 32, que o Instituto de Harmonização no Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) não era uma das instituições da Comunidade referidas no artigo 4.o do Tratado CE (actual artigo 7.o CE) ou no artigo 173.o, primeiro parágrafo, do Tratado CE, tendo igualmente afirmado, no n.o 33, que existiam potencialmente outras vias de recurso da decisão controvertida do presidente do IHMI e referido, em particular, o artigo 179.o do Tratado CE (actual artigo 236.o CE). Por conseguinte, este despacho não obsta à interposição de um recurso, ao abrigo do artigo 230.o CE, de uma decisão de um organismo comunitário não mencionado neste último artigo.

47

No que se refere ao despacho do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Março de 2007, FMC Chemical e o./EFSA (T-311/06 R I, T-311/06 R II, T-312/06 R e T-313/06 R, não publicado na Colectânea), importa observar que este despacho tem por objecto um recurso interposto de um parecer, emitido pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, que não produzia efeitos jurídicos vinculativos. Não é possível inferir deste despacho que o recurso de um acto de um organismo comunitário não mencionado no artigo 230.o CE seja inadmissível.

48

Por conseguinte, a jurisprudência invocada pela AER não põe em causa a conclusão de que um acto de um organismo comunitário destinado a produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros não pode ser subtraído à fiscalização jurisdicional pelos tribunais comunitários.

49

Por outro lado, há que observar que, em princípio, os recursos devem ser interpostos contra o autor do acto impugnado, isto é, a instituição ou o organismo comunitário que tomou a decisão.

50

Neste contexto, deve salientar-se que a AER é um organismo comunitário dotado de personalidade jurídica e criado por um regulamento com o objectivo de dar execução à ajuda comunitária a favor, nomeadamente, da Sérvia e Montenegro (v. artigos 1.o e 3.o do Regulamento n.o 2667/2000). Para esse efeito, os artigos 1.o e 2.o do Regulamento n.o 2667/2000 autorizam expressamente a Comissão a delegar na AER a execução dessa ajuda, nomeadamente a preparação e avaliação dos concursos e a adjudicação de contratos. Por conseguinte, a AER é competente para executar ela própria os programas de ajuda comunitária, uma vez que foi encarregada pela Comissão de o fazer.

51

No caso em apreço, foi a AER que adoptou a decisão de anular o concurso, ao abrigo das competências que lhe foram delegadas pela Comissão em conformidade com o Regulamento n.o 2667/2000. A Comissão não participou no processo de decisão. Assim, a AER é a autora do acto impugnado. Por conseguinte, a recorrente pode demandá-la nessa qualidade perante o Tribunal.

52

Além disso, cumpre assinalar que resulta do artigo 13.o, n.o 2, e do artigo 13.o-A, n.o 3, do Regulamento n.o 2667/2000 que compete à AER defender-se em juízo nos litígios relativos à sua responsabilidade extracontratual e nos litígios relativos às decisões por si tomadas nos termos do artigo 8.o do Regulamento n.o 1049/2001.

53

Nestas circunstâncias, não se pode considerar que as outras decisões tomadas pela AER não devem igualmente ser por ela defendidas em juízo.

54

É verdade que, em alguns casos, o juiz comunitário declarou que os actos adoptados ao abrigo de poderes delegados eram imputáveis à instituição delegante, à qual competia defender em juízo o acto em causa. Contudo, nesses processos, as circunstâncias não eram comparáveis às do presente caso.

55

No que concerne ao despacho do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Dezembro de 2007, Schering-Plough/Comissão e AEAM (T-133/03, não publicado na Colectânea), que tinha por objecto um recurso de anulação de um acto da Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (AEAM), deve referir-se que o Tribunal salientou nesse despacho que o Regulamento (CEE) n.o 2309/93 do Conselho, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO L 214, p. 1), só prevê a competência consultiva da AEAM. O Tribunal concluiu desse facto que a decisão da AEAM de indeferir um pedido de alteração de uma autorização de introdução no mercado devia ser considerada tomada pela própria Comissão e que o recurso devia, portanto, ser interposto contra esta última (despacho Schering-Plough/Comissão e AEAM, já referido, n.os 22 e 23). No caso em apreço, deve observar-se que as competências da AER não são de natureza consultiva, visto que é a ela que compete, no exercício dos poderes que lhe foram delegados pela Comissão, preparar e avaliar os concursos e adjudicar os contratos.

56

Quanto ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Fevereiro de 1998, DIR International Film e o./Comissão (T-369/94 e T-85/95, Colect., p. II-357), que tinha por objecto um recurso de anulação de actos do European Film Distribution Office (EFDO), importa referir que o Tribunal salientou que, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Decisão 90/685/CEE, relativa à execução de um programa de acção destinado a promover o desenvolvimento da indústria audiovisual europeia (Media) (1991/1995) (JO L 380, p. 37), a Comissão era responsável pela realização do programa MEDIA. O Tribunal afirmou em seguida que o acordo relevante entre a Comissão e o EFDO sobre a realização financeira do programa MEDIA fazia depender, na prática, qualquer decisão tomada nesse âmbito de um acordo prévio dos representantes da Comissão, e que as decisões tomadas pelo EFDO sobre os pedidos de financiamento apresentados no quadro do programa MEDIA eram imputáveis à Comissão, que era, por isso, responsável pelo respectivo conteúdo e podia ser demandada em juízo para as defender (n.os 52 e 53 desse acórdão). No presente caso, deve observar-se que as decisões tomadas pela AER a respeito dos contratos públicos não dependem de um acordo prévio da Comissão.

57

Resulta de todas as considerações que precedem que o Tribunal é competente para conhecer do presente recurso e que a recorrente o interpôs legitimamente contra a AER.

B — Quanto à necessidade de uma reclamação administrativa prévia

1. Argumentos das partes

58

A AER alega que o ponto 37 das instruções aos proponentes (acima citado no n.o 7) estabelece um mecanismo de controlo preliminar da legalidade dos seus actos. O recurso interposto para o Tribunal é inadmissível, na medida em que a recorrente não respeitou o procedimento previsto nesse ponto.

59

A recorrente e a Comissão opõem-se a este fundamento de inadmissibilidade.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

60

Em primeiro lugar, importa referir que a redacção do ponto 37.1 das instruções aos proponentes não especifica que a reclamação administrativa tem carácter obrigatório. Cumpre ainda frisar que o facto de o ponto 37 das instruções aos proponentes não prever qualquer prazo para a apresentação de uma reclamação administrativa milita contra uma interpretação desse ponto no sentido de que visa introduzir a exigência de uma reclamação administrativa prévia obrigatória.

61

Por outro lado, o ponto 37.2 das instruções aos proponentes só prevê que a Comissão deve promover uma solução amigável entre o proponente que apresentou a reclamação e a AER, e não que a Comissão adopta, nesse âmbito, uma decisão da qual pode ser interposto recurso jurisdicional.

62

Há ainda que salientar que o ponto 37.3 também não prevê que o respeito do procedimento nele referido seja uma condição prévia para a interposição de um recurso nos tribunais comunitários. Com efeito, este ponto prevê que, «[c]aso o procedimento acima descrito não seja bem sucedido, o proponente pode recorrer aos procedimentos estabelecidos pela Comissão Europeia». Neste âmbito, deve recordar-se que a Comissão não estabeleceu nenhum procedimento específico para tratar dos casos de reclamações que não tenham dado lugar a uma solução amigável na acepção do ponto 37 das instruções aos proponentes (v. n.o 41 supra). Por conseguinte, não existe qualquer «procedimento estabelecido pela Comissão» cujo respeito possa ser considerado uma condição prévia para a interposição de um recurso nos tribunais comunitários.

63

A AER alega que a utilização do termo «pode» (na versão original inglesa: «may») no ponto 37.1 das instruções aos proponentes não pode ser interpretada no sentido de que esse procedimento é facultativo. A este respeito, deve observar-se que é verdade que esse termo é igualmente utilizado em regulamentos que prevêem um procedimento administrativo obrigatório anterior à interposição de um recurso nos tribunais comunitários. Esse é o caso, por exemplo, do artigo 68.o do Regulamento (CE) n.o 2100/94 do Conselho, de 27 de Julho de 1994, relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais (JO L 227, p. 1), que é referido pela AER e que indica que «qualquer pessoa singular ou colectiva pode recorrer» das decisões do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais nele indicadas. No entanto, importa frisar que esse regulamento prevê expressamente, no seu artigo 69.o, um prazo para a interposição do recurso no Instituto Comunitário das Variedades Vegetais. Além disso, prevê expressamente, no seu artigo 73.o, n.o 1, que as decisões da instância de recurso do referido Instituto são susceptíveis de recurso para os tribunais comunitários, e estabelece um prazo para a interposição desse recurso. De igual modo, embora o artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias disponha que qualquer pessoa referida no mesmo Estatuto «pode» apresentar à entidade competente para proceder a nomeações uma reclamação contra um acto que lhe cause prejuízo, fixa igualmente um prazo para fazê-lo. Além disso, o artigo 91.o, n.o 2, do mesmo Estatuto prevê expressamente que um recurso para os tribunais comunitários só é admissível se tiver sido previamente apresentada uma reclamação à entidade competente para proceder a nomeações.

64

Ao invés, o ponto 37 das instruções aos proponentes não pode condicionar a admissibilidade de um recurso à apresentação de uma reclamação administrativa prévia obrigatória, uma vez que a sua redacção não é suficientemente clara.

65

A título complementar, saliente-se ainda que a AER não pode instituir, sem qualquer base jurídica, uma condição de admissibilidade de um recurso que vá para além das previstas no artigo 230.o CE.

66

Neste âmbito, há que rejeitar o argumento da AER de que o ponto 2.4.16 do «Guia prático dos procedimentos contratuais no âmbito das acções externas da CE» constitui a referida base jurídica. A este respeito, é suficiente observar que esse guia prático é um instrumento de trabalho que explica os procedimentos aplicáveis num determinado domínio e que não pode, como tal, constituir a base jurídica para a apresentação de uma reclamação administrativa prévia obrigatória.

67

Deve igualmente ser rejeitado o argumento da AER de que essa base jurídica é fornecida pelo artigo 56.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro»), segundo o qual as decisões que confiam tarefas de execução aos organismos e agências referidos no artigo 54.o, n.o 2, do mesmo regulamento incluirão obrigatoriamente um sistema de controlo interno eficaz das operações de gestão. Deve observar-se a este respeito que esta disposição respeita ao domínio orçamental e que é manifesto que não regula as vias de recurso de que os proponentes dispõem. Assim, não pode constituir uma base jurídica que permita a introdução de uma condição de admissibilidade aplicável aos recursos dos proponentes, mais precisamente uma reclamação administrativa prévia obrigatória.

68

Resulta das considerações precedentes que há que julgar improcedente o fundamento de inadmissibilidade relativo à não apresentação pela recorrente de uma reclamação administrativa prévia.

C — Quanto ao respeito do prazo de recurso

1. Argumentos das partes

69

A AER considera que o recurso é inadmissível na parte em que se destina a obter a anulação da decisão de anular o concurso, dado que o prazo de recurso previsto no artigo 230.o, quinto parágrafo, CE não foi respeitado.

70

A este respeito, alega que enviou a carta de 9 de Outubro de 2006, que informava a recorrente da anulação do concurso em causa, em anexo a um e-mail do mesmo dia. Uma vez que não recebeu qualquer mensagem de «não recepção» da parte do sistema de correio electrónico da recorrente, entende que pode legitimamente considerar que o e-mail enviado em 9 de Outubro de 2006 foi efectivamente recebido por esta no mesmo dia. Por conseguinte, o prazo de recurso desta decisão expirou em 19 de Dezembro de 2006.

71

Na tréplica, a AER indica que, na sequência de uma verificação, constatou que a versão original do e-mail em questão nunca foi enviada à recorrente. Contrariamente ao que foi indicado na contestação, a carta não foi enviada à recorrente por e-mail e por via postal, mas apenas por e-mail. Assim, a recorrente tomou conhecimento da anulação do concurso através do documento enviado em anexo ao e-mail de 9 de Outubro de 2006.

72

A recorrente alega que nunca recebeu o e-mail de 9 de Outubro de 2006. Recebeu a carta de 9 de Outubro de 2006 por via postal em 12 de Outubro de 2006.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

73

Em primeiro lugar, importa frisar que a decisão de anulação do concurso não constitui uma decisão que deva ser formalmente notificada à recorrente em conformidade com o artigo 254.o, n.o 3, CE. Com efeito, a recorrente não é destinatária da decisão de anulação do concurso (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 2008, Icuna.Com/Parlamento, T-383/06, Colect., p. II-727, n.o 43). A decisão de anulação dizia respeito ao processo de adjudicação no seu todo, e o facto de ter sido posteriormente comunicada à recorrente não significa que lhe fosse dirigida.

74

Por conseguinte, o prazo de recurso previsto no artigo 230.o, quinto parágrafo, CE começou a correr a partir da data em que a recorrente teve conhecimento da decisão.

75

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, se não for possível determinar com certeza a data de notificação de uma decisão, o recorrente beneficia da dúvida daí resultante, considerando-se que o seu recurso foi tempestivamente interposto se, à luz dos factos, não se puder excluir inteiramente a possibilidade de a carta que notifica a decisão ter sido recebida demasiado tarde para que o prazo de recurso pudesse ser respeitado (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1959, Snupat/Alta Autoridade, 32/58 e 33/58, Recueil, pp. 275, 279, Colect. 1954-1961, p. 337).

76

O benefício da dúvida também aproveita ao recorrente se não estiver em causa a determinação da data de notificação, mas da data em que o mesmo tomou conhecimento do acto. Cabe à parte que invoca a extemporaneidade de um recurso fornecer a prova da data em que ocorreu o evento que faz correr o prazo (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Junho de 2005, Branco/Comissão, T-347/03, Colect., p. II-2555, n.o 54 e jurisprudência aí referida).

77

Há que observar que o envio de um e-mail não garante a sua recepção efectiva pelo respectivo destinatário. Com efeito, um e-mail pode não ser recebido pelo seu destinatário por razões técnicas. Mesmo que, no caso em apreço, a AER não tenha recebido qualquer mensagem de «não recepção», isto não significa necessariamente que o e-mail tenha efectivamente chegado ao seu destinatário. Além disso, mesmo que um e-mail chegue efectivamente ao seu destinatário, é possível que a recepção não ocorra na data do envio.

78

Neste âmbito, importa salientar que a AER tinha a possibilidade de escolher um meio de comunicação que permitisse determinar com exactidão a data em que a carta era recebida pela proponente. É verdade que, no seu e-mail de 9 de Outubro de 2006, a AER pediu à recorrente que confirmasse por e-mail a recepção da mensagem. No entanto, não recebeu essa confirmação. Se o remetente de um e-mail que não recebe nenhuma confirmação da recepção não toma nenhuma providência, normalmente não pode provar que esse e-mail foi recebido e, sendo esse o caso, em que data.

79

No que se refere ao argumento da AER, invocado na tréplica, de que a carta em questão não foi enviada à recorrente por e-mail e por via postal, mas apenas por e-mail, ao contrário do que fora indicado na contestação, cumpre observar que a AER não apresenta qualquer prova a este respeito. A «ficha detalhada» apresentada em anexo à tréplica, que indica que a carta em causa foi enviada em 9 de Outubro de 2006, de forma alguma exclui a possibilidade de a carta ter sido igualmente enviada por via postal. De resto, há que salientar que a AER admitiu na audiência que esse documento não demonstrava que a carta não tinha sido enviada por via postal.

80

Por conseguinte, a AER não demonstrou que a recorrente teve conhecimento da decisão de anulação do concurso antes de 12 de Outubro de 2006, data em que a recorrente reconhece ter recebido a carta de 9 de Outubro de 2006. Assim sendo, o prazo de dois meses previsto no artigo 230.o, quinto parágrafo, CE, acrescido, de acordo com o artigo 102.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, de um prazo de dilação fixo, em razão da distância, de dez dias, expirou em 22 de Dezembro de 2006, data em que a petição deu entrada na Secretaria do Tribunal.

81

Resulta de todas as considerações que precedem que o presente recurso não pode ser considerado intempestivo na parte em que visa obter a anulação da decisão de anular o concurso.

D — Quanto admissibilidade do recurso na parte em que visa obter a anulação da decisão de organizar um novo concurso

1. Argumentos das partes

82

A AER e a Comissão alegam que o pedido de anulação da decisão da AER de organizar um novo concurso é inadmissível. No que se refere a este pedido, a petição não obedece aos requisitos de forma essenciais previstos no artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça e no artigo 44.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo, uma vez que os fundamentos expostos na petição só dizem respeito à decisão de anulação do concurso.

83

Além do mais, a decisão de organizar um concurso, quer ele seja novo quer venha na sequência da anulação de outro concurso, não diz directa e individualmente respeito aos operadores económicos, mesmo que tenham apresentado uma proposta no âmbito de um processo precedente que tenha sido anulado.

84

A recorrente alega que a decisão de publicar um novo concurso resulta da falta de resultado positivo – segundo a AER – do primeiro concurso. Caso a decisão de anular o primeiro concurso seja considerada ilegal, a decisão subsequente de organizar um novo concurso será a consequência directa de um comportamento ilegal da AER. A recorrente afirma que, caso seja concedido provimento ao recurso, o primeiro processo será reaberto, ficando o segundo processo desprovido de objecto.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

85

Segundo jurisprudência assente, só constituem actos ou decisões susceptíveis de serem objecto de recurso de anulação, nos termos do artigo 230.o CE, as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses dos recorrentes, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica (v. despacho do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2004, Países Baixos/Comissão, C-164/02, Colect., p. I-1177, n.o 18 e jurisprudência aí referida).

86

Regra geral, a decisão de organizar um concurso não causa nenhum prejuízo, visto que se limita a conferir às pessoas interessadas a possibilidade de participarem no processo e de apresentarem uma proposta. A recorrente não apresentou argumentos susceptíveis de demonstrar que, no caso em apreço, se podia, porém, considerar que a decisão de organizar um novo concurso lhe causava um prejuízo.

87

Assim, o argumento da recorrente de que, caso seja concedido provimento ao recurso, o primeiro processo será reaberto, ficando o segundo processo desprovido de objecto, não demonstra que a decisão de organizar um novo concurso lhe causa um prejuízo. De igual modo, o seu argumento de que, caso a decisão de anular o primeiro concurso seja considerada ilegal, a decisão de organizar um novo concurso será a consequência directa de um comportamento ilegal da AER não demonstra que esta última decisão lhe causa um prejuízo. Com efeito, o simples facto de existir uma ligação entre uma decisão que lesa a recorrente, mais precisamente a anulação do primeiro processo de adjudicação, e uma segunda decisão, concretamente a decisão de organizar um novo concurso, não significa que esta segunda decisão também a lese.

88

Além disso, deve observar-se que a decisão de organizar um novo concurso relativamente às mesmas obras que foram objecto de um concurso anteriormente anulado não implica, por si só, que, em caso de anulação pelo Tribunal da decisão de anular o primeiro concurso, a entidade adjudicante já não possa prosseguir com o primeiro processo. Com efeito, a decisão de organizar um novo concurso não conduz necessariamente a que seja adjudicado a outro proponente um contrato que tenha por objecto as mesmas obras.

89

Em face do exposto, deve considerar-se que a recorrente não apresentou elementos que demonstrem que a decisão de organizar um novo concurso produz efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os seus interesses, alterando de forma substancial a sua situação jurídica.

90

Por conseguinte, o recurso deve ser julgado inadmissível na parte em que a recorrente pede a anulação da decisão de organizar um novo concurso, sem que seja necessário examinar se a petição respeita as exigências previstas no artigo 44.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo.

E — Quanto à admissibilidade do recurso na parte em que a recorrente faz valer os direitos da DOK ING

1. Observações preliminares

91

Importa recordar que a recorrente indica na petição que interpôs o recurso em seu próprio nome e enquanto mandatária da sociedade DOK ING. Isto diz respeito, por um lado, aos pedidos de anulação. Por outro lado, a recorrente quantifica na petição o prejuízo que alega ter sofrido e o prejuízo supostamente sofrido pela DOK ING, e pede ao Tribunal que condene a AER a pagar-lhe essas quantias na sua totalidade.

92

O Tribunal pediu à recorrente, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do Regulamento de Processo, que prestasse esclarecimentos sobre o «mandato» que lhe foi conferido pela sociedade DOK ING, que juntasse aos autos qualquer documento útil a este respeito e que se pronunciasse sobre a admissibilidade da forma como optou por actuar a fim de fazer valer os direitos da sociedade DOK ING.

2. Argumentos das partes

93

Em resposta à questão colocada pelo Tribunal, a recorrente alega que interpôs o presente recurso para obter uma protecção adequada dos seus próprios direitos e dos direitos da DOK ING, com base em acordos existentes e na qualidade de empresas que participaram no concurso. Defende que os três documentos por ela apresentados, a pedido do Tribunal, demonstram que está habilitada a fazê-lo.

94

A AER e a Comissão consideram que o presente recurso não é admissível na parte em que a recorrente faz valer os direitos da sociedade DOK ING.

3. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

95

Antes de mais, há que referir que, no presente caso, a Sogelma é a única recorrente. Em particular, nem a DOK ING nem o consórcio constituído pela recorrente e pela DOK ING são partes no presente litígio. Além disso, há que referir que a recorrente não alega que a DOK ING lhe transmitiu os seus direitos.

96

Por conseguinte, importa examinar se os três documentos que a recorrente apresentou, a pedido do Tribunal, lhe permitem fazer valer os direitos da DOK ING no âmbito do presente processo.

97

No que se refere ao documento intitulado «Joint venture Agreement» (acordo de empresa comum), com data de 27 de Setembro de 2005, assinale-se que o seu artigo 4.o prevê que a recorrente, enquanto líder do grupo, está autorizada, nomeadamente, a assumir obrigações em nome da DOK ING e pode assinar, em nome da empresa comum, toda a documentação necessária à realização das obras que são objecto do anúncio do concurso. Cumpre sublinhar que esse acordo não faz referência à possibilidade de a recorrente intentar uma acção judicial para fazer valer os direitos da DOK ING.

98

Quanto ao documento intitulado «Power of attorney» (procuração), assinado em 6 de Dezembro de 2005 por um representante da DOK ING, importa frisar que também não faz referência à possibilidade de a recorrente intentar uma acção judicial para fazer valer os direitos da DOK ING.

99

Só o terceiro documento apresentado pela recorrente, uma carta da DOK ING com data de 1 de Dezembro de 2006 dirigida à recorrente, se refere às acções judiciais. Esta carta tem o seguinte teor:

«No que se refere ao concurso acima mencionado e à sua subsequente anulação pela entidade adjudicante, autorizamo-vos por este meio, enquanto líder da empresa comum, a mandatar o vosso advogado para intentar uma acção judicial contra a [AER], pelos danos causados pela anulação do concurso, também por nossa conta.»

(«With reference to the above tender and the subsequent cancellation by the Contracting Authority, we her[e]by authorize you as the Joint Venture Leader, to instruct your lawyer to take legal action against the European Agency for Reconstruction, for damages caused by the tender cancellation, also on our behalf.»)

100

Esse documento tem, pois, por único objecto autorizar a recorrente a mandatar o seu advogado para também intentar uma acção por conta da DOK ING. Porém, não indica o tipo nem o objecto da acção judicial nele referida e, portanto, não fornece quaisquer pormenores a este respeito. Em particular, esse documento não prevê que a recorrente tenha o direito de intentar sozinha uma acção judicial e de fazer valer, nesse âmbito, os direitos da DOK ING. Há que observar que o facto de uma sociedade mandatar um advogado para intentar uma acção judicial, igualmente por conta de uma segunda sociedade, implica normalmente que o advogado proponha a acção em nome das duas recorrentes ou, então, duas acções distintas.

101

Não é aceitável que uma sociedade faça valer em juízo os direitos de outra sociedade se não tiver sido mandatada de forma inequívoca para esse efeito. Efectivamente, o litigante tem interesse em dispor do estatuto de demandante, a fim de poder controlar o litígio e poder, por exemplo, eventualmente recorrer da sentença a que a sua acção dá lugar. Além disso, uma sociedade que pretenda obter o pagamento de uma indemnização por um dano por ela invocado normalmente deseja que o juiz condene o demandado a pagar-lhe a ela essa quantia e não a outra sociedade.

102

Resulta das considerações que precedem que os documentos apresentados pela recorrente não demonstram que tenha sido mandatada pela DOK ING para fazer valer, enquanto única recorrente, os direitos desta última perante os tribunais comunitários.

103

Por conseguinte, o recurso é inadmissível na parte em que a recorrente faz valer os direitos da DOK ING.

F — Conclusão sobre a admissibilidade do recurso

104

Resulta de tudo o que precede que o recurso é admissível na parte em que a recorrente pede, em seu próprio nome, a anulação da decisão de anular o concurso e na parte em que pede uma indemnização pelos danos que ela própria terá sofrido.

105

Em contrapartida, o recurso deve ser julgado inadmissível na parte em que a recorrente pede a anulação da decisão da AER de organizar um novo concurso e na parte em que faz valer os direitos da DOK ING.

Quanto ao mérito

A — Quanto ao pedido de anulação da decisão de anular o concurso

106

Em apoio do seu pedido de anulação da decisão de anular o concurso, a recorrente invoca um fundamento único, relativo à violação de formalidades essenciais. Este fundamento é composto por duas partes: a primeira relativa à insuficiência da fundamentação e a segunda ao carácter ilógico e contraditório da fundamentação.

1. Argumentos das partes

a) Quanto à primeira parte do fundamento único, relativa à insuficiência da fundamentação

107

A recorrente alega que a AER não respeitou, no que se refere à decisão de anulação do concurso, a obrigação de fundamentação prevista no artigo 41.o da Directiva 2004/18, que, em sua opinião, é aplicável a essa decisão. A AER deveria ter informado os proponentes, em tempo útil e de modo exaustivo, de todos os motivos que justificavam a anulação do concurso, tendo em conta o interesse público e a situação de urgência que, em seu entender, deveriam ter conduzido a uma adjudicação rápida e satisfatória do contrato, atendendo especialmente ao facto de que tinha por objecto serviços num domínio tão delicado como aquele em questão.

108

Tendo em conta o processo que conduziu à adopção das decisões impugnadas, não existe qualquer dúvida, na opinião da recorrente, de que a anulação do processo é fruto de uma escolha irreflectida, efectuada sem uma avaliação aprofundada do interesse público a proteger.

109

O comportamento da AER é tanto mais grave quanto precisou de quase sete meses para adoptar e comunicar a decisão de anulação do concurso.

110

A AER e a Comissão contestam estes argumentos.

b) Quanto à segunda parte do fundamento único, relativa ao carácter ilógico e contraditório da fundamentação

111

A recorrente considera que a comparação da carta da AER de 9 de Outubro de 2006 com a de 14 de Dezembro de 2006 permite concluir que a verdadeira razão para a decisão de anular o antigo processo com o objectivo de lançar um novo processo não reside na insuficiência, no plano técnico, das propostas apresentadas, mas antes numa alteração considerável das condições técnicas. A recorrente considera que é necessário ter em conta a comunicação mais recente, concretamente a carta de 14 de Dezembro de 2006, para apreciar a actuação da AER.

112

Além disso, a fundamentação apresentada na carta de 9 de Outubro de 2006, que refere o facto de a experiência profissional de um dos principais peritos proposto pela recorrente ser inferior à indicada no anúncio do concurso, é contraditada pelo comportamento adoptado pelos responsáveis pela avaliação das propostas, que teriam autorizado o recurso à recorrente no âmbito de actividades de desminagem subaquática idênticas às que são objecto do anúncio do concurso, e isto precisamente em razão das qualidades técnicas dos peritos da recorrente e da tecnologia por ela utilizada.

113

A AER e a Comissão contestam estes argumentos.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

a) Observações preliminares

114

Em primeiro lugar, há que determinar quais as disposições e quais os princípios que regem a obrigação de fundamentação da decisão de anular o concurso.

115

Neste âmbito, impõe-se rejeitar o argumento da recorrente de que a Directiva 2004/18 é aplicável ao processo de adjudicação do contrato em causa. Com efeito, essa directiva, que, nos termos do seu artigo 84.o, é dirigida aos Estados-Membros, visa coordenar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais aplicáveis aos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços. Ora, os contratos públicos adjudicados pela AER não estão sujeitos à legislação dos Estados-Membros.

116

Com efeito, há que observar que a adjudicação de contratos públicos pelas instituições comunitárias está sujeita às disposições do Regulamento Financeiro e do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2342/2002 da Comissão, de 23 de Dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento Financeiro (JO L 357, p. 1, a seguir «normas de execução»). Nos termos do artigo 162.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro, as acções externas financiadas pelo orçamento geral das Comunidades Europeias são regidas pelas partes I (Disposições comuns) e III (Disposições transitórias e finais) do referido regulamento, sob reserva das derrogações previstas no título IV (Acções externas) da sua segunda parte (Disposições específicas). Além disso, o artigo 7.o do Regulamento n.o 2666/2000 prevê expressamente que a Comissão executa a assistência comunitária regida pelo mesmo regulamento nos termos do Regulamento Financeiro.

117

As disposições que a Comissão deve respeitar em matéria de adjudicação de contratos públicos também se aplicam à AER. Com efeito, segundo o artigo 185.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro, a Comissão aprovará um regulamento financeiro-quadro dos organismos criados pelas Comunidades dotados de personalidade jurídica e que recebem efectivamente subvenções a cargo do orçamento. Segundo o artigo 74.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2343/2002 da Comissão, de 23 de Dezembro de 2002, que institui o Regulamento Financeiro-Quadro dos organismos referidos no artigo 185.o do Regulamento n.o 1605/2002 (JO L 357, p. 72), as disposições relevantes do Regulamento Financeiro e as respectivas normas de execução aplicam-se aos contratos públicos adjudicados pelos referidos organismos.

118

Nos termos do artigo 101.o do Regulamento Financeiro, a decisão de anular um processo de adjudicação de um contrato deve ser fundamentada e levada ao conhecimento dos proponentes.

119

Além disso, segundo a jurisprudência, a fundamentação de uma decisão deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões para a adopção da decisão impugnada e ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 1997, Irish Farmers Association e o., C-22/94, Colect., p. I-1809, n.o 39 e jurisprudência aí referida).

120

No entanto, não se exige que a decisão especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes. O carácter suficiente da fundamentação de uma decisão pode ser apreciado tendo em conta não apenas o seu texto mas também o contexto da sua adopção e o conjunto das normas jurídicas que regulam a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1995, Tiercé Ladbroke/Comissão, T-471/93, Colect., p. II-2537, n.o 33). É suficiente que a decisão explicite, mesmo sucintamente, mas de forma clara e pertinente, os principais pontos de direito e de facto que lhe servem de suporte (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1963, Alemanha/Comissão, 24/62, Colect. 1962-1964, pp. 251, 256).

121

É à luz destas considerações que importa verificar se a AER fundamentou suficientemente a decisão de anular o concurso.

b) Quanto à primeira parte do fundamento único, relativa ao carácter insuficiente da fundamentação

122

Importa recordar que, na carta de 9 de Outubro de 2006, a AER indicou que o processo de adjudicação tinha sido anulado pelo facto de nenhuma das propostas recebidas preencher as condições técnicas, e acrescentou que, no que se refere à proposta da recorrente, se tinha constatado que o «Superintendent Survey Team» não preenchia as condições previstas no ponto 16, alínea x), do anúncio do concurso e no ponto 4.2, alínea x), das instruções aos proponentes.

123

A fundamentação apresentada para a anulação do concurso, mais precisamente o facto de nenhuma das propostas recebidas preencher as condições técnicas, embora seja sucinta, é clara e inequívoca. A fundamentação apresentada para explicar, em particular, a falta de conformidade com as condições técnicas da proposta da recorrente é igualmente sucinta, mas também é clara e inequívoca. Com efeito, a AER fez referência ao ponto do anúncio do concurso e ao ponto das instruções aos proponentes que prescrevem que o pessoal principal deve ter uma experiência profissional adequada de, pelo menos, dez anos, e indicou o membro da equipa proposto pela recorrente que não satisfazia essa condição.

124

A este respeito, cumpre assinalar que a própria recorrente indicara, no curriculum vitae da pessoa proposta para o lugar de «Superintendent Survey Team», que esta apenas dispunha de cinco anos de experiência profissional. Por conseguinte, a AER não precisava de fundamentar ainda mais a conclusão de que a proposta da recorrente não satisfazia as condições técnicas do concurso.

125

No que concerne ao argumento da recorrente de que a anulação do processo é fruto de uma escolha irreflectida, efectuada sem uma avaliação aprofundada do interesse público a proteger, há que referir que o mesmo não diz respeito, na realidade, a uma violação de formalidades essenciais, mas ao teor da decisão, dado que consiste na alegação de um erro de apreciação por parte da AER.

126

Em qualquer caso, os factos invocados pela recorrente não demonstram que a AER tenha cometido um erro manifesto de apreciação. É verdade que havia um interesse público em que as munições por explodir, presentes no sistema de transporte por vias de navegação internas da Sérvia e Montenegro, fossem retiradas o mais cedo possível para permitir a reabertura desses cursos de água à navegação. No entanto, o simples facto de existir um interesse público em que um contrato seja adjudicado rapidamente não permite à entidade adjudicante afastar-se das condições técnicas obrigatórias definidas no concurso. Com efeito, segundo o artigo 100.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro, a designação do adjudicatário do contrato deve ser efectuada no respeito dos critérios de selecção e de atribuição previamente definidos nos documentos do concurso. Como a Comissão salienta, se uma entidade adjudicante se pudesse afastar das condições do contrato, tal como foram fixadas inicialmente, beneficiaria os proponentes em relação às empresas que não participaram no concurso pelo facto de – como os proponentes – não poderem satisfazer as condições previamente estabelecidas.

127

No que se refere ao argumento de que a AER tomou e comunicou a decisão de anular o processo tardiamente, há que observar que a recorrente não explica quais as consequências que esta circunstância pode ter para a legalidade dessa decisão.

c) Quanto à segunda parte do fundamento único, relativa ao carácter ilógico e contraditório da fundamentação

128

Importa observar que a recorrente alega, no essencial, que existe uma contradição entre a fundamentação da decisão de anular o concurso fornecida na carta de 9 de Outubro de 2006 e a apresentada na carta de 14 de Dezembro de 2006, na medida em que a primeira explica essa decisão pela inexistência de uma proposta que cumpra as condições técnicas, enquanto a segunda a explica por uma alteração das condições técnicas.

129

Antes de mais, impõe-se rejeitar o argumento da recorrente de que há que ter conta a comunicação mais recente, concretamente a carta de 14 de Dezembro de 2006, para apreciar a actuação da AER. A carta que informa a recorrente da anulação do concurso é a carta de 9 de Outubro de 2006, pelo que é esta que deve ser tida em conta para apreciar se a fundamentação da decisão de anulação do concurso é ilógica e contraditória.

130

A carta de 9 de Outubro de 2006 não é, em si mesma, contraditória. Apesar de a AER ter apresentado outras explicações na carta de 14 de Dezembro de 2006, estas explicações não podem modificar a fundamentação da decisão comunicada dois meses antes. Uma eventual divergência entre estas duas cartas não pode, portanto, gerar uma contradição na fundamentação apresentada para a decisão de anular o concurso.

131

Em todo o caso, saliente-se que não existe nenhuma contradição entre a fundamentação que foi dada para a decisão de anular o concurso na carta de 9 de Outubro de 2006 e a dada na carta de 14 de Dezembro de 2006.

132

A este respeito, cumpre observar que a carta de 14 de Dezembro de 2006 refere expressamente o facto de o comité de avaliação da AER ter constatado que nenhuma das propostas recebidas preenchia as condições técnicas e de esse comité não ter feito quaisquer outras observações. Esta carta confirma, portanto, que a inexistência de uma proposta tecnicamente apropriada era a única razão que justificava a decisão de anular o concurso.

133

Embora essa carta também indique que a AER exercia o seu direito de anular o concurso e de lançar um novo concurso, pelo facto de as condições técnicas se terem alterado de modo considerável, esta frase deve ser interpretada tendo em conta o seu contexto. Com efeito, resulta expressamente da redacção do objecto da carta de 14 de Dezembro de 2006 que esta constitui a resposta à carta da recorrente de 13 de Novembro de 2006. Nesta carta, a recorrente pedira à AER que lhe enviasse a decisão de anulação do concurso e a respectiva acta, e que tomasse uma decisão fundamentada sobre o eventual lançamento de um procedimento por negociação.

134

Neste contexto, a frase, nos termos da qual a AER exerce o seu direito de anular o processo e de lançar um novo concurso pelo facto de as condições técnicas se terem alterado de modo considerável, deve ser entendida no sentido de que a AER explica a razão pela qual optou por lançar um novo concurso e não por dar início a um procedimento por negociação.

135

Por outro lado, a própria recorrente alega na réplica que a nova justificação parece ter sido fornecida exclusivamente para responder ao seu pedido de que se recorresse a um procedimento por negociação. Há que salientar a este respeito que a decisão de anular um concurso é distinta da decisão relativa às acções a tomar na sequência da mesma, mais precisamente a decisão de não adjudicar o contrato, de recorrer a um procedimento por negociação ou de organizar um novo concurso. O facto de a AER ter referido, em resposta ao pedido de que se recorresse a um procedimento por negociação, uma fundamentação diferente da utilizada para justificar a anulação do concurso não permite, portanto, concluir pela existência de uma contradição na fundamentação.

136

Por outro lado, cumpre frisar que, após a anulação de um concurso, esse processo chega ao seu termo e a entidade adjudicante é totalmente livre de decidir qual é a acção subsequente a tomar. Não há nenhuma disposição que confira a um operador económico o direito ao lançamento de um procedimento por negociação. Por conseguinte, a AER não estava obrigada a adoptar uma decisão formal a respeito da proposta da recorrente para que fosse dado início a um procedimento desse tipo. A carta de 14 de Dezembro de 2006 constitui pura e simplesmente uma resposta à carta da recorrente de 13 de Novembro de 2006, pela qual esta pedira à AER, nomeadamente, que adoptasse uma decisão fundamentada sobre o eventual lançamento de um procedimento por negociação, o que levou a AER a comunicar à recorrente, em nome da boa administração, a razão pela qual decidira lançar um novo concurso em vez de um procedimento por negociação.

137

Deve igualmente ser rejeitado o argumento da recorrente de que a fundamentação apresentada na carta de 9 de Outubro de 2006 é contraditada pelo facto de ter sido subsequentemente adjudicado à recorrente um contrato público semelhante ao em causa no presente processo. A fundamentação apresentada na carta de 9 de Outubro de 2006 refere-se ao facto de não serem preenchidas as condições técnicas do concurso, que não é, aliás, contestado pela recorrente, dado que reconhece que o «Superintendent Survey Team» por ela proposto não possuía a experiência profissional exigida. Esta fundamentação não significa que a recorrente seja incapaz de realizar as obras em causa.

138

No que se refere ao argumento da recorrente de que a carta de 14 de Dezembro de 2006 demonstra que a verdadeira razão para a anulação do concurso não foi a insuficiência técnica das propostas recebidas mas a alteração das condições técnicas, deve observar-se que este argumento não diz respeito, na realidade, a um erro na fundamentação da decisão de anular o concurso, antes pondo em causa a veracidade da referida fundamentação, o que, em última análise, consiste em contestar o conteúdo da referida decisão por meio da alegação da existência de desvio de poder.

139

Segundo jurisprudência assente, constitui desvio de poder a adopção, por uma instituição comunitária, de um acto com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1996, Reino Unido/Conselho, C-84/94, Colect., p. I-5755, n.o 69 e jurisprudência aí referida).

140

No presente caso, já se concluiu que não há nenhuma contradição entre a fundamentação apresentada na carta de 9 de Outubro de 2006 e a dada na carta de 14 de Dezembro de 2006.

141

Além disso, a Comissão salienta com razão que a decisão de anulação foi comunicada ao público no Jornal Oficial com a mesma fundamentação que foi fornecida na carta de 9 de Outubro de 2006 (JO 2006, S 198). Esta fundamentação tem o seguinte teor: «O processo de adjudicação foi anulado dado que não foram recebidas propostas conformes do ponto de vista técnico».

142

Nestas circunstâncias, não é possível inferir do comportamento ulterior da AER que o verdadeiro motivo de anulação do procedimento difere do exposto na carta de 9 de Outubro de 2006.

143

Resulta das considerações que precedem que há que julgar improcedente o pedido da recorrente destinado a obter a anulação da decisão de anular o concurso.

B — Quanto ao pedido de indemnização pelo prejuízo alegadamente sofrido

1. Argumentos das partes

144

A recorrente alega que a não adjudicação do contrato em causa se deve ao comportamento ilegal da AER e que esta última lhe causou um prejuízo. Este prejuízo consiste nas despesas inutilmente efectuadas com vista à elaboração da sua proposta e na colocação à disposição de uma parte dos equipamentos necessários durante um período de 60 dias, ascendendo a um total de 118604,58 euros.

145

A AER contesta os argumentos da recorrente.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

146

Segundo jurisprudência assente, a responsabilidade extracontratual da Comunidade na acepção do artigo 288.o, segundo parágrafo, CE está sujeita ao preenchimento de uma série de requisitos, a saber, a ilegalidade do comportamento imputado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre este comportamento e o dano invocado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1974, Holtz & Willemsen/Conselho e Comissão, 153/73, Recueil, p. 675, n.o 7, Colect., p. 353, e do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Fevereiro de 2005, Chiquita Brands e o./Comissão, T-19/01, Colect., p. II-315, n.o 76).

147

Na medida em que estes três requisitos são cumulativos, basta a falta de uma delas para a acção de indemnização ser julgada improcedente (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C-257/98 P, Colect., p. I-5251, n.o 14).

148

No caso em apreço, todos os argumentos invocados pela recorrente para demonstrar a ilegalidade da decisão de anular o concurso foram examinados e rejeitados (v. n.os 122 a 143 supra). Portanto, a recorrente não pode pedir uma indemnização com fundamento na pretensa ilegalidade dessa decisão.

149

No tocante ao argumento da recorrente de que a AER levou demasiado tempo para tomar a decisão de anular o concurso e para a comunicar à recorrente, cumpre observar que o mero facto de ter decorrido um período superior a seis meses entre o envio do último pedido de esclarecimentos aos proponentes e a comunicação da decisão de anular o concurso não pode ser qualificado de comportamento ilegal da AER.

150

Além disso, importa referir que não pode existir qualquer nexo de causalidade entre o tempo que a AER demorou para tomar e comunicar a decisão de anular o concurso e as despesas efectuadas pela recorrente para elaborar a sua proposta.

151

Resulta do que precede que o pedido de indemnização do prejuízo alegadamente sofrido deve ser julgado improcedente.

C — Quanto ao pedido de apresentação de documentos

152

Quanto ao pedido da recorrente destinado a que o Tribunal ordene à AER que junte aos autos todos os documentos relativos ao processo de adjudicação em causa, há que referir que, segundo a jurisprudência, para permitir ao Tribunal determinar se é útil ao bom andamento do processo que seja ordenada a apresentação de determinados documentos, a parte que formula o pedido deve identificar os documentos solicitados e fornecer ao Tribunal um mínimo de elementos que justifiquem a utilidade dos referidos documentos para a instância (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C-185/95 P, Colect., p. I-8417, n.o 93).

153

Em apoio deste pedido, a recorrente alega que a AER forneceu justificações gerais e sucintas para as suas escolhas e que, por isso, lhe tinha solicitado que apresentasse esses documentos, mas que este pedido não teve qualquer resposta. Além disso, a recorrente alega que tem o direito de conhecer as razões que conduziram à anulação do concurso, para ter a garantia da legalidade dos actos da entidade adjudicante.

154

No que se refere, em primeiro lugar, ao facto de a recorrente ter pedido à AER que apresentasse os documentos relativos ao processo de adjudicação e de este pedido não ter tido qualquer resposta, há que salientar que esse facto não demonstra, por si só, a utilidade desses documentos para a presente instância.

155

No que concerne, em segundo lugar, ao argumento da recorrente de que a AER forneceu justificações gerais e sucintas para as suas escolhas, concluiu-se acima nos n.os 122 e 123 que a AER comunicou à recorrente fundamentos suficientes para a sua decisão de anular o concurso. A este respeito, o Tribunal ficou suficientemente esclarecido pelos elementos que constam dos autos e, além disso, não parece que os documentos relativos ao processo de adjudicação possam ser úteis para apreciar se a fundamentação fornecida é suficiente.

156

No que diz respeito, em terceiro e último lugar, ao argumento da recorrente de que tem o direito de conhecer as razões que conduziram à anulação do concurso para ter a garantia da legalidade dos actos da entidade adjudicante, cumpre assinalar que a recorrente não apresentou elementos objectivos que levem a pensar que o verdadeiro motivo de anulação do processo é diferente do exposto na carta de 9 de Outubro de 2006 (v. n.os 140 a 142 supra).

157

Neste contexto, importa frisar que um pedido destinado a obter a apresentação de todos os documentos relativos ao processo de adjudicação em causa, conforme é pretendido pela recorrente, corresponde a um pedido de apresentação do processo interno da AER. Há que salientar que o exame pelo juiz comunitário do processo interno de um organismo comunitário, com vista a verificar se a decisão deste último foi influenciada por considerações diferentes das indicadas na respectiva fundamentação, constitui uma medida de instrução de carácter excepcional. A Esta diligência pressupõe que as circunstâncias que envolvem a decisão em causa gerem sérias dúvidas quanto aos verdadeiros motivos que estão na base dessa decisão, em particular a suspeita de que esses motivos sejam alheios aos objectivos do direito comunitário e, portanto, constitutivos de desvio de poder (v., neste sentido, no que se refere às decisões da Comissão, despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1986, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 1899, n.o 11). Ora, impõe-se concluir que tais circunstâncias não se verificam no presente caso.

158

Resulta das considerações que precedem que a recorrente não forneceu elementos que demonstrem a utilidade para a presente instância da junção aos autos de todos os documentos relativos ao processo de adjudicação. Por conseguinte, o pedido de junção aos autos desses documentos deve ser indeferido.

Quanto às despesas

159

Por força do disposto no artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

160

Tendo a AER pedido a condenação da recorrente nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

161

Por outro lado, o artigo 87.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo precisa que as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Assim sendo, a Comissão suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Sogelma – Societá generale lavori manutenzioni appalti Srl suportará as suas próprias despesas e as da Agência Europeia de Reconstrução.

 

3)

A Comissão suportará as suas próprias despesas.

 

Martins Ribeiro

Papasavvas

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Outubro de 2008.

O secretário

E. Coulon

O presidente

M. E. Martins Ribeiro

Índice

 

Quadro jurídico

 

Antecedentes do litígio

 

Tramitação processual e pedidos das partes

 

Quanto à admissibilidade

 

A — Quanto à competência do Tribunal para decidir um recurso, interposto com base no artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, de um acto da AER

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

B — Quanto à necessidade de uma reclamação administrativa prévia

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

C — Quanto ao respeito do prazo de recurso

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

D — Quanto admissibilidade do recurso na parte em que visa obter a anulação da decisão de organizar um novo concurso

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

E — Quanto à admissibilidade do recurso na parte em que a recorrente faz valer os direitos da DOK ING

 

1. Observações preliminares

 

2. Argumentos das partes

 

3. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

F — Conclusão sobre a admissibilidade do recurso

 

Quanto ao mérito

 

A — Quanto ao pedido de anulação da decisão de anular o concurso

 

1. Argumentos das partes

 

a) Quanto à primeira parte do fundamento único, relativa à insuficiência da fundamentação

 

b) Quanto à segunda parte do fundamento único, relativa ao carácter ilógico e contraditório da fundamentação

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

a) Observações preliminares

 

b) Quanto à primeira parte do fundamento único, relativa ao carácter insuficiente da fundamentação

 

c) Quanto à segunda parte do fundamento único, relativa ao carácter ilógico e contraditório da fundamentação

 

B — Quanto ao pedido de indemnização pelo prejuízo alegadamente sofrido

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

 

C — Quanto ao pedido de apresentação de documentos

 

Quanto às despesas


( *1 ) Língua do processo: italiano.