ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

27 de setembro de 2012 ( *1 )

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado neerlandês do betume rodoviário — Decisão que declara uma infração ao artigo 81.o CE — Existência e qualificação de um acordo — Restrição da concorrência — Orientações sobre a aplicabilidade do artigo 81.o CE aos acordos de cooperação horizontal — Direitos de defesa — Coima — Circunstâncias agravantes — Papel de instigador e de líder — Falta de cooperação — Poderes de investigação da Comissão — Direito à assistência de um advogado — Desvio de poder — Cálculo do montante das coimas — Duração da infração — Plena jurisdição»

No processo T-357/06,

Koninklijke Wegenbouw Stevin BV, com sede em Utrecht (Países Baixos), representada inicialmente por E. Pijnacker Hordijk e Y. de Vries, e em seguida por Pijnacker Hordijk e X. Reintjes, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Bouquet, A. Nijenhuis e F. Ronkes Agerbeek, na qualidade de agentes, assistidos inicialmente por L. Gyselen, F. Tuytschaever e F. Wijckmans, e em seguida por L. Gyselen, advogados,

recorrida,

que tem por objeto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão C (2006) 4090 final da Comissão, de 13 de setembro de 2006, relativa a um procedimento nos termos do artigo 81.o [CE] [Processo COMP/F/38.456 — Betume (Países Baixos)], na parte relativa à recorrente, e, a título subsidiário, um pedido de redução do montante da coima que lhe foi aplicada pela referida decisão,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, N. Wahl e S. Soldevila Fragoso (relator), juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 26 de maio de 2011,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

I — A recorrente

1

O Koninklijke Volker Wessels Stevin é um grupo de sociedades de construção neerlandês que conglomera mais de uma centena de sociedades. A sociedade-mãe, Koninklijke Volker Wessels Stevin NV (a seguir «KVWS»), opera no domínio da construção rodoviária através da sociedade Volker Wessels Stevin Verkeersinfra BV e da recorrente, a sua filial, Koninklijke Wegenbouw Stevin BV, encarregada da negociação e da compra de betume para todo o grupo com vista à produção de asfalto nos Países Baixos. A totalidade do capital da recorrente, durante o período em que decorreu a infração, estava na posse da KVWS por intermédio das sociedades holding Volker Wessels Stevin Infra BV e Volker Wessels Stevin Verkeersinfra.

II — Procedimento administrativo

2

Por carta de 20 de junho de 2002, a sociedade British Petroleum (a seguir «BP») informou a Comissão das Comunidades Europeias da existência de um possível cartel no mercado do betume rodoviário nos Países Baixos e apresentou um pedido com vista a obter imunidade em matéria de coimas, nos termos da comunicação da Comissão, de 19 de fevereiro de 2002, relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO C 45, p. 3, a seguir «comunicação sobre a cooperação»).

3

Em 1 de outubro de 2002, a Comissão procedeu a inspeções inopinadas, nomeadamente nas instalações da recorrente. Quando da inspeção de que foi objeto, a recorrente, num primeiro momento, recusou o acesso ao edifício aos agentes da Comissão enquanto aguardava a chegada dos seus advogados externos e, num segundo momento, opôs-se a que entrassem no escritório de um dos seus diretores. Assim, a Comissão pediu a intervenção das autoridades nacionais para proceder a essas inspeções. Os agentes da Comissão lavraram auto de notícia desses incidentes em 3 de outubro de 2002, tendo-os transmitido à recorrente no âmbito do acesso aos elementos do processo autorizado pela Comissão em 19 de outubro de 2004.

4

A Comissão enviou pedidos de informações a várias empresas, entre as quais a recorrente, em 30 de junho de 2003, pedidos esses a que esta respondeu em 12 de setembro de 2003. Em 10 de fevereiro de 2004, a Comissão enviou-lhe um novo pedido de informações, ao qual a KVWS respondeu em 2 de março de 2004.

5

Em 12 de setembro de 2003, a empresa Kuwait Petroleum apresentou um pedido de aplicação da comunicação sobre a cooperação, ao qual foi junta uma declaração de empresa. A sociedade Shell Nederland Verkoopmaatschappij BV (a seguir «SNV») também apresentou igual pedido em 10 de outubro de 2003, acompanhado de uma declaração de empresa e de uma declaração de um antigo colaborador já reformado. As empresas Total e Nynas também pediram, na sua resposta à comunicação de acusações, que a sua resposta ao pedido de informações da Comissão fosse levada em conta para efeitos da comunicação sobre a cooperação.

6

Em 18 de outubro de 2004, a Comissão desencadeou um processo e aprovou uma comunicação de acusações, enviada em 19 de outubro de 2004 a várias sociedades, nomeadamente à KVWS, à recorrente e à Volker Wessels Stevin Infra.

7

Depois de as empresas em causa terem sido ouvidas em 15 e 16 de junho de 2005, a Nynas e a Kuwait Petroleum apresentaram, respetivamente em 28 e 30 de junho de 2005, esclarecimentos a respeito de certas declarações utilizadas pela Comissão na comunicação de acusações e impugnadas na audição de outras sociedades, que foram transmitidos a todas as partes. A recorrente reagiu a estes documentos em 26 de agosto de 2005. Do mesmo modo, respondeu em 28 de junho de 2005 a um pedido de informações que era a consequência de uma questão da Comissão, colocada na audição, e essa resposta foi transmitida ao conjunto das partes em 24 de maio de 2006. Em 25 de janeiro de 2006, a Comissão enviou um ofício a todas as partes, para esclarecer uma passagem da comunicação de acusações relativa à fixação de preços, ao qual a recorrente respondeu em 16 de fevereiro de 2006. Por último, em 24 de maio de 2006, a Comissão transmitiu à recorrente a totalidade das passagens das respostas das outras empresas à comunicação de acusações que pretendia utilizar como prova contra ela, e a recorrente apresentou as suas observações sobre esses documentos em 12 de junho de 2006.

III — Decisão impugnada

8

Em 13 de setembro de 2006, a Comissão adotou a decisão C (2006) 4090 final, relativa a um procedimento nos termos do artigo 81.o [CE] [Processo COMP/F/38.456 — Betume (Países Baixos)] (a seguir «decisão impugnada»), de que foi publicado um resumo no Jornal Oficial da União Europeia de 28 de julho de 2007 (JO L 196, p. 40) e que foi notificada à recorrente em 25 de setembro de 2006.

9

A Comissão indicou que as sociedades destinatárias da decisão tinham participado numa infração única e continuada ao artigo 81.o CE, que consistiu na fixação conjunta e regular, durante os períodos em causa e para a venda e a compra de betume rodoviário nos Países Baixos, do preço bruto, de um desconto uniforme sobre o preço bruto para os construtores rodoviários que participaram no cartel (a seguir «grandes construtores» ou «W5») e de um desconto máximo reduzido sobre o preço bruto para os outros construtores rodoviários (a seguir «outros construtores» ou «pequenos construtores»).

10

À recorrente foi aplicada, solidariamente com a KVWS, uma coima de 27,36 milhões de euros por ter cometido essa infração no período compreendido entre 1 de abril de 1994 e 15 de abril de 2002.

11

No respeitante ao cálculo do montante das coimas, a Comissão qualificou a infração de muito grave, dada a sua natureza, embora o mercado geográfico em causa fosse limitado (considerando 316 da decisão impugnada).

12

A fim de ter em conta a importância específica do comportamento de cada empresa implicada no cartel e o seu impacto real na concorrência, a Comissão distinguiu as empresas em causa em função da sua importância relativa no mercado em causa, medida pelas respetivas quotas de mercado, e agrupou-as em seis categorias.

13

Com base nas considerações precedentes, a Comissão fixou para a recorrente um montante de partida de 9,5 milhões de euros (considerando 322 da decisão impugnada). Considerou que não era necessário aplicar-lhe um coeficiente de multiplicação para garantir o efeito dissuasor da coima, dada a dimensão e o volume de negócios do grupo Koninklijke Volker Wessels Stevin (considerando 323 da decisão impugnada).

14

No que diz respeito à duração da infração, a Comissão considerou que a recorrente cometeu uma infração de longa duração, já que foi superior a cinco anos, tendo fixado a sua duração total em oito anos, de 1 de abril de 1994 a 15 de abril de 2002, agravando assim o montante de partida em 80% (considerando 326 da decisão impugnada). O montante de base da coima, determinado em função da gravidade e da duração da infração, foi assim fixado em 17,1 milhões de euros para a recorrente (considerando 335 da decisão impugnada).

15

A Comissão teve em conta várias circunstâncias agravantes no que respeita à recorrente. Em primeiro lugar, considerou que, uma vez que a recorrente se tinha tornado culpada de recusa de colaboração e de tentativas de obstrução quando das inspeções efetuadas nas suas instalações, em 1 de outubro de 2002, lhe devia ser aplicado um agravamento de 10% do montante de base da coima (considerandos 340 e 341 da decisão impugnada). Em segundo lugar, considerou que a recorrente desempenhou um papel de instigadora e de líder do cartel, o que justificava um novo agravamento em 50% do montante de base da coima (considerandos 342 a 349 da decisão impugnada).

16

A Comissão também entendeu que relativamente à recorrente não havia lugar à aplicação de qualquer circunstância atenuante (considerandos 350 a 360 da decisão impugnada).

Tramitação processual e pedidos das partes

17

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de dezembro de 2006, a recorrente interpôs o presente recurso.

18

Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal Geral (Sexta Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do seu Regulamento de Processo, convidou as partes a apresentarem certos documentos e colocou-lhes questões. As partes deram cumprimento a estes pedidos no prazo fixado.

19

As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal na audiência de 26 de maio de 2011.

20

Uma vez que um dos membros da Sexta Secção ficou impedido, o presidente do Tribunal Geral designou-se a si próprio, em aplicação do artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, para completar a Secção.

21

Por despacho de 18 de novembro de 2011, o Tribunal Geral (Sexta Secção), na sua nova composição, reabriu a fase oral do processo e as partes foram informadas de que seriam ouvidas por ocasião de nova audiência.

22

Por cartas de, respetivamente, 25 e 28 de novembro de 2011, a recorrente e a Comissão informaram o Tribunal Geral de que renunciavam a ser novamente ouvidas.

23

Consequentemente, o presidente do Tribunal decidiu encerrar a fase oral.

24

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal de digne:

a título principal, anular a decisão impugnada na parte em que se lhe aplica;

a título subsidiário, anular o artigo 2.o da decisão impugnada na parte em que lhe diz respeito e reduzir substancialmente o montante da coima que lhe foi aplicada;

condenar a Comissão nas despesas;

25

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar o recurso improcedente;

condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

26

A recorrente pede, a título principal, a anulação da decisão impugnada e, a título subsidiário, a anulação ou a redução da coima que lhe foi aplicada pela Comissão nessa decisão.

I — Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

A — Observações introdutórias

27

Em apoio do seu pedido de anulação da decisão impugnada, a recorrente apresenta três fundamentos, relativos, o primeiro, à existência de erros de facto, o segundo, a erros de direito na apreciação das condições exigidas para a aplicação do artigo 81.o, n.o 1, CE e, o terceiro, à violação de formalidades essenciais e dos direitos de defesa que lhe era lícito invocar.

1. Argumentos das partes

28

A recorrente recorda que, segundo jurisprudência assente, a Comissão deve apresentar provas precisas e concordantes para demonstrar a existência de uma infração ao artigo 81.o CE e que a existência de uma dúvida no espírito do julgador a este respeito deve beneficiar a empresa (acórdãos do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T-67/00, T-68/00, T-71/00 e T-78/00, Colet., p. II-2501, n.o 179, e de 27 de setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão, T-44/02 OP, T-54/02 OP, T-56/02 OP, T-60/02 OP e T-61/02 OP, Colet., p. II-3567, n.os 60 e 62). Entende que, no caso em apreço, a Comissão violou esses princípios tanto quando apreciou a existência da infração como na qualificação da sua natureza. Com efeito, a Comissão teria, erradamente, posto em pé de igualdade a infração muito grave cometida pelos fornecedores de betume (a seguir «fornecedores»), que constitui o cartel sobre os preços e a repartição do mercado, e a simples estrutura de negociação comum criada pelos grandes construtores, que apenas visava responder ao cartel dos fornecedores e obter condições de aquisição mais favoráveis. Devido a esta errada apreciação do funcionamento do cartel, a Comissão atribuiu demasiada importância às declarações dos fornecedores e ignorou meios de prova que no entanto evocou na comunicação de acusações, sendo que alguns eram contemporâneos da infração.

29

A Comissão rejeita os argumentos da recorrente.

2. Apreciação do Tribunal

30

Há que recordar antes de mais que, nos termos do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), e da jurisprudência anterior (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C-185/95 P, Colet., p. I-8417, n.o 58, e de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C-49/92 P, Colet., p. I-4125, n.o 86), o ónus da prova de uma violação do n.o 1 do artigo 81.o CE incumbe à autoridade que a alega, sendo esta obrigada a apresentar os elementos aptos a fazer prova bastante da existência dos factos constitutivos de uma infração. O juiz da União especificou, além disso, que a existência de uma dúvida no espírito do juiz deve beneficiar a empresa destinatária da decisão que declara uma infração (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continental/Comissão, 27/76, Colet., p. 77, n.o 265) e que, em virtude da presunção de inocência, o juiz não pode pois concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração em causa se subsistirem ainda no seu espírito dúvidas sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso de anulação de uma decisão que aplica uma coima (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.o 28, supra, n.o 177). No entanto, cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem necessariamente de cumprir esses critérios relativamente a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, satisfaça essa exigência (acórdão JFE Engineering e o./Comissão, n.o 28, supra, n.o 180). No âmbito do exame deste primeiro fundamento, cabe portanto ao Tribunal examinar se a Comissão dispunha de provas suficientes da existência dos factos constitutivos de uma infração ao artigo 81.o, n.o 1, CE.

31

O Tribunal de Justiça especificou, além disso, que, se a Comissão tiver conseguido reunir provas documentais da infração alegada e estas provas se revelarem suficientes para demonstrar a existência de um acordo de natureza anticoncorrencial, não é necessário analisar a questão de saber se a empresa acusada tinha um interesse comercial no referido acordo (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão, C-403/04 P e C-405/04 P, Colet., p. I-729, n.o 46). No caso de o Tribunal considerar que a Comissão fez prova da existência de um acordo de natureza anticoncorrencial, não lhe cabe portanto responder aos argumentos relativos ao interesse comercial da recorrente no cartel.

32

Além disso, a recorrente sustenta que a Comissão, de um modo geral, atribuiu demasiada importância às declarações dos fornecedores e que, por conseguinte, tinha ignorado determinados meios de prova. Importa precisar, a este respeito, que a Comissão não é obrigada, na decisão impugnada, a verificar e a responder a tudo o que é alegado pelas partes no procedimento administrativo, antes lhe competindo, em conformidade com o disposto no artigo 253.o CE, expor de forma clara e inequívoca a sua argumentação, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao Tribunal exercer o seu controlo. Esta exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 253.o CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n.o 19; de 29 de fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C-56/93, Colet., p. I-723, n.o 86; e de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C-367/95 P, Colet., p. I-1719, n.o 63).

B — Erros de facto

33

A recorrente considera que a Comissão cometeu seis erros de facto.

1. Sobre o primeiro erro de facto, relativo à não consideração da oposição entre os interesses dos fornecedores e os dos grandes construtores

a) Argumentos das partes

34

A recorrente salienta que os interesses dos fornecedores e dos grandes construtores eram diametralmente opostos, sendo que os primeiros procuravam aumentar os preços de venda e conquistar clientes, ao mesmo tempo que tentavam obter a colaboração dos segundos. Considera que a Comissão não demonstrou que os grandes construtores prosseguiram um objetivo comum com os fornecedores. Recorda que vários elementos de prova, designadamente uma nota interna da SNV de 6 de fevereiro de 1995, permitiam demonstrar que só os fornecedores tinham posto em prática um cartel nos anos de 1980 e que todos os fornecedores nele participaram, e que esses elementos foram ignorados pela Comissão. Do mesmo modo, entende que outros elementos permitem confirmar que o cartel constituído pelos fornecedores induziu a colaboração entre os grandes construtores, o que a Comissão de resto não contestou. Precisa, em contrapartida, que a colaboração entre os grandes construtores só se iniciou na primeira metade dos anos de 1990, tendo a produção de asfalto sofrido então uma grande reorganização nos Países Baixos, o que envolveu uma redução significativa do número de centrais de revestimento e o surgimento de centrais conjuntamente detidas por diversos grandes construtores. As reuniões de concertação com os fornecedores também foram a consequência obrigatória de uma alteração legislativa nos Países Baixos, que conduziu à introdução, em 1990, nos cadernos de encargos de construção rodoviária, da regra do certificado de origem, a obter pelos construtores.

35

A recorrente acusa ainda a Comissão de, com o propósito de reforçar a sua teoria da existência de um cartel bilateral entre fornecedores e grandes construtores, ter renunciado a prosseguir as suas investigações sobre os acordos de repartição do mercado celebrados entre os fornecedores, embora a comunicação de acusações contivesse inúmeros indícios a esse respeito e ela própria tivesse produzido inúmeros elementos de prova a esse respeito. A Comissão também teria desprezado vários indícios sobre trocas de informações confidenciais relativas à utilização das capacidades de produção, aos clientes e aos preços entre fornecedores, bem como sobre a existência de cartéis entre esses fornecedores noutros países da Europa. Por fim, sublinha que os grandes construtores nunca organizaram acordos de cooperação para a aquisição de outras matérias-primas.

36

A Comissão rejeita os argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal

37

A recorrente considera que a Comissão não teve em conta elementos que permitiam provar que o conjunto dos fornecedores tinha criado um cartel nos anos de 1980 e que os grandes construtores só nele participaram, como reação, na primeira metade dos anos de 1990. Baseia-se nomeadamente na nota interna da SNV de 6 de fevereiro de 1995, apreendida pela Comissão durante as investigações e junta ao processo administrativo. Importa reconhecer que resulta deste documento que um funcionário da SNV efetuou uma síntese sobre o mercado da construção rodoviária nos Países Baixos, na qual descreve a situação de sobrecapacidade do mercado e os «origens do cartel» desde 1980. Menciona assim a criação da «Nabit», organização profissional das empresas de betume, em 1980, período de instabilidade dos preços do betume, em seguida a concretização do projeto «Star», cartel composto pelos cinco principais construtores rodoviários e pelos principais fornecedores, que terminou em 1993, e, por último, o facto de os grandes construtores terem exigido uma maior estabilidade dos preços em 1995, a fim de os volumes e a repartição dos mercados regressarem, aproximadamente, à situação de 1993. O documento sublinha, em conclusão, a quota de responsabilidade tanto dos poderes públicos como dos grandes construtores e dos fornecedores no surgimento de certos acordos. Contudo, esse documento não permite, por si só, determinar com clareza se existia um cartel antes de 1994 ou se os fornecedores impuseram o cartel aos grandes construtores.

38

Além disso, há que ter igualmente em conta outros elementos de prova mencionados na decisão impugnada. Assim, noutra nota interna de 9 de fevereiro de 1995, igualmente apreendida pela Comissão durante as investigações e junta ao processo administrativo, dois funcionários da SNV explicam a situação do mercado neerlandês da construção rodoviária e salientam, nomeadamente, a existência de acordos sobre preços e contratos entre os grandes construtores, que beneficiavam de um desconto especial, e os fornecedores, em detrimento das entidades adjudicantes e dos outros construtores. Estes funcionários qualificam a situação de «cooperação entre dois cartéis» e estão conscientes de que existe um risco de aplicação de uma sanção pela Comissão. Referem que a SNV tentou pôr termo a esta situação a partir de 1992, não o tendo conseguido, e examinam as possibilidades de evolução da situação e os riscos que a ela estão associados (manutenção da cooperação e a sua supressão total ou parcial). Este documento confirma o caráter bilateral do cartel e contraria, em contrapartida, a teoria da recorrente segundo a qual o cartel existia apenas do lado dos fornecedores antes de 1994, que o impuseram aos grandes construtores. A isto acresce que um relatório interno da sociedade Wintershall AG, produtora de betume rodoviário e destinatária da decisão impugnada através da qual lhe foi aplicada uma coima de 11,625 milhões de euros, datado de 20 de fevereiro de 1922, apreendido pela Comissão durante as investigações e junto ao processo administrativo, dá conta de contactos entre a SNV e a recorrente, tendo esta pedido à primeira, enquanto marketleader, que apresentasse propostas de cooperação entre os fornecedores e o W5, o que correspondia a um monopólio de compra. O documento indica que a Wintershall comunicara à recorrente, durante uma visita desta às suas instalações em 18 de fevereiro de 1992, que esta diligência era problemática em termos do direito dos cartéis. A recorrente tentou pôr em causa a credibilidade deste documento indicando que mantinha poucos contactos comerciais com a Wintershall e que era pouco credível que tivesse enviado uma informação tão confidencial ao seu interlocutor. No entanto, é pouco plausível que a Wintershall tenha deliberadamente voltado a transcrever uma informação errada numa ata puramente interna de 1992. De qualquer modo, a mera circunstância, admitindo-a provada, de a recorrente manter poucos contactos comerciais com a Wintershall não basta para pôr em causa o valor probatório desse documento.

39

O Tribunal considera, por isso, que diversos documentos concordantes contemporâneos da infração ou datados do período que precedeu a sua concretização permitiam à Comissão considerar que o cartel não tinha a sua origem num cartel anterior criado pelos fornecedores e que estes não o impuseram aos grandes construtores.

40

A recorrente acusa ainda a Comissão, não obstante os inúmeros indícios referidos na comunicação de acusações, de ter renunciado a prosseguir as investigações relativas aos acordos de repartição do mercado celebrados pelos fornecedores nos Países Baixos, às trocas regulares de informações confidenciais entre os fornecedores, relativas à utilização das capacidades de produção, aos clientes e aos preços e à existência de cartéis noutros países da Europa criados por esses fornecedores.

41

Importa, antes de mais, sublinhar que a existência de outros eventuais cartéis entre os fornecedores não é incompatível com a teoria da existência de um cartel bilateral entre esses fornecedores e o W5 e que a Comissão não excluiu que os grandes construtores tenham participado noutros acordos com os fornecedores (n.os 174 e 175 da comunicação de acusações).

42

Por outro lado, não se pode acusar a Comissão, no âmbito deste recurso, de não ter incluído outros eventuais acordos na decisão impugnada. Com efeito, esse argumento, partindo do princípio de que se justifica, não pode afetar a legalidade da decisão impugnada.

43

De qualquer modo, importa recordar que a comunicação de acusações tem natureza preliminar, já que a função deste documento, tal como definida pelos regulamentos da União, é a de fornecer às empresas todos os elementos necessários para lhes permitir que se defendam efetivamente antes de a Comissão tomar uma decisão definitiva (acórdãos do Tribunal Geral de 14 de maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T-352/94, Colet., p. II-1989, n.o 63; Cascades/Comissão, T-308/94, Colet., p. II-925, n.o 42; e de 28 de fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T-86/95, Colet., p. II-1011, n.o 442). Embora a Comissão deva assim tomar uma decisão final com base apenas nas acusações sobre as quais as partes tiveram a oportunidade de apresentar as suas observações (artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003), não é obrigada a reproduzir todos os elementos mencionados na comunicação de acusações, sobretudo se esses elementos se revelaram insuficientes. Por conseguinte, a decisão não tem necessariamente de ser uma cópia exata da comunicação de acusações (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.o 68).

44

No que respeita ao argumento da recorrente segundo o qual a criação do cartel pelos grandes construtores, nos anos de 1990, foi uma reação à reestruturação do mercado do asfalto pelos poderes públicos neerlandeses (criação de um certificado de origem no caderno de encargos dos concursos de construção rodoviária que tornava difícil as mudanças de fornecedor durante um ano civil, diminuição do número de centrais de revestimento e criação de centrais detidas conjuntamente por vários grandes construtores), há que salientar que a recorrente não indicou a razão pela qual essas evoluções da regulamentação nacional levaram o W5 a criar o cartel. Ora, segundo a jurisprudência, não existindo uma disposição regulamentar vinculativa que imponha um comportamento anticoncorrencial, a Comissão só pode concluir pela falta de autonomia dos operadores em causa se se verificar, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, que esse comportamento lhes foi unilateralmente imposto pelas autoridades nacionais através do exercício de pressões irresistíveis, tais como, por exemplo, a ameaça da adoção de medidas estatais suscetíveis de lhes causar grandes prejuízos (acórdão do Tribunal Geral de 11 de dezembro de 2003, Minoan Lines/Comissão, T-66/99, Colet., p. II-5515, n.os 176 a 179). No presente caso, a recorrente não forneceu qualquer elemento que permita considerar que os comportamentos que lhe são imputados tiveram a sua origem na legislação nacional neerlandesa.

45

Por último, a circunstância, admitindo-a provada, de os grandes construtores nunca terem organizado acordos de cooperação para a aquisição de outras matérias-primas não afeta a existência da presente infração.

46

Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não cometeu um erro de apreciação relativamente aos interesses dos fornecedores e dos grandes construtores.

2. Sobre o segundo erro de facto, relativo ao conteúdo dos acordos entre fornecedores e grandes construtores

a) Argumentos das partes

47

A recorrente entende que a Comissão apreciou erradamente o conteúdo dos acordos concluídos entre os fornecedores e os grandes construtores. Assim, em primeiro lugar, os fornecedores sempre estiveram sozinhos na origem dos aumentos do preço bruto do betume rodoviário nos Países Baixos (a seguir «preço bruto»), só tendo uma vez, em março de 2000, os grandes construtores conseguido contestar o aumento anunciado pelos fornecedores. Resulta de diversos elementos dos autos, designadamente das declarações da Kuwait Petroleum e da Nynas, fornecedores de betume destinatários da decisão impugnada, através da qual lhes foi aplicada uma coima de, respetivamente, 16,632 e 13,5 milhões de euros, que era sempre sozinhos que os fornecedores tomavam a iniciativa dos aumentos dos preços e convocavam os grandes construtores para lhes impor esse aumento. Em segundo lugar, o desconto especial concedido pelos fornecedores ao W5 considerava-se justificado de um ponto de vista comercial devido às quantidades de betume adquiridas por essas sociedades e só constituía um ponto de partida para as negociações individuais entre cada construtor e cada fornecedor. Em terceiro lugar, a recorrente lembra que inúmeros elementos do processo administrativo permitem afirmar que os pequenos construtores se comportavam da mesma forma que os seus concorrentes mais importantes nas suas negociações com os fornecedores, exigindo obter os preços mais baixos, e que o W5 duvidava de que estes lhe viessem a conceder maiores descontos. A reação do W5, quando, em 2000, descobriu que os pequenos construtores tinham beneficiado de um desconto equivalente ao seu, foi a de exigir individual ou coletivamente (o que só ocorreu numa única ocasião) um desconto maior aos fornecedores. De qualquer modo, a recorrente afirma que o W5 não dispunha de qualquer meio para controlar o respeito, por parte dos fornecedores, dos compromissos assumidos, ou de os punir se concedessem descontos mais elevados aos pequenos construtores. Em quarto lugar, a recorrente sublinha que a Comissão dá a falsa impressão de que o desconto concedido ao W5 foi sempre crescendo, quando, em 2002, estava ao nível de 1994, e que, em contrapartida, o aumento do preço bruto foi constante durante o período da infração.

48

A Comissão rejeita os argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal

49

No que respeita, em primeiro lugar, ao argumento segundo o qual vários documentos permitem demonstrar que os fornecedores estiveram sozinhos na origem do aumento do preço bruto e que o desconto concedido ao W5 dependia exclusivamente das quantidades adquiridas, podendo os grandes construtores, além disso, renegociar esse desconto individualmente com cada fornecedor, como o faziam os pequenos construtores, há que sublinhar a necessidade de tomar em consideração os acordos celebrados entre o W5 e os fornecedores de forma global, que diziam simultaneamente respeito ao preço bruto, ao desconto mínimo concedido ao W5 e ao desconto máximo aplicável aos pequenos construtores.

50

Antes de mais, vários documentos citados na decisão impugnada confirmam a celebração de acordos entre as duas partes sobre o preço bruto, que não era unilateralmente fixado pelos fornecedores e imposto aos grandes construtores, como sustenta a recorrente. Assim, numa nota da sociedade Hollandsche Beton Groep (a seguir «HBG») de 8 de julho de 1994, construtor rodoviário nos Países Baixos e destinatário da decisão impugnada, pela qual lhe foi aplicada uma coima de 7,2 milhões de euros, são referidos acordos entre o W5 e as companhias petrolíferas relativos ao preço bruto até 1 de janeiro de 1995 (considerando 94 da decisão impugnada). Além disso, a nota interna da SNV de 9 de fevereiro de 1995 também refere os acordos sobre os preços celebrados entre o W5 e os fornecedores (considerando 89 da decisão impugnada). De igual modo, uma nota da SNV de 14 de julho de 2000 faz referência a acordos coletivos sobre o preço bruto celebrados entre os fornecedores e o W5 em 1995 (considerando 90 da decisão impugnada). Além disso, algumas notas da recorrente relativas a reuniões ocorridas em 12 de março e 14 de setembro de 1999 referem os resultados dessas concertações no que respeita ao preço bruto e ao desconto concedido ao W5 (considerandos 104 e 106 da decisão impugnada). Algumas notas da HBG de 1999 e de 2000 também se referem aos acordos sobre os aumentos de preços e as compensações e à rejeição pelo W5 da proposta de aumento dos preços dos fornecedores a partir de 1 de abril de 2000 (considerandos 107 e 110 da decisão impugnada). Algumas notas da HBG e da recorrente também se referem a uma reunião ocorrida em 1 de março de 2001, na qual os fornecedores pretenderam baixar o preço bruto e o W5 achou preferível manter o preço bruto em vigor (considerandos 115 e 116 da decisão impugnada). Por último, tanto na sua resposta de 12 de setembro de 2003 a um pedido de informações da Comissão, como na sua resposta de 20 de maio de 2005 à comunicação de acusações, a recorrente reconheceu que os fornecedores e o W5 tinham celebrado acordos a partir das propostas de preços brutos apresentadas pelos fornecedores (considerando 97 da decisão impugnada).

51

As declarações da Kuwait Petroleum de 12 de setembro, 1 de outubro e 9 de outubro de 2003 e da Nynas de 2 de outubro de 2003 (considerando 70 da decisão impugnada), mencionadas pela recorrente, não permitem pôr em causa a conclusão de que o preço bruto não era fixado unilateralmente pelos fornecedores e imposto aos grandes construtores. Com efeito, estas declarações só permitem a conclusão de que existiram reuniões preparatórias entre os fornecedores durante as quais estes se puseram de acordo sobre as propostas de preços que seriam apresentadas aos grandes construtores nas reuniões do cartel.

52

Em seguida, a decisão impugnada faz referência a numerosos documentos que atestam que as negociações entre os fornecedores e os grandes construtores também incidiam sobre o desconto concedido ao W5 e sobre o desconto máximo concedido aos outros construtores rodoviários. Foi, por exemplo, o caso da resposta da recorrente de 12 de setembro de 2003 a um pedido de informações da Comissão, na qual indicou que as discussões entre os fornecedores e os grandes construtores incidiam simultaneamente sobre as «tabelas de preços» e «os descontos padrão» (considerando 72 da decisão impugnada). De igual modo, uma nota interna da HBG de 28 de março de 1994 faz referência ao preço padrão, ao desconto concedido ao W5 e a um desconto máximo concedido aos outros construtores (considerando 93 da decisão impugnada). Uma nota interna da HBG de 24 de fevereiro de 1994 também é reveladora da importância que os grandes construtores atribuíam à obtenção de um desconto não concedido aos pequenos construtores e a que o desconto não fosse aplicado à totalidade dos construtores (considerando 95 da decisão impugnada). Além disso, um relatório interno da HBG de 14 de setembro de 1999 resume os acordos sobre os «aumentos e as compensações» de 1999 celebrados entre o W5 e os fornecedores (considerando 107 da decisão impugnada). A resposta da Kuwait Petroleum de 16 de setembro de 2003 a um pedido de informações da Comissão indica igualmente que a reunião de concertação de 27 de março de 1998 permitiu que se tratasse da questão do preço bruto e dos descontos (considerando 103 da decisão impugnada). Uma nota interna da recorrente relativa a uma reunião de 12 de março de 1999 faz igualmente referência ao preço bruto e ao desconto acordado para o W5 (considerando 104 da decisão impugnada). Algumas notas da HBG e da recorrente também se referem à reunião de 1 de março de 2001, especificando o preço bruto acordado, o desconto concedido ao W5 e o concedido aos outros construtores (considerando 116 da decisão impugnada). Uma nota interna da recorrente de 23 de maio de 2001, confirmada pela sua resposta de 12 de setembro de 2003 a um pedido de informações, faz igualmente referência ao preço bruto e ao desconto concedido ao W5 (considerando 119 da decisão impugnada). Na sua resposta à comunicação de acusações, a recorrente, citando um dos seus funcionários, chegou mesmo a indicar que «os aumentos do preço padrão não constituíam um problema desde que os descontos acompanhassem esses aumentos» (considerando 149 da decisão impugnada). Finalmente, uma análise da SNV de 9 de fevereiro de 1995 indica a importância que o W5 atribui ao facto de beneficiar de um desconto maior do que o concedido aos pequenos construtores (considerando 153 da decisão impugnada).

53

Estes diferentes elementos de prova permitem concluir que os acordos celebrados entre os grandes construtores e os fornecedores incidiam simultaneamente sobre o preço bruto e o desconto especial concedido ao W5. A circunstância, admitindo-a provada, de surgirem divergências e conflitos no que respeita ao nível desses preços e dos descontos nessas negociações entre os fornecedores e os grandes construtores não basta para provar a afirmação da recorrente segundo a qual os fornecedores tinham imposto subidas do preço bruto ao W5.

54

No que respeita, em segundo lugar, ao argumento da recorrente segundo o qual o desconto concedido ao W5 se justificava comercialmente devido às quantidades adquiridas, há que analisar as quantidades adquiridas individualmente por cada membro do W5, e não a quantidade global comprada pela totalidade dos seus membros. Resulta assim da decisão impugnada que os pequenos construtores não beneficiavam do mesmo desconto que os membros do W5, embora adquirissem por vezes, individualmente, quantidades de betume mais importantes do que os membros do W5. Assim, em declarações prestadas em 12 de julho de 2002, um funcionário da BP indicou que os fornecedores desrespeitavam frequentemente os acordos celebrados com o W5, concedendo maiores descontos a determinados pequenos construtores que lhes adquiriam maiores quantidades de betume. De resto, a Comissão já tinha respondido a este argumento, no considerando 157 da decisão impugnada, sublinhando, por um lado, que os próprios grandes construtores tinham reconhecido que geralmente negociavam um desconto suplementar em função das quantidades adquiridas individualmente e, por outro, que a existência de um mecanismo sancionatório para o caso de concessão aos pequenos construtores de descontos superiores aos previstos nos acordos (e isto, mesmo considerando, como afirma a recorrente, que este mecanismo só foi utilizado uma vez) constituía um indício suplementar de que o desconto concedido ao W5 não era proporcional às quantidades adquiridas. Também resulta de um documento interno da HBG de 23 de dezembro de 1999 que o desconto concedido ao W5 nas reuniões de conluio se explicava «devido às quantidades totais e à vantagem sobre os que não participavam no sistema» (considerando 108 da decisão impugnada). Estes elementos, bem como a importância atribuída pelo W5 ao nível dos seus descontos nas reuniões do cartel (v. n.o 52, supra), permitem considerar que a recorrente não demonstrou que o desconto concedido ao W5 dependia das quantidades adquiridas.

55

Em terceiro lugar, importa precisar que a recorrente não pode invocar a circunstância de os pequenos construtores se comportarem da mesma forma que os seus concorrentes mais importantes nas suas negociações com os fornecedores, ao exigirem obter os preços mais baixos, uma vez que, à luz do direito da concorrência, a situação de uma empresa que negoceia individualmente os seus preços com um fornecedor é diferente da de empresas que atuam coletivamente.

56

Além disso, no que respeita à afirmação da recorrente segundo a qual o W5 não dispunha de qualquer meio para controlar o respeito dos compromissos por parte dos fornecedores, há que realçar que vários elementos de prova concordantes permitem concluir que o W5 tinha instituído um mecanismo sancionatório para o caso de os fornecedores concederem aos pequenos construtores um desconto superior ao fixado (v. igualmente n.os 94 a 96, supra). Com efeito, resulta da decisão impugnada que a Comissão se baseou em vários elementos concordantes que dão conta de sanções financeiras individuais ou, pelo menos uma vez, coletivas aplicadas pelo W5 aos fornecedores que concederam um desconto demasiado importante aos pequenos construtores, bem como de mudanças de fornecedor em caso de descoberta de tais descontos (considerandos 82 a 86 da decisão impugnada). Assim, num relatório interno da Wintershall de 4 de março de 1996, relativo a uma visita à sociedade de construções Heijmans NV, faz-se referência a essas sanções relativamente a 1995 (considerando 82 da decisão impugnada). De igual modo, um relatório da HBG de 14 de setembro de 1999 relativo à concertação relata uma pergunta sobre o importante desconto concedido a dois pequenos construtores (considerando 83 da decisão impugnada). Em relação ao ano de 2000, a própria recorrente e a BP relatam uma multa coletiva aplicada aos fornecedores na sequência da descoberta do desconto efetuado à Krekel, um pequeno construtor (considerando 84 da decisão impugnada). A Kuwait Petroleum e a BP também confirmaram, nas suas declarações, o mecanismo sancionatório em caso de descoberta da atribuição de um desconto demasiado importante a um pequeno construtor (considerandos 85 e 86 da decisão impugnada). Na nota interna da SNV de 9 de fevereiro de 1995, também é mencionada uma ameaça de diminuição das encomendas de betume em caso de ofertas competitivas apresentadas a construtores não membros do W5 (considerando 86 da decisão impugnada). Por último, num documento de 4 de maio de 2001 relativo a uma concertação, a recorrente também refere uma coima aplicada à Nynas devido à sua política de preços (considerando 117 da decisão impugnada), o que foi confirmado pela Kuwait Petroleum na sua declaração de 12 de setembro de 2003 (considerando 118 da decisão impugnada).

57

Em quarto lugar, no que diz respeito ao argumento da recorrente de que o preço do betume aumentou continuamente durante o período da infração, enquanto o desconto concedido ao W5 voltou em 2002 para o seu nível de 1994, não é sustentável. Com efeito, resulta do anexo I da decisão impugnada que o preço bruto flutuou muito entre 1994 e 2002 e não aumentou sistematicamente, já que ocorreram regularmente baixas de preços. No que se refere à evolução do desconto especial concedido ao W5, decorre dos documentos mencionados nos considerandos 93 a 125 da decisão impugnada que esse desconto acompanhava geralmente as subidas dos preços brutos e, assim, aumentou continuamente no período de 1998-2000, para se reencontrar, em 2002, a um nível próximo do de 1994 [60 florins neerlandeses (NGL) em 2002, 50 NGL em 1994]. A recorrente não pode, portanto, sustentar que o desconto concedido ao W5 passou a ser proporcionalmente menor do que o aumento do preço bruto.

58

Resulta do exposto que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação quanto ao conteúdo dos acordos entre fornecedores e grandes construtores e que o segundo argumento deve ser julgado improcedente.

3. Sobre o terceiro erro de facto, relativo à errada apreciação do interesse dos grandes construtores no cartel

a) Argumentos das partes

59

A recorrente considera que a Comissão cometeu um erro na apreciação do interesse do W5 no cartel. Assim, na decisão impugnada, a Comissão, por um lado, renunciou à teoria apresentada na comunicação de acusações, segundo a qual o W5 tinha interesse em manter o preço bruto artificialmente elevado, e, por outro, apresentou uma nova teoria. Segundo a Comissão, que se baseia numa nota da SNV de 6 de fevereiro de 1995, os membros do W5 tinham interesse em que os preços do betume aumentassem simultânea e substancialmente, para que progredisse o índice elaborado por um organismo sem fins lucrativos encarregado de publicar os preços do betume rodoviário, embora também beneficiassem com uma diminuição dos preços do betume desde que esta fosse progressiva e repartida no tempo. Com efeito, uma diminuição desse tipo não acarretava uma baixa no índice em questão e permitia-lhes não repercutir essa baixa nas entidades adjudicantes. A recorrente, ao mesmo tempo que afirma não ter um conhecimento detalhado do método de fixação desse índice, refere saber que era revisto mensalmente com base nos dados relativos à totalidade dos preços de compra, obtidos diretamente pelo organismo encarregado de o elaborar e individualmente junto de um certo número de centrais de revestimento, e ter concluído que a evolução real desse índice não permitia corroborar a teoria da Comissão. Indica igualmente que os grandes construtores não se opuseram a uma baixa do preço bruto do betume na reunião de 12 de abril de 2000, embora, na sequência da tentativa de se retirarem das reuniões de concertação com os fornecedores, estes os tenham ameaçado de em simultâneo reduzir o preço bruto e o desconto que lhes era concedido, ao que eles se opuseram. De resto, o mesmo fenómeno tinha-se reproduzido em março de 2001. Além disso, sublinha que um aumento de preços durante a época das obras rodoviárias só tem inconvenientes para os construtores, pois apenas para 5% das obras se previu uma cláusula de indemnização ligada à evolução do preço das matérias-primas. Além disso, esclarece que era por vezes possível aos construtores repercutir esse aumento de preços do betume mesmo na falta de uma cláusula específica nesse sentido e que essa possibilidade era válida para todos os construtores, incluindo os pequenos. Por último, indica que os aumentos de preços ocorridos no início da época das obras rodoviárias podiam ser repercutidos mais facilmente e que o conjunto dos construtores tinha, portanto, interesse na estabilidade dos preços durante essa época, apesar de os fornecedores desejarem aumentar os seus preços em qualquer momento.

60

A Comissão rejeita a totalidade dos argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal

61

O juiz da União já declarou que os participantes num mesmo cartel podem ter interesses económicos complementares (acórdão do Tribunal Geral de 13 de dezembro de 2006, FNCBV e o./Comissão, T-217/03 e T-245/03, Colet., p. II-4987, n.o 322). No caso vertente, a Comissão considerou que os fornecedores e o W5 tinham um interesse comum na existência de acordos sobre os preços brutos e os descontos, acordos esses que tinham por efeito restringir a concorrência dos fornecedores e dos grandes construtores. A recorrente considera que a Comissão cometeu um erro na apreciação do objetivo do W5, que não era o de prejudicar o consumidor final, mas limitar os efeitos dos aumentos de preços impostos pelos fornecedores.

62

Importa lembrar, antes de mais, em conformidade com o indicado no n.o 31, supra, que não é necessário examinar se a empresa acusada tinha um interesse comercial nos referidos acordos se a Comissão tiver conseguido reunir provas documentais da infração alegada e essas provas forem suficientes para demonstrar a existência de um acordo de natureza anticoncorrencial (acórdão Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão, n.o 31, supra, n.o 46). É portanto apenas a título subsidiário que o Tribunal examinará a questão da errada apreciação do objetivo do W5.

63

A título preliminar, há que lembrar brevemente o funcionamento do Centrum voor regelgeving en onderzoek in de grond-, water- en wegenbouw en de Verkeerstechniek (CROW, Centro para a regulação e a investigação em matéria de engenharia civil e de tráfego), organismo sem fins lucrativos que estava incumbido, nomeadamente, de publicar mensalmente os preços do betume rodoviário desde os anos de 1970 (considerandos 25 e 26 da decisão impugnada), a partir dos elementos sobre os quais as partes estão de acordo.

64

A publicação do preço do betume rodoviário pelo CROW efetuava-se, até 1 de novembro de 1995, após consulta aos produtores de asfalto. Após essa data, o cálculo passou a ser efetuado pelo CBS (serviço central da estatística), organismo governamental, a partir de um estudo de mercado que abrangia diversas centrais de revestimento, ou seja, antes da aplicação de um eventual desconto aos construtores, e esse índice de preços, publicado pelo CROW (a seguir «índice CROW»), servia de referência para os contratos de construção rodoviária a longo prazo que incluíssem uma cláusula de resolução dos riscos. Com efeito, para esses contratos, em caso de agravamento do índice CROW para além de um determinado limite, as entidades adjudicantes eram obrigadas a indemnizar os construtores. Inversamente, em caso de diminuição do índice CROW abaixo de um determinado limite, os construtores tinham de indemnizar as entidades adjudicantes. Conclui-se, portanto, que os construtores não eram prejudicados com os aumentos dos preços quando estes aumentavam simultaneamente, agravando assim o índice CROW. Em contrapartida, os construtores não tinham interesse numa baixa de preços, que, se implicasse uma diminuição do índice CROW, os obrigaria a reembolsar quem com eles contratara o diferencial de preços.

65

A recorrente, ao mesmo tempo que sustenta não conhecer com exatidão o mecanismo de cálculo do índice CROW, apresentou ao Tribunal um documento que explica a evolução real desse índice entre 1997 e 2005, alegando que contraria a teoria exposta pela Comissão nos considerandos 25 e 26 da decisão impugnada, segundo a qual os fornecedores aumentavam os seus preços simultânea e substancialmente e só os reduziam de forma muito progressiva. Contudo, esse documento não fornece qualquer indicação sobre a questão de saber se os preços aumentavam simultaneamente e diminuíam separadamente. Apenas permite reconhecer que, no período 1997-2005, o índice CROW relativo ao preço do betume aumentou constantemente, exceto no período compreendido entre fevereiro de 1998 e abril de 1999. O anexo I da decisão impugnada confirma aliás que, no conjunto do período em que decorreu a infração, o preço bruto do betume rodoviário aumentou 253 NGL. Assim, o Tribunal considera que a análise do funcionamento deste índice confirma a explicação da Comissão segundo a qual, para os contratos que incluíam uma cláusula de resolução dos riscos, os construtores não eram penalizados com um aumento dos preços e não tinham, em contrapartida, interesse numa baixa dos preços. Todavia, não é indispensável determinar o mecanismo exato de cálculo deste índice, objeto de discussão entre as partes, para se poder apreciar o interesse do W5 no cartel.

66

A recorrente contesta, além disso, a afirmação da Comissão segundo a qual os grandes construtores se opuseram a uma baixa do preço bruto do betume em 2000 e em 2001. Resulta porém das notas tomadas por um funcionário da recorrente na reunião do cartel de 12 de abril de 2000, que a Comissão refere no considerando 111 da decisão impugnada, que os grandes construtores estavam preocupados com uma baixa do preço bruto que lhes poderia custar caro, devido a uma baixa do índice CROW. A recorrente indica que esse documento deve ser recolocado no seu contexto, ou seja, de que os grandes construtores tinham indicado aos fornecedores que pretendiam retirar-se do cartel, ao que os fornecedores tinham respondido ameaçando-os de reduzir muito o preço bruto e o desconto especial de que beneficiavam. Esta afirmação, contudo, não encontra apoio em nenhum elemento de prova e, de qualquer modo, não permite a conclusão de que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao entender que os grandes construtores não desejavam ver baixar os preços do betume nem o seu desconto especial.

67

No que diz respeito ao ano de 2001, a Comissão referiu, nos considerandos 115 e 116 da decisão impugnada, que decorre de documentos da HBG e da recorrente que os fornecedores pretendiam reduzir o preço bruto devido ao diferencial de preços com os países vizinhos, enquanto o W5 propôs a manutenção do preço bruto e o aumento do seu desconto, e que acabou por ficar decidido reduzir ligeiramente o preço bruto (- 20 NGL) e manter o desconto num nível elevado (80 NGL). A este respeito, a recorrente considera que a Comissão cometeu um erro de apreciação dos factos, uma vez que decorre desses documentos que os fornecedores pretendiam manter o nível dos preços após o desconto, embora pretendessem reduzir o preço bruto e o respetivo desconto. No entanto, há que sublinhar que a Comissão utilizou esses documentos para demonstrar que os grandes construtores não tinham interesse numa baixa do preço bruto nem numa baixa do seu desconto especial e que não eram, portanto, simples vítimas dos fornecedores.

68

Acresce que a recorrente tenta minimizar a importância do índice CROW indicando que apenas 5% dos contratos públicos continham uma cláusula de indemnização ligada à evolução do preço das matérias-primas. A Comissão precisa que, segundo outro construtor membro do W5, 10 a 15% dos contratos públicos continham cláusulas desse tipo. De qualquer modo, o Tribunal salienta que resulta de vários documentos que essa questão foi discutida nas reuniões do cartel [considerandos 94 (nota da HBG de 8 de julho de 1994), 101 (nota interna da BP de 1996), 107 (relatório da HBG de 14 de setembro de 1999), 111 (notas da recorrente de 12 de abril de 2000) e 115 (notas da HBG de 16 de fevereiro de 2001) da decisão impugnada], o que permite considerá-la um elemento central das negociações, seja qual for a quantidade de contratos públicos em causa. Além disso, a própria recorrente faz referência a esse tipo de cláusulas na sua resposta de 12 de setembro de 2003 a um pedido de informações de 30 de junho de 2003, ao indicar que lhe tinha sido concedido um desconto especial pelos trabalhos relativamente aos quais não tinha sido contratualmente acordada nenhuma imputação em caso de aumento do preço do betume.

69

Além disso, a recorrente refere, por um lado, que, embora por vezes fosse possível a um construtor repercutir o aumento dos preços do betume na entidade adjudicante quando não existisse uma cláusula de resolução dos riscos, essa possibilidade era válida para todos os construtores, incluindo os pequenos, e, por outro lado, que um aumento de preço que ocorra no início da época podia ser repercutido mais facilmente pelo conjunto dos construtores e que, assim, todos tinham interesse numa estabilidade dos preços ao longo da época. Este argumento não basta, no entanto, para pôr em causa a apreciação da Comissão sobre o interesse do W5 no cartel. Com efeito, à luz do direito da concorrência, há que fazer uma distinção entre, por um lado, as negociações bilaterais entre duas empresas, e, por outro, os acordos coletivos sobre os preços e os descontos especiais, celebrados coletivamente. A circunstância de os pequenos construtores terem igualmente interesse em variações de preços que ocorram no início da época das obras rodoviárias não basta para neutralizar o impacto negativo, à luz das regras de concorrência, do maior desconto concedido ao W5.

70

Por último, há que sublinhar que a própria recorrente indicou, na sua resposta à comunicação de acusações, que os membros do W5 podiam aceitar uma subida do preço bruto na condição de obterem um desconto maior do que os pequenos construtores (considerando 149 da decisão impugnada).

71

Resulta do exposto que os fornecedores e o W5 tinham um interesse comum na existência de acordos sobre os preços brutos e os descontos e que o interesse dos grandes construtores se explica tanto pelo mecanismo das cláusulas de resolução dos riscos nos contratos públicos como pelo desconto especial de que beneficiavam e que lhes conferia uma vantagem concorrencial em relação aos pequenos construtores na adjudicação dos contratos públicos. Por conseguinte, a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação no que respeita ao interesse do W5 no cartel.

4. Sobre o quarto erro de facto, relativo à inexistência de impacto do cartel na concorrência no mercado da construção rodoviária

a) Argumentos das partes

72

A recorrente acusa a Comissão de ter considerado que o preço do betume representava um custo muito importante para as empresas de construção rodoviária, quando a própria recorrente indicou, na resposta à comunicação de acusações, que o custo de aquisição do betume apenas representava cerca de 1,5% do custo total de uma obra rodoviária e que os outros construtores membros do W5 confirmaram a veracidade desse número à Comissão. Como as diferenças de preços relacionadas com o desconto especial concedido ao W5 só representam 1%, a recorrente pressupõe que a Comissão só manteve essa falsa afirmação para demonstrar o caráter bilateral do acordo. Além disso, considera que o facto de os grandes construtores exigirem um desconto importante é apenas um aspeto da respetiva estratégia de aquisição e não constituía um instrumento de limitação da concorrência. Finalmente, considera que a Comissão não pode apresentar um elemento de prova na fase jurisdicional.

73

A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal

74

Há que recordar, a título preliminar, que o objetivo e o efeito anticoncorrenciais de um acordo são condições não cumulativas, mas alternativas, para determinar se esse acordo é abrangido pela proibição enunciada no artigo 81.o, n.o 1, CE. Ora, o caráter alternativo desta condição, marcado pela conjunção «ou», leva à necessidade de considerar, em primeiro lugar, o próprio objeto do acordo, tendo em conta o contexto económico em que o mesmo deve ser aplicado. Todavia, no caso de a análise do teor do acordo não revelar um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência, devem então examinar-se os seus efeitos e, para lhe impor a proibição, exigir que estejam reunidos elementos que provem que o jogo da concorrência foi efetivamente impedido ou restringido ou falseado de modo sensível. Por outro lado, não é necessário apreciar os efeitos de um acordo quando o seu objeto anticoncorrencial está demonstrado (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C-501/06 P, C-513/06 P, C-515/06 P e C-519/06 P, Colet., p. I-9291, n.o 55). No caso vertente, a Comissão apenas tinha portanto a obrigação de demonstrar que os acordos visavam impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência, sem ser obrigada a demonstrar os efeitos anticoncorrenciais concretos dos referidos acordos.

75

Resulta da decisão impugnada que a Comissão considerou que os acordos que fixam o preço bruto do betume, um desconto especial mínimo concedido ao W5 bem como um desconto máximo concedido aos pequenos construtores visavam prejudicar a concorrência no setor da construção rodoviária e que a tomada em consideração dos efeitos concretos dos referidos acordos era assim supérflua para determinar se estavam abrangidos pela proibição enunciada no artigo 81.o, n.o 1, CE (considerandos 155 a 160). Assim, a Comissão só examinou os efeitos dos referidos acordos, nos considerandos 79 a 86 e 169 a 174, a título subsidiário.

76

A recorrente considera que a Comissão cometeu um erro de apreciação no que respeita ao impacto do cartel no mercado da construção rodoviária, nomeadamente devido à pequena percentagem que o custo de aquisição do betume representa no custo total de uma obra (1,5%). A Comissão põe em causa este número, indicando que a recorrente utilizou um método de cálculo muito extensivo e que um documento público do serviço estatístico neerlandês salientava, em 2006, o impacto do preço do betume nos custos dos trabalhos rodoviários. A recorrente contesta a admissibilidade desse documento como elemento de prova, uma vez que só foi apresentado na fase jurisdicional.

77

Sem que seja necessário apreciar a admissibilidade desse documento, basta observar que, no caso em apreço, a Comissão se baseou noutros elementos para demonstrar que o desconto especial concedido ao W5 tinha um impacto sobre a concorrência no setor da construção rodoviária. Com efeito, na decisão impugnada, sem quantificar a parte do custo do betume na construção rodoviária, a Comissão todavia observou que «o importante para o W5 era menos o nível absoluto do preço líquido do betume do que o facto de beneficiar de uma vantagem relativa sobre os construtores rodoviários que não fazem parte do W5», podendo essa vantagem relativa «permitir-lhe ganhar concursos públicos de obras que impliquem um consumo relativamente elevado de betume» (considerandos 70 e 153 da decisão impugnada). Esta afirmação funda-se em vários documentos concordantes do processo administrativo. Em primeiro lugar, na sua resposta à comunicação de acusações, a recorrente indicou assim que «os preços líquidos do betume representavam, por conseguinte, o preço de custo real do betume para o construtor rodoviário individual» e que, «[p]ara este, esses preços [eram], portanto, o ponto de partida para o cálculo do preço de custo de uma tonelada de asfalto enquanto componente de obras de construção rodoviária». Em segundo lugar, na sua nota interna de 9 de fevereiro de 1995, a SNV sublinhou que o W5 «atribuía grande importância à possibilidade de ter os mais baixos preços de compra relativamente à concorrência», sendo o nível absoluto de preços muito menos importante. Em terceiro lugar, na sua declaração de 9 de outubro de 2003, a Kuwait Petroleum precisou que os grandes construtores podiam saber se um fornecedor tinha violado os acordos do cartel oferecendo um maior desconto a um pequeno construtor graças ao Cobouw, jornal diário neerlandês que elenca os concursos públicos e os resultados das adjudicações no setor da construção nos Países Baixos (considerando 70 da decisão impugnada). Por último, num relatório, datado de 31 de outubro de 2001, de uma visita à Van Kessel, um pequeno construtor, a Veba, um fornecedor, confirmou que o mais importante para esse construtor não era o preço absoluto, mas sim a obtenção do menor preço possível.

78

Consequentemente, o Tribunal considera que estes elementos permitem demonstrar que o desconto especial concedido ao W5 tinha um impacto sobre a concorrência no setor da construção rodoviária, sem que seja necessário pronunciar-se sobre a parte precisa do custo do betume no custo total de uma obra rodoviária.

79

A recorrente entende, além disso, que o facto de os grandes construtores exigirem um desconto importante era apenas um aspeto da respetiva estratégia de compra, a qual era eficaz, mas que não constituía um instrumento de limitação da concorrência. No entanto, há que recordar que, à luz do direito da concorrência, os acordos coletivos sobre os preços e os descontos especiais celebrados coletivamente são, em princípio, proibidos e não são apenas um aspeto da respetiva estratégia comercial, ao contrário das meras negociações comerciais bilaterais entre duas empresas.

80

Resulta do exposto que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação no que respeita ao impacto do acordo no mercado da construção rodoviária.

5. Sobre o quinto erro de facto, relativo ao funcionamento do cartel: origem e evolução no tempo do cartel e mecanismo de sanções

a) Argumentos das partes

81

A recorrente sustenta que Comissão cometeu três erros de facto relativos ao funcionamento do cartel.

82

Em primeiro lugar, enquanto diversas declarações concordantes de fornecedores (BP, Kuwait Petroleum e Nynas) e um documento interno da recorrente demonstram que só os fornecedores estiveram na iniciativa do cartel, a Comissão optou por citar as declarações em sentido contrário da SNV na decisão impugnada.

83

Em segundo lugar, a Comissão tinha-se enganado sobre a evolução no tempo do cartel. Assim, não houve qualquer discussão entre o W5 e os fornecedores antes de 1996, data a partir da qual ocorreram reuniões que mais não eram do que formalidades, não se diferenciando estas das discussões bilaterais entre um fornecedor e um comprador individual, nomeadamente das realizadas por cada pequeno fabricante. Foi apenas a partir de 1999 que a situação evoluiu, tendo o W5 julgado útil adotar uma posição comum antes de cada reunião com os fornecedores devido à acentuada evolução dos preços do betume e à descoberta de um desconto importante concedido aos pequenos construtores.

84

Em terceiro lugar, a Comissão analisou erradamente o papel dos grandes construtores na aplicação do mecanismo sancionatório. Com efeito, estes só exigiram uma única vez, em abril de 2000, um desconto coletivo adicional na sequência da descoberta de um importante desconto concedido aos pequenos construtores. Nessa ocasião, a sociedade ExxonMobil, que a Comissão considerou não fazer parte do cartel, também concedeu um desconto suplementar ao W5. A Comissão não dispõe de nenhum elemento que lhe permita demonstrar a aplicação de um mecanismo sancionatório noutras ocasiões. Além disso, vários elementos constantes do processo da Comissão permitem concluir que os pequenos construtores também exigiam beneficiar dos preços, após desconto, mais baixos do mercado.

85

A Comissão contesta todos estes argumentos.

b) Apreciação do Tribunal

86

No que diz respeito ao primeiro argumento, referente aos elementos de prova relativos à origem do cartel, a Comissão baseou-se em diversos documentos concordantes para atribuir aos fornecedores e aos grandes construtores, conjuntamente, a origem do cartel. Há que recordar, a título preliminar, que as declarações de fornecedores mencionados no considerando 70 da decisão impugnada, e que a recorrente invoca, apenas respeitam às reuniões preparatórias dos fornecedores e não fornecem nenhum elemento relativo à origem do cartel.

87

Vários documentos contemporâneos do início do cartel permitem, em contrapartida, corroborar a tese da Comissão segundo a qual o W5 tinha o mesmo interesse na criação do cartel que os fornecedores. Assim, na nota interna da SNV de 6 de fevereiro de 1995, é feita referência à preocupação dos grandes construtores face à instabilidade dos preços do betume em 1994 que «punha em perigo o preço CROW e as adjudicações». Além disso, uma nota interna de 9 de fevereiro de 1995 da SNV confirma o caráter bilateral do cartel, que qualifica de «cooperação entre dois cartéis». De igual modo, um relatório da Wintershall de 20 de fevereiro de 1922 menciona o facto de a recorrente ter contactado a SNV para lhe pedir que apresentasse propostas sobre as possibilidades de cooperação futura entre os fornecedores e o W5. Por último, numa nota interna de 8 de julho de 1994, a HBG dava conta da sua preocupação face à decisão dos fornecedores de não cumprirem os acordos celebrados em março de 1994.

88

O Tribunal entende que foi corretamente que a Comissão considerou que esses documentos permitiam concluir que o W5 estava, juntamente com os fornecedores, na origem do cartel. As instruções do secretariado interno da recorrente, que esta invoca, nas quais se indica que a iniciativa das concertações dos grandes construtores com os fornecedores provinha da SNV, e que dizem sobretudo respeito à questão da identidade de líder do cartel, não podem, só por si, pôr em causa a conclusão retirada do exame dos documentos referidos.

89

No âmbito do segundo argumento, a recorrente acusa a Comissão de ter apreciado de forma errada a evolução do cartel no tempo. Resulta, todavia, da decisão impugnada que vários elementos de prova concordantes permitem confirmar a existência e a evolução da infração de 1994 a 2002 (considerandos 93 a 126).

90

Assim, relativamente a 1994 e 1995, a Comissão invoca elementos comprovativos da existência dos acordos entre os fornecedores e o W5 bem como do cumprimento desses acordos (considerandos 93 a 99 da decisão impugnada).

91

Além disso, segundo a decisão impugnada, embora o mecanismo de celebração dos acordos tivesse sido alterado em 1996, deixando a SNV e a recorrente a partir dessa data de estar encarregadas de celebrar elas próprias acordos por conta do conjunto dos participantes no cartel, essa mudança organizacional não afetou porém os elementos abrangidos pelo cartel (considerando 100).

92

De igual modo, nenhum elemento permite considerar que as reuniões do cartel mudaram de natureza em 1999, e nomeadamente que foi a partir dessa data que os grandes construtores se reuniram a fim de preparar as reuniões com os fornecedores. Assim, resulta da resposta da recorrente de 12 de setembro de 2003 a um pedido de informações que os membros do W5 se reuniam imediatamente antes (ou depois) das concertações com os fornecedores a fim de preparar (ou avaliar) coletivamente a concertação (considerando 72 da decisão impugnada). Diversos fornecedores também confirmaram que os grandes construtores se reuniam antes da reunião do cartel para a preparar (considerandos 73 a 75 da decisão impugnada). Além disso, a circunstância de as relações entre os dois grupos do cartel terem passado a ser mais tensas a partir de 1999 não tem qualquer influência na qualificação destas reuniões do ponto de vista do direito da concorrência. Por último, o argumento da recorrente que visa qualificar as reuniões havidas nos primeiros anos do cartel de simples discussões bilaterais entre fornecedores e clientes deve ser rejeitado, já que acordos coletivos sobre os preços e os descontos especiais concedidos de forma coletiva não podem ser comparados a negociações comerciais bilaterais entre duas empresas.

93

A propósito do terceiro argumento, a recorrente considera que a Comissão sobreavaliou o papel desempenhado pelo W5 no mecanismo sancionatório, que só foi desencadeado uma única vez, em 2000. Considera, além disso, que as ameaças regulares do W5 de mudar de fornecedores constituíam um comportamento comercial idêntico ao adotado pelos pequenos construtores.

94

Resulta, porém, da decisão impugnada que a Comissão se baseou corretamente em vários elementos concordantes reveladores da existência de sanções financeiras individuais ou, pelo menos uma vez, coletivas aplicadas pelo W5 aos fornecedores que haviam concedido descontos demasiado importantes aos pequenos construtores, bem como da mudança de fornecedor em caso de descoberta de tais descontos. Assim, num relatório interno da Wintershall de 4 de março de 1996, relativo a uma visita à Heijmans, faz-se referência a tais sanções em 1995 (considerando 82 da decisão impugnada). De igual modo, um relatório da HBG de 14 de setembro de 1999 relativo à concertação dá conta de uma pergunta sobre o importante desconto concedido a dois pequenos construtores (considerando 83 da decisão impugnada). Em relação ao ano de 2000, a própria recorrente e a BP revelam a existência de uma multa coletiva aplicada aos fornecedores na sequência da descoberta do desconto concedido à Krekel, um pequeno construtor (considerando 84 da decisão impugnada). A Kuwait Petroleum também confirmou o mecanismo de sanções nas suas declarações de 9 de outubro de 2003 (considerando 85 da decisão impugnada). A BP chegou mesmo a declarar, em 16 de setembro de 2003, em resposta a um pedido de informações, que a recorrente tinha renunciado a abastecer-se na Veba, em 2002, na sequência da descoberta de um desconto importante concedido a um pequeno construtor (considerando 86 da decisão impugnada). Na nota interna da SNV de 9 de fevereiro de 1995, é também referida uma ameaça de diminuição dos fornecimentos de betume caso sejam feitas ofertas competitivas a grandes construtores não membros do W5 (considerando 86 da decisão impugnada). Na sua declaração de 12 de setembro de 2003, a Kuwait Petroleum confirmou que, se um fornecedor concedesse a um pequeno construtor um desconto superior ao fixado, o W5 ameaçava deixar de se abastecer junto desse fornecedor (considerando 86 da decisão impugnada). Por último, num documento de 4 de maio de 2001 relativo à concertação, a recorrente também menciona uma multa aplicada à Nynas devido à sua política de preços (considerando 117 da decisão impugnada), o que foi confirmado pela Kuwait Petroleum na sua declaração de 12 de setembro de 2003 (considerando 118 da decisão impugnada). O facto de a Nynas ter indicado, na resposta que por escrito deu a certas questões da Comissão, que só uma vez havia sido aplicada uma punição coletiva não basta para pôr em causa a existência de uma sanção individual que lhe foi aplicada.

95

O Tribunal entende que foi corretamente que a Comissão considerou que estes documentos faziam referência, de forma precisa, ao mecanismo da multa coletiva aplicada aos fornecedores pelo W5 em 2000. Além disso, revelam, no seu conjunto, que existia um mecanismo individual e coletivo de sanções para o caso de não cumprimento dos acordos do cartel durante toda a sua duração. As sanções consistiam quer numa suspensão das encomendas ao fornecedor que tivesse violado os referidos acordos, quer numa multa aplicada ao fornecedor culposo ou a todos os fornecedores.

96

Resulta, assim, do exposto que a Comissão não cometeu um erro de apreciação no que respeita à origem do cartel, à sua evolução no tempo e ao mecanismo de sanções.

6. Sobre o sexto erro de facto, relativo ao papel da ExxonMobil no cartel

a) Argumentos das partes

97

A recorrente considera que a Comissão cometeu um erro de facto ao renunciar a qualquer referência à ExxonMobil na decisão impugnada quando, na comunicação de acusações, considerara que a ExxonMobil tinha cumprido integralmente os acordos do cartel, dos quais era regularmente informada. A título de exemplo, a ExxonMobil tomou a seu cargo uma parte importante do desconto adicional concedido ao W5 a título de sanção em abril de 2000, como o demonstra a nota de crédito transmitida à recorrente pela ExxonMobil em 15 de novembro de 2000. Este elemento é importante para compreender o funcionamento do cartel, que agrupava o conjunto dos fornecedores.

98

A Comissão recorda que não dispunha de provas suficientes para demonstrar a participação da ExxonMobil no cartel.

b) Apreciação do Tribunal

99

Verifica-se que o argumento da recorrente é inoperante, uma vez que, mesmo que fosse procedente, era insuscetível de afetar a legalidade da decisão impugnada na parte em que esta diz respeito à recorrente (acórdãos do Tribunal Geral de 5 de junho de 1996, Günzler Aluminium/Comissão, T-75/95, Colet., p. II-497, n.o 55; de 27 de fevereiro de 1997, FFSA e o./Comissão, T-106/95, Colet., p. II-229, n.o 199; e de 14 de maio de 2002, Graphischer Maschinenbau/Comissão, T-126/99, Colet., p. II-2427, n.o 49). Com efeito, mesmo admitindo que existem provas suficientes da participação de ExxonMobil no cartel, este elemento não basta para pôr em causa a existência da infração nem a participação da recorrente nessa infração. Mesmo que se demonstrasse que a ExxonMobil também participou no cartel e, portanto, que o conjunto dos fornecedores do mercado tinha participado no cartel, isso não modificaria a apreciação da Comissão no que respeita à existência de factos constitutivos de uma infração ao artigo 81.o, n.o 1, CE ou à participação da recorrente nessa infração.

100

Há, portanto, que rejeitar este argumento e, assim, todos os argumentos da recorrente relativos a erros de facto cometidos pela Comissão na decisão impugnada e apresentados em apoio do seu pedido de anulação desta.

C — Erros de direito

1. Observações introdutórias

101

A recorrente acusa a Comissão de ter cometido cinco erros na qualificação jurídica dos factos à luz do artigo 81.o CE. Salienta, designadamente, que a Comissão prestou mais atenção ao desconto especial concedido ao W5 do que ao cartel sobre os preços e a repartição do mercado criado exclusivamente pelos fornecedores.

102

Este argumento não é sustentado pelos factos. Com efeito, resulta dos considerandos 155 a 159 da decisão impugnada que a Comissão analisou os diferentes elementos dos acordos (fixação dos preços, desconto uniforme para o W5, desconto menor para os outros construtores) à luz das disposições do artigo 81.o, n.o 1, CE, sem privilegiar um elemento em detrimento de outro.

2. Sobre o primeiro erro de qualificação jurídica dos factos, relativo à não participação dos grandes construtores no cartel dos fornecedores

a) Argumentos das partes

103

A recorrente considera que, na sua apreciação do comportamento dos grandes construtores à luz do artigo 81.o CE, a Comissão imputou-lhes erradamente a totalidade dos comportamentos dos fornecedores. A simples circunstância de não se terem queixado dos fornecedores a uma autoridade da concorrência não basta para os tornar autores da infração.

104

A Comissão recorda que os interesses dos fornecedores e os dos grandes construtores coincidem suficientemente para justificar um comportamento anticoncorrencial de ambas as partes.

b) Apreciação do Tribunal.

105

O Tribunal recorda que se deve tomar globalmente em consideração os acordos celebrados entre o W5 e os fornecedores, acordos esses que diziam simultaneamente respeito ao preço bruto, ao desconto mínimo concedido ao W5 e ao desconto máximo aplicável aos pequenos construtores (v. n.os 44 a 53, supra), e que foi corretamente que a Comissão procedeu a essa apreciação global dos acordos em causa para os qualificar à luz das disposições do artigo 81.o, n.o 1, CE. Esta apreciação global dos acordos não pode contudo ser equiparada à imputação do comportamento dos fornecedores aos grandes construtores.

3. Sobre o segundo erro de qualificação jurídica dos factos, relativo à inexistência de objeto anticoncorrencial do cartel

a) Argumentos das partes

106

A recorrente considera que a Comissão não provou que o comportamento do W5 tinha um objeto anticoncorrencial, em detrimento dos consumidores finais.

107

Com efeito, por um lado, o juiz da União recordou que, se um acordo que visa limitar o comércio paralelo deve, em princípio, ser considerado como tendo por objeto restringir a concorrência, é porque se pode presumir que priva os consumidores finais das suas vantagens (acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, GlaxoSmithKlein Services/Comissão, T-168/01, Colet., p. II-2969, n.o 121). Ora, o único objetivo do W5 era o de obter o desconto mais vantajoso possível, o que tinha sido tornado possível graças ao volume das compras efetuadas pela totalidade dos membros do W5 e que acabou por beneficiar os consumidores finais.

108

Por outro lado, a recorrente sublinha que a procura de uma estabilidade dos preços de compra não constitui, por si só, um objetivo de restrição da concorrência.

109

A Comissão rejeita os argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal

110

Há que recordar que, para ser abrangido pela proibição enunciada no artigo 81.o, n.o 1, CE, um acordo deve ter «por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum». Segundo jurisprudência constante, o caráter alternativo deste requisito, indicado pela conjunção «ou», conduz, antes de mais, à necessidade de considerar o objeto do próprio acordo, tendo em conta o contexto económico no qual se integra. Contudo, se a análise das cláusulas deste acordo não revelar um grau suficiente de nocividade em relação à concorrência, há que examinar então os efeitos do acordo e, para que o mesmo possa ser objeto da proibição, exigir a reunião dos fatores que determinam que a concorrência foi de facto impedida, restringida ou falseada de forma apreciável (acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de junho de 1966, LTM, 56/65, Colet.,1965-1968, p. 381, 387 e 388, e de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C-209/07, Colet., p. I-8637, n.o 15; acórdão do Tribunal Geral de 9 de julho de 2009, Peugeot e Peugeot Nederland/Comissão, T-450/05, Colet., p. II-2533, n.o 43). Para determinar se um acordo é proibido pelo artigo 81.o, n.o 1, CE, a apreciação dos seus efeitos concretos é por conseguinte supérflua quando se verifique que o acordo tem por objeto impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Coletânea 1965-1968, p. 423, 435, e de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C-105/04 P, Colet., p. I-8725, n.o 125). Este exame deve ser efetuado à luz do conteúdo do acordo e do contexto económico em que se inscreve (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de março de 1984, CRAM e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, Recueil, p. 1679, n.o 26; de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão, C-551/03 P, Colet., p. I-3173, n.o 66; e Beef Industry Development Society e Barry Brothers, já referido, n.o 16). Finalmente, este método de análise é de aplicação geral e não está reservado para uma categoria de acordos [acórdão do Tribunal Geral de 2 de maio de 2006, O2 (Germany)/Comissão, T-328/03, Colet., p. II-1231, n.o 67].

111

A recorrente não pode invocar o acórdão GlaxoSmithKlein Services/Comissão, n.o 107, supra (n.o 121), uma vez que, segundo o Tribunal de Justiça, «o artigo 81.o CE visa, a exemplo de outras regras de concorrência enunciadas no Tratado, proteger não apenas os interesses dos concorrentes ou dos consumidores, mas a estrutura do mercado e, deste modo, a concorrência em si mesma» e que, «por isso, a declaração da existência de objetivo anticoncorrencial de um acordo não pode ficar subordinada a que os consumidores finais fiquem privados das vantagens de uma concorrência eficaz em termos de aprovisionamento ou de preços» (acórdão GlaxoSmithKlein Services e o./Comissão e o., n.o 74, supra, n.os 62 a 64). Interrogada pelo Tribunal na audiência, a própria recorrente reconheceu que, à luz dessa jurisprudência, este argumento tinha poucas possibilidades de singrar.

112

Trata-se, portanto, de determinar, no caso vertente, se os acordos em causa tinham um objeto anticoncorrencial.

113

O n.o 1 do artigo 81.o CE menciona expressamente como acordo proibido o facto de «fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação» e o «aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes, colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência». Ora, decorre dos n.os 49 a 58, supra, que, no caso vertente, os acordos tinham por objetivo, por um lado, fixar os preços de compra e venda do betume e, por outro, conceder um desconto preferencial aos membros do W5. A própria natureza desses acordos basta, assim, para considerar que tinham por objeto impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum.

114

O argumento da recorrente segundo o qual esses acordos visavam obter uma estabilidade dos preços de compra não é suficiente para pôr em causa esta conclusão. Com efeito, há que relembrar que esses acordos devem ser apreciados no seu conjunto e que, de qualquer modo, a procura de uma estabilidade dos preços não difere da fixação dos preços de compra (acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Archer Daniels Midland/Comissão, T-329/01, Colet., p. II-3255, n.o 197).

115

O Tribunal considera que resulta do que precede que a Comissão fez prova bastante de que o comportamento dos membros do W5 e dos fornecedores tinha um objetivo anticoncorrencial.

4. Sobre o terceiro erro de qualificação jurídica dos factos, relativo à recusa da Comissão de aplicar as disposições do artigo 81.o, n.o 3, CE e das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal

a) Argumentos das partes

116

Segundo a recorrente, a Comissão cometeu um erro na qualificação jurídica dos factos ao considerar que a circunstância de o W5 negociar coletivamente um desconto não podia ser qualificada de «aquisições coletivas», na aceção das disposições do artigo 81.o, n.o 3, CE, as quais eram permitidas pelas orientações sobre a aplicação do artigo 81.o [CE] aos acordos de cooperação horizontal (JO 2001, C 3, p. 2; a seguir «orientações sobre os acordos de cooperação horizontal»).

117

Sublinha, antes de mais, que, na decisão impugnada, a Comissão apreciou o seu comportamento apenas à luz do artigo 81.o, n.o 3, CE, e não à luz das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal, que, de qualquer modo, interpretou de uma forma demasiado restritiva. Essas orientações eram-lhe todavia aplicáveis, uma vez que dizem respeito aos comportamentos dos compradores no seu próprio mercado de venda e que a Comissão não demonstrou que o W5 tinha determinado o preço bruto conjuntamente com os fornecedores. No caso em apreço, o W5 tinha assim posto em prática uma concertação destinada a obter preços de compra mais vantajosos, no interesse do consumidor final, equivalentes a um organismo de compra comum.

118

Além disso, a Comissão teria cometido vários erros de apreciação na análise do seu comportamento à luz das disposições do artigo 81.o, n.o 3, CE. Assim, a Comissão tinha, antes de mais, efetuado um paralelismo errado entre os conceitos de compra e de venda comum, só esta última sendo proibida pelo artigo 81.o CE. A isto acresce, segundo a recorrente, que cabia à Comissão proceder a uma análise do poder de mercado dos grandes construtores, a fim de examinar se podiam efetivamente restringir a concorrência, tendo em conta o facto de que os pequenos construtores conseguiam sistematicamente obter um desconto superior ao concedido ao W5.

119

Além disso, a recorrente contesta o considerando 157 da decisão impugnada, no qual a Comissão indica que, individualmente, os membros do W5 não adquiriam necessariamente quantidades superiores às adquiridas por um pequeno construtor. Considera, com efeito, que essa afirmação não assenta em nenhuma prova, já que a Comissão não pediu aos pequenos construtores dados relativos às suas compras, e que, portanto, mais não é do que uma simples hipótese. De qualquer modo, um fornecedor podia muito bem conceder um desconto maior a uma sociedade que adquire volumes menores por motivos comerciais específicos, nomeadamente quando o potencial de compras dessa sociedade seja importante. Do mesmo modo, o facto de a negociação do W5 com os fornecedores só consistir em fixar um desconto coletivo mínimo, que podia vir posteriormente a aumentar individualmente, mostra que o comportamento do W5 era conforme ao direito da concorrência.

120

Por último, a recorrente põe em causa o considerando 313 da decisão impugnada, no qual a Comissão afirma que os grandes construtores restringiam a concorrência entre si, uma vez que cada grande construtor negociava bilateralmente o montante do seu desconto com o fornecedor. Acresce que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de setembro de 2000, Pavlov e o., C-180/98 a C-184/98, Colet., p. I-6451, n.os 92 e segs.), uma regulamentação que só produz efeitos restritivos a respeito de um único fator de custo, que é, além disso, pouco importante, não provoca uma restrição sensível da concorrência. Ora, no caso em apreço, a recorrente recorda que o betume apenas representa 1,5% dos custos totais de uma empresa de construção rodoviária.

121

A Comissão rejeita a totalidade dos argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal

122

A título preliminar, o Tribunal recorda que resulta de jurisprudência constante que compete às empresas que solicitam o benefício de uma isenção, ao abrigo do artigo 81.o, n.o 3, CE, demonstrar, com base em provas documentais, o caráter justificado de uma isenção. Nesta perspetiva, não se pode acusar a Comissão de não ter proposto outras soluções nem de não ter indicado o que considerava justificar a concessão de uma isenção (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão, 43/82 e 63/82, Recueil, p. 19, n.o 52, e acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T-191/98, T-212/98 a T-214/98, Colet., p. II-3275, n.o 220). Compete unicamente à Comissão, a título da sua obrigação de fundamentação, mencionar os elementos de facto e de direito e as considerações que a levaram a tomar uma decisão que indefere o pedido de isenção, sem que a recorrente possa exigir que ela discuta todas as questões de facto e de direito que suscitou no decurso do procedimento administrativo (acórdão do Tribunal Geral de 21 de fevereiro de 1995, SPO e o./Comissão, T-29/92, Colet., p. II-289, n.os 262 e 263). Conclui-se, portanto, que cabe à recorrente demonstrar que a Comissão cometeu um erro de direito ou de facto ao recusar conceder-lhe uma isenção ao abrigo do artigo 81.o, n.o 3, CE.

123

No caso vertente, a Comissão expôs, nos considerandos 162 a 168 da decisão impugnada, as razões pelas quais considerava que a participação do W5 nos acordos não constituía aquisições coletivas, na aceção das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal. Assim, a Comissão recorda, no considerando 163 da decisão impugnada, que essas disposições não visam autorizar genericamente os acordos de cooperação horizontal, antes expondo os princípios que permitem a sua apreciação à luz das disposições do artigo 81.o CE, podendo esses acordos gerar problemas de concorrência. No caso vertente, a Comissão precisa, no considerando 165 da decisão impugnada, que os acordos em causa tinham por objetivo restringir a concorrência e tinham repercussões para empresas não participantes (fixação dos preços para todos os construtores dos Países Baixos e determinação dos limites máximos de desconto para os pequenos construtores). Além disso, e de qualquer modo, como foi corretamente indicado pela Comissão no considerando 166 da decisão impugnada, o W5 não procedeu a aquisições quando dessas negociações com os fornecedores, as quais só se destinavam a fixar preços e descontos, comportamento que o ponto 124 das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal qualifica de acordo dissimulado. Além disso, importa sublinhar que o W5 concluiu esses acordos com um grupo de vendedores que também tinha um comportamento colusório. Finalmente, as disposições do artigo 81.o, n.o 3, CE não são, de qualquer modo, aplicáveis, uma vez que, segundo o ponto 133 das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal, os acordos de compra não podem ser isentos se impuserem restrições não indispensáveis à realização dos benefícios económicos conferidos pelos acordos. Com efeito, no caso em apreço, os acordos em causa impunham restrições aos pequenos construtores sob a forma de descontos limitados, restrições que visavam terceiros e não indispensáveis à realização das vantagens económicas pretendidas.

124

Contrariamente ao que a recorrente afirma, resulta do exposto que a Comissão não se limitou a apreciar o seu comportamento à luz apenas do artigo 81.o, n.o 3, CE, mas também teve em conta as orientações sobre os acordos de cooperação horizontal.

125

A recorrente considera, além disso, que a Comissão cometeu um erro de direito ao entender que as orientações sobre os acordos de cooperação horizontal não autorizavam nenhum comportamento específico, antes expondo os princípios condutores da apreciação desses acordos à luz das disposições do artigo 81.o CE. Resulta, porém, claramente do seu ponto 1 que o seu objeto é expor «os princípios para a apreciação dos acordos de cooperação horizontal nos termos do artigo 81.o CE». A Comissão não cometeu, portanto, um erro de direito relativamente a este aspeto.

126

A recorrente considera, também, que a Comissão cometeu um erro de direito ao equiparar a compra comum à venda comum, quando só esta é proibida pelas orientações sobre os acordos de cooperação horizontal. Assim, no considerando 159 da decisão impugnada, tinha acrescentado um requisito que impõe aos compradores que adotem um comportamento autónomo no mercado, apesar de as orientações sobre os acordos de cooperação horizontal não imporem essa condição. Resulta, no entanto, do considerando 159 da decisão impugnada, relativo à aplicação das disposições do artigo 81.o, n.o 1, CE, e não à das disposições do artigo 81.o, n.o 3, CE, que a Comissão se limitou a responder ao argumento, apresentado por algumas empresas durante o procedimento administrativo, referente às especificidades do mercado neerlandês e que essa instituição não pretendeu interpretar as orientações sobre os acordos de cooperação horizontal. Este argumento deve pois ser rejeitado.

127

A recorrente acusa igualmente a Comissão de não ter procedido a uma análise do poder de mercado dos membros do W5 para determinar se este tinha o poder de efetivamente restringir a concorrência. No entanto, a Comissão considera, acertadamente, que não era obrigada a proceder a tal análise, uma vez que não se tratava de um acordo de cooperação por meio do qual os adquirentes visavam funcionar como contrapeso dos vendedores, mas de um acordo coletivo sobre os preços entre dois grupos. Por outro lado, resulta do considerando 24 da decisão impugnada que a Comissão precisou, a título preliminar, que os membros do W5 detinham 36 das 51 centrais de revestimento existentes nos Países Baixos em 2002, ou seja, mais de 70%. Além disso, importa indicar que, nos termos das disposições do ponto 18 das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal, não é necessário apreciar os efeitos reais sobre a concorrência e o mercado dos acordos que têm por objeto restringir a concorrência através da fixação de preços, da limitação da produção ou da partilha dos mercados ou dos clientes, já que se presume que esses acordos produzem efeitos negativos no mercado. Como a Comissão considerou que os acordos em causa visavam por natureza restringir a concorrência (considerando 165 da decisão impugnada), não lhe cabia, portanto, proceder a uma análise aprofundada do poder de mercado dos membros do W5.

128

A recorrente considera ainda que a Comissão cometeu um erro de facto ao afirmar, sem qualquer prova, que, individualmente, os membros do W5 não adquiriam necessariamente quantidades superiores às adquiridas por um pequeno construtor. Resulta, no entanto, da decisão impugnada que a Comissão se baseou em vários elementos de prova para considerar que o desconto de que beneficiava o W5 não estava ligado ao volume das compras dos seus membros e que o desconto específico de que beneficiavam visava lesar os outros construtores (v. n.os 50 e 51, supra). Por outro lado, a circunstância de cada membro do W5 procurar obter um desconto adicional para além do coletivo em função das quantidades adquiridas constitui um indício suplementar de que o desconto coletivo não estava ligado ao volume das compras do W5.

129

Por último, a recorrente contesta a afirmação da Comissão segundo a qual os acordos tinham por objeto restringir a concorrência (considerandos 166 e 313 da decisão impugnada). A Comissão considera que esses acordos, por um lado, não restringiram a concorrência entre os membros do W5 e, por outro, não limitaram a concorrência entre o conjunto dos construtores, já que o betume representa apenas 1,5% dos custos totais dessas empresas. Resulta, porém, da decisão impugnada que, ao fixar em conjunto com os fornecedores, que cobriam 80% do mercado, o preço bruto e o desconto para a totalidade das suas aquisições futuras, os membros do W5 limitaram a concorrência que podia existir entre si. Além disso, embora seja verdade que o Tribunal de Justiça pôde considerar, no caso específico de uma regulamentação que impunha a inscrição obrigatória num regime de pensões complementar, que esse regime não afetava a concorrência (acórdão Pavlov e o., n.o 120, supra, n.o 95), a Comissão já demonstrou corretamente, a título exaustivo, que, no presente caso, o desconto especial concedido ao W5 tinha um impacto sobre a concorrência no setor da construção rodoviária, dado o mecanismo dos concursos existentes no setor da construção rodoviária (v. n.os 69 a 73, supra).

130

Resulta do exposto que a Comissão não cometeu qualquer erro de direito ou de qualificação jurídica dos factos ao recusar-se a considerar que a participação do W5 nos acordos constituía «aquisições coletivas», na aceção das disposições do artigo 81.o, n.o 3, CE, permitidas pelas orientações sobre os acordos de cooperação horizontal.

5. Sobre o quarto erro de qualificação jurídica dos factos, relativo à incorreta definição do mercado em causa e à errada apreciação da posição dos grandes construtores no mercado

a) Argumentos das partes

131

A recorrente considera que a Comissão cometeu um erro na qualificação jurídica dos factos ao definir de modo demasiado restritivo o mercado em causa para apreciar a posição do W5. Assim, segundo o ponto de vista defendido pelos fornecedores, a Comissão limitou a sua apreciação do mercado em causa com o único objetivo de demonstrar que os grandes construtores detinham uma quota de mercado de 49,5% do lado das aquisições (considerando 29 da decisão impugnada). A recorrente recorda que as críticas formuladas a respeito da definição do mercado acolhida pela Comissão não podem ter uma dimensão autónoma relativamente às respeitantes ao prejuízo para a concorrência (acórdão do Tribunal Geral de 16 de dezembro de 2003, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied e Technische Unie/Comissão, T-5/00 e T-6/00, Colet., p. II-5761, n.o 123).

132

Assim, em primeiro lugar, considera que a Comissão não forneceu razões suficientes para excluir o betume industrial do mercado em causa, designadamente ao não indicar que não existia oferta de substituição pertinente.

133

Em segundo lugar, contesta a decisão da Comissão de limitar geograficamente o mercado em causa aos Países Baixos. Com efeito, só a Kuwait Petroleum teria ainda produzido betume nos Países Baixos durante o período da infração, já que os outros fornecedores importavam o betume vendido nos Países Baixos da Bélgica e da Alemanha e possuíam uma organização de venda estruturada ao nível do Benelux. Assim, a Comissão teria descurado indícios claros que demonstravam a existência de uma concertação transfronteiriça entre fornecedores. Do mesmo modo, tinha rejeitado sem razão as afirmações concordantes de vários grandes construtores, segundo as quais o mercado neerlandês do betume tinha sido isolado dos outros mercados pelos fornecedores, que os impediam de se abastecer no estrangeiro (considerando 174 da decisão impugnada). Porém, se a Comissão tivesse tomado em consideração a Bélgica e o oeste da Alemanha na sua definição do mercado em causa, a quota de mercado detida pelo W5 teria sido inferior a 15%. Ora, as orientações sobre os acordos de cooperação horizontal indicam que, em caso de aquisição comum por várias empresas, estas não possuem poder de mercado quando as suas quotas de mercado cumuladas sejam inferiores a 15%.

134

A Comissão contesta a totalidade dos argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal

135

No quadro da aplicação do artigo 81.o CE, a Comissão deve determinar se a prática concertada em causa é suscetível de afetar o comércio entre Estados-Membros e tem por objeto ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum. As partes não estão de acordo quanto à questão da extensão dessa obrigação que recai sobre a Comissão e sobre a definição do mercado em causa acolhida pela Comissão na decisão impugnada.

136

Segundo a jurisprudência, a definição de mercado relevante, no âmbito da aplicação do artigo 81.o, n.o 1, CE, tem por único objetivo determinar se o acordo em causa é suscetível de afetar o comércio entre Estados-Membros e tem por objeto ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum (despacho do Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro de 2006, Adriatica di Navigazione/Comissão, C-111/04 P, n.o 31; e conclusões do advogado-geral P. Mengozzi no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de julho de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C-511/06 P, Colet., p. I-5843, I-5848, n.os 196 e 197).

137

Por outro lado, como o Tribunal já precisou na sua jurisprudência, a obrigação de efetuar uma delimitação do mercado em causa numa decisão tomada nos termos do artigo 81.o CE não é absoluta, apenas se impondo à Comissão quando, sem essa delimitação, não seja possível determinar se o acordo em causa era suscetível de afetar o comércio entre Estados-Membros e tem por objeto ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no interior do mercado comum (acórdãos do Tribunal Geral de 6 de julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T-62/98, Colet., p. II-2707, n.o 230; de 8 de julho de 2004, Mannesmannröhren-Werke/Comissão, T-44/00, Colet., p. II-2223, n.o 132; e de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T-38/02, Colet., p. II-4407, n.o 99).

138

A definição do mercado relevante é necessária para verificar se, numa situação determinada, a condição prevista no artigo 81.o, n.o 3, alínea b), CE para declarar a inaplicabilidade do n.o 1 do mesmo artigo está preenchida [neste sentido, v. comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5) e acórdão do Tribunal Geral de 19 de março de 2003, CMA CGM e o./Comissão (T-213/00, Colet., p. II-913, n.o 226)], não o sendo para verificar se as três outras condições previstas no artigo 81.o, n.o 3, CE estão preenchidas (acórdão CMA CGM e o./Comissão, já referido, n.o 226).

139

No caso em apreço, por um lado, importa observar que a Comissão se recusou, com razão, a aplicar as disposições do artigo 81.o, n.o 3, CE, nomeadamente as do artigo 81.o, n.o 3, alínea b), CE (n. os 122 a 130 supra). Por outro lado, embora a recorrente sustente que a incorreta definição do mercado em causa acolhida pela Comissão teve um impacto na apreciação do poder de mercado dos membros do W5, que, na realidade, era muito menor do que o que lhes tinha sido atribuído, não contesta, no entanto, que os acordos em questão eram suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e tinham pelo menos por objeto estabilizar os preços de compra, o que, como ficou demonstrado (v. n.os 113 a 115, supra), conduziu, no presente caso, a restringir e falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum. Por conseguinte, a Comissão, como a aplicação que fez do artigo 81.o CE não exigia, neste caso, uma definição prévia do mercado pertinente, podia limitar-se a fazer referência ao produto abrangido pelo cartel e ao território abrangido.

140

A recorrente acusa a Comissão de não ter fornecido razões suficientes para excluir o betume industrial do mercado em causa, designadamente ao não indicar que não existia oferta de substituição pertinente. Tendo em conta a inexistência de obrigação de definição do mercado na esfera da Comissão, não se pode concluir que, a este respeito, tenha havido uma qualquer violação da obrigação de fundamentação (acórdão Groupe Danone/Comissão, referido no n.o 137, supra, n.o 99).

141

A recorrente sustenta, além disso, que a Comissão limitou erradamente a definição geográfica do mercado em causa aos Países Baixos, quando só uma única empresa petrolífera produzia betume no território dos Países Baixos e os outros fornecedores importavam o betume da Alemanha ou da Bélgica e que alguns dispunham de uma organização de venda para o Benelux. Resulta, no entanto, dos considerandos 27 e 28 da decisão impugnada que a Comissão teve em conta estes factos e referiu que a comercialização do betume se efetuava a um nível puramente nacional, dadas as exigências qualitativas nacionais, o mecanismo de resolução dos riscos e a estrutura de propriedade das centrais de revestimento.

142

Além disso, os indícios evocados pela recorrente para demonstrar a tese da existência de um cartel na Bélgica não são, por si sós, suficientes para demonstrar que a Comissão cometeu um erro de direito na definição do mercado em causa. De qualquer modo, esses indícios foram tidos em conta pela Comissão na decisão impugnada. Trata-se assim, por um lado, de um relatório manuscrito de uma concertação entre fornecedores (Nynas, Klöckner, SNV, BP, Smid & Hollander e Kuwait Petroleum) elaborado pela Kuwait Petroleum, com data de 4 de março de 1994, que mencionava a necessidade de «aumentar o nível de preços na Bélgica». Trata-se, por outro lado, de documentos que referem que a SNV possuía uma organização estruturada de venda ao nível do Benelux, estando um único manager encarregado da comercialização do betume no Benelux de 1993 a 1998, tal como a ExxonMobil, cujos organismos de venda eram geridos pelas mesmas pessoas nos Países Baixos e na Bélgica.

143

Resulta do exposto que a Comissão não cometeu qualquer erro de direito nem de qualificação jurídica dos factos ao definir o mercado em causa.

6. Sobre o quinto erro de qualificação jurídica dos factos, relativo à inexistência de efeitos indiretos induzidos no mercado a jusante da construção rodoviária

a) Argumentos das partes

144

Segundo a recorrente, a Comissão cometeu um erro na qualificação jurídica dos factos ao considerar que os acordos em causa tinham efeitos indiretos induzidos no mercado a jusante da construção rodoviária. Recorda que os custos de aquisição do betume constituem apenas uma pequena parte do volume de negócios das empresas de construção rodoviária nos Países Baixos, exceto nos raros casos de obras que unicamente implicam a entrega de grandes quantidades de asfalto (menos de 10% dos estaleiros), para as quais os construtores estão, de qualquer forma, em condições de negociar um desconto suplementar. Além disso, a Comissão não justificou por meio de cálculos a sua afirmação segundo a qual uma diferença mínima no preço de aquisição do betume podia constituir um elemento determinante na adjudicação de contratos públicos. Acresce que a Comissão também não demonstrou que o nível do preço bruto nos Países Baixos era superior ao do preço no estrangeiro. Com efeito, os dados relativos à evolução dos preços em vários países foram eliminados da versão não confidencial dos documentos provenientes dos fornecedores e vários documentos revelavam que o nível dos preços nos Países Baixos era, de facto, comparável ao dos países vizinhos.

145

A Comissão rejeita os argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal

146

A recorrente sustenta, em primeiro lugar, que a Comissão não fez prova de que o preço do betume, que representa apenas uma parte muito pouco significativa dos custos de uma obra rodoviária, possa ter um impacto sobre a concorrência provocando efeitos induzidos indiretos no mercado a jusante da construção rodoviária. Importa porém recordar que, de acordo com os n.os 74 a 79 e 110 a 115, supra, os acordos tinham por objeto impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência. Assim, a Comissão não tinha de demonstrar os efeitos anticoncorrenciais concretos dos referidos acordos.

147

A recorrente acusa ainda a Comissão de não ter suficientemente demonstrado que o nível do preço bruto nos Países Baixos era superior ao praticado nos países vizinhos durante o período da infração. Todavia, resulta da decisão impugnada (considerando 174) que a Comissão se baseou em vários documentos apreendidos no âmbito das suas averiguações, designadamente uma nota interna da SNV de 9 de fevereiro de 1995, que faz menção de algumas diferenças de preços que eram, à primeira vista, injustificáveis entre os Países Baixos e os países vizinhos, e na declaração da Kuwait Petroleum datada de 9 de outubro de 2003, que também menciona uma diferença de preço entre os Países Baixos e os seus vizinhos. A Comissão também se baseou em notas apreendidas nas instalações da recorrente, relativas às reuniões de concertação ocorridas em 12 de abril de 2000 e 29 de janeiro de 2002. Relativamente a 2000, essas notas indicam que o nível dos preços líquidos nos Países Baixos era superior em 25 NLG ao dos preços na Bélgica (considerando 111 da decisão impugnada). De igual modo, relativamente a 2002, essas notas revelam que o preço líquido nos Países Baixos era de 183 EUR contra 162 euros na Alemanha e na Bélgica e 158 euros em França (considerando 123 da decisão impugnada). Estes elementos de prova concordantes são suficientes para demonstrar que o nível do preço bruto era mais elevado nos Países Baixos do que nos países vizinhos.

148

Além disso, como a recorrente critica a Comissão por ter tornado confidenciais os dados dos fornecedores relativos às evoluções dos preços em vários países, cabe sublinhar que, não tendo sido feita prova de nenhuma prática anticoncorrencial nos países vizinhos, os fornecedores tinham o direito de qualificar de segredo comercial as informações relativas aos preços praticados nesses países.

149

Resulta do que precede que a Comissão não cometeu um erro de qualificação jurídica dos factos ao considerar que os acordos em causa tinham efeitos indiretos no mercado a jusante da construção rodoviária.

150

Por conseguinte, há que rejeitar o conjunto dos argumentos da recorrente relativos a erros de direito cometidos pela Comissão na decisão impugnada, apresentados em apoio do pedido de anulação desta.

D — Quanto à violação de formalidades essenciais e dos direitos de defesa

1. Argumentos das partes

151

O terceiro e último fundamento apresentado pela recorrente em apoio do seu pedido de anulação é relativo à violação de formalidades essenciais e dos direitos de defesa pela Comissão, que não lhe teria transmitido todas as respostas das outras empresas à comunicação de acusações.

152

A recorrente considera que a simples transmissão das passagens de respostas nas quais a Comissão pretendia basear-se expressamente na sua decisão era, para este efeito, insuficiente. Considera que a comunicação do conjunto das respostas era absolutamente necessária, dado o caráter horizontal e vertical do cartel e o preconceito da Comissão em favor dos fornecedores. Por fim, sublinha que não é apenas à Comissão que cabe determinar as respostas à comunicação de acusações a que deve ser permitido o acesso.

153

A Comissão rejeita a totalidade dos argumentos da recorrente.

2. Apreciação do Tribunal

154

Resulta dos autos que, em 24 de maio de 2006, a Comissão comunicou à recorrente os extratos das respostas das outras empresas à comunicação de acusações em que pretendia basear-se como elemento de prova na decisão impugnada. A recorrente formulou observações sobre esses documentos em 12 de junho de 2006 e pediu o acesso ao conjunto das respostas das outras empresas à comunicação de acusações, mas a Comissão não deferiu esse pedido.

a) Princípios gerais relativos ao acesso aos documentos posteriores à comunicação das acusações

155

O artigo 27.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 está assim redigido:

«Os direitos da defesa das partes interessadas serão plenamente acautelados no desenrolar do processo. As partes têm direito a consultar o processo em poder da Comissão, sob reserva do interesse legítimo das empresas na proteção dos seus segredos comerciais. Ficam excluídos da consulta do processo as informações confidenciais e os documentos internos da Comissão e das autoridades dos Estados-Membros responsáveis em matéria de concorrência.»

156

Na Comunicação da Comissão relativa às regras de acesso ao processo nos casos de aplicação dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], artigos 53.°, 54.° e 57.° do Acordo EEE e do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho (JO 2005, C 325, p. 7), a Comissão definiu no ponto 8 o «processo da Comissão» como «todos os documentos que foram obtidos, elaborados e/ou recolhidos pela Direção-Geral da Concorrência da Comissão durante a investigação». No n.o 27 desta comunicação, a Comissão precisa o seguinte:

«O acesso ao processo será concedido mediante pedido, normalmente uma única vez, na sequência da notificação às partes da comunicação de objeções da Comissão, por forma a garantir o princípio da paridade de meios e para proteger os seus direitos de defesa. Por conseguinte, regra geral não será concedido acesso às respostas das outras partes às objeções da Comissão.

Contudo, uma parte terá acesso aos documentos recebidos após a notificação da comunicação de objeções em fases posteriores do procedimento administrativo, quando tais documentos possam constituir novos elementos de prova — quer de acusação quer de defesa — no que se refere às alegações formuladas relativamente a essa parte na comunicação de objeções da Comissão. Trata-se, em especial, de casos em que a Comissão pretende utilizar novos elementos de prova.»

157

É jurisprudência assente que o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo suscetível de conduzir à aplicação de sanções, nomeadamente coimas ou multas, constitui um princípio fundamental do direito da União, que deve ser observado mesmo tratando-se de um procedimento de natureza administrativa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colet., p. 217, n.o 9, e de 2 de outubro de 2003, ARBED/Comissão, C-176/99 P, Colet., p. I-10687, n.o 19). A este propósito, o Regulamento n.o 1/2003 prevê o envio às partes de uma comunicação de acusações que deve indicar, de forma clara, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do processo. Essa comunicação de acusações constitui a garantia processual que ilustra o princípio fundamental do direito comunitário que exige o respeito dos direitos de defesa em todo processo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C-322/07 P, C-327/07 P e C-338/07 P, Colet., p. I-7191, n.os 34 e 35).

158

Importa lembrar que o acesso à documentação, nos processos de concorrência, tem nomeadamente por objeto permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos de prova que constam do processo da Comissão, a fim de se poderem pronunciar de forma útil sobre as conclusões a que a Comissão chegou, na comunicação de acusações, com base nesses elementos. O acesso ao processo faz parte das garantias processuais que se destinam a proteger os direitos de defesa e a assegurar, em especial, o exercício efetivo do direito de ser ouvido (v. acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, referido no n.o 122, supra, n.o 334 e jurisprudência referida). O direito de acesso ao processo implica que a Comissão faculte à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo de instrução e que possam ser pertinentes para a sua defesa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de outubro de 2003, Corus UK/Comissão, C-199/99 P, Colet., p. I-11177, n.o 125, e acórdão do Tribunal Geral de 29 de junho de 1995, Solvay/Comissão, T-30/91, Colet., p. II-1775, n.o 81). Estes incluem elementos de prova tanto de acusação como de defesa, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais (acórdãos do Tribunal de Justiça Hoffmann-La Roche/Comissão, referido no n.o 157, supra, n.os 9 e 11, e de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C-204/00 P, C-205/00 P, C-211/00 P, C-213/00 P, C-217/00 P e C-219/00 P, Colet., p. I-123, n.o 68).

159

Segundo a jurisprudência, apenas no início da fase contraditória administrativa é que a empresa em causa é informada, através da comunicação de acusações, de todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseou nesta fase do processo. Por conseguinte, a resposta que as outras partes apresentaram à comunicação de acusações não está, em princípio, incluída no conjunto dos documentos do processo instrutório que as partes podem consultar (acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2009, Hoechst/Comissão, T-161/05, Colet., p. II-3555, n.o 163). Porém, se a Comissão pretender basear-se numa passagem de uma resposta à comunicação de acusações ou num documento anexo a essa resposta para comprovar a existência de uma infração num processo de aplicação do artigo 81.o, n.o 1, CE, devem ser dadas às outras partes envolvidas nesse processo as condições para se pronunciarem sobre esse elemento de prova (v. acórdãos do Tribunal Geral de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, dito «cimento», T-25/95, T-26/95, T-30/95 a T-32/95, T-34/95 a T-39/95, T-42/95 a T-46/95, T-48/95, T-50/95 a T-65/95, T-68/95 a T-71/95, T-87/95, T-88/95, T-103/95 e T-104/95, Colet., p. II-491, n.o 386, e de 27 de setembro de 2006, Avebe/Comissão, T-314/01, Colet., p. II-3085, n.o 50 e jurisprudência referida).

160

Acresce que, segundo a jurisprudência relativa ao acesso aos documentos do processo administrativo anterior à comunicação de acusações, a não comunicação de um documento só constitui violação dos direitos de defesa se a empresa em causa demonstrar, por um lado, que a Comissão se baseou nesse documento para escorar a sua acusação relativa à existência de uma infração (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden-Industrie-Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.os 7 e 9, e acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.o 158, supra, n.o 71), e, por outro, que essa acusação só pode ser provada por referência ao dito documento (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de outubro de 1983, AEG-Telefunken/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151, n.os 24 a 30; acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.o 158, supra, n.o 71; e acórdão Solvay/Comissão, referido no n.o 158, supra, n.o 58). O Tribunal de Justiça estabelece, a este propósito, uma distinção entre os documentos de acusação e os documentos de defesa. Se se tratar de um documento de acusação, cabe à empresa em questão demonstrar que o resultado a que a Comissão chegou teria sido diferente se esse documento não tivesse sido tido em conta. Em contrapartida, tratando-se da não comunicação de um documento de defesa, a empresa em causa deve demonstrar apenas que a sua não divulgação pode ter influenciado, em seu prejuízo, o desenrolar do processo e o conteúdo da decisão da Comissão (v., neste sentido, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.o 158, supra, n.os 73 e 74). Esta distinção é igualmente válida para os documentos posteriores à comunicação de acusações (acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T-43/02, Colet., p. II-3435, n.os 351 a 359).

161

Importa ainda precisar que a não comunicação sistemática das respostas das outras empresas à comunicação de acusações não é contrária ao princípio do respeito dos direitos de defesa. Como foi recordado supra, este princípio implica que a Comissão deve, durante o processo administrativo, transmitir às empresas em causa todos os factos, circunstâncias ou documentos nos quais se baseia, para lhes permitir dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e circunstâncias alegadas e sobre os documentos utilizados pela Comissão em apoio das suas alegações.

162

Por último, a recorrente não pode invocar a jurisprudência segundo a qual não é apenas à Comissão, que notifica as acusações e profere a decisão que aplica uma sanção, que cabe determinar os documentos úteis à defesa da empresa em causa (acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.o 158, supra, n.o 126, Solvay/Comissão, referido no n.o 158, supra, n.os 81 e 83, e Atlantic Container Line e o./Comissão, referido no n.o 122, supra, n.o 339). Com efeito, esta consideração, relativa aos documentos constantes do processo da Comissão, não se pode aplicar às respostas dadas por outras partes em causa às acusações comunicadas por esta.

b) Aplicação ao caso vertente

163

No caso em apreço, a recorrente considera que lhe deveria ter sido permitido o acesso ao conjunto das respostas das outras empresas à comunicação de acusações, pois podiam conter elementos úteis à sua defesa.

164

Deve recordar-se que cabia à recorrente fornecer um começo de prova de que a sua não divulgação podia influenciar, em seu detrimento, o desenrolar do processo e o conteúdo da decisão da Comissão. A recorrente limitou-se, no entanto, a alegar de forma geral, muito vaga e puramente especulativa que as respostas das outras empresas à comunicação de acusações lhe poderiam fornecer elementos de defesa em razão do caráter horizontal e vertical do cartel e do suposto preconceito da Comissão favorável aos fornecedores, e não apresentou qualquer indicação específica que constitua um começo de prova nesse sentido.

165

Além disso, como sublinha a Comissão, é pouco provável, num cartel, que uma sociedade forneça elementos suscetíveis de minimizar o papel de outra sociedade no cartel, mesmo que, como no caso vertente, o facto de o cartel ter sido organizado entre dois grupos com interesses potencialmente divergentes explique que cada parte tenha tido tendência para minimizar o seu papel no cartel em detrimento da outra. Em todo o caso, segundo a jurisprudência, o simples facto de outras empresas terem podido aduzir os mesmos argumentos que a recorrente na sua resposta à comunicação de acusações não pode constituir um elemento de defesa (acórdão Jungbunzlauer/Comissão, referido no n.o 160, supra, n.os 353 a 356). Assim, a recorrente não apresentou nenhum começo de prova da utilidade de uma eventual transmissão das respostas das outras empresas à comunicação de acusações.

166

Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não violou os direitos de defesa da recorrente ao recusar comunicar-lhe a totalidade das respostas à comunicação de acusações.

167

Resulta do exposto que o pedido de anulação da petição deve ser julgado improcedente.

II — Quanto ao pedido de supressão ou de redução da coima

168

Em apoio do seu pedido de supressão ou de redução da coima, a recorrente apresenta dois fundamentos, relativos, o primeiro, a erros de facto e de direito no cálculo do montante de base da coima e, o segundo, a erros de facto e de direito e à violação dos direitos de defesa na ponderação das circunstâncias agravantes.

169

A título preliminar, importa sublinhar que, no quadro do seu pedido de supressão ou de redução da coima, a recorrente parece pedir ao Tribunal que exerça a sua competência de plena jurisdição quase exclusivamente para efeitos da correção de erros de facto e de direito que a Comissão terá cometido. Com efeito, excetuando a acusação relativa ao caráter desproporcionado do aumento da coima devido à recusa de cooperação, nenhum argumento aduzido em apoio dos fundamentos apresentados parece exigir do Tribunal o exercício da sua competência de plena jurisdição para efeitos da substituição da apreciação da Comissão pela sua. Consequentemente, o Tribunal deve, no caso vertente, determinar se os referidos erros existiram e, eventualmente, exercer o seu poder de plena jurisdição a fim de, se necessário, remediar essa situação.

170

A título subsidiário, importa precisar que, como se referiu supra, embora do pedido de supressão ou de redução da coima pareça resultar que a recorrente só pretende que o Tribunal exerça a sua competência de plena jurisdição no quadro quase exclusivo da apreciação da incorreção da fundamentação da Comissão, o Tribunal considera que, de qualquer modo, os argumentos apresentados pela recorrente em apoio do referido pedido não justificam uma apreciação diferente da da Comissão.

A — Quanto à determinação do montante de base da coima

171

O primeiro fundamento assenta em erros de facto e de direito que a Comissão terá cometido no cálculo do montante de base da coima. A recorrente considera, com efeito, que o montante de base da coima que lhe foi aplicada (17,1 milhões de euros) é demasiado elevado por quatro motivos.

1. Sobre a qualificação de infração muito grave

a) Argumentos das partes

172

Em primeiro lugar, a recorrente alega que foi erradamente que a Comissão qualificou o comportamento dos membros do W5 de infração muito grave, quando a negociação coletiva de um desconto o mais elevado possível no momento da compra para resistir a um cartel sobre os preços e a repartição do mercado criado entre os fornecedores não podia ser tratada da mesma forma que este cartel. Cabia assim à Comissão apreciar de forma distinta a gravidade do comportamento dos membros do W5, procedendo, nomeadamente, a uma análise das reais repercussões do comportamento em causa na concorrência. A Comissão era, além disso, obrigada a fundamentar a sua afirmação segundo a qual os grandes construtores deviam saber que a sua prática restringia a concorrência e a demonstrar que essa prática prejudicava os pequenos construtores, tal como o suposto aumento artificial dos preços do betume nos Países Baixos. Por último, recorda que a própria Comissão reconheceu, na comunicação de acusações, que os acordos secretos só diziam respeito aos fornecedores, e não aos grandes construtores, que pareciam pouco preocupados em dissimular os seus contactos. Os convites para as reuniões efetuavam-se, assim, através do seu secretariado e não foi elaborada nenhuma ata dessas reuniões devido à brevidade dos resultados das negociações e à inexistência de um acordo formal.

173

Em conclusão, a recorrente considera que, em conformidade com as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2 do artigo 15.o do Regulamento n.o 17 e do n.o 5 do artigo 65.o [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações para o cálculo das coimas»), a infração em causa poderia, quando muito, ser qualificada de pouco grave, o que corresponde a um montante de base máximo de um milhão de euros.

174

A Comissão rejeita a totalidade dos argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal.

175

Nos termos das disposições do ponto 1 das orientações para o cálculo das coimas, o montante de base da coima é determinado em função da gravidade e da duração da infração, sendo que a avaliação do grau de gravidade da infração deve ter em consideração o caráter da própria infração, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência. As orientações para o cálculo das coimas operam assim uma distinção entre as infrações pouco graves (restrições, frequentemente de caráter vertical, destinadas a limitar o comércio, mas cujo impacto no mercado é limitado), as infrações graves (restrições horizontais ou verticais cuja aplicação é mais rigorosa, sendo o impacto no mercado mais amplo) e as infrações muito graves (restrições horizontais do tipo cartel de preços e quotas de repartição de mercados, ou de outras práticas que afetam o bom funcionamento do mercado interno).

176

Importa recordar que, em conformidade com jurisprudência assente, a gravidade de uma infração é determinada tendo em conta vários elementos, como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas, dispondo a Comissão de um amplo poder de apreciação relativamente a eles (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C-189/02 P, C-202/02 P, C-205/02 P a C-208/02 P e C-213/02 P, Colet., p. I-5425, n.o 241, e de 10 de maio de 2007, SGL Carbon/Comissão, C-328/05 P, Colet., p. I-3921, n.o 43; acórdão do Tribunal Geral de 8 de outubro de 2008, Schunk e Schunk Kohlenstoff-Technik/Comissão, T-69/04, Colet., p. II-2567, n.o 153). Além disso, segundo a jurisprudência, quando da determinação do montante das coimas, há que tomar em consideração todos os elementos suscetíveis de entrar na apreciação da gravidade das infrações, tais como, nomeadamente, o papel desempenhado por cada uma das partes na infração e o risco que infrações deste tipo representam para os objetivos da União (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.os 120 e 129, e de 8 de novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.o 52; acórdão do Tribunal Geral de 27 de julho de 2005, Brasserie nationale e o./Comissão, T-49/02 a T-51/02, Colet., p. II-3033, n.os 168 a 183). Quando uma infração tenha sido cometida por diversas empresas, há que apreciar a gravidade relativa da participação de cada uma delas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de julho de 1999, Hercules Chemicals/Comissão, C-51/92 P, Colet., p. I-4235, n.o 110, e Montecatini/Comissão, C-235/92 P, Colet., p. I-4539, n.o 207).

177

O juiz da União também reconheceu a qualificação de infração muito grave devido à sua própria natureza em relação aos cartéis horizontais em matéria de preços e aos acordos que visam, designadamente, a repartição das clientelas ou a compartimentação do mercado comum (acórdãos do Tribunal Geral de 15 de setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T-374/94, T-375/94, T-384/94 e T-388/94, Colet., p. II-3141, n.o 136; Groupe Danone/Comissão, referido no n.o 137, supra, n.o 147; e de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T-53/03, Colet., p. II-1333, n.o 279). Estes acordos podem ser qualificados, em razão da sua própria natureza, de muito graves, sem que seja necessário que esses comportamentos se caracterizem por uma dimensão geográfica ou um impacto particulares (acórdão Brasserie nationale e o./Comissão, referido no n.o 176, supra, n.o 178). Ao invés, um cartel horizontal que cubra todo o território de um Estado-Membro e que tenha por objetivo uma partilha do mercado e uma compartimentação do mercado comum não pode ser qualificado de pouco grave, na aceção das orientações para o cálculo das coimas (acórdão Brasserie nationale e o./Comissão, referido no n.o 176, supra, n.o 181). Assim, contrariamente ao que afirma a recorrente, não competia à Comissão proceder a uma análise dos efeitos reais do comportamento em causa na concorrência para poder apreciar a gravidade da infração quando concluiu que os acordos tinham desfavorecido os pequenos construtores e aumentado artificialmente o nível do preço bruto nos Países Baixos.

178

No caso em apreço, a Comissão entendeu, nos considerandos 312 a 317 da decisão impugnada, que a recorrente tinha cometido uma infração muito grave ao artigo 81.o, n.o 1, CE. Sublinhou que uma infração que consiste em fixar direta ou indiretamente os preços de venda e de compra e em aplicar, a parceiros comerciais, condições desiguais a prestações equivalentes, impondo-lhes, assim, uma desvantagem concorrencial, faz parte das infrações por natureza mais graves. Além disso, indicou que os dois grupos envolvidos na infração deviam estar conscientes da natureza ilícita do cartel, já que os membros do W5 impuseram deliberadamente uma desvantagem concorrencial aos outros construtores. O caráter secreto dos acordos concluídos constituía, a este respeito, uma prova adicional de que os participantes estavam conscientes da sua natureza ilícita.

179

Há que salientar que a recorrente não contesta os elementos referidos no considerando 312 da decisão impugnada, a saber, que o cartel consistia em fixar direta ou indiretamente os preços de venda e de compra e em aplicar, a parceiros comerciais, condições desiguais a prestações equivalentes, impondo-lhes, assim, uma desvantagem concorrencial. Ora, os mecanismos assim descritos pela Comissão fazem parte das formas mais graves de infração à concorrência. A recorrente limita-se a procurar estabelecer uma distinção entre vários comportamentos relativos ao mesmo cartel, evocando o facto de que a Comissão devia ter distinguido o comportamento dos fornecedores do dos grandes construtores, tendo os primeiros sido responsáveis por um cartel sobre os preços e os segundos apenas tido de negociar um desconto coletivo no que respeita aos preços de aquisição. Como foi já referido anteriormente (v. n.os 49 a 58, supra), importa, no entanto, tomar em consideração os acordos celebrados globalmente entre o W5 e os fornecedores, que eram simultaneamente relativos ao preço bruto, ao desconto mínimo concedido ao W5 e ao desconto máximo aplicável aos pequenos construtores. Assim, as circunstâncias evocadas pela recorrente no caso vertente não são de molde a pôr em causa a validade da apreciação que a Comissão fez da gravidade da infração. Segue-se que não pode ser validamente contestada a conclusão da Comissão segundo a qual os acordos e as concertações em causa constituíam, pela sua própria natureza, uma infração muito grave.

180

Segundo a recorrente, a Comissão era obrigada a fundamentar a sua afirmação, que figura no considerando 313 da decisão impugnada, segundo a qual os grandes construtores deviam saber que a sua prática restringia a concorrência. Considera, além disso, que, para os grandes construtores, esses acordos não eram confidenciais. O juiz da União já declarou que a Comissão, para determinar a gravidade da infração, podia legitimamente ter em consideração o facto de as empresas terem tomado muitas precauções para evitar que fosse descoberto um cartel (acórdão Schunk e Schunk Kohlenstoff-Technik/Comissão, referido no n.o 176, supra, n.o 154). No presente caso, a Comissão indicou que o W5 também tinha celebrado acordos secretos, designadamente ao não enviar, por escrito, convites para as reuniões de concertação e ao não elaborar nenhuma ata das referidas reuniões. De qualquer modo, a redação do considerando 313 da decisão impugnada revela que os elementos aí mencionados o foram a título subsidiário relativamente aos relatados no considerando 312 da decisão impugnada. Nestas condições, mesmo admitindo que a contestação, pela recorrente, da tomada em conta do caráter secreto do acordo e da consciência do seu caráter ilícito pudessem ser julgadas procedentes, isso não pode levar a pôr em causa a apreciação da Comissão relativa à natureza da infração, como resulta da fundamentação relevante e bastante que consta do considerando 312 da decisão impugnada (v., neste sentido, acórdão Schunk e Schunk Kohlenstoff-Technik/Comissão, referido no n.o 176, supra, n.o 157).

181

Resulta do exposto que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação no que respeita à natureza muito grave da infração cometida pela recorrente. Há assim que julgar improcedente o pedido da recorrente destinado a obter a qualificação do cartel de infração pouco grave (acórdão Brasserie nationale e o./Comissão, referido no n.o 176, supra, n.o 181).

2. Sobre a errada apreciação do impacto do cartel no mercado

a) Argumentos das partes

182

Em segundo lugar, a recorrente acusa a Comissão de não ter avaliado o impacto do cartel no mercado quando fixou o montante de base da coima.

183

A Comissão considera que não era obrigada a ter em conta o impacto concreto do cartel no mercado em causa.

b) Apreciação do Tribunal

184

No considerando 314 da decisão impugnada, a Comissão indica que a determinação da gravidade da infração e do montante da coima não depende do impacto do cartel no mercado. Precisa que não é possível medir o impacto concreto do cartel devido à falta de informações sobre a evolução do preço do betume caso não houvesse acordos, mas que pode recorrer a estimativas dos efeitos do cartel. Para o efeito, salientou que os acordos celebrados foram efetivamente postos em prática, incluindo a aplicação de um desconto preferencial apenas aos membros do W5 e do mecanismo de sanções em caso de não cumprimento dos acordos, criando assim condições de mercado artificiais. Além disso, indicou que o nível do preço bruto nos Países Baixos era superior àquele em vigor nos países vizinhos e que o desconto específico concedido ao W5 podia desempenhar um papel determinante na obtenção de contratos públicos.

185

Nos termos das disposições do ponto 1 das orientações para o cálculo das coimas, o montante de base da coima é determinado «em função da gravidade e da duração da infração […], [devendo] a avaliação do grau de gravidade da infração […] ter em consideração o caráter da própria infração, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência».

186

O juiz da União confirmou que a Comissão não era obrigada a demonstrar o impacto concreto da infração no mercado, pois a questão de saber em que medida a restrição da concorrência conduziu a um preço de mercado superior ao que se verificaria caso não existisse cartel não é um critério determinante para a fixação do nível das coimas (acórdãos do Tribunal de Justiça, Musique Diffusion française e o./Comissão, referido no n.o 176, supra, n.os 120 e 129, e de 16 de novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, C-286/98 P, Colet., p. I-9925, n.os 68 a 77; v., igualmente, acórdão do Tribunal Geral de 19 de maio de 2010, KME Germany e o./Comissão, T-25/05, não publicado na Coletânea, n.o 82 e jurisprudência referida).

187

O Tribunal de Justiça recordou assim que resultava das orientações para o cálculo das coimas que a própria natureza da infração podia bastar para a qualificar de «muito grave», e isto independentemente do seu impacto concreto no mercado e da sua extensão geográfica (v. n.o 177, supra, e acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C-125/07 P, C-133/07 P, C-135/07 P e C-137/07 P, Colet., p. I-8681, n.o 103). Esta conclusão é corroborada pelo facto de, apesar de a descrição das infrações «graves» mencionar expressamente o impacto no mercado e os efeitos em amplas zonas do mercado comum, a das infrações «muito graves», em contrapartida, não mencionar nenhuma exigência relativa ao impacto concreto no mercado nem aos efeitos sobre uma zona geográfica particular (acórdão Groupe Danone/Comissão, referido no n.o 137, supra, n.o 150). O Tribunal de Justiça recordou igualmente que resulta do ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações para o cálculo das coimas, que esse impacto deve ser tomado em consideração apenas quando seja mensurável (acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de julho de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, referido no n.o 136, supra, n.o 125, e de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C-534/07 P, Colet., p. I-7415, n.o 74).

188

No caso em apreço, dada a natureza da infração em causa e o facto de a Comissão ter precisado, na decisão impugnada, que o impacto concreto da infração não era mensurável (considerandos 314 e 316), a Comissão não era obrigada a proceder a uma apreciação desse impacto concreto no mercado para qualificar a infração de muito grave.

189

Por outro lado, segundo a jurisprudência, se a Comissão considerar oportuno, para efeitos do cálculo da coima, ter em conta este elemento facultativo que é o impacto concreto da infração no mercado, quando mensurável, não se pode limitar a apresentar uma mera presunção, mas sim indícios concretos, credíveis e suficientes que permitam apreciar a influência efetiva que a infração pôde ter sobre a concorrência no referido mercado, uma vez que a consideração suplementar deste elemento permite à Comissão aumentar o montante de partida da coima para além do montante mínimo previsto de 20 milhões de euros fixado pelas orientações para o cálculo das coimas, sem outro limite que não seja o limite máximo de 10% do volume de negócios total realizado pela empresa em causa durante o exercício anterior, fixado para o montante global da coima no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 (acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, referido no n.o 187, supra, n.os 81 e 82).

190

No entanto, no caso vertente, como a Comissão indicou claramente na decisão impugnada que o impacto concreto da infração não era mensurável e que, portanto, não era tido em conta na determinação da gravidade da infração e do montante da coima, não pode ser acusada de ter precisado no considerando relativo ao impacto concreto do cartel no mercado que os acordos em causa tinham sido postos em prática. Também não será necessário examinar se os outros indícios que apresentou eram suficientes para demonstrar a influência efetiva que a infração teve na concorrência no referido mercado.

3. Sobre o caráter desproporcionado do montante de partida

a) Argumentos das partes

191

Em terceiro lugar, a recorrente entende que o montante de partida da sua coima de 9,5 milhões de euros é manifestamente desproporcionado atendendo ao seu volume de compras, que era de 7,7 milhões de euros em 2001. Entre outras coisas, a Comissão não tinha tido em conta o facto de o cartel, no que respeita aos grandes construtores, incidir sobre o preço de compra, e não sobre o preço de venda, e que esse preço de compra apenas representava uma parte mínima dos seus custos de produção, sobre os quais só realizava uma margem líquida antes de impostos inferior a 5%. Além disso, a Comissão deveria ter tido em conta o facto de ter repercutido essa redução dos seus custos de aquisição nas propostas feitas aos seus clientes.

192

A Comissão rejeita os argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal.

193

Nos termos do disposto no ponto 1 A, sexto parágrafo, das orientações para o cálculo das coimas, no caso de infrações em que participem várias empresas, poderá ser conveniente ponderar, em certos casos, os montantes determinados no interior de cada categoria de infração «a fim de ter em conta o peso específico e, portanto, o impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas que cometeram uma infração da mesma natureza». O sétimo parágrafo precisa assim que «o princípio da igualdade da sanção para um mesmo comportamento pode implicar, quando as circunstâncias o exijam, a aplicação de montantes diferenciados às empresas em causa sem que esta diferenciação se baseie num cálculo aritmético».

194

A Comissão indicou, nos considerandos 318 a 322 da decisão impugnada, que, para ter em conta a importância específica do comportamento ilícito de cada empresa envolvida no cartel e o seu impacto real na concorrência, distinguiu as empresas implicadas em função da sua importância relativa no mercado em causa. Dada a natureza particular do cartel, que dizia respeito aos vendedores e aos compradores de um mesmo produto na mesma área de atividade, avaliou a importância relativa dessas empresas pelas suas quotas de mercado calculadas com base no valor das vendas de betume rodoviário, pelos fornecedores, ou das compras de betume rodoviário, pelos construtores, em 2001, último ano completo da infração. Assim, classificou as empresas em seis categorias e colocou a recorrente na terceira, que agrupa quotas de mercado de 12,4 a 13,5%, obtendo um montante de partida de 9,5 milhões de euros para a recorrente. Por outro lado, indicou, no considerando 317 da decisão impugnada, que, mesmo que as infrações muito graves pudessem ser objeto de coimas superiores a 20 milhões de euros, tinha fixado esse montante em apenas 15 milhões de euros, pois a infração estava limitada ao betume rodoviário vendido num único Estado-Membro, o valor do mercado era relativamente baixo (62 milhões de euros em 2001) e o número de participantes elevado.

195

O juiz da União já declarou que a Comissão dispõe, no quadro do Regulamento n.o 1/2003, de uma margem de apreciação relativamente à fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência, e que compete ao Tribunal controlar se o montante da coima aplicada é proporcionado em relação à gravidade e à duração da infração e ponderar a gravidade da infração e as circunstâncias invocadas pela recorrente (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 21 de outubro de 2003, General Motors Nederland e Opel Nederland/Comissão, T-368/00, Colet., p. II-4491, n.o 189).

196

O juiz da União especificou também que, embora não prevejam que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios pertinente, as orientações para o cálculo das coimas não se opõem a que esses volumes de negócios sejam tomados em consideração na determinação do montante da coima, a fim de respeitar os princípios gerais do direito da União e quando as circunstâncias o exijam, e que a Comissão pode assim repartir as empresas em causa por várias categorias, baseando-se no volume de negócios realizado por cada empresa com os produtos em causa no processo (v., neste sentido, acórdão Schunk e Schunk Kohlenstoff-Technik/Comissão, referido no n.o 176, supra, n.os 176 e 177). De igual modo, a Comissão pode proceder a uma repartição das empresas em causa em função da sua importância no mercado, que pode ser medida, no caso de um cartel entre vendedores e compradores, por meio das respetivas quotas de mercado calculadas com base no valor de vendas ou das aquisições em causa.

197

Este método que consiste em repartir os membros de um cartel por categorias para efeitos da realização de uma diferenciação na fase da fixação dos montantes de base das coimas, cujo princípio foi aprovado pela jurisprudência, embora acabe por ignorar as diferenças de dimensão entre empresas de uma mesma categoria, conduz a um nivelamento do montante de partida fixado às empresas que pertençam a uma mesma categoria. Assim, a Comissão pode, designadamente, repartir as empresas em causa por várias categorias, procedendo, por exemplo, com recurso a parcelas de 5% ou de 10% de quotas de mercado. O juiz da União salienta, no entanto, que uma tal repartição deve respeitar o princípio da igualdade de tratamento e que o montante das coimas deve, pelo menos, ser proporcionado relativamente aos elementos tidos em conta na apreciação da gravidade da infração, devendo o juiz da União limitar-se a fiscalizar se essa repartição é coerente e objetivamente justificada (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 8 de outubro de 2008, SGL Carbon/Comissão, T-68/04, Colet., p. II-2511, n.os 62 a 70, e Hoechst/Comissão, referido no n.o 159, supra, n.os 123 e 124).

198

É jurisprudência assente que a Comissão não é obrigada, ao proceder à determinação do montante das coimas em função da gravidade e da duração da infração em questão, como foi recordado no ponto 1 A, sexto parágrafo, das orientações para o cálculo das coimas, a efetuar o cálculo da coima a partir de montantes baseados no volume de negócios das empresas em causa. De igual modo, no caso de um cartel entre vendedores e compradores, não está obrigada a proceder a esse cálculo com base no valor das vendas ou das aquisições das empresas em causa. É certo que a Comissão pode ter em conta o volume de negócios da empresa em causa ou, no caso de um cartel entre vendedores e compradores, o valor das vendas e das compras do produto em causa, mas não deve ser atribuída uma importância desproporcionada a esses números relativamente a outros elementos de apreciação. Por conseguinte, a Comissão conserva uma certa margem de apreciação em relação à oportunidade de efetuar uma ponderação das coimas em função da dimensão de cada empresa. Assim, não é obrigada, ao proceder à determinação do montante das coimas, a assegurar-se, no caso de as coimas serem aplicadas a várias empresas envolvidas numa mesma infração, de que os montantes finais das coimas traduzam uma diferenciação entre as empresas em causa no que respeita ao seu volume de negócios global (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C-407/04 P, Colet., p. I-829, n.os 141 a 144), ao seu volume de negócios no mercado do produto em causa (acórdão do Tribunal Geral de 29 de novembro de 2005, Union Pigments/Comissão, T-62/02, Colet., p. II-5057, n.o 159), ou, no caso de um cartel entre vendedores e compradores, ao montante das suas vendas ou compras no mercado em causa.

199

Também é jurisprudência assente que o facto de o método de cálculo exposto nas orientações para o cálculo das coimas não se basear no valor das vendas ou das compras das empresas envolvidas e permitir, por essa razão, que surjam disparidades entre as empresas no que diz respeito à relação entre o valor das respetivas vendas ou compras e o montante das coimas que lhes são aplicadas, não tem pertinência para se determinar se a Comissão violou os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, bem como o do caráter pessoal das penas (acórdão do Tribunal Geral de 6 de maio de 2009, Wieland-Werke/Comissão, T-116/04, Colet., p. II-1087, n.os 86 e 87).

200

Assim, ao Tribunal compete apenas verificar, no caso em apreço, se a repartição das empresas, efetuada pela Comissão, foi coerente e objetivamente justificada. Ora, como a Comissão indicou, nos considerandos 29 e 320 da decisão impugnada, que o presente processo respeita a um cartel entre vendedores e compradores do mesmo produto na mesma zona de atividades, há que definir uma única classificação em função do volume de negócios do produto em causa. Por conseguinte, embora o cartel dissesse respeito ao preço de compra dos grandes construtores e ao preço de venda dos fornecedores, a Comissão podia estabelecer uma única classificação, em função do valor das vendas ou das compras do produto em causa, sem violar as suas obrigações de coerência e de justificação objetiva. Por último, decorre da jurisprudência exposta anteriormente que a Comissão não era obrigada a tomar em consideração as circunstâncias, supondo-as demonstradas, segundo as quais a recorrente terá repercutido a redução dos seus custos de aquisição devido ao cartel nas propostas feitas aos seus clientes e o preço de compra do betume só representava parte mínima dos seus custos de produção.

4. Sobre a incorreta apreciação da duração da infração

a) Argumentos das partes

201

Em quarto e último lugar, a recorrente considera que, no máximo, participou na infração a partir de 1996, e não de 1994. Considera que a negociação de um desconto coletivo mínimo não pode ser considerada um acordo restritivo da concorrência e que a Comissão não demonstrou nem a existência de outra forma de negociação antes de 1996 nem que ela tinha celebrado acordos destinados a fixar, com os fornecedores, o desconto máximo que podia ser concedido aos pequenos construtores. Admite unicamente que, numa ocasião, em 2000, os grandes construtores negociaram coletivamente com os fornecedores um desconto suplementar, pois tinham-se apercebido de que estes não lhes concederiam qualquer desconto efetivo ligado ao volume das suas compras.

202

A Comissão rejeita os argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal.

203

Segundo o considerando 326 da decisão impugnada, a Comissão considera que a recorrente participou na infração de 1 de abril 1994 a 15 de abril de 2002. A recorrente considera que a Comissão cometeu um erro de facto ao não diferenciar o comportamento dos grandes construtores do dos fornecedores, dado que só estes puseram em prática um cartel antes de 1996.

204

Resulta, no entanto, de vários elementos dos autos que os grandes construtores já participavam no cartel antes de 1996, que já versava sobre o desconto especial concedido ao W5 (considerandos 175 a 178 da decisão impugnada). Assim, dois documentos apreendidos nas instalações da HBG em 28 de março e 8 de julho de 1994 referem acordos entre o W5 e os fornecedores sobre o preço bruto até 1 de janeiro de 1995 e sobre o desconto especial concedido ao W5 (considerandos 93 e 94 da decisão impugnada). Além disso, duas notas internas da SNV de 6 e 9 de fevereiro de 1995 fazem igualmente referência aos acordos sobre os preços e os descontos especiais concluídos entre o W5 e os fornecedores (considerando 89 da decisão impugnada). Por último, na sua resposta à comunicação de acusações, a recorrente indicou igualmente já ter tido lugar uma concertação distinta do W5 durante esse período (considerando 177 da decisão impugnada).

205

A recorrente contesta, além disso, a existência de um limite para o desconto concedido aos pequenos construtores, designadamente antes de 1996. Vários documentos confirmam, no entanto, a sua existência nas negociações do cartel já em 1994, como exposto no n.o 52, supra: declarações de fornecedores (considerandos 50, 53 e 54 e 82 a 86 da decisão impugnada), documentos contemporâneos da infração (considerandos 82 a 85, 93, 95, 108, 115, 116 e 153 da decisão impugnada) e respostas da recorrente a um pedido de informações da Comissão e à comunicação de acusações (considerandos 72, 97 e 119 da decisão impugnada).

206

Por conseguinte, este argumento também deve ser julgado improcedente.

207

Em conclusão, o fundamento relativo à existência de erros de facto e de direito no cálculo do montante de base da coima não pode ser acolhido.

B — Quanto às circunstâncias agravantes

208

O segundo fundamento é relativo a erros de facto e de direito e à violação dos direitos de defesa da recorrente na tomada em consideração das circunstâncias agravantes. A recorrente acusa a Comissão de ter injustamente agravado o montante da coima com base, por um lado, na sua falta de cooperação numa inspeção e, por outro, no seu papel de instigadora e de líder do cartel.

1. Sobre a circunstância agravante da recusa em colaborar na inspeção

a) Argumentos das partes

209

A recorrente considera que a decisão da Comissão de agravar o montante de base da sua coima em 10% por se ter recusado a cooperar na inspeção que a Comissão efetuou em 1 de outubro de 2002 e ter procedido a tentativas de obstrução durante essa inspeção é contestável por quatro motivos.

210

Em primeiro lugar, a Comissão violou os seus direitos de defesa por não a ter informado, na comunicação de acusações, de que os incidentes seriam tidos em conta no cálculo da coima. Embora a Comissão tenha mencionado os dois incidentes em causa na parte da comunicação de acusações respeitante ao processo, nada induzia no entanto a recorrente a concluir que a Comissão tinha a intenção de ter em conta esses elementos no cálculo da coima, uma vez que não lhes foi feita qualquer referência na parte da comunicação de acusações consagrada às circunstâncias agravantes. A recorrente também alega que não podia conhecer a prática da Comissão a esse respeito por meio do conteúdo das comunicações de acusações noutros processos, pois não são documentos públicos.

211

Em segundo lugar, a recusa de cooperação não tinha fundamento material, pois não se apurou nenhuma infração ao artigo 15.o, n.o 1, Regulamento n.o 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), que foi revogado e substituído pelo Regulamento n.o 1/2003, ou à decisão de diligências de instrução, tomada nos termos do artigo 14.o, n.o 3, do mesmo Regulamento (a seguir «decisão de diligências de instrução»). Resulta assim do primeiro auto de recusa que a secretária do diretor da recorrente pediu aos inspetores da Comissão que esperassem a chegada dos seus advogados externos antes de entrarem nas suas instalações. Esses inspetores recusaram conceder-lhe um prazo e requisitaram imediatamente as forças de polícia e forçaram o acesso aos escritórios, sem mesmo se informarem da eventual presença de um jurista interno suscetível de os receber e de lhes prestar assistência. Contrariamente ao que afirma a Comissão, este incidente não durou mais de 20 minutos. Além disso, a Comissão também violou os direitos de defesa da recorrente ao não lhe conceder um prazo razoável para recorrer a assistência jurídica, uma vez que não tinha nenhum jurista interno presente nos locais da inspeção. O segundo auto dá conta da recusa, pelos advogados externos da recorrente, de permitir aos inspetores o acesso ao escritório de um dos seus diretores que estava ausente, pois consideravam que aí não se encontrava qualquer documento relativo ao betume e que o mandato da Comissão não permitia aos inspetores aceder a esse escritório. A Comissão afirma ter tido de solicitar a assistência da autoridade neerlandesa da concorrência, que contactou as autoridades policiais, a fim de poder aceder a esse escritório. A recorrente considera, no entanto, que esse auto não reflete a realidade. Com efeito, embora os seus advogados tivessem começado por recusar o acesso ao referido escritório, rapidamente mudaram de opinião, o que, portanto, apenas representa um incidente menor e não uma tentativa de obstrução da investigação. O auto não refere que alguém tenha entrado nesse escritório e que meios de prova possam ter sido dissimulados durante esse curto lapso de tempo. Por último, a recorrente sublinha que os dois autos, lavrados em 3 de outubro de 2002, ou seja, após as referidas inspeções, só lhe foram comunicados no âmbito do acesso ao processo e que, por isso, não esteve em condições de apresentar as suas observações a tempo, verificando-se assim uma violação do princípio da boa administração da Justiça.

212

Em terceiro lugar, o agravamento da coima por recusa de cooperação é contrário às disposições do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 17 que estavam em vigor no momento dos factos e que previam uma coima máxima de 5000 euros para o caso de uma empresa não se submeter a uma decisão de diligências de instrução. Assim, a recorrente considera que a Comissão não se podia basear nas orientações para o cálculo das coimas para não aplicar essas disposições e que, ao pretender aplicar-lhe esse agravamento com base nas disposições do Regulamento n.o 1/2003, cometeu um abuso de poder.

213

Em quarto e último lugar, o agravamento da coima em 1,71 milhões de euros por recusa de cooperação é desproporcionado à luz dos factos descritos nos autos da Comissão.

214

A Comissão rejeita a totalidade dos argumentos da recorrente.

b) Apreciação do Tribunal

215

Resulta da decisão impugnada, designadamente dos seus considerandos 32, 340 e 341, que a Comissão procedeu, em 1 de outubro de 2002, a inspeções, nomeadamente nas instalações da recorrente, e que, então, esta, num primeiro momento, recusou a entrada no edifício aos agentes da Comissão enquanto aguardava a chegada dos seus advogados externos e, num segundo momento, se opôs a que acedessem ao escritório de um dos seus diretores. Assim, a Comissão solicitou a assistência das autoridades policiais a fim de proceder a essas diligências de instrução. Os agentes da Comissão lavraram dois autos de notícia sobre esses incidentes em 3 de outubro de 2002, que foram transmitidos à recorrente no âmbito do acesso aos elementos do processo concedido pela Comissão em 19 de outubro de 2004. A recorrente apresenta quatro argumentos para contestar a decisão da Comissão de agravar o montante de base da sua coima em 10% por esse motivo.

Sobre a violação dos direitos de defesa devido ao conteúdo da comunicação de acusações

216

Em primeiro lugar, a recorrente considera que, ao não lhe ter indicado na comunicação de acusações que a sua coima podia ser agravada devido a essas recusas de cooperação, a Comissão não respeitou os seus direitos de defesa. Resulta, porém, da comunicação de acusações que a Comissão mencionou as duas recusas de cooperação na parte relativa ao procedimento, precisando que constituíam infrações ao artigo 1.o da sua decisão de diligências de instrução de 26 de setembro de 2002 (n.o 85). A isto acresce que a Comissão, na parte da comunicação de acusações consagrada às medidas corretivas, recordou os princípios que regem a fixação das coimas, precisando que teria em conta, nomeadamente, eventuais circunstâncias atenuantes ou agravantes, sem mais esclarecimentos (n.o 361).

217

Segundo jurisprudência constante, desde que a Comissão indique expressamente, na sua comunicação de acusações, que vai examinar se há que aplicar coimas às empresas em causa e que também indique os principais elementos de facto e de direito suscetíveis de provocar a aplicação de uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infração, e o facto de esta ter sido cometida de forma deliberada ou por negligência, cumpre a sua obrigação de respeitar o direito das empresas de serem ouvidas. Atuando assim, fornece-lhes todos os elementos necessários para se defenderem, não apenas contra a declaração da infração, mas, igualmente, contra o facto de lhes ser aplicada uma coima (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, referido no n.o 176, supra, n.o 21, e acórdão do Tribunal Geral de 20 de março de 2002, ABB Asea Brown Boveri/Comissão, T-31/99, Colet., p. II-1881, n.o 78). No que se refere à determinação do montante das coimas, os direitos de defesa das empresas em causa são garantidos perante a Comissão através da possibilidade de apresentar observações sobre a duração, a gravidade e a previsibilidade do caráter anticoncorrencial da infração. Além disso, as empresas beneficiam de uma garantia suplementar, no que diz respeito à determinação do montante da coima, na medida em que o Tribunal decide com competência de plena jurisdição e pode, nomeadamente, suprimir ou reduzir a coima, de acordo com o artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003 (acórdão do Tribunal Geral de 6 de outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T-83/91, Colet., p. II-755, n.o 235; v., neste sentido, acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão, já referido, n.o 79). Destes elementos o juiz da União concluiu que a Comissão podia limitar-se a indicar, sem mais explicações, na comunicação de acusações, que teria em conta o papel individual desempenhado por cada empresa nos acordos em causa e que o montante da coima refletiria as eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes, uma vez que as orientações para o cálculo das coimas especificam as circunstâncias que podem ser consideradas agravantes (acórdão Groupe Danone/Comissão, referido no n.o 137, supra, n.os 50 a 56).

218

No caso em apreço, a Comissão, em conformidade com a jurisprudência supracitada, indicou expressamente, na sua comunicação de acusações (n.os 357 a 362), a sua intenção de aplicar coimas às empresas destinatárias e os elementos de facto e de direito que teria em conta no cálculo do montante da coima a aplicar à recorrente, de modo que, neste aspeto, o seu direito de ser ouvida foi respeitado. Mais particularmente no que respeita à circunstância agravante de recusa de cooperação na investigação aplicada à recorrente, há que salientar, por um lado, que as orientações para o cálculo das coimas a referem como exemplo de circunstância agravante e, por outro, que a Comissão indicou na comunicação de acusações que teria em conta o papel individual desempenhado por cada empresa nos acordos em causa e que o montante da coima refletiria as eventuais circunstâncias agravantes ou atenuantes (n.o 361). A recorrente não podia, por conseguinte, ignorar que a Comissão podia ter em conta esta circunstância agravante se chegasse à conclusão de que as suas condições de aplicação se encontravam reunidas. Por conseguinte, a Comissão não violou os seus direitos de defesa.

Sobre o erro na qualificação jurídica dos factos

219

Em segundo lugar, a recorrente considera que a Comissão cometeu um erro na qualificação jurídica dos factos ao qualificar os dois incidentes em causa como recusa de se submeter à decisão de diligências de instrução, na aceção das disposições do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 17, em vigor no momento das referidas diligências. Segundo a recorrente, era-lhe lícito pedir à Comissão que não procedesse às diligências até à chegada dos seus advogados externos, a fim de proteger os seus direitos de defesa, e que, de qualquer forma, os inspetores da Comissão puderam proceder muito rapidamente às diligências em causa.

– Quanto ao primeiro incidente

220

Resulta dos autos que inspetores da Comissão e funcionários da autoridade neerlandesa da concorrência se apresentaram na receção das instalações da recorrente em Utrecht em 1 de outubro de 2002, às 9h30, munidos de uma decisão da Comissão que ordena à recorrente que se submeta a uma decisão de diligências de instrução. A entrada do edifício foi-lhes, porém, recusada pela secretária do diretor, que lhes pediu para aguardarem a chegada dos advogados externos da recorrente numa sala de espera situada no rés-do-chão, e só acabou por ser autorizada após a chegada da polícia, chamada por funcionários da autoridade neerlandesa da concorrência, a pedido dos inspetores da Comissão. A Comissão considerou que esta recusa provocou um atraso de 47 minutos. A recorrente entende que tinha o direito de pedir à Comissão que aguardasse a chegada dos seus advogados, cujo escritório estava localizado na Haia (Países Baixos), ou seja, a uma distância de 60 km, uma vez que não dispunha de jurista interno na empresa.

221

O Tribunal salienta que a demandante se limita a afirmar que tinha o direito de exigir à Comissão que esperasse a chegada dos seus advogados externos, especializados em direito da concorrência, antes de começar a investigação prevista, sem invocar, para esse efeito, uma disposição regulamentar concreta do direito da União Europeia ou do direito neerlandês.

222

É verdade que o juiz da União já declarou que o mero exercício dos direitos de defesa não constitui uma recusa de cooperação, na aceção do ponto 2, segundo travessão, das orientações para o cálculo das coimas (acórdão do Tribunal Geral de 20 de março de 2002, HFB e o./Comissão, T-9/99, Colet., p. II-1487, n.o 478, confirmado, quanto a este aspeto, pelo acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.o 176, supra, n.o 353).

223

Além disso, segundo jurisprudência constante, o princípio jurídico do processo equitativo constitui um princípio geral do direito da União, que decorre dos direitos fundamentais, também baseado na Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), mais particularmente no seu artigo 6.o Assim, quando um recorrente invoca esse princípio, considera-se que implicitamente se referia à CEDH (conclusões do advogado-geral L. Gellhoed no processo que esteve na origem do acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 2007, Salzgitter Mannesmann/Comissão, C-411/04 P, Colet., pp. I-959, I-962, n.os 45 a 49).

224

Cabe, portanto, ao Tribunal responder a essa acusação examinando se a Comissão respeitou, no caso vertente, as garantias processuais decorrentes dos princípios gerais de direito da União e da CEDH. Além disso, importa ter em conta o artigo 47.o, n.os 1 e 2, e o artigo 48.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de dezembro de 2000 em Nice (JO C 364, p. 1), que, mesmo que não tivesse um efeito jurídico vinculativo comparável ao do direito primário no momento em que a decisão impugnada foi adotada, proporcionava, enquanto fonte de interpretação do direito, um esclarecimento sobre os direitos fundamentais garantidos pelo direito da União (acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho, C-540/03, Colet., p. I-5769, n.o 38, e de 13 de março de 2007, Unibet, C-432/05, Colet., p. I-2271, n.o 37).

225

Recorde-se, a este respeito, que, nos termos do artigo 6.o, n.o 3, alínea c), da CEDH, «o acusado tem [direito a] defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha» e que, de acordo com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, «toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar».

226

Antes de mais, o Tribunal salienta que nem o Regulamento n.o 17, aplicável à data em que ocorreram as investigações, nem o Regulamento n.o 1/2003, nem o Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO L 123, p. 18), incluem qualquer disposição sobre a presença de advogado nas diligências de instrução.

227

Por outro lado, há que esclarecer que o exercício dos direitos de defesa se inscreve principalmente no âmbito de processos judiciais ou administrativos destinados a fazer cessar infrações ou a verificar uma incompatibilidade legal. Em contrapartida, o processo de instrução a que se refere o artigo 14.o do Regulamento n.o 17 não visa pôr termo a uma infração ou verificar uma incompatibilidade ilegal, mas tem apenas por objetivo permitir à Comissão recolher a documentação necessária para verificar a realidade e o alcance de uma situação de facto e de direito determinada. Só se a Comissão considerar que os elementos de apreciação assim reunidos justificam a adoção de uma decisão que declare uma infração é que a empresa em causa deve, antes de essa decisão ser tomada, ser ouvida, nos termos do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 17. É precisamente esta diferença substancial entre as decisões tomadas no termo desse procedimento e as decisões de diligências de instrução que explica o teor do artigo 19.o, n.o 1, que, ao enumerar as decisões que a Comissão não pode tomar antes de ter dado aos interessados a possibilidade de exercer o seu direito de defesa, não menciona a prevista no artigo 14.o, n.o 3, do mesmo regulamento (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de junho de 1980, National Panasonic/Comissão, 136/79, Recueil, p. 2033, n.o 21).

228

O juiz da União entendeu, porém, que é necessário evitar que os direitos de defesa possam ficar irremediavelmente comprometidos no âmbito de processos de instrução prévia, entre os quais se incluem, designadamente, as diligências de instrução, que podem ter caráter decisivo para a produção de provas da natureza ilegal de comportamentos de empresas suscetíveis de implicar a respetiva responsabilidade. Por conseguinte, embora alguns direitos de defesa só digam respeito aos processos contraditórios que se seguem à comunicação de acusações, outros direitos, por exemplo o de ter assistência jurídica e o da proteção da confidencialidade da correspondência entre advogado e cliente, reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 18 de maio de 1982, AM & S Europe/Comissão (155/79, Recueil, p. 1575), devem ser respeitados logo na fase da investigação prévia (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, Colet., p. 2859, n.os 15 e 16; de 17 de outubro de 1989, Dow Benelux/Comissão, 85/87, Colet., p. 3137, n.o 27, e Dow Chemical Ibérica e o./Comissão, 97/87 a 99/87, Colet., p. 3165, n.os 12 e 13).

229

De qualquer modo, o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reconheceu, em matéria penal, que, embora o artigo 6.o da CEDH exija normalmente que o arguido possa beneficiar da assistência de um advogado logo nas primeiras fases dos interrogatórios de polícia, esse direito pode, no entanto, ser sujeito a restrições por razões válidas, e que é importante apurar sempre se, à luz de todo o processo, a restrição priva o acusado de um processo equitativo (v. TEDH, acórdão Murray c. Reino Unido de 8 de fevereiro de 1996, Recueil des arrêts et décisions, 1996, § 63).

230

Ora, no âmbito das disposições do artigo 14.o do Regulamento n.o 17, importa ter a certeza de que o respeito dos direitos de defesa não prejudica o efeito útil das inspeções, a fim de que a Comissão possa exercer as suas funções de guardiã do Tratado em matéria de concorrência (acórdão do Tribunal Geral de 11 de dezembro de 2003, Ventouris/Comissão, T-59/99, Colet., p. II-5257, n.o 122). O Tribunal de Justiça reconheceu assim que o poder de proceder a inspeções sem aviso prévio não constitui uma ofensa aos direitos fundamentais das empresas, pois os poderes conferidos à Comissão pelo artigo 14.o do Regulamento n.o 17 têm por objetivo permitir-lhe cumprir a missão que lhe é confiada pelo Tratado CE, que é a de velar pelo respeito das regras de concorrência no mercado interno, evitar que a concorrência seja falseada em detrimento do interesse geral, das empresas individuais e dos consumidores e concorrer para a manutenção do regime de concorrência pretendido pelo Tratado, cuja observância se impõe imperativamente às empresas (acórdão National Panasonic/Comissão, referido no n.o 227, supra, n.o 20).

231

É por este motivo que é necessário ponderar os princípios gerais do direito da União relativos aos direitos de defesa com o efeito útil do poder de investigação da Comissão, prevenindo a destruição ou a possível ocultação de documentos relevantes.

232

Por conseguinte, o Tribunal considera que a presença de um advogado externo ou de um jurista interno da empresa é possível quando a Comissão procede a uma diligência, embora a presença de um advogado externo ou de um jurista interno não possa condicionar a legalidade da verificação. Quando uma empresa o desejar, nomeadamente quando não disponha de jurista nos locais onde deve ocorrer a diligência, pode portanto solicitar os serviços de um advogado por telefone e pedir-lhe que para aí se desloque o mais rapidamente possível. A fim de que o exercício desse direito à assistência de um advogado não possa prejudicar o bom desenrolar da diligência, as pessoas encarregadas de a efetuar devem poder penetrar imediatamente em todos os locais da empresa, notificar-lhe a decisão que ordena a inspeção e ocupar os escritórios que pretendam, sem aguardar que a empresa tenha consultado o seu advogado. As pessoas encarregadas de efetuar a diligência devem igualmente ser colocadas em condições de controlar as comunicações telefónicas e informáticas da empresa, a fim de evitar, nomeadamente, que esta se ponha em contacto com outras empresas que também são objeto de uma decisão de diligências de instrução. Além disso, o prazo que a Comissão é obrigada a conceder a uma empresa para que esta possa entrar em contacto com o seu advogado, antes de começar a consultar os livros e outros documentos, a fazer cópias, a selar locais ou documentos ou a pedir explicações orais a qualquer representante ou membro do pessoal da empresa, depende das circunstâncias específicas próprias do caso e, de qualquer modo, só pode ser extremamente limitado e reduzido ao mínimo indispensável.

233

No presente caso, ao recusar-se a deferir o pedido da recorrente para que esperasse a chegada dos seus advogados externos numa sala de espera antes de lhe permitir entrar nas suas instalações, designadamente no gabinete do seu diretor-geral, a Comissão não desrespeitou os direitos de defesa da recorrente. Assim, a recusa desta em permitir o acesso ao seu edifício aos inspetores da Comissão antes da chegada dos seus advogados, que provocou um atraso de 47 minutos nas operações de verificação, deve ser qualificada de recusa em submeter-se à decisão de diligências de instrução, na aceção das disposições do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 17.

– Quanto ao segundo incidente

234

A recorrente considera que o incidente ocorrido na tarde de 1 de outubro de 2002 não constituía uma recusa de se submeter à decisão de diligências de instrução, uma vez que foi muito curto e, assim sendo, não implicou qualquer risco de destruição ou de dissimulação de documentos.

235

Resulta, no entanto, dos documentos apresentados pela Comissão que, durante a tarde de 1 de outubro de 2002, os advogados externos da recorrente, uma vez chegados ao local, recusaram à Comissão o acesso ao gabinete de um dos diretores, pois nenhum documento relativo ao betume aí se encontraria, até que, a pedido da Comissão, os funcionários da autoridade neerlandesa da concorrência contactaram a polícia. O auto lavrado pela Comissão não especifica o atraso exato causado por essas discussões. Acontece, porém, que a decisão de diligências de instrução da Comissão de 26 de setembro de 2002 autorizava os inspetores a entrar em todas as instalações, terrenos e meios de transporte da empresa durante as horas normais de abertura dos escritórios e a analisar todos os livros e documentos profissionais.

236

Ora, segundo a jurisprudência, as empresas são obrigadas a colaborar ativamente nas medidas de investigação durante a fase de investigação prévia (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.o 158, supra, n.os 65, 207 e 208).

237

Além disso, tanto a finalidade do Regulamento n.o 17 quanto a enumeração, contida no seu artigo 14.o, dos poderes atribuídos aos agentes da Comissão tornam patente que as diligências de instrução podem ter um alcance bem lato. A este respeito, o direito de acesso a todas as instalações, terrenos e meios de transporte das empresas reveste especial importância, visto que deve permitir à Comissão recolher as provas das infrações às regras de concorrência nos locais em que elas normalmente se encontram, ou seja, nas instalações comerciais das empresas (acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, referido no n.o 228, supra, n.o 26).

238

O juiz da União também salientou que a Comissão pode exercer o seu poder de fiscalização em quaisquer instalações comerciais da empresa objeto da decisão tomada por aquela instituição, desde que sejam respeitados os direitos de defesa (v., neste sentido, acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, referido no n.o 228, supra, n.os 14 e 15) e os relacionados com a proteção da propriedade (v. TEDH, acórdão Colas Est e o. c. França de 16 de abril de 2002, Recueil des arrêts et décisions, 2002, § 40 e 41; acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères, C-94/00, Colet., p. I-9011, n.o 29, e despacho do Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2005, Minoan Lines/Comissão, C-121/04 P, não publicado na Coletânea, n.o 37). Além disso, compete à Comissão, e não à empresa interessada ou a um terceiro, decidir se um documento deve ou não ser-lhe apresentado (acórdão AM & S Europe/Comissão, referido no n.o 228, supra, n.o 17).

239

Assim, o simples facto de os advogados da recorrente terem, num primeiro momento, recusado o acesso da Comissão ao gabinete de um dos seus diretores é suficiente para se considerar que a recorrente recusou sujeitar-se totalmente à decisão de diligências de instrução, sem que a Comissão tenha necessidade de fazer prova de que o atraso causado por essa recusa pôde causar a destruição ou ocultação de documentos.

240

Resulta do exposto que a Comissão não cometeu um erro de qualificação jurídica dos factos ao qualificar esses dois incidentes de recusa de se submeter a uma decisão de diligências de instrução.

Quanto ao princípio da boa administração

241

Por último, a recorrente acusa a Comissão de ter violado o princípio da boa administração ao só lavrar os autos de notícia após as inspeções e só lhos ter transmitido no âmbito do acesso ao processo, ou seja, após a comunicação de acusações, impedindo-a assim de apresentar as suas eventuais observações em tempo útil.

242

Há contudo que observar que nenhuma disposição regulamentar obriga a Comissão a lavrar um auto de notícia da recusa em se submeter à decisão de diligências de instrução num prazo específico, nem a transmitir esse documento à empresa em causa num prazo específico. Ora, o juiz da União considera que o princípio da boa administração não pode transformar em obrigação o que o legislador não considerou como tal (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de março de 1992, Burban/Parlamento, C-255/90 P, Colet., p. I-2253, n.o 20).

243

O Tribunal salienta que, de todo o modo, a recorrente teve a possibilidade de reagir ao conteúdo desses autos de notícia quando a Comissão lhe permitiu o acesso ao processo após a comunicação de acusações, embora não o tenha feito.

Quanto à violação das disposições do artigo 15.o do Regulamento n.o 17

244

Em terceiro lugar, a recorrente considera que, só estando o Regulamento n.o 17 em vigor no momento dos factos, a Comissão não podia aplicar nem as disposições do Regulamento n.o 1/2003, que ainda não estavam em vigor, nem as orientações para o cálculo das coimas, que não podem derrogar as disposições do Regulamento n.o 17. A Comissão teria, assim, cometido um desvio de poder.

245

O artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 17 previa a possibilidade de a Comissão aplicar uma coima máxima de 5000 euros a qualquer empresa que não se submeta a uma decisão de diligências de instrução e o artigo 15.o, n.o 2, do mesmo regulamento autorizava-a a aplicar coimas até 10% do respetivo volume de negócios às empresas que cometam uma infração às disposições do artigo 81.o, n.o 1, CE, calculadas em função da gravidade e da duração da infração. As disposições do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 17 permitiam portanto à Comissão aplicar uma coima a uma empresa que se recusasse a cooperar na realização de diligências de instrução, mesmo que essa infração ao artigo 81.o CE não estivesse provada. Contrariamente ao que afirma a recorrente, antes da entrada em vigor das orientações para o cálculo das coimas nenhuma disposição do Regulamento n.o 17 proibia a Comissão de punir uma recusa de cooperação no decurso do inquérito quando da determinação do montante da coima global aplicada com base no artigo 15.o, n.o 2, do referido regulamento, em vez de aplicar uma coima distinta à empresa com fundamento nas disposições do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), desse diploma.

246

Segundo a jurisprudência (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 1990, Fedesa, C-331/88, Colet., p. I-4023, n.o 24), constitui desvio de poder a adoção, por uma instituição da União, de um ato com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso. O juiz da União entende, por isso, que um ato só enferma de desvio de poder caso se revele, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, ter sido adotado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de novembro de 2004, Ramondín e o./Comissão, C-186/02 P e C-188/02 P, Colet., p. I-10653, n.o 44 e jurisprudência referida).

247

Há, portanto, que determinar se, como sustenta a recorrente, a adoção das orientações para o cálculo das coimas pela Comissão, orientações essas que preveem expressamente a possibilidade de a Comissão ter em conta uma recusa de cooperação ou uma tentativa de obstrução durante o decorrer da investigação a título das circunstâncias agravantes no quadro da fixação da coima, teve por objeto determinante contornar o limite de 5000 euros no artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 17.

248

O juiz da União já indicou que o Regulamento n.o 17 deixou uma margem de apreciação importante à Comissão para determinar as coimas. Assim, a introdução pela Comissão de um novo método de cálculo das coimas, através das orientações para o cálculo das coimas, que pode levar, em certos casos, a um aumento do montante das coimas, sem porém exceder o limite máximo fixado pelo referido Regulamento, não pode ser considerada um agravamento, com efeito retroativo, das coimas, tal como estão juridicamente previstas no artigo 15.o do Regulamento n.o 17, contrário aos princípios da legalidade e da segurança jurídica (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.o 176, supra, n.os 252, 254, 258, 260, 261 e 267, e acórdão do Tribunal Geral de 20 de março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T-23/99, Colet., p. II-1705, n.o 235).

249

O juiz da União também precisou que, dado que o artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 17 não enumerava de maneira exaustiva os critérios que a Comissão podia ter em conta para fixar o montante da coima, o comportamento da empresa no decurso do procedimento administrativo, nomeadamente uma recusa de cooperação ou tentativas de obstrução durante o desenrolar do inquérito, podia fazer parte dos elementos a ter conta nessa fixação (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de janeiro de 1990, Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão, C-277/87, Colet., p. I-45, e de 16 de novembro de 2000, Finnboard/Comissão, C-298/98 P, Colet., p. I-10157, n.o 56; acórdão HFB e o./Comissão, referido no n.o 222, supra, n.os 474 e 475, confirmado quanto a este aspeto pelo acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.o 176, supra, n.o 351).

250

Resulta do exposto que a recorrente não demonstrou que as orientações para o cálculo das coimas, na medida em que preveem expressamente a possibilidade de a Comissão ter em conta na fixação da coima uma recusa de cooperação ou uma tentativa de obstrução no decurso da investigação a título das circunstâncias agravantes, foram adotadas com o objetivo determinante de eludir o procedimento de sanção previsto nas disposições do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 17, nomeadamente o limiar de 5000 euros.

251

Em conclusão, o Tribunal considera que a Comissão tinha a possibilidade, no caso vertente, de punir uma recusa de cooperação ou através da aplicação à empresa em causa de uma coima máxima de 5000 euros ao abrigo das disposições do artigo 15.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 17 ou tendo em conta, na fixação do montante da coima aplicada à empresa com base no artigo 15.o, n.o 2, do mesmo Regulamento (atual artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, em vigor no momento em que adotou a decisão impugnada), a circunstância agravante da recusa de cooperação no decurso do inquérito, e que o desvio de poder alegado não está demonstrado.

Quanto ao caráter desproporcionado do agravamento da coima a título da recusa de cooperação

252

Em quarto e último lugar, a recorrente considera que o agravamento do montante de base da coima em 10%, ou seja, 1,71 milhões de euros, aplicado pela Comissão devido à recusa de cooperação, é, de qualquer forma, desproporcionado atentos os factos descritos nos autos de notícia.

253

Importa recordar que as coimas constituem um instrumento da política de concorrência da Comissão e que esta deve, portanto, dispor de uma margem de apreciação na fixação do seu montante, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência (acórdãos do Tribunal Geral de 6 de abril de 1995, Martinelli/Comissão, T-150/89, Colet., p. II-1165, n.o 59; de 11 de dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão, T-49/95, Colet., p. II-1799, n.o 53; e de 21 de outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T-229/94, Colet., p. II-1689, n.o 127). Incumbe todavia ao Tribunal verificar se o montante da coima aplicada é proporcionado em relação à duração e aos outros elementos que influem na apreciação da gravidade da infração, tais como a influência que a empresa exerceu no mercado, o proveito que tirou das suas práticas, o volume e o valor das prestações em causa e o risco que a infração representa para os objetivos da União (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, referido no n.o 176, supra, n.os 120 e 129).

254

Embora a Comissão não esteja vinculada pela sua prática anterior, pode ser útil ao Tribunal, na apreciação do caráter proporcionado ou não do agravamento da coima aplicada à recorrente, ter conhecimento dos aumentos aplicados a outras empresas pela Comissão por esse mesmo motivo. Com efeito, não se pode excluir que o Tribunal, no exercício da sua competência de plena jurisdição, possa decidir aumentar o referido agravamento. Ora, a mesma taxa de 10% foi igualmente aplicada em três outros processos em que a Comissão puniu empresas através de um agravamento específico da coima por recusa de cooperação. No processo dito «Ferries gregos», esse agravamento punia uma empresa que informou as outras empresas membros do cartel das respostas que tinha dado a um pedido de informações e sugeriu-lhes que alterassem os preços (acórdão Minoan Lines/Comissão, referido no n.o 44, supra, n.os 335 a 339). No processo Nintendo, esse agravamento puniu uma empresa que deu uma falsa resposta a um pedido de informações [decisão da Comissão de 30 de outubro de 2002, COMP/35.706 — PO Nintendo Distribution (JO 2003, L 255, p. 33)]. Por último, no processo dito «dos sacos industriais» (decisão da Comissão de 30 de novembro de 2005, COMP/F/38.354 — Sacos industriais), esse agravamento puniu uma empresa em que um dos seus funcionários destruiu um documento selecionado pelos inspetores durante a verificação, e isto apesar de a empresa ter, posteriormente, enviado uma cópia desse documento à Comissão.

255

No caso em apreço, o Tribunal considera que, tendo em conta a duração relativamente curta da obstrução feita pela recorrente às operações de investigação da Comissão, não há necessidade de fazer uso dos seus poderes de plena jurisdição para acentuar o agravamento fixado pela Comissão no caso em apreço. Acresce que esse agravamento de 10% do montante da coima não se revela desproporcionado face, por um lado, ao comportamento da recorrente durante as inspeções e ao caráter recorrente das suas tentativas de obstrução no mesmo dia e, por outro, à importância das diligências de instrução como instrumento necessário à Comissão para desempenhar as suas funções de guardiã do Tratado em matéria de concorrência (acórdão Ventouris/Comissão, referido no n.o 230, supra, n.o 122) e à necessidade de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência.

256

O argumento da recorrente deve, portanto, ser rejeitado.

2. Sobre os papéis de instigadora e de líder

a) Sobre o papel de instigadora

Argumentos das partes

257

A recorrente considera que, ao imputar-lhe, em conjunto com a SNV, o papel de instigadora do cartel, a Comissão cometeu erros de facto que justificam a anulação, total ou parcial, do agravamento de 50% da coima que lhe foi aplicada. Segundo a jurisprudência, essa qualificação só pode ser aplicada a uma empresa que tenha persuadido ou encorajado outras empresas a criar um cartel ou a juntar-se a ele (acórdão do Tribunal Geral de 15 de março de 2006, BASF/Comissão, T-15/02, Colet., p. II-497, n.os 316 e 321). No caso em apreço, a Comissão baseou-se em dois elementos insuficientes para lhe atribuir o papel de instigadora do cartel, enquanto a SNV, no máximo, se serviu da recorrente para contactar os outros construtores rodoviários do W5.

258

Em primeiro lugar, a Comissão baseou-se numa passagem da resposta da recorrente à comunicação de acusações que foi isolada do seu contexto. Esse documento apenas permite concluir que a SNV apresentou em 1993 uma proposta de preços à recorrente, que foi mencionada na reunião seguinte do W5, e não basta para demonstrar que a recorrente propôs ao W5 que a aceitasse.

259

Em segundo lugar, a Comissão utilizou um relatório da Wintershall de 20 de fevereiro de 1922, que indica que a recorrente a informou de que tinha tido contactos com a SNV para lhe pedir que apresentasse propostas de cooperação entre os fornecedores e o W5 e que a SNV lhe apresentou uma proposta de desconto especial para o W5 em 1993. Este documento é porém contrariado por uma nota interna da SNV de 1995, não corresponde àquilo de que se recorda o funcionário da recorrente a que é feita referência e o seu conteúdo é improvável, já que a Wintershall é uma sociedade que tem escassos contactos com a recorrente.

260

De qualquer forma, a Comissão não se podia basear num único elemento, datado de 1992, ou seja, de antes do início do cartel, e não corroborado por qualquer outro elemento do processo, a fim de provar o seu papel de instigadora do cartel.

261

A Comissão recorda que a jurisprudência estabelece uma distinção entre os papéis de instigador e de líder e que, se o Tribunal considerar que as provas são insuficientes no que respeita a um dos dois papéis, podia sempre manter o agravamento de 50% da coima (acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.os 342 a 349). No que respeita à qualificação de instigador de um cartel, a jurisprudência precisa também que a empresa em causa deve ter pressionado ou encorajado outras empresas a dar corpo ao cartel ou a integrá-lo (acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.o 321). No caso vertente, a Comissão indica que se baseou em dois documentos, dos quais decorre que a recorrente encorajou outras empresas a instituir um cartel assumindo a iniciativa, enquanto maior construtor rodoviário, de contactar a SNV, o fornecedor mais importante, a fim de lhe pedir que desse sugestões sobre as possibilidades de cooperação entre os dois grupos e apresentando, em seguida, às outras empresas do W5 a proposta da SNV relativa a um desconto especial. As declarações do funcionário da recorrente prestadas em junho de 2005 no quadro da resposta à comunicação de acusações, segundo as quais a recorrente nunca tomou a iniciativa da concertação, são assim contrárias ao relatório da sociedade Wintershall que refere uma reunião com esse mesmo funcionário. A Comissão sublinha que o documento da Wintershall de 1992, que refere uma cooperação futura, coincide, em contrapartida, com o facto de o cartel ter tido início em 1993, como o demonstra nomeadamente a resposta da recorrente à comunicação de acusações, que dá conta de discussões com a SNV a respeito de um desconto especial concedido ao W5 a partir de 1993.

Apreciação do Tribunal.

262

Quando uma infração foi cometida por várias empresas, há que examinar, no quadro da determinação do montante das coimas, a gravidade relativa da participação de cada uma delas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colet., p. 563, n.o 623, e Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.o 158, supra, n.o 92), o que implica, em particular, definir os respetivos papéis na infração enquanto durou a sua participação na mesma (acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, referido no n.o 30, supra, n.o 150, e acórdão do Tribunal Geral de 17 de dezembro de 1991, EniChem Anic/Comissão, T-6/89, Colet., p. II-1623, n.o 264).

263

Daí resulta, nomeadamente, que o papel de instigadora ou de líder desempenhado por uma ou várias empresas no âmbito de um cartel deve ser tido em conta para efeitos do cálculo do montante da coima, na medida em que as empresas que desempenharam tal papel devem, por esse motivo, assumir uma responsabilidade particular face às outras empresas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 14 de maio de 1998, Mayr-Melnhof/Comissão, T-347/94, Colet., p. II-1751, n.o 291, e de 29 de abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T-236/01, T-239/01, T-244/01 a T-246/01, T-251/01 e T-252/01, Colet., p. II-1181, n.o 301).

264

De acordo com estes princípios, o ponto 2 das orientações para o cálculo das coimas estabelece, sob a epígrafe de circunstâncias agravantes, uma lista não exaustiva de circunstâncias que podem levar a um aumento do montante de base da coima, que inclui, nomeadamente, o «papel de líder ou de instigador da infração» (acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.os 280 a 282).

265

Há que observar que, para ser qualificada de instigadora de um cartel, uma empresa deve ter pressionado ou encorajado outras empresas a dar corpo ao cartel ou a integrá-lo. Não basta, ao invés, ter simplesmente figurado entre os membros fundadores do cartel. Esta qualificação deve ficar reservada para a empresa que, eventualmente, tomou a iniciativa, por exemplo sugerindo à outra a oportunidade de uma colusão ou tentando convencê-la a proceder desse modo (acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.o 321). Contudo, o juiz da União não impõe que a Comissão possua elementos relativos à elaboração e à conceção dos pormenores do cartel. Por último, precisou que o papel de instigador respeita ao momento da criação ou do alargamento de um cartel (v. acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.o 316), o que permite considerar que várias empresas possam simultaneamente desempenhar um papel de instigadora no seio de um mesmo cartel.

266

No caso em apreço, resulta do considerando 342 da decisão impugnada que a Comissão considerou que a recorrente era particularmente responsável devido ao seu papel de instigadora do cartel. Recordou que a jurisprudência qualifica de instigadora de um cartel uma empresa que tenha pressionado ou encorajado outras empresas a instituir o cartel ou a integrá-lo (acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.o 321). Baseou-se para isso em três documentos que referem iniciativas que considera estarem na origem do cartel, dado que foram utilizadas para persuadir outras empresas a dar corpo ao cartel. Segundo a decisão impugnada, estes documentos permitiam concluir, por um lado, que a recorrente propôs à SNV que apresentasse propostas de cooperação entre os fornecedores e o W5 e, por outro, que a recorrente transmitiu em seguida aos outros construtores a proposta de descontos especiais feita pela SNV. Trata-se de um extrato da resposta da recorrente à comunicação de acusações, de uma nota da HBG de 8 de julho de 1994 e de um relatório interno da Wintershall de 20 de fevereiro de 1992.

267

Em primeiro lugar, a Comissão baseou-se assim no considerando 342 da decisão impugnada, por remissão para o considerando 175, numa nota da HBG, outro grande construtor, de 8 de julho de 1994, que referia acordos celebrados em março de 1994 entre o W5, representado pela recorrente, e os fornecedores, representados pela SNV, que entraram em vigor em 1 de abril de 1994, num rumor que evoca a possibilidade de os fornecedores não respeitarem esses acordos e na necessidade de contactar um funcionário da recorrente a esse respeito. Esse documento indica assim que a recorrente negociou acordos em nome do W5 com a SNV e que outro grande construtor considerava a recorrente o interlocutor melhor colocado, no interior do W5, para resolver uma disfunção do cartel. Embora esse documento permita considerar que a recorrente era um dos membros fundadores do cartel, não é, no entanto, suficiente para demonstrar, como o exige a jurisprudência recordada no n.o 265, supra, que a recorrente encorajou ou convenceu outras empresas a juntarem-se ao cartel.

268

Em segundo lugar, a Comissão fundou-se numa passagem da resposta da recorrente à comunicação de acusações (considerandos 97 e 177 da decisão impugnada), na qual a própria recorrente evoca a existência de discussões com a SNV em 1993 sobre um desconto especial concedido ao W5 e a transmissão pela recorrente da informação relativa a esse desconto aos outros membros do W5. Há, no entanto, que salientar que, ao transmitir essa informação aos outros membros do W5, a recorrente não os quis necessariamente encorajar ou convencer a juntarem-se ao cartel.

269

Por último, em terceiro lugar, a Comissão utilizou um relatório interno da Wintershall de 20 de fevereiro de 1992. Este documento, redigido após uma visita, em 18 de fevereiro de 1992, à Wintershall do funcionário da recorrente que posteriormente participou regularmente nas reuniões do cartel, refere o facto de a recorrente ter solicitado à SNV, enquanto marketleader, que apresentasse propostas de cooperação entre os fornecedores e o W5, as quais correspondem a um monopólio de compra. O documento indica que a Wintershall informou a recorrente, quando dessa visita, de que essa diligência era problemática em termos de direito dos cartéis.

270

A recorrente tentou pôr em causa a força probatória deste documento sublinhando que é contrariado por uma nota interna da SNV de 1995, que referia que só ela tinha tomado a iniciativa de contactar o W5, que não correspondia àquilo de que se lembrava o seu funcionário ao qual é feita referência e que o seu conteúdo é improvável, pois é pouco credível que tenha transmitido uma informação tão confidencial ao seu interlocutor. O Tribunal considera contudo que este documento é credível, uma vez que se afigura pouco provável que a Wintershall tenha deliberadamente voltado a transcrever uma informação falsa num relatório puramente interno de 1992 e, portanto, in tempore non suspecto. Por outro lado, contrariamente ao que afirma a recorrente, a nota da SNV de 6 de fevereiro de 1995 não permite afirmar que só os fornecedores estavam na origem do cartel (v. n.o 37, supra).

271

Todavia, a circunstância de a Comissão ter considerado que o cartel só tinha começado em 1 de abril de 1994 reduziu a força probatória desse documento de apoio à qualificação da recorrente como instigadora, uma vez que tinha sido redigido mais de dois anos antes dessa data. Só esse documento não é suficiente, portanto, para concluir, no presente caso, que a recorrente desempenhou um papel de instigadora na infração em causa.

272

Resulta do conjunto destas considerações que a apreciação da Comissão que figura na decisão impugnada segundo a qual a recorrente desempenhou o papel de instigadora na infração em causa ao propor à SNV que apresentasse propostas de cooperação entre os fornecedores e o W5 e ao transmitir aos outros construtores a proposta de descontos especiais feita pela SNV está insuficientemente fundamentada.

273

Não tendo a Comissão apresentado ao Tribunal, com o objetivo de provar o papel de instigadora da recorrente na infração em causa, qualquer elemento suplementar relativamente às circunstâncias referenciadas no considerando 342 da decisão impugnada, a apreciação do Tribunal concentrar-se-á sobre o papel de líder desempenhado pela recorrente nessa mesma infração.

b) Sobre o papel de líder

Argumentos das partes

274

A recorrente considera que a Comissão lhe atribuiu o papel de líder do acordo embora não existisse nenhum elemento que apontasse nesse sentido. Porém, o juiz da União determinou que, para ficar demonstrado que empresa desempenhou o papel de líder, é necessário provar que empreendeu ações concretas que impulsionaram de forma importante a execução do acordo colusório, distinguindo-se assim claramente dos outros participantes no acordo (acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.o 374).

275

No caso em apreço, a Comissão baseou-se em quatro elementos para considerar que a recorrente era líder do cartel: o papel que desempenhou nos primeiros anos do cartel, em 1994 e 1995, nas negociações com os fornecedores, em nome dos grandes construtores; a partir de 1996, tomou a iniciativa de organizar as reuniões do cartel entre fornecedores e grandes construtores; facilitou a realização dessas reuniões do cartel disponibilizando as suas instalações; finalmente, desempenhou a função de presidente nessas reuniões. Segundo a recorrente, nenhum destes elementos é válido.

276

Em primeiro lugar, a Comissão, quando afirma que, de 1994 a 1996, a recorrente celebrou acordos com a SNV em nome dos grandes construtores fá-lo baseando-se exclusivamente numa nota encontrada nas instalações da sociedade HBG, que apenas dá conta de rumores, que, de resto, acabaram por se revelar infundados, já que os fornecedores aumentaram os seus preços em dezembro de 1994. Acresce que esses rumores também foram contrariados pela declaração de um dos seus funcionários e pelo facto de o autor da nota da HBG nunca ter participado nas reuniões do cartel.

277

Em segundo lugar, a afirmação da Comissão segundo a qual, a partir de 1996, a recorrente tomou a iniciativa de organizar as reuniões do cartel entre fornecedores e grandes construtores assenta apenas nas declarações da SNV e da Kuwait Petroleum feitas no quadro das suas tentativas para beneficiarem da comunicação sobre a cooperação, que se contrariavam mutuamente, e além disso não estão em consonância com vários elementos do processo, como as instruções do secretariado da direção da recorrente. Considera que vários documentos permitem confirmar que a SNV assumiu sempre a iniciativa de organizar essas reuniões.

278

Em terceiro lugar, a Comissão não podia considerar que o facto de a recorrente ter posto regularmente os seus edifícios à disposição para efeitos da realização das reuniões do cartel significa que desempenhou um papel particular. Com efeito, por um lado, esta circunstância explica-se pela localização central favorável dos seus escritórios e, por outro, as reuniões realizaram-se por vezes noutros locais. Acresce que a Comissão não se podia apoiar numa carta que a sociedade Heijmans enviou à recorrente, na qual esta se queixa da falta de concertação na organização da reunião de 16 de fevereiro de 2001, pois essa carta mais não é do que uma troca de correspondência entre um funcionário da Heijmans e o seu predecessor, que passou a trabalhar na recorrente.

279

Em quarto e último lugar, a recorrente considera que a afirmação de que exerceu a função de presidente nas reuniões do cartel assenta apenas numa declaração tendenciosa de um funcionário da Kuwait Petroleum, feita no âmbito da comunicação sobre a cooperação, cujo conteúdo contesta. Sublinha que esta simples declaração isolada não pode ser dotada de uma qualquer força probatória, tanto mais que inclui elementos incorretos, e que a Comissão também não pode invocar a declaração de outro funcionário da Kuwait Petroleum, que nunca assistiu diretamente a uma concertação sobre o betume.

280

A Comissão rejeita os argumentos da recorrente.

Apreciação do Tribunal.

281

Segundo jurisprudência assente, quando uma infração foi cometida por várias empresas, há que, no quadro da determinação do montante das coimas, definir os papéis desempenhados por cada uma na infração durante o período em que nela participaram (acórdãos Comissão/Anic Partecipazioni, referido no n.o 30, supra, n.o 150, e EniChem Anic/Comissão, referido no n.o 262, supra, n.o 264). Daqui resulta, designadamente, que o papel de «líder» desempenhado por uma ou várias empresas no âmbito de um cartel deve ser tido em conta para efeitos do cálculo do montante da coima, na medida em que as empresas que desempenharam tal papel devem, por esse facto, assumir uma particular responsabilidade face às outras empresas (acórdão Finnboard/Comissão, referido no n.o 249, supra, n.o 45).

282

Em conformidade com estes princípios, o ponto 2 das orientações para o cálculo das coimas estabelece, sob a epígrafe de circunstâncias agravantes, uma lista não exaustiva de circunstâncias que podem levar a um agravamento do montante de base da coima, entre as quais figura o «papel de líder ou de instigador da infração» (acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.os 280 a 282).

283

Para ser qualificada líder de um cartel, uma empresa deve ter representado uma força motriz significativa para o cartel ou ter assumido uma responsabilidade particular e concreta no seu funcionamento. Esta circunstância deve ser apreciada de um ponto de vista global à luz do contexto do caso concreto (acórdãos do Tribunal Geral, BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.os 299, 300, 373 e 374, e de 18 de junho de 2008, Hoechst/Comissão, T-410/03, Colet., p. II-881, n.o 423). Pode ser inferida, nomeadamente, do facto de a empresa, por iniciativas pontuais, ter dado espontaneamente um impulso fundamental ao cartel (v. acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.os 348, 370 a 375 e 427, e de 18 de junho de 2008, Hoechst/Comissão, já referido, n.o 426). Pode ainda ser inferida de um conjunto de indícios que revelem o empenho da empresa em assegurar a estabilidade e o sucesso do cartel (acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.o 351).

284

É o que acontece quando a empresa participou nas reuniões do cartel em nome de outra empresa que a elas não assistiu, e lhe comunicou os resultados dessas reuniões (acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.o 439). O mesmo acontece quando se revela que essa empresa desempenhou um papel central no funcionamento concreto do cartel, por exemplo organizando muitas reuniões, coligindo e distribuindo as informações no interior do cartel, e formulando a maior parte das vezes propostas relativas ao funcionamento do cartel (v., neste sentido, acórdão IAZ International Belgium e o./Comissão, referido no n.o 176, supra, n.os 57 e 58, e acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.os 404, 439 e 461).

285

Além disso, o facto de velar ativamente pelo cumprimento dos acordos celebrados no cartel constitui um indício determinante do papel de líder desempenhado por uma empresa (acórdão HFB e o./Comissão, referido no n.o 222, supra, n.o 577).

286

Em contrapartida, o facto de uma empresa exercer pressões, ou mesmo ditar o comportamento dos outros membros do cartel, não é uma condição necessária para poder ser qualificada de líder do cartel (acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.o 374). A posição de uma empresa no mercado ou os recursos de que dispõe também não podem constituir indícios de um papel de líder da infração, mesmo que façam parte do contexto em que esses indícios devem ser apreciados (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 9 de julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T-224/00, Colet., p. II-2597, n.o 241, e BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.o 299).

287

Importa recordar, por último, que o Tribunal de Justiça já declarou que a Comissão podia considerar que várias empresas desempenharam um papel de líder num cartel (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.o 286, supra, n.o 239).

288

Compete portanto ao Tribunal apreciar, à luz dos princípios acima recordados, se a Comissão apresentou elementos de prova suficientes para demonstrar que a recorrente desempenhou um papel de líder no cartel.

289

No caso em apreço, resulta da decisão impugnada que a Comissão considerou que a SNV, no interior do grupo dos fornecedores, e a recorrente, no W5, tinham uma responsabilidade especial devido ao papel de «líder» do cartel que desempenharam durante toda a sua duração (considerandos 343 a 349). A Comissão teve assim em consideração quatro elementos essenciais para concluir que a recorrente desempenhou o papel de líder na infração: em 1994 e 1995 estabeleceu contactos com a SNV, que permitiram a criação do cartel; a partir de 1996, a SNV contactou a recorrente para uma modificação de preços, tendo esta então convidado os outros grandes construtores para uma reunião; as reuniões preparatórias do W5 e as do cartel eram bastas vezes organizadas pela recorrente, que enviava os convites, e tinham lugar nas suas instalações; era o porta-voz dos grandes construtores e conduzia a discussão nas reuniões com os fornecedores. A Comissão baseou-se em documentos diversos, contemporâneos e posteriores ao acordo, para chegar a essa conclusão. A recorrente entende que nenhum destes elementos é válido.

290

A Comissão considerou que a recorrente desempenhou um papel preponderante nas negociações com os fornecedores em 1994 e 1995, baseando-se, para o efeito, numa nota da HBG de 8 de julho de 1994.

291

Resulta desse documento interno da HBG que foi celebrado um acordo entre o W5, representado por um funcionário da recorrente, e as companhias petrolíferas, representadas pela SNV, para o ano de 1994, mas que as companhias petrolíferas queriam aumentar os seus preços em desrespeito desse acordo, e que a HBG tinha então pretendido contactar esse mesmo funcionário da recorrente a esse respeito. Embora esse documento possa parecer dar conta de um rumor no que respeita à decisão das companhias petrolíferas de aumentar os seus preços, faz no entanto referência efetiva à existência de um acordo celebrado por intermédio da SNV e da recorrente e ao recurso da HBG à recorrente, constituindo assim um indício sério do seu papel de líder do cartel.

292

Além disso, importa rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual o autor da nota da HBG nunca assistiu a uma reunião do cartel, pois o juiz da União considera que o facto de informações serem veiculadas em segundo grau é irrelevante para o seu valor probatório (acórdão do Tribunal Geral de 10 de março de 1992, Shell/Comissão, T-11/89, Colet., p. II-757, n.o 86) e que, segundo as regras gerais em matéria de prova, deve-se atribuir grande importância ao facto de os documentos terem sido elaborados em cima das referidas reuniões e manifestamente sem que se pensasse que podiam ter sido levados ao conhecimento de terceiros não interessados (conclusões do juiz B. Vesterdorf, exercendo funções de advogado-geral no processo em que foi proferido o acórdão do Tribunal Geral de 24 de outubro de 1991, Rhône-Poulenc/Comissão, T-1/89, Colet., p. II-867, II-869). No presente caso, o autor da nota da HBG estava encarregado da compra de betume para HBG e trabalhava em estreita cooperação com a pessoa que participava diretamente nas concertações com o W5 e posteriormente nas reuniões do cartel. Assim, as suas notas redigidas no momento dos factos têm um valor probatório significativo.

293

Acresce que a Comissão considerou que, a partir de 1996, a recorrente assumiu conjuntamente com SNV a iniciativa de organizar as reuniões do cartel, fundando-se nas declarações da SNV e da Kuwait Petroleum. Com efeito, resulta dessas declarações (declarações da SNV de 10 de outubro de 2003 e da Kuwait Petroleum de 9 de outubro de 2003, considerando 344 da decisão impugnada) que a SNV devia informar a recorrente de qualquer alteração dos preços, devendo estas duas empresas reunir-se para determinar se era necessária uma reunião do cartel.

294

Os documentos em que a recorrente se baseia para contrariar essas declarações não permitem pôr em causa a conclusão da Comissão segundo a qual a recorrente desempenhou um papel de líder. Com efeito, trata-se da nota interna da SNV de 6 de fevereiro de 1995, do considerando 110 da decisão impugnada relativo ao pedido feito pela SNV à recorrente para organizar uma concertação em 28 de março de 2000 e das instruções internas do secretariado da direção da recorrente de 1 de outubro de 2002, que indicava que a SNV assumia a iniciativa das reuniões do cartel (considerando 345 da decisão impugnada). Ora, como exposto no n.o 37, supra, a nota da SNV de 6 de fevereiro de 1995 não permite determinar se os fornecedores impuseram o cartel aos grandes construtores. Além disso, a circunstância de a SNV ter requerido a realização de uma reunião do cartel em 2000 e de um documento interno da recorrente de 2002 mencionar que a SNV assumia a iniciativa das reuniões não é suficiente para infirmar a afirmação da Comissão de que as reuniões do cartel eram organizadas na sequência de contactos entre a SNV e a recorrente. Com efeito, há que lembrar o caráter bilateral desse cartel, bem como o facto de o juiz da União considerar que a Comissão pode atribuir o papel de líder a várias empresas do cartel (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, referido no n.o 286, supra, n.os 299 a 301).

295

A Comissão também teve em conta o facto de a recorrente ter posto regularmente à disposição os seus edifícios para a realização das reuniões do cartel para lhe atribuir um papel de líder. Fundou-se, para isso, na resposta da Kuwait Petroleum de 16 de setembro de 2003 a um pedido de informações, nas declarações da Kuwait Petroleum de 9 de outubro de 2003 (considerando 345 da decisão impugnada), nos convites enviados pela recorrente para a reunião do cartel de 28 de março de 2000 (considerando 110 da decisão impugnada que faz referência a telecópias de 16 e 21 de março de 2000, enviadas pela recorrente à SNV, à NBM, à HWZ, à Ballast Nedam, à Dura Vermeer e à Heijmans), bem como numa carta que a Heijmans enviou à recorrente a queixar-se da falta de concertação na organização da reunião de 16 de fevereiro de 2001 (considerando 346 da decisão impugnada).

296

A recorrente considera, no entanto, que as reuniões do cartel ocorriam por vezes nas suas instalações devido à sua localização central e que a Comissão não podia utilizar como elemento de prova uma carta de um funcionário da Heijmans. Independentemente do contexto em que a Heijmans redigiu a reclamação que apresentou à recorrente, importa observar que esta constitui um elemento de prova importante do seu papel de líder na organização das reuniões do cartel, que deve ser apreciado à luz dos outros documentos concordantes citados pela Comissão. Acresce que a recorrente não pode invocar apenas a situação geográfica central das suas instalações para minimizar o seu papel no cartel.

297

Por último, a Comissão considerou que a recorrente tinha assumido a presidência das reuniões do cartel até 2000, baseando-se nas declarações de dois funcionários da Kuwait Petroleum de 1 de outubro de 2003 (considerandos 346 e 347 da decisão impugnada). A recorrente contesta a validade destas declarações, que incluíam inúmeros erros, sendo que uma delas provinha de um funcionário que nunca assistiu diretamente às reuniões do cartel.

298

No entanto, importa assinalar que estas duas declarações são concordantes e que o assistente do diretor do betume da Kuwait Petroleum, que participou nas reuniões do cartel, assistiu pelo menos às reuniões preparatórias entre fornecedores e estava assim estreitamente associado às reuniões do cartel. Como a Comissão salienta com razão, deve igualmente ser tido em conta o facto de a Kuwait Petroleum não ter nenhum interesse em empolar o papel da recorrente nas reuniões do cartel.

299

O conjunto de todas estas considerações levam o Tribunal a concluir que a Comissão apresentou vários elementos de prova concordantes que, tomados no seu conjunto, permitem concluir que a recorrente, ao estabelecer contactos com a SNV que permitiram a criação do cartel, ao convidar a partir de 1996 os outros grandes construtores a reunir-se na sequência de contactos com a SNV, ao organizar muitas reuniões do cartel nas suas instalações e ao comportar-se como porta-voz do W5 nas reuniões do cartel, constituiu uma força motriz significativa do cartel que permite a sua qualificação como sendo de líder.

300

Por conseguinte, a Comissão não cometeu um erro de apreciação ao concluir, com base num conjunto de indícios coerentes e convergentes, que a recorrente desempenhou o papel de líder na infração.

3. Conclusão relativa às circunstâncias agravantes

301

Resulta dos n.os 262 a 273, supra, que a Comissão não fez prova bastante de que a recorrente desempenhou um papel de instigadora na infração em causa. Por conseguinte, cabe ao Tribunal exercer o seu poder de plena jurisdição no que concerne à apreciação do papel desempenhado pela recorrente na infração em causa. Deve recordar-se, a este respeito, que a Comissão aplicou à recorrente um agravamento único de 50% do montante de base da coima a título da circunstância agravante prevista no ponto 2, terceiro travessão, das orientações para o cálculo das coimas.

302

Por outro lado, há que recordar que, embora o juiz da União distinga os papéis de instigador e de líder, considera, no entanto, que, embora as provas apresentadas pela Comissão sejam insuficientes no que respeita a um dos dois papéis, pode, contudo, manter o agravamento da coima previsto pela Comissão no âmbito do exercício do seu poder de plena jurisdição (v., no caso da manutenção apenas do papel de líder, acórdão BASF/Comissão, referido no n.o 257, supra, n.o 354).

303

O Tribunal considera que, no caso em apreço, tendo em conta a importância do papel de líder da recorrente, como definido nos n.os 281 a 300, supra, não há que reduzir o referido agravamento. Com efeito, resulta dessa análise que a recorrente esteve na origem da criação do cartel, que a partir de 1996 passou a organizar as reuniões preparatórias do W5 e as do cartel, que tinham lugar nas suas instalações, e que, por fim, conduzia, em nome de todo o W5, a discussão nas reuniões com os fornecedores.

Quanto às despesas

304

Nos termos do artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Koninklijke Wegenbouw Stevin BV é condenada nas despesas.

 

Jaeger

Wahl

Soldevila Fragoso

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de setembro de 2012.

Assinaturas

Índice

 

Factos na origem do litígio

 

I — A recorrente

 

II — Procedimento administrativo

 

III — Decisγo impugnada

 

Tramitação processual e pedidos das partes

 

Questão de direito

 

I — Quanto ao pedido de anulaηγo da decisγo impugnada

 

A — Observaηυes introdutσrias

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal

 

B — Erros de facto

 

1. Sobre o primeiro erro de facto, relativo à não consideração da oposição entre os interesses dos fornecedores e os dos grandes construtores

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

2. Sobre o segundo erro de facto, relativo ao conteúdo dos acordos entre fornecedores e grandes construtores

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

3. Sobre o terceiro erro de facto, relativo à errada apreciação do interesse dos grandes construtores no cartel

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

4. Sobre o quarto erro de facto, relativo à inexistência de impacto do cartel na concorrência no mercado da construção rodoviária

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

5. Sobre o quinto erro de facto, relativo ao funcionamento do cartel: origem e evolução no tempo do cartel e mecanismo de sanções

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

6. Sobre o sexto erro de facto, relativo ao papel da ExxonMobil no cartel

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

C — Erros de direito

 

1. Observações introdutórias

 

2. Sobre o primeiro erro de qualificação jurídica dos factos, relativo à não participação dos grandes construtores no cartel dos fornecedores

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal.

 

3. Sobre o segundo erro de qualificação jurídica dos factos, relativo à inexistência de objeto anticoncorrencial do cartel

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

4. Sobre o terceiro erro de qualificação jurídica dos factos, relativo à recusa da Comissão de aplicar as disposições do artigo 81.o, n.o 3, CE e das orientações sobre os acordos de cooperação horizontal

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

5. Sobre o quarto erro de qualificação jurídica dos factos, relativo à incorreta definição do mercado em causa e à errada apreciação da posição dos grandes construtores no mercado

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

6. Sobre o quinto erro de qualificação jurídica dos factos, relativo à inexistência de efeitos indiretos induzidos no mercado a jusante da construção rodoviária

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

D — Quanto ΰ violaηγo de formalidades essenciais e dos direitos de defesa

 

1. Argumentos das partes

 

2. Apreciação do Tribunal

 

a) Princípios gerais relativos ao acesso aos documentos posteriores à comunicação das acusações

 

b) Aplicação ao caso vertente

 

II — Quanto ao pedido de supressγo ou de reduηγo da coima

 

A — Quanto ΰ determinaηγo do montante de base da coima

 

1. Sobre a qualificação de infração muito grave

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal.

 

2. Sobre a errada apreciação do impacto do cartel no mercado

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

3. Sobre o caráter desproporcionado do montante de partida

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal.

 

4. Sobre a incorreta apreciação da duração da infração

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal.

 

B — Quanto ΰs circunstβncias agravantes

 

1. Sobre a circunstância agravante da recusa em colaborar na inspeção

 

a) Argumentos das partes

 

b) Apreciação do Tribunal

 

Sobre a violação dos direitos de defesa devido ao conteúdo da comunicação de acusações

 

Sobre o erro na qualificação jurídica dos factos

 

— Quanto ao primeiro incidente

 

— Quanto ao segundo incidente

 

Quanto ao princípio da boa administração

 

Quanto à violação das disposições do artigo 15.o do Regulamento n.o 17

 

Quanto ao caráter desproporcionado do agravamento da coima a título da recusa de cooperação

 

2. Sobre os papéis de instigadora e de líder

 

a) Sobre o papel de instigadora

 

Argumentos das partes

 

Apreciação do Tribunal.

 

b) Sobre o papel de líder

 

Argumentos das partes

 

Apreciação do Tribunal.

 

3. Conclusão relativa às circunstâncias agravantes

 

Quanto às despesas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.