ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

28 de Abril de 2009 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Seguro de responsabilidade civil automóvel — Artigos 43.o CE e 49.o CE — Directiva 92/49/CEE — Legislação nacional que impõe às companhias de seguros a obrigação de contratar — Restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços — Protecção social das vítimas de acidentes de viação — Proporcionalidade — Liberdade de fixação das tarifas por parte das companhias de seguros — Princípio do controlo pelo Estado-Membro de origem»

No processo C-518/06,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.o CE, entrada em 20 de Dezembro de 2006,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Traversa e N. Yerrell, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por M. Fiorilli, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

apoiada por:

República da Finlândia, representada por J. Himmanen, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts e M. Ilešič (relator), presidentes de secção, A. Tizzano, A. Borg Barthet, J. Malenovský, J. Klučka, U. Lõhmus, E. Levits e J.-J. Kasel, juízes,

advogado-geral: J. Mazák,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Maio de 2008,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 9 de Setembro de 2008,

profere o presente

Acórdão

1

Através da sua acção, a Comissão das Comunidades Europeias pede que o Tribunal de Justiça declare que:

ao adoptar e manter uma legislação com base na qual os prémios do seguro da responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (a seguir «seguro de responsabilidade civil automóvel») devem ser calculados com base em determinados parâmetros e ao submeter esses prémios a um controlo a posteriori, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 6.o, 29.o e 39.o da Directiva 92/49/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao seguro directo não vida e que altera as Directivas 73/239/CEE e 88/357/CEE (terceira directiva sobre o seguro não vida) (JO L 228, p. 1);

ao controlar os métodos segundo os quais as companhias de seguros cuja sede se situa noutro Estado-Membro, mas que operam em Itália no âmbito da liberdade de estabelecimento ou da livre prestação de serviços, calculam os seus prémios de seguro e ao aplicar sanções, nomeadamente às referidas empresas, em caso de violação das normas italianas relativas aos métodos de cálculo dos prémios de seguro, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 9.o da Directiva 92/49; e

ao manter a obrigação de contratar o seguro de responsabilidade civil automóvel para todas as companhias de seguros, incluindo as que têm a sua sede noutro Estado-Membro, mas que operam em Itália no âmbito da liberdade de estabelecimento ou da livre prestação de serviços, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 43.o CE e 49.o CE.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

Directivas 72/166/CEE, 84/5/CEE e 2005/14/CE

2

A fim de facilitar a circulação de viajantes entre os Estados-Membros, a Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO L 103, p. 1; EE 13 F2 p. 113), instituiu um sistema baseado, por um lado, na supressão da fiscalização da carta verde de seguro aquando da passagem das fronteiras internas da Comunidade Europeia e, por outro, na obrigação de cada Estado-Membro tomar as medidas necessárias para que a responsabilidade civil resultante da circulação de veículos esteja coberta por um seguro.

3

Nos termos do segundo considerando desta directiva:

«[…] qualquer fiscalização nas fronteiras, do cumprimento da obrigação de segurar a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, tem por objectivo a protecção dos interesses das pessoas que podem ser vítimas de um sinistro causado por esses veículos […]».

4

O sétimo considerando da referida directiva enuncia:

«[…] a abolição da fiscalização da Carta Verde, em relação aos veículos que tenham o seu estacionamento habitual num Estado-Membro e que entrem no território de um outro Estado-Membro, pode ser realizada com base num acordo entre os […] Serviços Nacionais de Seguros, nos termos do qual cada Serviço Nacional garantiria a liquidação, de harmonia com a respectiva legislação nacional, da indemnização dos prejuízos causados no seu território por esses veículos, estivessem ou não seguros».

5

Por outro lado, o quinto e sexto considerandos da mesma directiva sublinham que a liberalização do regime de circulação dos veículos automóveis no tráfego de viajantes entre os Estados-Membros contribui para a abertura dos mercados destes últimos.

6

O artigo 3.o, n.o 1, do Directiva 72/166 dispõe:

«Cada Estado-Membro […] adopta todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. […]»

7

O quinto e sexto considerandos da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (JO 1984, L 8, p. 17; EE 13 F15 p. 244), enunciam:

«[…] os montantes até cujo limite o seguro é obrigatório devem permitir, em toda e qualquer circunstância, que seja garantida às vítimas uma indemnização suficiente, seja qual for o Estado-Membro onde o sinistro ocorra;

[…] é necessário prever a existência de um organismo que garanta que a vítima não ficará sem indemnização, no caso do veículo causador do sinistro não estar seguro ou não ser identificado […]».

8

Por força do artigo 1.o, n.o 4, da Directiva 84/5, os Estados-Membros estão obrigados a criar ou a autorizar a criação de um fundo de garantia destinado à indemnização das vítimas de acidentes causados por veículos relativamente aos quais não tenha sido satisfeita a obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel.

9

A mesma disposição precisa que essa obrigação não prejudica o direito que assiste aos Estados-Membros de atribuírem ou não à intervenção desse organismo um carácter subsidiário.

10

As Directivas 72/166 e 84/5 foram alteradas em último lugar pela Directiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, que altera as Directivas 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE do Conselho e a Directiva 2000/26/CE relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis (JO L 149, p. 14). O prazo para a transposição da Directiva 2005/14/CE ainda não tinha expirado à data em que terminou o prazo fixado no último parecer fundamentado emitido no presente processo.

11

Como sublinha o primeiro considerando desta directiva, reforçar e consolidar o mercado único de seguros na área do seguro automóvel na Comunidade constitui um objectivo importante no domínio dos serviços financeiros, atendendo à especial importância do seguro de responsabilidade civil automóvel para os cidadãos europeus, sejam eles tomadores de seguros ou vítimas de um acidente, por um lado, e para as companhias de seguros, por outro.

12

Além disso, o vigésimo primeiro considerando da Directiva 2005/14 indica que o direito de invocar o contrato de seguro e de o opor directamente à companhia de seguros assume importância significativa na protecção das vítimas de acidentes de viação.

Directiva 92/49

13

O primeiro, quinto a sétimo e décimo oitavo considerandos da Directiva 92/49 enunciam:

«(1)

Considerando que é necessário concluir o mercado interno no sector do seguro directo não vida, no duplo aspecto da liberdade de estabelecimento e da livre prestação dos serviços, a fim de facilitar às empresas de seguros que têm a sua sede social na Comunidade a cobertura dos riscos situados no interior da Comunidade;

[…]

(5)

Considerando que o processo adoptado consiste em realizar a harmonização fundamental, necessária e suficiente para alcançar um reconhecimento mútuo das autorizações e dos sistemas de supervisão prudencial, de modo a permitir a concessão de uma autorização única, válida em toda a Comunidade, e a aplicação do princípio da supervisão pelo Estado-Membro de origem;

(6)

Considerando que, consequentemente, o acesso à actividade seguradora e o seu exercício se encontram doravante subordinados à concessão de uma autorização administrativa única, emitida pelas autoridades do Estado-Membro no qual se situa a sede social da empresa de seguros; que esta autorização permite que a empresa desenvolva a sua actividade em todo a Comunidade, quer em regime de estabelecimento quer em regime de livre prestação de serviços; […]

(7)

Considerando que incumbe doravante às autoridades competentes do Estado-Membro de origem assegurar a supervisão da solidez financeira da empresa de seguros, nomeadamente no que respeita à sua situação de solvência e à constituição de provisões técnicas suficientes, bem como à sua representação por activos congruentes;

[…]

(18)

Considerando que a harmonização do direito do contrato de seguro não é uma condição prévia para a realização do mercado interno dos seguros; que, por conseguinte, a faculdade deixada aos Estados-Membros de poderem impor a aplicação do seu próprio direito aos contratos de seguro que cubram os riscos situados no seu território é susceptível de prestar as garantias suficientes aos tomadores de seguros que têm necessidade de uma protecção especial».

14

No título II da Directiva 92/49, sob a epígrafe «Acesso à actividade de seguro», o artigo 6.o dispõe:

«O artigo 8.o da [Primeira] Directiva 73/239/CEE [do Conselho, de 24 de Julho de 1973, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes ao acesso à actividade de seguro directo não vida e ao seu exercício (JO L 228, p. 3; EE 06 F1 p. 143),] passa a ter a seguinte redacção:

‘[…]

[…] [O]s Estados-Membros não podem prever disposições que exijam a aprovação prévia ou a comunicação sistemática das condições gerais e especiais das apólices de seguros, das tarifas e dos formulários e outros impressos que a empresa tenciona utilizar nas suas relações com os tomadores de seguros.

Os Estados-Membros só podem manter ou introduzir a notificação prévia ou a aprovação dos aumentos de tarifas propostos enquanto elementos de um sistema geral de controlo dos preços.

[…]’»

15

Nos termos do artigo 9.o desta directiva, que figura no título III da mesma, intitulado «Harmonização das condições de exercício»:

«O artigo 13.o da Directiva 73/239/CEE passa a ter a seguinte redacção:

‘[…]

1.

A supervisão financeira de uma empresa de seguros, incluindo a supervisão das actividades por ela exercidas em regime de estabelecimento ou em regime de livre prestação de serviços, é da competência exclusiva do Estado-Membro de origem.

2.

A supervisão financeira compreende, nomeadamente, a verificação, para o conjunto das actividades da empresa de seguros, da sua situação de solvência e da constituição de provisões técnicas e dos activos representativos em conformidade com as regras ou práticas estabelecidas no Estado-Membro de origem, por força das disposições adoptadas a nível comunitário.

[…]’»

16

O artigo 11.o da referida directiva dispõe:

«Os n.os 2 e 3 do artigo 19.o da Directiva 73/239/CEE passam a ter a seguinte redacção:

‘[…]

3.   Os Estados-Membros adoptarão todas as disposições úteis para que as autoridades competentes disponham dos poderes e meios necessários à supervisão das actividades das empresas de seguros com sede social no seu território, incluindo as actividades exercidas fora desse território, nos termos das directivas do Conselho relativas a essas actividades e com vista à sua aplicação.

Esses poderes e meios devem dar às autoridades competentes, nomeadamente, a possibilidade de:

[…]

b)

Tomarem, contra a empresa, os seus dirigentes responsáveis ou as pessoas que a controlam, todas as medidas adequadas e necessárias não só para garantir que as actividades da empresa observem as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que a empresa é obrigada a respeitar nos diversos Estados-Membros […]

[…]’»

17

O artigo 29.o da Directiva 92/49 enuncia:

«Os Estados-Membros não podem prever disposições que exijam a aprovação prévia ou a comunicação sistemática das condições gerais e especiais das apólices de seguro, das tarifas e dos formulários e outros impressos que a empresa de seguros tenciona utilizar nas suas relações com os tomadores de seguros. A fim de supervisionar a observância das disposições nacionais relativas aos contratos de seguro, apenas poderão exigir a comunicação não sistemática dessas condições e desses outros documentos, sem que tal exigência possa constituir para a empresa uma condição prévia para o exercício da sua actividade.

Os Estados-Membros só podem manter ou introduzir a notificação prévia ou a aprovação dos aumentos de tarifas propostos enquanto elementos de um sistema geral de controlo do[s] preços.»

18

Nos termos do artigo 39.o, n.os 2 e 3, desta directiva, que figura no título IV da mesma, sob a epígrafe «Disposições relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços»:

«2.   O Estado-Membro da sucursal ou da prestação de serviços não pode prever disposições que exijam a aprovação prévia ou a comunicação sistemática das condições gerais e especiais das apólices de seguro, das tarifas e dos formulários e outros impressos que a empresa de seguros tenciona utilizar nas suas relações com os tomadores de seguros. A fim de supervisionar a observância das disposições nacionais relativas aos contratos de seguro, apenas poderá exigir, a qualquer empresa que pretenda efectuar no seu território operações de seguros em regime de estabelecimento ou em regime de livre prestação de serviços, a comunicação não sistemática das condições ou dos outros documentos que tenciona utilizar, sem que tal exigência possa constituir para a empresa uma condição prévia para o exercício da sua actividade.

3.   O Estado-Membro da sucursal ou da prestação de serviços só pode manter ou introduzir a notificação prévia ou a aprovação dos aumentos de tarifas propostos enquanto elementos de um sistema geral de controlo dos preços.»

19

O artigo 40.o da referida directiva prevê:

«[…]

3.   Se as autoridades competentes de um Estado-Membro verificarem que uma empresa que tem uma sucursal ou que opera em regime de livre prestação de serviços no seu território não respeita as normas legais em vigor nesse mesmo Estado que lhe sejam aplicáveis, solicitarão à empresa em causa que ponha fim a essa situação irregular.

4.   Se a empresa em questão não tomar as medidas necessárias, as autoridades competentes do Estado-Membro em causa informarão desse facto as autoridades competentes do Estado-Membro de origem. Estas últimas autoridades tomarão, logo que possível, todas as medidas adequadas para que a dita empresa ponha fim a essa situação irregular. A natureza de tais medidas será comunicada às autoridades competentes do Estado-Membro em causa.

5.   Se, apesar das medidas tomadas para o efeito pelo Estado-Membro de origem, ou porque tais medidas se relevem insuficientes ou não existam ainda nesse Estado, a empresa persistir em violar as normas legais em vigor no Estado-Membro em causa, este último pode, após ter informado as autoridades competentes do Estado-Membro de origem, tomar as medidas adequadas para evitar ou reprimir novas irregularidades e, se for absolutamente necessário, impedir a empresa de celebrar novos contratos de seguro no seu território. Os Estados-Membros assegurarão que seja possível efectuar no seu território as notificações às empresas de seguros.

6.   Os n.os 3, 4 e 5 não afectam o poder dos Estados-Membros em causa de tomar, em caso de urgência, as medidas adequadas para evitar as irregularidades cometidas no seu território. Tal inclui a possibilidade de impedir que uma empresa de seguros continue a celebrar novos contratos de seguros no seu território.

7.   Os n.os 3, 4 e 5 não interferem com o poder dos Estados-Membros de sancionar as infracções no seu território.

[…]»

Legislação nacional

20

O artigo 11.o, n.o 1, da Lei n.o 990, referente ao seguro obrigatório de responsabilidade civil relativo à utilização de veículos a motor e embarcações (assicurazione obbligatoria della responsabilità civile derivante dalla circolazione dei veicoli a motore e dei natanti), de 24 de Dezembro de 1969 (GURI n.o 2, de ), em vigor à data da procedimento pré-contencioso (a seguir «Lei n.o 990/69»), impõe às companhias de seguros a obrigação de prestarem o seguro de responsabilidade civil automóvel a pedido de qualquer potencial cliente. Dispõe o seguinte:

«As companhias de seguros deverão, com base nos termos contratuais e nos prémios de seguro aprovados ou fixados pelo Ministro da Indústria, Comércio e Pequenas Empresas, aceitar as propostas de seguro obrigatório que lhes forem submetidas nos termos da presente lei.»

21

Esta obrigação de contratar foi, no essencial, retomada no artigo 132.o do Código dos Seguros Privados (codice delle assicurazioni private), aprovado pelo Decreto legislativo n.o 209, de 7 de Setembro de 2005, e que entrou em vigor em (suplemento ordinário do GURI n.o 239, de , a seguir «código dos seguros privados»). Esse artigo enuncia:

«1.   As companhias de seguros são obrigadas, com base nas cláusulas contratuais e nas taxas de seguro que devem fixar previamente para qualquer risco relativamente à utilização de veículos a motor e embarcações, a aceitar as propostas que lhes forem submetidas relativamente ao seguro obrigatório, sem embargo da necessária apreciação da exactidão das informações constantes do certificado de sinistralidade, bem como da identificação do tomador de seguro e do proprietário do veículo se este não for o tomador de seguro.

2.   Para efeitos do cumprimento das obrigações visadas no n.o 1, as companhias de seguros podem solicitar que a autorização seja limitada aos riscos decorrentes da circulação de frotas de veículos motorizados e embarcações».

22

O artigo 11.o, n.o 1 bis, da Lei n.o 990/69 dispõe:

«De acordo com as obrigações previstas no n.o 1, ao fixarem os seus prémios de seguro, as empresas devem calcular separadamente os prémios de base e os suplementos, de acordo com as suas bases técnicas, que deverão ser suficientemente abrangentes e dizer respeito a pelo menos cinco exercícios. Se estas bases técnicas não estiverem disponíveis, as empresas podem utilizar estatísticas de mercado. Se o ISVAP [Istituto per la vigilanza sulle assicurazioni private e di interesse collettivo] apurar que a obrigação de contratar em determinada área territorial ou com determinado tipo de tomador de seguro foi violada, será aplicada uma sanção de 3% dos prémios de seguro de responsabilidade civil por danos causados pela circulação de veículos, tal como resultam do último balanço aprovado, num mínimo de um milhão de euros e num máximo de cinco milhões de euros. Em caso de violação reiterada da obrigação de contratar, pode ser retirada a autorização para exercer a actividade de seguro da responsabilidade civil relativa à utilização de veículos.»

23

As partes essenciais desta disposição foram retomadas nos artigos 35.o, n.o 1, e 314.o, n.o 2, do código dos seguros privados.

24

O artigo 12.o bis da Lei n.o 990/69 dispõe:

«1.   Para garantir a transparência e a concorrência na prestação de serviços de seguros, bem como uma informação adequada aos consumidores, as empresas que operam na área do seguro obrigatório de responsabilidade civil que resulta da utilização de veículos a motor e embarcações deverão disponibilizar ao público os prémios e cláusulas contratuais gerais e especiais aplicados no território da República Italiana.

2.   Os prémios aplicados, tal como são fixados por cada companhia de seguros, aos tomadores de seguros que se encontram na categoria de bónus máximo no decorrer dos dois últimos anos, devem ser uniformes em todo o território nacional.

3.   A publicidade dos prémios e cláusulas contratuais nos termos do n.o 1 deverá ter lugar em cada ponto de venda da companhia de seguros e através de sítios Internet, permitindo aos consumidores calcular os prémios e obter informação sobre as cláusulas dos contratos de seguro […].

[…]

5.   A execução incorrecta ou incompleta das obrigações previstas nos n.os 1 e 3 é punível com uma sanção administrativa pecuniária entre 2600 e 10300 euros. No caso de omissão ou atraso que exceda 30 dias, a sanção passará para o dobro.»

25

Estas regras foram, no essencial, retomadas nos artigos 131.o e 313.o do código dos seguros privados.

26

Por último, o artigo 12.o quater, n.o 1, da Lei n.o 990/69 dispõe:

«1.   A recusa ou o desrespeito por uma companhia de seguros da obrigação de aceitar as propostas apresentadas pelos tomadores de seguros na acepção do artigo 11.o para efeitos do seguro obrigatório de responsabilidade civil para os riscos que resultam da circulação de veículos a motor e embarcações, são passíveis de sanção pecuniária […].»

27

Por analogia, o artigo 314.o, n.o 1, do código dos seguros privados enuncia:

«1.   A recusa ou o desrespeito da obrigação de contratar prevista no artigo 132.o, n.o 1, será punida com uma sanção administrativa pecuniária entre 1500 e 4500 euros.»

Procedimento pré-contencioso

28

Por carta de 22 de Março de 2004, a Comissão chamou a atenção da República Italiana para os problemas de compatibilidade da Lei n.o 990/69 e da sua aplicação pelo ISVAP com os artigos 6.o, 29.o e 39.o da Directiva 92/49. A este propósito, a Comissão indicou ter recebido queixas de companhias de seguros a respeito de sanções aplicadas pelo ISVAP com o fundamento de que a obrigação de contratar enunciada no artigo 11.o, n.o 1, da referida lei tinha sido contornada através da fixação de tarifas exorbitantes.

29

Por carta de 8 de Junho de 2004, a República Italiana respondeu que a Lei n.o 990/69 e a sua aplicação pelo ISVAP eram conformes com o direito comunitário. Explicava que a Lei n.o 990/69 não exige uma aprovação prévia das tarifas nem a sua comunicação sistemática ao ISVAP. Esta lei dá às companhias de seguros a liberdade de escolherem as respectivas tarifas, ao mesmo tempo que garante a possibilidade de os consumidores subscreverem o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. Relativamente a este último aspecto, a República Italiana sublinhou a natureza social da responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação de veículos.

30

Por carta de 9 de Julho de 2004, a Comissão notificou oficialmente a República Italiana para lhe comunicar as suas observações a respeito da compatibilidade do artigo 11.o, n.os 1 e 1 bis, bem como do artigo 12.o bis e 12.o quater, da Lei n.o 990/69, tal como foram interpretados e aplicados pelo ISVAP, com a Directiva 92/49.

31

Por carta de 31 de Agosto de 2004, a República Italiana transmitiu as suas observações, que correspondiam, no essencial, às que foram transmitidas na sua carta de .

32

Em 22 de Dezembro de 2004, a Comissão enviou uma notificação para cumprir adicional, em que sustentou que, segundo os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de , CaixaBank France (C-442/02, Colect., p. I-8961), a obrigação de contratar é igualmente contrária aos artigos 43.o CE e 49.o CE. Foi concedido à República Italiana o prazo de um mês para responder a esta notificação para cumprir adicional.

33

Na falta de resposta à notificação para cumprir adicional, a Comissão enviou à República Italiana, em 18 de Outubro de 2005, um parecer fundamentado confirmando as acusações invocadas nas duas notificações para cumprir e convidando esse Estado-Membro a dar-lhe cumprimento no prazo de dois meses a contar da sua recepção.

34

Por carta de 3 de Novembro de 2005, a República Italiana notificou a Comissão da publicação do código dos seguros privados.

35

Por carta de 30 de Dezembro de 2005, a República Italiana respondeu ao parecer fundamentado, insistindo na compatibilidade da legislação nacional com o direito comunitário.

36

Perante a resposta da República Italiana, a Comissão considerou necessário precisar as suas acusações e emitiu, portanto, em 10 de Abril de 2006, um parecer fundamentado adicional. Aquele Estado-Membro foi convidado a dar cumprimento a este parecer no prazo de dois meses a contar da sua recepção.

37

Por carta de 16 de Maio de 2006, a República Italiana respondeu ao parecer fundamentado adicional. Reafirmou a compatibilidade da sua legislação com o direito comunitário.

38

Não satisfeita com a resposta da República Italiana, a Comissão decidiu propor a presente acção.

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

39

Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de Dezembro de 2006, a Comissão propôs a presente acção e pediu que o Tribunal se digne proferir as declarações enumeradas no n.o 1 do presente acórdão e condenar a República Italiana nas despesas.

40

A República Italiana pede ao Tribunal que julgue a acção improcedente.

41

Por despacho de 21 de Junho de 2007, o presidente do Tribunal de Justiça admitiu a República da Finlândia a intervir em apoio do pedido da República Italiana.

Quanto à acção

42

Na sua contestação, a Comissão indicou que a principal violação de direito comunitário imputada à República Italiana consiste na incompatibilidade da obrigação de contratar com os artigos 43.o CE e 49.o CE. Convém, por conseguinte, tratar esta acusação em primeiro lugar.

Quanto à acusação relativa à violação dos artigos 43.o CE e 49.o CE em razão da obrigação de contratar

Argumentos das partes

43

A Comissão sustenta que a obrigação de contratar, imposta a todas as companhias de seguros que exercem a sua actividade no domínio da responsabilidade civil automóvel relativamente a todos os proprietários de veículos, bem como a faculdade de que o ISVAP dispõe de aplicar sanções em caso de violação da referida obrigação, são incompatíveis com os artigos 43.o CE e 49.o CE.

44

Essa obrigação dissuade as companhias de seguros estabelecidas noutros Estados-Membros de se estabelecerem ou prestarem os seus serviços em Itália, dificultando assim o acesso ao mercado italiano. Em particular, essas empresas são impedidas de determinar livremente a sua oferta de serviços de seguro e os respectivos destinatários. Assim, vêem-se obrigadas a suportar custos excessivos relativamente às suas estratégias comerciais. Estes custos são ainda mais avultados para as empresas que têm intenção de exercer apenas ocasionalmente a sua actividade em Itália.

45

O efeito restritivo da obrigação de contratar é comparável ao que foi constatado pelo Tribunal de Justiça no acórdão CaixaBank France, já referido.

46

Em seguida, a Comissão explica que a obrigação de contratar é injustificada e desproporcionada relativamente ao objectivo prosseguido.

47

No que respeita ao objectivo, invocado pela República Italiana, de proteger os proprietários de veículos, a Comissão reconhece que a obrigação de contratar contribui para garantir que o proprietário de um veículo encontre uma companhia de seguros disposta a contratar uma apólice de seguro de responsabilidade civil automóvel. Todavia, a obrigação de contratar vai além do que é necessário para alcançar o objectivo de protecção dos consumidores porquanto é imposta às companhias de seguros relativamente a todos os proprietários de veículos no território italiano, apesar de a República Italiana ter invocado dificuldades para encontrar uma companhia de seguros disposta a celebrar apólices de seguros de responsabilidade civil automóvel apenas relativamente a uma zona geográfica precisa e a uma categoria de pessoas específica, a saber, o Sul de Itália e os condutores recém-encartados.

48

No que respeita ao objectivo, igualmente invocado pela República Italiana, que consiste em garantir uma indemnização adequada das vítimas de acidentes de viação, a Comissão considera que o mesmo já foi alcançado pela obrigação imposta aos proprietários de veículos, após transposição do artigo 3.o da Directiva 72/166, de subscreverem uma apólice de seguro de responsabilidade civil automóvel e pela existência em cada Estado-Membro de um fundo de garantia por força da Directiva 84/5.

49

Por último, a Comissão observa que existem noutros Estados-Membros regimes menos restritivos para alcançar os mesmos resultados que a legislação italiana pretende prosseguir. Menciona, a este respeito, o Bureau central de tarification estabelecido na Bélgica e em França, o Consorcio de Compensación de Seguros estabelecido em Espanha, o consórcio das principais companhias de seguros estabelecido nos Países Baixos e o sistema de co-seguro estabelecido em Portugal.

50

A República Italiana recorda que, ao mesmo tempo que constitui um seguro de tipo privado, o seguro de responsabilidade civil automóvel se inspira em finalidades sociais, nomeadamente a de garantir que as vítimas de acidentes de viação recebam uma indemnização. Esta é a razão pela qual foi instituída a obrigação de os proprietários de veículos contratarem um seguro para indemnizar terceiros.

51

Ao optar por fazer recair esta obrigação tanto nas companhias de seguros como nos utilizadores de veículos motorizados, a República Italiana quis proteger ao máximo, por um lado, os tomadores de seguro, na sua qualidade de consumidores, contra discriminações em matéria de acesso ao seguro obrigatório e de liberdade de circular e, por outro, as vítimas de acidentes de viação.

52

Segundo a República Italiana, estes objectivos não podem ser postos em causa pela liberdade comercial das empresas. Este Estado-Membro considera que, se o Tribunal de Justiça aceitasse o raciocínio da Comissão, o seguro de responsabilidade civil automóvel passaria a assentar em lógicas de mercado e perderia o seu carácter social.

53

Seguidamente, a República Italiana sublinha que a obrigação de contratar não tem qualquer efeito dissuasivo junto das companhias de seguros estabelecidas num Estado-Membro diferente da República Italiana que queiram penetrar no mercado italiano.

54

Contudo, no caso de o Tribunal considerar que a obrigação de contratar restringe a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços, a República Italiana alega que a referida obrigação é adequada para alcançar os objectivos, acima referidos, de protecção dos consumidores e de protecção das vítimas de acidentes de viação.

55

Além disso, a obrigação de contratar é compatível com o princípio da proporcionalidade. Contrariamente ao que alega a Comissão, não é praticável nem legal limitar a obrigação de contratar a determinadas zonas do território italiano ou a certos tipos de consumidores. Limitar esta obrigação a determinadas categorias de consumidores suscitaria problemas de discriminação, ao passo que uma limitação geográfica da referida obrigação incitaria as companhias de seguros a não exercerem a sua actividade nas zonas sujeitas à obrigação de contratar.

56

Por último, relativamente a mecanismos alternativos estabelecidos noutros Estados-Membros, a República Italiana alega que, na falta de regulamentação harmonizada sobre as modalidades de realização da obrigação de seguro em matéria de responsabilidade civil automóvel, cada Estado-Membro continua a ser livre de escolher a solução que melhor convém à situação social nacional. Aliás, é precisamente por falta de homogeneidade das diferentes situações nacionais que o legislador comunitário não pôde estabelecer regras de harmonização a este respeito.

57

A República da Finlândia afirma que, independentemente da questão de saber se restringe a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços, a obrigação de contratar se justifica em qualquer caso.

58

A este propósito, esse Estado-Membro sublinha que existe uma relação estreita entre o seguro de responsabilidade civil automóvel e a segurança social em razão do reembolso das despesas de hospitalização e de tratamento das vítimas de acidentes de viação, bem como das despesas relativas às perdas de salário por elas sofridas.

59

Segundo a República da Finlândia, a obrigação de contratar é necessária e proporcionada à realização dos objectivos visados. Com efeito, esta obrigação constitui para o consumidor o meio mais simples de se exonerar da sua obrigação legal.

Apreciação do Tribunal de Justiça

— Quanto à existência de uma restrição da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços

60

É pacífico que a obrigação de contratar se aplica indistintamente a todas as empresas que prestam o serviço de seguro de responsabilidade civil automóvel no território italiano.

61

A Comissão entende, porém, que, na medida em que reduz a possibilidade de as companhias de seguros realizarem de forma autónoma as suas escolhas estratégicas de mercado, a referida obrigação perturba o estabelecimento e a prestação de serviços em Itália das empresas com sede social noutro Estado-Membro.

62

É jurisprudência assente que o conceito de «restrição» na acepção dos artigos 43.o CE e 49.o CE visa as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atractivo o exercício da liberdade de estabelecimento ou da livre prestação de serviços (acórdãos CaixaBank France, já referido, n.o 11; de 13 de Dezembro de 2007, Comissão/Itália, C-465/05, Colect., p. I-11091, n.o 17; e de , Comissão/França, C-389/05, Colect., p. I-5337, n.o 52).

63

No que respeita à questão de saber em que circunstâncias uma medida indistintamente aplicável, como a obrigação de contratar em causa no caso vertente, pode estar abrangida pelo referido conceito, cabe recordar que uma legislação de um Estado-Membro não constitui uma restrição na acepção do Tratado CE pelo simples facto de outros Estados-Membros aplicarem regras menos estritas ou economicamente mais interessantes aos prestadores de serviços semelhantes estabelecidos no seu território (v., neste sentido, acórdãos de 10 de Maio de 1995, Alpine Investments, C-384/93, Colect., p. I-1141, n.o 27, e de , Schempp, C-403/03, Colect., p. I-6421, n.o 45).

64

O conceito de restrição abrange, em contrapartida, as medidas adoptadas por um Estado-Membro que, embora indistintamente aplicáveis, afectam o acesso ao mercado das empresas de outros Estados-Membros e entravam dessa forma o comércio intracomunitário (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Alpine Investments, n.os 35 e 38, e CaixaBank France, n.o 12).

65

No caso vertente, é pacífico que a obrigação de contratar não tem repercussões na aceitação pelas autoridades italianas da autorização administrativa, mencionada no n.o 13 do presente acórdão, que as companhias de seguros com sede social num Estado-Membro diferente da República Italiana obtêm no Estado-Membro da respectiva sede social. A referida obrigação deixa, portanto, intacto o direito de acesso ao mercado italiano dos seguros de responsabilidade civil automóvel que decorre dessa autorização.

66

Contudo, a imposição por um Estado-Membro de uma obrigação de contratar como a que está em causa constitui uma ingerência significativa na liberdade de contratar de que gozam, em princípio, os operadores económicos.

67

Num sector como o dos seguros, uma medida desta natureza afecta o acesso ao mercado dos operadores em causa, em especial quando submete as companhias de seguros não apenas à obrigação de assumir todos os riscos que lhe são propostos mas igualmente a exigências de moderação na fixação das tarifas.

68

Com efeito, na medida em que obriga as companhias de seguros que acedem ao mercado italiano a aceitar todos os clientes potenciais, esta obrigação de contratar pode acarretar, em termos de organização e de investimento, avultados encargos suplementares para essas empresas.

69

Se pretendem aceder ao mercado italiano em condições compatíveis com a legislação italiana, as referidas empresas têm de repensar a sua política e a sua estratégia comerciais, nomeadamente alargando consideravelmente o espectro da sua oferta de serviços de seguro.

70

Na medida em que implica adaptações e custos de envergadura para as referidas empresas, a obrigação de contratar torna menos atraente o acesso ao mercado italiano e, em caso de acesso a este mercado, reduz a capacidade das empresas em causa de fazerem desde logo uma concorrência eficaz às empresas tradicionalmente implantadas em Itália (v., neste sentido, acórdão CaixaBank France, já referido, n.os 13 e 14).

71

Por conseguinte, a obrigação de contratar restringe a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços.

— Quanto à justificação da restrição

72

Uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços pode ser admitida na condição de prosseguir um objectivo de interesse geral, ser adequada a garantir a sua realização e não ultrapassar o que é necessário para atingir o objectivo prosseguido (v., designadamente, acórdãos de 5 de Dezembro de 2006, Cipolla e o., C-94/04 e C-202/04, Colect., p. I-11421, n.o 61; de , United Pan-Europe Communications Belgium e o., C-250/06, Colect., p. I-11135, n.o 39; e de , Gouvernement de la Communauté française e gouvernement wallon, C-212/06, Colect., p. I-1683, n.o 55).

73

Para justificar a obrigação de contratar, a República Italiana invocou diversos objectivos, entre os quais a protecção social das vítimas de acidentes de viação.

74

Este objectivo de protecção social, que é analisado essencialmente como uma garantia de indemnização adequada das referidas vítimas, pode ser tido em conta como razão imperativa de ordem geral.

75

Com efeito, como decorre da regulamentação comunitária citada nos n.os 3 a 12 do presente acórdão e como sublinharam a República Italiana e a República da Finlândia, o objectivo próprio do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel é garantir a indemnização das vítimas de acidentes de viação.

76

Resulta do mesmo quadro jurídico que a referida indemnização é principalmente financiada com base em contratos subscritos junto de companhias de seguros, enquanto o fundo de garantia criado em cada Estado-Membro tem uma função meramente subsidiária na indemnização das vítimas de acidentes de viação, nomeadamente nos casos em que o sinistro foi provocado por um veículo relativamente ao qual a obrigação de subscrever um seguro não foi satisfeita.

77

Por conseguinte, o artigo 3.o da Directiva 72/166 impõe aos Estados-Membros que tomem todas as medidas úteis para que os respectivos nacionais satisfaçam a obrigação que consiste em subscrever um seguro de responsabilidade civil automóvel.

78

Há que reconhecer que um dos meios que permitem aos Estados-Membros respeitar essa obrigação imposta pelo artigo 3.o da Directiva 72/166 consiste em zelar por que todos os proprietários de um veículo possam subscrever o referido seguro a uma tarifa não excessiva.

79

A este respeito, o argumento da Comissão de que o objectivo de protecção social das vítimas de acidentes de viação é, em qualquer caso, alcançado pela existência de um fundo de garantia em cada Estado-Membro não pode ser aceite.

80

É verdade que a existência do fundo de garantia assegura que as vítimas de sinistros provocados por veículos relativamente aos quais a obrigação de subscrever um seguro não foi satisfeita serão indemnizadas. Por conseguinte, é pacífico que, mesmo na inexistência de uma obrigação de contratar como a que foi instaurada pela República Italiana, todas as vítimas de acidentes de viação receberão uma indemnização.

81

Todavia, como foi referido no n.o 76 do presente acórdão, resulta igualmente da regulamentação comunitária que a existência de um contrato individual de seguro de responsabilidade civil automóvel e a possibilidade de o opor directamente à companhia de seguros constituem o fundamento principal da protecção das vítimas de acidentes de viação. Nestas condições, não se pode censurar os Estados-Membros por tomarem iniciativas destinadas a evitar que proprietários de veículos se vejam na impossibilidade de satisfazer a sua obrigação de subscrever um seguro de responsabilidade civil automóvel.

82

Decorre das considerações precedentes que a obrigação de contratar em causa no caso vertente é adequada para contribuir para a execução da regulamentação comunitária relativa à obrigação que incumbe a cada proprietário de um veículo de subscrever um seguro de responsabilidade civil automóvel e, por conseguinte, para a realização do objectivo desta regulamentação, que é garantir a indemnização adequada das vítimas de acidentes de viação.

83

No que respeita à questão de saber se a obrigação de contratar tal como vigora na República Italiana vai além do necessário para alcançar o objectivo da protecção social das vítimas de acidentes de viação, cumpre começar por recordar que, à luz do critério da proporcionalidade, não é indispensável que a medida restritiva estabelecida pelas autoridades de um Estado-Membro corresponda a uma concepção partilhada por todos os Estados-Membros relativamente às modalidades de protecção do interesse legítimo em causa.

84

Com efeito, a situação relativa à circulação rodoviária e aos objectivos de interesse público pertinentes neste domínio varia de um Estado-Membro para outro. Consequentemente, há que reconhecer aos Estados-Membros uma margem de apreciação neste domínio. Embora seja verdade que incumbe ao Estado-Membro que invoca uma exigência imperativa para justificar uma restrição na acepção do Tratado demonstrar que a sua regulamentação é adequada e necessária para alcançar o objectivo legítimo prosseguido, este ónus de prova não pode ir até à exigência de que esse Estado-Membro demonstre, pela positiva, que nenhuma outra medida imaginável poderia permitir realizar o referido objectivo nas mesmas condições (acórdão de 10 de Fevereiro de 2009, Comissão/Itália, C-110/05, Colect., p. I-519, n.os 65 e 66).

85

Por conseguinte, o facto de certos Estados-Membros terem optado por estabelecer um regime diferente do que foi instaurado pela República Italiana para garantir que todos os proprietários de veículos possam subscrever um seguro de responsabilidade civil automóvel a uma tarifa não excessiva não é de natureza a demonstrar que a obrigação de contratar vai além do necessário para alcançar os objectivos prosseguidos. As explicações fornecidas pela Comissão a respeito dos regimes em vigor em certos Estados-Membros diferentes da República Italiana não permitem, de resto, concluir que estes regimes sejam, in fine, menos restritivos e mais vantajosos para as companhias de seguros do que a obrigação de contratar instaurada pelo legislador italiano.

86

Em seguida, importa examinar a argumentação da Comissão segundo a qual é desproporcionado impor às companhias de seguros uma obrigação de contratar relativamente a todos os clientes potenciais, e isso em todo o território italiano.

87

A este respeito, a República Italiana sustentou, sem ser contrariada pela Comissão sobre este ponto, que existem na parte meridional do seu território circunstâncias difíceis que exigem uma medida correctora por parte da autoridade pública a fim de que o seguro de responsabilidade civil automóvel possa ser prestado em condições aceitáveis tanto para os tomadores como para as companhias de seguros.

88

Verifica-se, nomeadamente, que o número de acidentes de viação declarados junto das companhias de seguros é particularmente elevado em certas zonas do Sul da Itália. Esta situação conduziu a um aumento considerável dos riscos financeiros incorridos pelas referidas empresas nessa região.

89

Nestas condições, a República Italiana podia considerar que era apropriado impor a todas as companhias de seguros que operam no seu território uma obrigação de contratar relativamente a todos os proprietários de veículos domiciliados em Itália, a fim de evitar que essas empresas se retirem da parte meridional do território italiano e privem assim os proprietários de veículos aí domiciliados da possibilidade de subscreverem um seguro, que é obrigatório, de responsabilidade civil automóvel.

90

Por outro lado, resulta do artigo 11.o, n.o 1 bis, da Lei n.o 990/69 e do artigo 35.o, n.o 1, do código dos seguros privados que, ao adoptar a referida medida, a República Italiana não proibiu as companhias de seguros de aplicar tarifas diferenciadas em função de estatísticas históricas respeitantes ao custo médio do risco em categorias de segurados definidas de forma suficientemente lata.

91

Em especial, é dado assente que a obrigação de contratar não impede as companhias de seguros de calcular uma tarifa mais elevada para um tomador de seguro domiciliado numa zona caracterizada por um elevado número de sinistros que para um tomador de seguro domiciliado numa zona de risco menos elevado.

92

De resto, não se pode excluir que limitar a obrigação de contratar à parte meridional do território italiano faria nascer, como alega a República Italiana, uma situação juridicamente duvidosa na medida em que os proprietários de veículos domiciliados noutras regiões italianas poderiam invocar uma desigualdade de tratamento na hipótese de serem confrontados, numa região onde essa obrigação de contratar não vigorasse, com dificuldades em encontrar uma companhia de seguros disposta a celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel.

93

Resulta de todas as considerações precedentes que a obrigação de contratar é adequada para garantir a realização do objectivo que prossegue e não vai além do necessário para o alcançar.

94

Daqui decorre que a acusação relativa à violação dos artigos 43.o CE e 49.o CE deve ser julgada improcedente.

Quanto à acusação relativa à violação dos artigos 6.o, 29.o e 39.o da Directiva 92/49 em razão dos critérios a respeitar para o cálculo dos prémios de seguro e do controlo a posteriori a que estes prémios estão sujeitos

Argumentos das partes

95

Segundo a Comissão, demonstrada a incompatibilidade da obrigação de contratar imposta pelo artigo 11.o, n.o 1, da Lei n.o 990/69 com o direito comunitário, segue-se inevitavelmente que o artigo 11.o, n.o 1 bis, desta lei é incompatível com os artigos 6.o, 29.o e 39.o da Directiva 92/49. Com efeito, como a própria República Italiana afirmou, os critérios fixados para o cálculo dos prémios de seguro destinam-se a garantir o respeito da obrigação de contratar.

96

Em especial, a obrigação de as companhias de seguros calcularem os prémios de seguro em conformidade com as suas «bases técnicas, que deverão ser suficientemente abrangentes e dizer respeito a pelo menos cinco exercícios», e de os adaptar a uma certa média de mercado, do mesmo modo que a sujeição desses prémios a um controlo a posteriori e a possibilidade de o ISVAP aplicar sanções de montante considerável, constituem uma violação do princípio da liberdade de fixação das tarifas enunciado nos referidos artigos da Directiva 92/49.

97

A República Italiana observa que os princípios tarifários enunciados na Lei n.o 990/69 têm por único objectivo travar o fenómeno que consiste em que certas companhias de seguros desencorajam os consumidores a subscreverem junto delas apólices de seguros mediante a fixação de tarifas exorbitantes. Os referidos princípios correspondem às regras técnicas correntes de cálculo de tarifas e aos princípios actuariais seguidos pelas companhias de seguros.

98

Segundo a República Italiana, as referidas disposições não obrigam de modo algum as companhias de seguros a praticarem preços semelhantes à média do mercado ou a não se afastarem de forma significativa das tarifas aplicadas durante os cinco últimos anos. Explica que as companhias de seguros fixam as suas tarifas com base no desenvolvimento que apresentaram no passado e têm o direito de aumentar, inclusive significativamente, o nível dos prémios de seguro em razão de uma evolução negativa em termos de sinistralidade.

99

No que respeita ao ISVAP, a República Italiana observa que esta autoridade intervém apenas contra as companhias de seguros que aplicam prémios de seguro desprovidos de qualquer justificação técnica válida, reflexo de abusos tarifários manifestos e de comportamentos discriminatórios entre os segurados. Sublinha que, nos casos em que o ISVAP intervém, não estão em causa tarifas simplesmente elevadas, mas uma tarifação verdadeiramente anormal, destinada a negar uma cobertura de seguro. Foram, assim, propostos a certos consumidores prémios anuais superiores a 7000 euros.

Apreciação do Tribunal de Justiça

100

Os artigos 6.o, 29.o e 39.o da Directiva 92/49 proíbem que um Estado-Membro institua um regime de aprovação prévia ou de comunicação sistemática das tarifas que as companhias de seguros pretendem utilizar, no seu território, no quadro das suas relações com os tomadores de seguros.

101

Como o Tribunal de Justiça já referiu, o legislador comunitário pretendeu garantir o princípio da liberdade de fixação das tarifas no sector do seguro não vida, incluindo o que diz respeito ao seguro obrigatório, como o seguro de responsabilidade civil automóvel (acórdãos de 25 de Fevereiro de 2003, Comissão/Itália, C-59/01, Colect., p. I-1759, n.o 29, e de , Comissão/Luxemburgo, C-346/02, Colect., p. I-7517, n.o 21).

102

No caso vertente, o artigo 11.o, n.o 1 bis, da Lei n.o 990/69 e o artigo 35.o, n.o 1, do código dos seguros privados obrigam as empresas que prestam seguros de responsabilidade civil automóvel a calcular de maneira distinta os prémios puros e os suplementos de acordo com as suas bases técnicas, que deverão ser suficientemente abrangentes e dizer respeito a pelo menos cinco exercícios.

103

No que respeita à questão de saber se esta regra é compatível com o princípio da liberdade de fixação das tarifas tal como foi recordado anteriormente, importa referir, em primeiro lugar, que a mesma não introduz um sistema de aprovação prévia ou de comunicação sistemática das tarifas.

104

Em segundo lugar, ao invés do que afirma a Comissão, a referida regra não impõe às companhias de seguros que alinhem as suas tarifas com a média do mercado. Pelo contrário, o artigo 11.o, n.o 1 bis, da Lei n.o 990/69 e o artigo 35.o, n.o 1, do código dos seguros privados prevêem que as companhias de seguros calculam as respectivas tarifas de acordo com as suas próprias bases técnicas, precisando ao mesmo tempo que, quando estas bases técnicas não estejam disponíveis, as companhias de seguros podem utilizar estatísticas de mercado.

105

Em terceiro lugar, na medida em que o artigo 11.o, n.o 1 bis, da Lei n.o 990/69 e o artigo 35.o, n.o 1, do código dos seguros privados podem ter repercussões nas tarifas em virtude de traçarem um quadro técnico no qual as companhias de seguros devem calcular os respectivos prémios, impõe-se concluir que essa limitação da liberdade de fixação das tarifas não é proibida pela Directiva 92/49.

106

A este respeito, importa recordar que, na falta de uma vontade claramente expressa nesse sentido pelo legislador comunitário, não se pode presumir a existência de uma harmonização completa do domínio tarifário em matéria de seguro não vida que exclua qualquer medida nacional susceptível de ter repercussões sobre as tarifas, (acórdão Comissão/Luxemburgo, já referido, n.o 24).

107

Aliás, a Comissão não demonstrou nem sequer pretendeu afirmar que a regra de cálculo imposta pelo legislador italiano é incompatível com as regras técnicas de elaboração e os princípios actuariais seguidos no sector dos seguros.

108

Resulta das considerações precedentes que a acusação relativa à violação dos artigos 6.o, 29.o e 39.o da Directiva 92/49 deve ser julgada improcedente.

Quanto à acusação relativa à violação do artigo 9.o da Directiva 92/49 em razão do controlo das modalidades de cálculo dos prémios de seguro e em razão da aplicação de sanções

Argumentos das partes

109

Segundo a Comissão, o controlo exercido pelo ISVAP, nos termos do artigo 11.o, n.o 1 bis, da Lei n.o 990/69 e, em último lugar, dos artigos 35.o, n.o 1, e 314.o, n.o 2, do código dos seguros privados, sobre as modalidades segundo as quais as companhias de seguros privadas, que operam em Itália, ao abrigo da liberdade de estabelecimento ou da livre prestação de serviços, calculam os seus prémios de seguros, bem como a aplicação de sanções, constituem uma violação da repartição de competências entre o Estado-Membro de origem e o Estado-Membro de acolhimento estabelecida no artigo 9.o da Directiva 92/49.

110

Resulta do quinto considerando da Directiva 92/49 que o princípio do controlo pelo Estado-Membro de origem constitui um dos objectivos essenciais da referida directiva. Qualquer derrogação a este princípio deve ser interpretada de forma estrita.

111

Ora, nenhuma disposição legitima as intervenções em causa do ISVAP. Pelo contrário, certas disposições da Directiva 92/49, como os seus artigos 11.o e 40.o, conferem um âmbito de aplicação muito vasto ao princípio do controlo pelo Estado-Membro de origem.

112

Resulta destas disposições que, quando se dispõe a intervir relativamente aos prémios de seguro de responsabilidade civil automóvel praticados por companhias de seguros com a sua sede num Estado-Membro diferente da República Italiana, o ISVAP deve notificar as irregularidades presumidas às autoridades de controlo do Estado-Membro de origem pedindo-lhes que tomem as medidas apropriadas para pôr termo às infracções.

113

A República Italiana observa que as intervenções em matéria tarifária que têm por objecto a protecção dos consumidores não estão abrangidas pela supervisão financeira das companhias de seguros na acepção do artigo 9.o da Directiva 92/49. Com efeito, os instrumentos de protecção da estabilidade financeira, cuja utilização está reservada às autoridades do Estado-Membro de origem, são constituídos pelas margens de solvabilidade e pela cobertura das reservas técnicas. Ora, estes instrumentos nada têm a ver com a protecção dos direitos do consumidor.

Apreciação do Tribunal de Justiça

114

Como observou a Comissão, a Directiva 92/49 estabelece, no seu quinto considerando e no seu artigo 9.o, um princípio de controlo pelo Estado-Membro de origem.

115

Todavia, como resulta sem ambiguidade do sétimo considerando e do artigo 9.o da referida directiva, este princípio estende-se apenas à supervisão financeira das companhias de seguros.

116

É verdade que o artigo 9.o da Directiva 92/49 define de forma não exaustiva o âmbito de aplicação do princípio do controlo pelo Estado-Membro de origem, enunciando que a supervisão financeira compreende «nomeadamente» a verificação do estado de solvabilidade e a constituição de provisões técnicas. Contudo, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que para o legislador comunitário o Estado-Membro de origem tem uma competência exclusiva de controlo extensiva aos comportamentos comerciais das companhias de seguros.

117

Decorre daqui que o referido artigo 9.o não exclui a possibilidade de controlos como os que são exercidos pelo ISVAP.

118

As considerações precedentes não são contrariadas pelos artigos 11.o e 40.o da Directiva 92/49, invocados pela Comissão na réplica.

119

Quanto ao artigo 11.o da Directiva 92/49, importa referir que o mesmo introduz alterações a uma disposição da Directiva 73/239 que, à semelhança de todas as outras disposições que fazem parte da mesma secção da Directiva 73/239, respeita à solidariedade financeira das companhias de seguros. A Comissão não pode, por conseguinte, basear-se no referido artigo 11.o para alegar que a competência de supervisão nele enunciada ultrapassa a questão da solidariedade financeira.

120

No que respeita ao artigo 40.o da Directiva 92/49, basta referir, por um lado, que a Comissão não acusou a República Italiana de ter violado as obrigações estabelecidas nos n.os 3 a 5 desse artigo e, por outro, que o artigo 40.o, n.o 7, da mesma directiva confirma o poder do Estado-Membro de acolhimento de punir as infracções cometidas no seu território.

121

Resulta de todas as considerações precedentes que esta acusação deve ser julgada improcedente.

Quanto às despesas

122

Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No caso vertente, a Comissão foi vencida. Todavia, não tendo a República Italiana requerido a condenação da Comissão nas despesas, a República Italiana e a Comissão devem ser condenadas a suportar cada uma as suas próprias despesas.

123

Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados-Membros intervenientes no litígio suportarão as suas próprias despesas. A República da Finlândia, interveniente, suportará portanto as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

 

1)

A acção é julgada improcedente.

 

2)

A Comissão das Comunidades Europeias, a República Italiana e a República da Finlândia suportarão as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.