Processo C-516/06 P
Comissão das Comunidades Europeias
contra
Ferriere Nord SpA
«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Decisão da Comissão – Coima – Execução – Regulamento (CEE) n.° 2988/74 – Prescrição – Acto lesivo – Inadmissibilidade»
Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 6 de Dezembro de 2007
Sumário do acórdão
Recurso de anulação – Actos susceptíveis de recurso – Conceito – Actos que produzem efeitos jurídicos obrigatórios
[Artigos 230.° CE e 256.°, quarto parágrafo, CE; Regulamento n.° 2988/74 do Conselho, artigo 5.°, n.° 1, alínea a)]
Actos através dos quais a Comissão ordena a uma empresa que pague o saldo em atraso não apurado de uma coima por infracção às regras de concorrência, ameaçando‑a de proceder à execução da garantia bancária prestada por essa empresa devem ser considerados notificações de execução da decisão que aplicou a coima e, como tais, quer tenham sido adoptados antes ou depois de uma eventual prescrição, não podem ser considerados actos susceptíveis de produzir efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses da empresa sancionada, dado que constituem, na realidade, apenas actos preparatórios de actos de pura execução. Consequentemente, esses actos não constituem actos susceptíveis de recurso de anulação.
Esta interpretação não é infirmada quando a Comissão aceita, além disso, por estes actos, não cobrar os juros vencidos num momento posterior ao acórdão do Tribunal de Justiça que confirmou a sanção, pela presença do termo «decisão» no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2988/74. relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito da concorrência, segundo o qual a prescrição quanto à execução de sanções interrompe‑se «pela notificação de uma decisão que altere o montante inicial da multa, sanção ou adstrição ou que rejeite um pedido de alteração». Com efeito, mesmo supondo que uma decisão no sentido desta disposição constitui, em qualquer caso, um acto impugnável na acepção do artigo 230.° CE, pelos actos referidos, a Comissão não notifica à empresa sancionada uma decisão «que alter[a] o montante inicial da multa, sanção ou adstrição» na acepção desta primeira disposição.
De resto, o simples facto de a Comissão aceitar não cobrar os juros vencidos num momento posterior ao acórdão do Tribunal de Justiça que confirmou a sanção não parece ser susceptível de transformar num acto impugnável um acto que não o é. Com efeito, esta circunstância, enquanto tal, não é de natureza a produzir, relativamente à situação que resulta da decisão que aplicou a coima, efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses da empresa sancionada.
Por último, também não pode contra esta interpretação ser invocado o argumento de que existiria um vazio jurídico se os actos controvertidos não fossem impugnáveis nos termos do artigo 230.° CE. Com efeito, a execução forçada de uma decisão da Comissão que impõe uma obrigação pecuniária a uma pessoa é regulada pelo artigo 256.° CE, o qual, no seu quarto parágrafo, prevê disposições que garantem uma protecção jurisdicional efectiva. Em qualquer caso, embora a condição de admissibilidade do recurso de anulação relativa aos efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses do recorrente ao alterar de forma caracterizada a sua situação jurídica deva ser interpretada à luz do princípio de uma protecção jurisdicional efectiva, tal interpretação não pode conduzir a afastar essa condição sem que sejam ultrapassados os limites das competências atribuídas pelo Tratado CE aos órgãos jurisdicionais comunitários.
(cf. n.os 28-33)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
6 de Dezembro de 2007 (*)
«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Decisão da Comissão – Coima – Execução – Regulamento (CEE) n.° 2988/74 – Prescrição – Acto lesivo – Inadmissibilidade»
No processo C‑516/06 P,
que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 11 de Dezembro de 2006,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Di Bucci e F. Amato, na qualidade de agentes,
recorrente,
sendo a outra parte no processo:
Ferriere Nord SpA, representada por W. Viscardini e G. Donà, avvocati,
recorrente em primeira instância,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: C. W. A. Timmermans (relator), presidente de secção, J. Makarczyk, P. Kūris, J.‑C. Bonichot e C. Toader, juízes,
advogado‑geral: J. Mazák,
secretário: R. Grass,
vistos os autos,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 Com o seu recurso, a Comissão das Comunidades Europeias pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 27 de Setembro de 2006, Ferriere Nord/Comissão (T‑153/04, Colect., p. II‑3889, a seguir «acórdão recorrido»), que anulou as decisões da Comissão notificadas em 5 de Fevereiro de 2004, por via postal e, em 13 de Abril de 2004, por telecópia (a seguir «actos controvertidos»), relativas ao saldo não apurado da coima aplicada à Ferriere Nord SpA (a seguir «Ferriere Nord», pela Decisão 89/515/CEE da Comissão, de 2 de Agosto de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.553 – rede electrossoldada para betão) (JO L 260, p. 1, a seguir «decisão ‘rede electrossoldada para betão’»).
Quadro jurídico
2 O Regulamento (CEE) n.° 2988/74 do Conselho, de 26 de Novembro de 1974, relativo à prescrição quanto a procedimentos e execução de sanções no domínio do direito dos transportes e da concorrência da Comunidade Económica Europeia (JO L 319, p. 1; EE 08 F2 p. 41), prevê no seu artigo 4.°, intitulado «Prescrição quanto à execução de sanções»:
«1. O poder de a Comissão executar as decisões que aplicam multas, sanções ou adstrições por infracções às disposições do direito dos transportes ou da concorrência da Comunidade Económica Europeia está sujeito a um prazo de prescrição de cinco anos.
2. A prescrição começa a correr a partir do dia em que a decisão se tornar definitiva.»
3 O artigo 5.° do mesmo regulamento, intitulado «Interrupção da prescrição quanto à execução de sanções», prevê no seu n.° 1, alínea a):
«1. A prescrição quanto à execução de sanções interrompe‑se:
a) Pela notificação de uma decisão que altere o montante inicial da multa, sanção ou adstrição ou que rejeite um pedido de alteração».
Factos na origem do litígio
4 Como decorre do acórdão recorrido, a Comissão adoptou a decisão «rede electrossoldada para betão», através da qual concluiu, nomeadamente, pela participação da Ferriere Nord numa série de infracções no mercado comunitário das redes electrossoldadas para betão e lhe aplicou uma coima de 320 000 ecus.
5 Nos termos do artigo 4.° da decisão «rede electrossoldada para betão», a coima aplicada à Ferriere Nord devia ser paga no prazo de três meses a contar da notificação da referida decisão. Além disso, indicava‑se que, decorrido esse prazo, o montante da coima venceria automaticamente juros, à taxa aplicada pelo Fundo Europeu de Cooperação Monetária nas suas operações em ecus, no primeiro dia útil do mês em que a decisão «rede electrossoldada para betão» foi adoptada, acrescida de 3,5 pontos percentuais, isto é, à taxa de 12,5%.
6 Em 18 de Outubro de 1989, a Ferriere Nord interpôs recurso de anulação da decisão «rede electrossoldada para betão» no Tribunal de Primeira Instância.
7 Em 26 de Outubro de 1989, segundo as instruções da Ferriere Nord e com o acordo da Comissão, foi prestada uma garantia bancária para o montante da coima e para os juros.
8 Por acórdão de 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão (T‑143/89, Colect., p. II‑917), o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso.
9 Foi negado provimento ao recurso desse acórdão por acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão (C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411).
10 Por carta de 28 de Julho de 1997, invocando a forte desvalorização da lira italiana entre a data da decisão «rede electrossoldada para betão» e o acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, já referido, bem como a duração de quase oito anos do processo judicial, a Ferriere Nord pediu à Comissão que reconsiderasse a possibilidade de baixar o montante da coima e dos juros. A Comissão indeferiu este pedido por ofício de 11 de Setembro de 1997.
11 Por carta registada de 2 de Dezembro de 1997, a Ferriere Nord reiterou o seu pedido. Na mesma carta, mencionou ter procedido, por outro lado, ao pagamento de um montante em liras italianas correspondente ao montante da coima, ou seja, 320 000 ecus, de acordo com a taxa de câmbio em vigor em 1989. Esse montante foi creditado em 15 de Dezembro de 1997, na conta da Comissão, com o valor de 249 918 ecus.
12 A Comissão não respondeu à carta de 2 de Dezembro de 1997.
13 Quanto aos factos posteriores, o Tribunal de Primeira Instância formulou as seguintes considerações no acórdão recorrido:
«14 Por ofício de 5 de Fevereiro de 2004 (a seguir ‘ofício de 5 de Fevereiro de 2004’), a Comissão informou a [Ferriere Nord] de que o montante remanescente que devia em 27 de Fevereiro de 2004 ascendia a 564 402,26 euros (ou seja, o montante do capital da coima, de 320 000 ecus, subtraído de 249 918 ecus pagos em 15 de Dezembro de 1997 e acrescido dos juros correspondentes ao período de 17 de Novembro de 1989 a 27 de Fevereiro de 2004). A Comissão interpelou a [Ferriere Nord] para regularizar o seu débito sem demora e referiu que, efectuado o pagamento, aceitaria a liberação da garantia bancária.
15 Por carta de 25 de Fevereiro de 2004, a [Ferriere Nord] respondeu à Comissão que os pedidos constantes do ofício de 5 de Fevereiro de 2004 não tinham fundamento e eram extemporâneos. A [Ferriere Nord] alegava, nomeadamente, que o prazo de prescrição de cinco anos quanto à execução de sanções, previsto no artigo 4.° do Regulamento n.° 2988/74, tinha expirado em 18 de Setembro de 2002 e que, nessas condições, a Comissão já não podia invocar o seu crédito sobre ela nem contra o banco garante.
16 Por «fax» de 13 de Abril de 2004 (a seguir ‘fax de 13 de Abril de 2004’), a Comissão respondeu à [Ferriere Nord] que, quanto à prescrição prevista no artigo 4.° do Regulamento n.° 2988/74, essa disposição não era aplicável no caso concreto devido à existência da garantia bancária, que é invocável a todo o tempo e que tem o efeito de um pagamento provisório, de modo que não era necessária a execução forçada. A Comissão admitia igualmente não ter recordado à [Ferriere Nord] que regularizasse o seu débito depois de ter sido proferido o acórdão do Tribunal de Justiça que confirmou a decisão rede electrossoldada para betão e, a esse título, aceitava não cobrar os juros vencidos a partir do quinto mês seguinte à prolação do referido acórdão, ou seja, a partir de 17 de Dezembro de 1997. Daí decorre que a Comissão só já reclamava da [Ferriere Nord] o pagamento do montante de 341 932,32 euros, em vez dos 564 402,26 euros solicitados no ofício de 5 de Fevereiro de 2004. Por último, a Comissão referia que, não sendo efectuado o pagamento até 30 de Abril de 2004, procederia à execução da garantia bancária.»
Recurso para o Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido
14 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Abril de 2004, a Ferriere Nord pediu a anulação dos actos controvertidos.
15 O Tribunal de Primeira Instância analisou primeiro, nos n.os 37 a 53 do acórdão recorrido, a questão de saber se nas datas em que foram adoptados os actos controvertidos, ou seja, em 5 de Fevereiro e 13 de Abril de 2004, o poder da Comissão para executar a decisão «rede electrossoldada para betão» tinha prescrito, na acepção do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/74. Tendo declarado que tal era o caso, pronunciou‑se em seguida sobre a admissibilidade do recurso nos termos seguintes:
«54 Há que recordar que, na acepção do artigo 249.° CE, constitui uma decisão qualquer acto que modifique de modo caracterizado e definitivo a situação jurídica do seu destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, Colect., p. 69, n.os 33 a 43, e de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2268).
55 Resulta dos desenvolvimentos relativos à prescrição (n.os 37 a 51, supra) que, devido à prescrição do poder da Comissão para executar a decisão rede electrossoldada para betão, o direito de esta exigir à [Ferriere Nord] o pagamento do saldo estava prescrito e a [Ferriere Nord] podia legitimamente, a partir de 18 de Setembro de 2002, considerar‑se ao abrigo de qualquer pretensão da Comissão relativa à execução da referida decisão.
56 Ora, através dos actos [controvertidos], a Comissão interpelou a [Ferriere Nord] para pagar o saldo em atraso e ameaçou‑a de proceder à execução da garantia bancária. Os actos [controvertidos], que beneficiam, a priori, de uma presunção de legalidade, modificam, portanto, de modo caracterizado e definitivo a sua situação jurídica e constituem, a esse título, uma decisão na acepção do artigo 249.° CE, por definição, não confirmativa de actos anteriores.
57 Consequentemente, a questão prévia de inadmissibilidade deve ser julgada improcedente.»
16 Quanto ao mérito, o Tribunal de Primeira Instância declarou, no n.° 59 do acórdão recorrido, que era procedente o fundamento relativo à violação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/74. Por conseguinte, anulou os actos controvertidos.
Pedidos das partes
17 Com o seu recurso, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:
– anular o acórdão recorrido, na parte em que julga admissível o recurso de anulação dos actos controvertidos interposto pela Ferriere Nord;
– julgar inadmissível e, consequentemente, negar provimento ao recurso de anulação dos actos controvertidos interposto na primeira instância pela Ferriere Nord, e
– condenar a Ferriere Nord no pagamento das despesas relativas ao processo em primeira instância e ao recurso.
18 A Ferriere Nord pede que o Tribunal de Justiça se digne:
– negar provimento ao recurso por ser manifestamente improcedente, e
– condenar a Comissão nas despesas.
Quanto ao presente recurso
19 A Comissão invoca um único fundamento de recurso, intitulado «violação das disposições conjugadas dos artigos 230.°, primeiro parágrafo, CE e 249.° CE; falta ou erro de fundamentação; incompetência do Tribunal».
20 Segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância, após ter enunciado, no n.° 54 do acórdão recorrido, o critério aplicável para apreciar se se trata de um acto impugnável, não demonstrou que esse critério estivesse preenchido no caso em apreço. Pelo contrário, recordou, no n.° 55 do acórdão recorrido, o resultado da sua análise relativa à questão da prescrição. Ora, essa análise é irrelevante para apreciar a admissibilidade do recurso, dado que a questão de saber se um acto produz ou não efeitos jurídicos é independente da questão de saber se são ou não fundadas as teses ou conclusões nele contidas.
21 A Comissão sustenta que a simples interpelação para pagar não produz, por ela própria, efeitos jurídicos. Entende, portanto, que o Tribunal de Primeira Instância não apresentou qualquer fundamentação ou, em qualquer caso, apresentou uma fundamentação manifestamente errónea em apoio da conclusão de que os actos controvertidos podem ser objecto de um recurso de anulação. Por outro lado, supondo que essa fundamentação exista, ela assenta numa interpretação errada da noção de «acto impugnável» na acepção das disposições conjugadas dos artigos 230.°, primeiro parágrafo, CE e 249.° CE.
22 A Comissão acrescenta que o Tribunal de Primeira Instância decidiu o litígio embora não fosse competente para tal.
23 Afirma que, se tivesse pretendido obter o pagamento do saldo pela Ferriere Nord apesar da recusa desta última, teria sido necessário proceder à execução forçada dando início a um processo para esse fim perante o juiz nacional competente e em conformidade com as normas de processo civil em vigor no território do Estado em causa, como previsto no artigo 256.°, segundo parágrafo, CE. Nos termos do quarto parágrafo deste artigo, a fiscalização da regularidade das medidas de execução é da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais.
24 A Ferriere Nord sustenta que, na medida em que a prescrição ocorrida constitui um facto jurídico que extinguiu a obrigação que existia de pagar a coima, o efeito jurídico da notificação para cumprir, constante da carta de 5 de Fevereiro de 2004, consistiu no facto de «restabelecer» (ou na tentativa de restabelecer) um direito já extinto, com uma incidência directa e autónoma sobre a situação jurídica da Ferriere Nord.
25 Além disso, a telecópia de 13 de Abril de 2004 teria um conteúdo novo e suplementar em comparação com todos os outros actos precedentes, dado que a Comissão comunicou, através dele, ter modificado o montante global exigido à Ferriere Nord, reduzindo o montante dos juros. Ora, o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2988/74, nos termos do qual a prescrição quanto à execução de sanções é interrompida «pela notificação de uma decisão que altere o montante inicial da multa, sanção ou adstrição […]», considera a redução dos juros uma «decisão».
26 A Ferriere Nord acrescenta que, se a carta de 5 de Fevereiro de 2004 não fosse impugnável nos termos do artigo 230.° CE, isso constituiria uma lacuna na ordem jurídica comunitária e uma violação dos direitos de defesa. Com efeito, não se vislumbra como é que, de outro modo, a Ferriere Nord poderia invocar a prescrição ocorrida.
27 A este respeito, importa lembrar que apenas constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação as medidas que produzam efeitos jurídicos obrigatórios que afectem os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica deste (v., designadamente, acórdão de 12 de Setembro de 2006, Reynolds Tobacco e o./Comissão, C‑131/03 P, Colect., p. I‑7795, n.° 54 e jurisprudência aí referida).
28 Resulta do n.° 56 do acórdão recorrido que, segundo o Tribunal de Primeira Instância, a situação jurídica da Ferriere Nord foi alterada de forma caracterizada pelo facto de, através dos actos controvertidos, a Comissão ter dirigido à Ferriere Nord uma interpelação para pagar o saldo em atraso, ameaçando‑a de proceder à execução da garantia bancária.
29 Porém, como decorre das considerações relativas aos actos controvertidos, efectuadas pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 14 e 16 do acórdão recorrido, estes actos devem ser considerados notificações de execução de uma decisão tomada anteriormente, a saber, da decisão «rede electrossoldada para betão». Como tal, não se pode considerar que estes actos, quer tenham sido adoptados antes ou depois de uma eventual prescrição, possam produzir efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses da Ferriere Nord. Com efeito, eles constituem, na realidade, apenas actos preparatórios de actos de pura execução. Ora, nem uns nem outros constituem actos impugnáveis (v., neste sentido, acórdãos de 1 de Dezembro de 2005, Reino Unido/Comissão, C‑46/03, Colect., p. I‑10167, n.° 25, e Reynolds Tobacco e o./Comissão, já referido, n.° 55).
30 Esta interpretação não é infirmada pela presença do termo «decisão» no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 2988/74. Com efeito, mesmo supondo que uma decisão no sentido desta disposição constitui, em qualquer caso, um acto impugnável na acepção do artigo 230.° CE, deve ser observado que, com os actos controvertidos, a Comissão não notificou à Ferriere Nord uma decisão «que alter[a] o montante inicial da multa, sanção ou adstrição» na acepção desta primeira disposição.
31 De resto, o simples facto de, na telecópia de 13 de Abril de 2004, a Comissão ter aceitado não cobrar os juros vencidos a partir do quinto mês seguinte à prolação do acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, já referido, não parece ser susceptível de transformar num acto impugnável um acto que não o é, pelos motivos indicados no n.° 29 do presente acórdão. Com efeito, esta circunstância, enquanto tal, não é de natureza a produzir, relativamente à situação que resulta da decisão «rede electrossoldada para betão», efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses da Ferriere Nord.
32 Finalmente, quanto ao argumento de que existiria um vazio jurídico se os actos controvertidos não fossem impugnáveis nos termos do artigo 230.° CE, deve notar‑se que a execução forçada de uma decisão da Comissão que impõe uma obrigação pecuniária a uma pessoa como a Ferriere Nord é regulada pelo artigo 256.° CE, o qual, no seu quarto parágrafo, prevê disposições que garantem uma protecção jurisdicional efectiva. Além disso, não foi demonstrado que, se a Comissão executasse a garantia bancária prestada de acordo com as instruções da Ferriere Nord, esta última estaria impossibilitada de beneficiar de uma protecção jurisdicional efectiva contra as consequências negativas de tal execução.
33 Em qualquer caso, embora a condição relativa aos efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses do recorrente ao alterar de forma caracterizada a sua situação jurídica deva ser interpretada à luz do princípio de uma protecção jurisdicional efectiva, tal interpretação não pode conduzir a afastar essa condição sem exceder as competências atribuídas pelo Tratado CE aos órgãos jurisdicionais comunitários (acórdão Reynolds Tobacco e o./Comissão, já referido, n.° 81).
34 Resulta do exposto que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao qualificar os actos controvertidos como actos impugnáveis na acepção do artigo 230.° CE. Portanto, há que anular o acórdão recorrido e, nos termos do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, declarar inadmissível o recurso de anulação dos actos controvertidos.
Quanto às despesas
35 Nos termos do artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.
36 Tendo o presente recurso obtido provimento e a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão sido julgada procedente, há que decidir que a Ferriere Nord suportará a integralidade das despesas efectuadas no Tribunal de Primeira Instância e no Tribunal de Justiça.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:
1) É anulado o acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 27 de Setembro de 2006, Ferriere Nord/Comissão (T‑153/04).
2) É inadmissível o recurso de anulação, interposto pela Ferriere Nord SpA, das decisões da Comissão das Comunidades Europeias, notificadas em 5 de Fevereiro de 2004, por via postal e, em 13 de Abril de 2004, por telecópia, relativas ao saldo não apurado da coima aplicada à Ferriere Nord SpA pela Decisão 89/515/CEE da Comissão, de 2 de Agosto de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.553 – rede electrossoldada para betão).
3) A Ferriere Nord SpA é condenada nas despesas relativas aos dois processos.
Assinaturas
* Língua do processo: italiano.