ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

29 de Janeiro de 2009 ( *1 )

«Reconhecimento de diplomas — Directiva 89/48/CEE — Homologação de um título de estudos — Engenheiro»

No processo C-311/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Consiglio di Stato (Itália), por decisão de 28 de Fevereiro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em , no processo

Consiglio Nazionale degli Ingegneri

contra

Ministero della Giustizia,

Marco Cavallera,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, J.-C. Bonichot, K. Schiemann (relator), J. Makarczyk e L. Bay Larsen, juízes,

advogado-geral: M. Poiares Maduro,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Setembro de 2007,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Consiglio Nazionale degli Ingegneri, por A. Romei, avvocato,

em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck, na qualidade de agente,

em representação do Governo checo, inicialmente por T. Boček e em seguida por M. Smolek, na qualidade de agentes,

em representação do Governo grego, por E. Skandalou, na qualidade de agente,

em representação do Governo cipriota, por C. Lycourgos e I. Neofitou, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

em representação do Governo sueco, por A. Falk e A. Kruse, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. Støvlbæk e E. Montaguti, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 28 de Fevereiro de 2008,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 89/48/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos (JO 1989, L 19, p. 16).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Consiglio Nazionale degli Ingegneri (Conselho Nacional dos Engenheiros) ao Ministero della Giustizia (Ministério da Justiça) a respeito do reconhecimento, por este último, de um título espanhol de engenheiro do cidadão italiano M. Callavera, obtido através da homologação de um título de estudos italiano, para efeitos da inscrição do interessado no registo dos engenheiros em Itália.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3

O primeiro considerando da Directiva 89/48 tem a seguinte redacção:

«Considerando que, por força da alínea c) do artigo 3.o do Tratado, a abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e serviços entre os Estados-Membros é um dos objectivos da Comunidade; que essa abolição implica, nomeadamente, que os nacionais dos Estados-Membros possam exercer uma profissão independente ou assalariada noutro Estado-Membro que não aquele onde adquiriram as respectivas qualificações profissionais».

4

O terceiro considerando desta directiva refere:

«Considerando que, para responder rapidamente às expectativas dos cidadãos europeus que possuem diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais emitidos num Estado-Membro que não aquele onde pretendem exercer a sua profissão, é conveniente igualmente pôr em prática um outro método de reconhecimento desses diplomas, de modo a facilitar a esses cidadãos o exercício de todas as actividades profissionais dependentes, no Estado-Membro de acolhimento, da posse de uma formação pós-secundária, desde que esses cidadãos possuam diplomas que os habilitem para essas actividades, que sancionem um ciclo de estudos mínimo de três anos e que tenham sido emitidos noutro Estado-Membro».

5

O quinto considerando da referida directiva precisa:

«Considerando que, para as profissões cujo exercício a Comunidade não determinou o nível mínimo de habilitações necessárias, os Estados-Membros conservam a faculdade de fixar esse nível, com o fim de garantir a qualidade das prestações fornecidas no seu território; que os Estados-Membros, contudo, não podem, sem desrespeito das obrigações decorrentes do artigo 5.o do Tratado, impor a um nacional de um Estado-Membro que adquira habilitações que os Estados-Membros se limitam geralmente a determinar apenas por referência aos diplomas emitidos no âmbito do respectivo sistema nacional de ensino, quando o interessado já adquiriu todas ou parte dessas habilitações noutro Estado-Membro; que, por conseguinte, qualquer Estado-Membro de acolhimento, em que uma profissão seja regulamentada, deve tomar em consideração as habilitações adquiridas noutro Estado-Membro e apreciar se essas habilitações correspondem às que ele próprio exige».

6

O artigo 1.o, alíneas a) e b), da Directiva 89/48 dispõe:

«Para os efeitos da presente directiva, entende-se:

a)

Por diploma, qualquer diploma, certificado ou outro título, ou qualquer conjunto de tais diplomas, certificados ou outros títulos:

que tenha sido emitido por uma autoridade competente de um Estado-Membro, designada nos termos das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas desse Estado,

de que se depreenda que o titular concluiu com êxito um ciclo de estudos pós-secundários, com uma duração mínima de três anos ou com duração equivalente a tempo parcial, numa universidade ou num estabelecimento de ensino superior ou noutro estabelecimento com o mesmo nível de formação e, se for o caso, que concluiu com êxito a formação profissional requerida para além do ciclo de estudos pós-secundários, e

de que se depreenda que o titular possui as qualificações profissionais requeridas para o acesso a uma profissão regulamentada nesse Estado-Membro ou para o seu exercício,

desde que a formação sancionada por esse diploma, certificado ou outro título tenha sido preponderantemente adquirida na Comunidade ou desde que o seu titular tenha uma experiência profissional de três anos, certificada pelo Estado-Membro que reconheceu o diploma, certificado ou outro título emitido num país terceiro.

É equiparado a diploma, na acepção do primeiro parágrafo, qualquer diploma, certificado ou outro título, ou qualquer conjunto de diplomas, certificados e outros títulos, emitido por uma autoridade competente de um Estado-Membro, desde que sancione uma formação adquirida na Comunidade e reconhecida nesse Estado-Membro, por uma autoridade competente, como sendo de nível equivalente e desde que confira nesse Estado-Membro os mesmos direitos de acesso a uma profissão regulamentada ou os mesmos direitos de exercício dessa profissão;

b)

Por Estado-Membro de acolhimento, o Estado-Membro em que um nacional de um Estado-Membro pede autorização para exercer uma profissão regulamentada nesse Estado, sem nele ter obtido o diploma de que é titular ou sem aí ter exercido pela primeira vez a profissão em causa».

7

Unicamente nas versões italiana e húngara, o artigo 1.o, alínea b), da Directiva 89/48 visa um nacional «de outro Estado-Membro» («di un altro Stato membro»/«egy másik tagállam»), em vez de um nacional «de um Estado-Membro».

8

O artigo 2.o, primeiro parágrafo, da Directiva 89/48 enuncia:

«A presente directiva aplica-se aos nacionais de um Estado-Membro que desejem exercer, como independentes ou assalariados, uma profissão regulamentada num Estado-Membro de acolhimento.»

9

Unicamente nas versões alemã e húngara, o artigo 2.o, primeiro parágrafo, desta directiva visa o exercício de uma profissão regulamentada «noutro Estado-Membro» («in einem anderen Mitgliedstaat»/«egy másik tagállamban»), em vez do exercício de uma profissão regulamentada «num Estado-Membro de acolhimento».

10

O artigo 3.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Directiva 89/48 prevê:

«Quando, no Estado-Membro de acolhimento, o acesso a uma profissão regulamentada ou o seu exercício dependerem da posse de um diploma, a autoridade competente não pode recusar a um nacional de um Estado-Membro, por falta de habilitações, o acesso a essa profissão ou o seu exercício, nas mesmas condições que aos seus nacionais:

a)

Se o requerente possuir o diploma exigido por outro Estado-Membro para ter acesso a essa mesma profissão no seu território ou nele a exercer e tiver obtido aquele diploma num Estado-Membro […]»

11

Unicamente nas versões italiana, espanhola e eslovena, o artigo 3.o, primeiro parágrafo, desta directiva visa a recusa a um nacional «de outro Estado-Membro» («di un altro Stato membro»/«de otro Estado miembro»/«druge države članice»), em vez da recusa a um nacional «de um Estado-Membro».

12

Além disso, unicamente nas versões italiana e eslovena, o artigo 3.o, primeiro parágrafo, alínea a), da referida directiva visa um diploma obtido «noutro Estado-Membro» («in un altro Stato membro»/«drugi državi članici»), em vez de um diploma obtido «num Estado-Membro».

13

Não obstante o disposto no seu artigo 3.o, o artigo 4.o da Directiva 89/48 permite que o Estado-Membro de acolhimento exija que o requerente, sob certas condições, prove que possui uma experiência profissional de uma duração determinada, efectue um estágio de adaptação durante um máximo de três anos ou se submeta a uma prova de aptidão. O mesmo artigo 4.o fixa certas regras e condições aplicáveis às medidas de compensação que podem ser exigidas para minimizar as insuficiências da formação que o referido requerente declara possuir.

Legislação nacional

Regulamentação da profissão de engenheiro em Espanha e em Itália

14

A profissão de engenheiro constitui uma profissão regulamentada quer em Espanha quer em Itália.

— Sistemas de formação e requisitos de acesso à profissão de engenheiro

15

Os sistemas de formação italiano e espanhol são muito semelhantes quanto às qualificações no domínio da engenharia. Nestes dois Estados-Membros tais qualificações podem ser obtidas no termo de um ciclo de estudos pós-secundários com uma duração de três ou cinco anos.

16

Em Itália, os diplomas universitários obtidos após três anos de estudos («laurea triennale») sancionam a formação de engenheiros juniores («ingegnere junior»).

17

O acesso à profissão de engenheiro júnior depende da posse do diploma universitário requerido, bem como da aprovação no exame de Estado («esame di Stato») correspondente à profissão em causa [artigo 4.o do Decreto real n.o 2537, de 23 de Outubro de 1925 (Gazzetta ufficiale n.o 37, de )]. Este exame de Estado compreende, segundo os artigos 47.o e 48.o do Decreto do Presidente da República n.o 328, de (suplemento ordinário do GURI n.o 190, de ), pelo menos duas provas escritas, uma prova oral e uma prova prática. Os candidatos aprovados no exame de Estado obtêm a habilitação para o exercício da profissão de engenheiro («abilitazione all’sercizio della professione di ingegnere»).

18

Em Espanha, os diplomas universitários obtidos após três anos de estudos conferem a qualificação de engenheiro técnico («ingeniero técnico»).

19

A legislação espanhola em matéria de diplomas universitários distingue entre dois tipos de diplomas, a saber, os «diplomas oficiais», cuja validade é reconhecida em todo o território nacional e que dão acesso às profissões regulamentadas, e os «diplomas próprios» que as diferentes universidades podem emitir, mas que não dão acesso às profissões regulamentadas. Esta matéria é regulada pela Lei orgânica 6/2001, de 21 de Dezembro de 2001, relativa às universidades (BOE n.o 307, de , p. 49400).

20

Em Espanha, o acesso à profissão de engenheiro técnico depende, em princípio, da posse do diploma universitário oficial, na acepção da Lei orgânica 6/2001, correspondente à profissão em causa.

21

Tanto em Itália como em Espanha, o exercício da profissão de engenheiro requer igualmente a inscrição no registo de uma ordem profissional. Em Itália, o Consiglio dell’rdine degli Ingegneri (Conselho da Ordem dos Engenheiros) mantém em cada província um registo dos engenheiros. Este registo divide-se em duas secções, estando a secção B reservada aos engenheiros juniores. Em Espanha, são competentes, segundo as especializações e as regiões, diversos «colegios de ingenieros» (ordens dos engenheiros). Nestes dois Estados-Membros, a inscrição no registo de uma ordem de engenheiros constitui uma simples formalidade administrativa que não atesta, por si só, as qualificações profissionais das pessoas em causa, mas visa garantir que o exercício da profissão respeite certas normas deontológicas.

— A profissão de engenheiro mecânico em Itália

22

As pessoas que pretendam exercer a profissão de engenheiro mecânico em Itália devem, normalmente, ser titulares do diploma universitário de engenheiro mecânico («laurea in ingegneria meccanica»), que sanciona uma formação com uma duração de três anos, bem como da habilitação para o exercício da profissão de engenheiro, emitida após a aprovação no exame de Estado. Além disso, tais pessoas devem estar inscritas no registo dos engenheiros de uma província, na secção B, sector industrial.

— A profissão de engenheiro técnico industrial, especialidade mecânica, em Espanha

23

Em Espanha, as pessoas que pretendam exercer a profissão de engenheiro técnico industrial, especialidade mecânica («ingeniero técnico industrial, especialidad mecánica»), devem, normalmente, ser titulares do diploma universitário oficial, na acepção da Lei orgânica 6/2001, de engenheiro técnico industrial, especialidade mecânica. Este diploma de engenheiro técnico é obtido após três anos de estudos. Além disso, essas pessoas devem estar inscritas no registo do «Colegio de ingenieros técnicos industriales» (Ordem profissional dos engenheiros técnicos industriais).

Procedimento de reconhecimento em Itália

24

Em Itália, o Decreto legislativo n.o 115, de 27 de Janeiro de 1992 (GURI n.o 40, de , a seguir «Decreto legislativo n.o 115/1992»), visa transpor para direito interno a Directiva 89/48.

25

O artigo 1.o do Decreto legislativo n.o 115/1992, intitulado «Reconhecimento dos títulos de formação obtidos na Comunidade Europeia», dispõe:

«1.   Nas condições estabelecidas nas disposições do presente decreto, são reconhecidos em Itália os títulos emitidos por um Estado-Membro da Comunidade Europeia que certifiquem uma formação profissional exigida pela lei desse Estado para o exercício de uma profissão.

2.   O reconhecimento é concedido ao cidadão comunitário para o exercício em Itália, como trabalhador autónomo ou por conta de outrem, da profissão correspondente àquela para que está habilitado no país que emitiu os títulos referidos no número anterior.

3.   Os títulos são reconhecidos se certificarem que o requerente concluiu um ciclo de estudos pós-secundários com uma duração mínima de pelo menos três anos, ou com uma duração equivalente a tempo parcial, numa universidade ou num estabelecimento de ensino superior ou noutro estabelecimento que garanta o mesmo nível de formação.»

26

Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o Decreto legislativo n.o 115/1992 não permite o reconhecimento de um diploma obtido noutro Estado-Membro com base num título de estudos italiano. Este órgão jurisdicional precisa que, por força do artigo 1.o, n.o 3, desse decreto legislativo, o diploma estrangeiro deve certificar que o requerente concluiu um ciclo de estudos, o que implica a existência de uma relação imediata entre o título e o ciclo de estudos e que este deve ser directamente certificado pelo diploma. De resto, esta disposição não pode aplicar-se a um diploma de outro Estado-Membro que certifique, na realidade, a existência de um título de estudos italiano.

Procedimento de homologação em Espanha

27

No direito espanhol, o procedimento de homologação dos diplomas universitários deve ser distinguido do procedimento de reconhecimento das qualificações profissionais previsto no Real Decreto 1665/1991, que regula o sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior emitidos nos Estados-Membros da União Europeia que exigem uma formação com uma duração mínima de três anos, de 25 de Outubro de 1991 (BOE n.o 208, de , p. 37916), que visa transpor a Directiva 89/48 para a ordem jurídica espanhola. A homologação constitui um controlo do conteúdo académico, em termos de conhecimentos, dos estudos seguidos para a obtenção de um diploma.

28

Até 4 de Setembro de 2004, o procedimento de homologação dos diplomas universitários estrangeiros era regulado, em Espanha, pelo Real Decreto 86/1987, de (BOE n.o 20, de ), bem como pela legislação adoptada em aplicação deste último.

29

O conceito de homologação era definido no artigo 1.o do Real Decreto 86/1987. Segundo esta disposição, a homologação pressupõe o reconhecimento, em Espanha, da validade oficial, para efeitos académicos, dos diplomas de ensino superior obtidos no estrangeiro.

30

Decorre do artigo 2.o do referido real decreto que, embora a homologação dos diplomas estrangeiros não exija necessariamente a realização de exames suplementares quando a formação certificada pelo diploma estrangeiro não é equivalente à que é certificada pelo diploma espanhol, a homologação pode ser sujeita à aprovação em provas sobre os conhecimentos exigidos, em Espanha, para a obtenção do diploma.

31

Por força do artigo 3.o do Real Decreto 86/1987, o procedimento de homologação só se aplica aos estudos de carácter oficial. Por conseguinte, os outros estudos sem carácter oficial dispensados pelas universidades estão excluídos do âmbito de aplicação desse real decreto.

32

A homologação confere ao diploma estrangeiro, desde o momento em que é concedida, os mesmos efeitos que o diploma ou o grau universitário espanhol equivalente.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

33

M. Cavallera, de nacionalidade italiana, é titular de um título de estudos de engenheiro mecânico emitido em 9 de Março de 1999 pela Universidade de Turim (Itália) no termo de uma formação de três anos.

34

M. Cavallera solicitou, em Espanha, ao Ministério da Educação e Ciências a homologação do seu título de estudos italiano a fim de obter a equiparação ao título universitário espanhol correspondente, em aplicação das disposições do Real Decreto 86/1987. Em 17 de Outubro de 2001, o referido ministério homologou o título de estudos italiano de M. Cavallera de modo a equipará-lo ao título oficial espanhol de engenheiro técnico industrial, especialidade mecânica.

35

Consequentemente, M. Cavallera está habilitado a exercer, em Espanha, a profissão regulamentada de engenheiro técnico industrial, especialidade mecânica. Com base no certificado que atesta a homologação do seu título de estudos italiano, M. Cavallera inscreveu-se num dos «colegios de ingenieros técnicos industriales» da Catalunha.

36

É, contudo, pacífico que M. Cavallera não exerceu uma actividade profissional fora do território italiano e que não seguiu uma formação nem realizou exames no sistema educativo espanhol. Do mesmo modo, é pacífico que não se submeteu ao exame de Estado previsto na regulamentação italiana para ficar habilitado a exercer a profissão de engenheiro.

37

Por requerimento de 6 de Março de 2002, M. Cavallera solicitou, em Itália, ao Ministero della Giustizia, o reconhecimento das suas qualificações espanholas, em aplicação do Decreto legislativo n.o 115/1992, a fim de se inscrever, nesse Estado-Membro, no registo dos engenheiros.

38

De acordo com a legislação italiana, este pedido foi submetido ao parecer de uma comissão instrutória que se pronunciou, por maioria, em sentido favorável, tendo, todavia, o representante do Consiglio Nazionale degli Ingegneri, que integra essa comissão, votado contra.

39

Por Decreto de 23 de Outubro de 2002, o Ministero della Giustizia reconheceu a validade do título espanhol de M. Cavallera para efeitos da sua inscrição no registo dos engenheiros (secção B, sector industrial). Com base neste decreto, M. Cavallera foi inscrito no registo da Ordem dos Engenheiros de Alessandria (Itália), cidade onde reside.

40

O Consiglio Nazionale degli Ingegneri impugnou o referido decreto ministerial no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Itália), sustentando que, nos termos da Directiva 89/48 e da legislação interna pertinente, as autoridades italianas não podiam reconhecer o título espanhol de M. Cavallera, dado que esse reconhecimento teria por consequência dispensá-lo do exame de Estado previsto na legislação italiana.

41

Por acórdão de 5 de Outubro de 2004, aquele órgão jurisdicional negou provimento ao recurso interposto pelo Consiglio Nazionale degli Ingegneri, por considerar que o Ministero della Giustizia tinha actuado dentro da lei. O Consiglio Nazionale degli Ingegneri recorreu então desse acórdão para o Consiglio di Stato (Itália).

42

O Consiglio di Stato considera que a Directiva 89/48 não se aplica à situação de M. Cavallera, porque este não obteve um «diploma», na acepção do artigo 1.o, alínea a), da Directiva 89/48, em Espanha e baseia inteiramente o seu pedido nas qualificações italianas. O Consiglio di Stato tem, no entanto, dúvidas a este respeito.

43

Foi nestas condições que o Consiglio di Stato decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A Directiva 89/48/CEE aplica-se ao caso de um cidadão italiano que:

obteve a licenciatura no curso de engenharia de três anos em Itália;

obteve a homologação do título italiano como equivalente ao correspondente título espanhol;

obteve a inscrição no registo espanhol dos engenheiros, mas nunca exerceu essa profissão em Espanha; [e]

requereu, com base no título de homologação espanhol, a inscrição no registo dos engenheiros em Itália?

2)

No caso de resposta afirmativa à primeira questão, é compatível com a Directiva 89/48/CEE a norma interna (artigo 1.o do Decreto [l]egislativo [n.o 115/1992]) que não permite o reconhecimento em Itália de um título [emitido por] um Estado-Membro que é, por sua vez, fruto exclusivo do reconhecimento de um anterior título italiano?»

Quanto às questões prejudiciais

44

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se as disposições da Directiva 89/48 podem ser invocadas, para efeitos de exercício de uma profissão regulamentada num Estado-Membro de acolhimento, pelo titular de um título emitido por uma autoridade de outro Estado-Membro que não sanciona uma formação no sistema educativo desse Estado-Membro e não se baseia num exame nem numa experiência profissional adquirida no referido Estado-Membro.

45

Para responder a esta questão, importa examinar se o reconhecimento de um título como o que está em causa no processo principal é abrangido pelo âmbito de aplicação da Directiva 89/48.

46

Sem prejuízo das disposições do artigo 4.o da Directiva 89/48, o artigo 3.o, primeiro parágrafo, alínea a), desta última confere a qualquer requerente titular de um «diploma», na acepção da referida directiva, que lhe permita exercer uma profissão regulamentada num Estado-Membro, o direito de exercer essa mesma profissão em qualquer outro Estado-Membro. O conceito de «diploma», definido no artigo 1.o, alínea a), da Directiva 89/48, constitui a pedra angular do sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior previsto por esta directiva.

47

Tratando-se das qualificações invocadas por M. Cavallera, importa lembrar, antes de mais, que o «diploma», na acepção do artigo 1.o, alínea a), da Directiva 89/48, pode ser constituído por um conjunto de títulos.

48

Em seguida, o requisito previsto no artigo 1.o, alínea a), primeiro travessão, da Directiva 89/48 está preenchido relativamente aos títulos invocados por M. Cavallera, dado que cada um desses títulos foi emitido por uma autoridade competente, designada nos termos das disposições legislativas, respectivamente, italianas e espanholas.

49

No que se refere ao requisito previsto no artigo 1.o, alínea a), segundo travessão, da Directiva 89/48, resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que M. Cavallera cumpre manifestamente o requisito segundo o qual o titular deve ter concluído um ciclo de estudos pós-secundários com uma duração mínima de três anos numa universidade. Com efeito, esse facto é expressamente comprovado pelo título de estudos emitido ao interessado pela Universidade de Turim.

50

Por outro lado, no que diz respeito ao requisito previsto no artigo 1.o, alínea a), terceiro travessão, da Directiva 89/48, resulta do certificado de homologação emitido pelo Ministério da Educação e Ciências que M. Cavallera possui as qualificações profissionais necessárias para aceder a uma profissão regulamentada em Espanha. Mesmo admitindo que este elemento não decorre expressamente do referido certificado, é claramente demonstrado pela inscrição de M. Cavallera no registo da ordem profissional competente em Espanha.

51

Resta determinar se, uma vez que o certificado de homologação apresentado por M. Cavallera não sanciona uma formação no sistema educativo espanhol e não se baseia num exame nem numa experiência profissional adquirida em Espanha, o conjunto de títulos de que dispõe pode, todavia, ser considerado um «diploma» na acepção da Directiva 89/48 ou pode ser equiparado a tal diploma ao abrigo do artigo 1.o, alínea a), segundo parágrafo, da Directiva 89/48.

52

Neste contexto, os argumentos invocados pelo Consiglio Nazionale degli Ingegneri, bem como pelos Governos italiano e austríaco, baseados na redacção de certas versões linguísticas da Directiva 89/48, que divergem pontualmente, como foi referido nos n.os 7, 9, 11 e 12 do presente acórdão, das outras versões linguísticas, ao mencionarem a expressão «noutro Estado-Membro», ao passo que a grande maioria das versões linguísticas incluem apenas as expressões «Estado-Membro» ou «Estado-Membro de acolhimento», não podem ser admitidos.

53

A este propósito, decorre, com efeito, de jurisprudência constante que a necessidade de uma aplicação e, consequentemente, de uma interpretação uniforme das disposições do direito comunitário exclui que, em caso de dúvida, o texto de uma disposição seja considerado isoladamente numa das suas versões, mas exige, pelo contrário, que seja interpretado e aplicado à luz das versões redigidas noutras línguas oficiais (acórdãos de 12 de Novembro de 1969, Stauder, 29/69, Colect. 1969-1970, p. 157, n.o 3; de , EMU Tabac e o., C-296/95, Colect., p. I-1605, n.o 36; e de , Zuid-Hollandse Milieufederatie e Natuur en Milieu, C-174/05, Colect., p. I-2443, n.o 20).

54

Por outro lado, se é verdade que foi declarado que a Directiva 89/48 não contém nenhuma limitação quanto ao Estado-Membro no qual um requerente deve ter adquirido as suas qualificações profissionais (acórdãos de 23 de Outubro de 2008, Comissão/Grécia, C-274/05, Colect., p. I-7969, n.o 28, e Comissão/Espanha, C-286/06, Colect., p. I-8025, n.o 62), esta jurisprudência faz, contudo, uma distinção entre o local geográfico em que tem lugar uma formação e o sistema educativo de que a mesma faz parte. Com efeito, nesses acórdãos, os interessados tinham seguido formações num sistema educativo que não era o do Estado-Membro em que procuravam fazer valer as suas qualificações profissionais.

55

A Directiva 89/48 visa suprimir os obstáculos ao exercício de uma profissão num Estado-Membro diferente do que emitiu o título que comprova as qualificações profissionais em causa. Decorre do primeiro, terceiro e quinto considerandos da referida directiva que um título que certifica as qualificações profissionais não pode ser equiparado a um «diploma» na acepção desta mesma directiva sem que exista uma aquisição, no todo ou em parte, das qualificações no âmbito do sistema educativo do Estado-Membro que emite o título em questão. Por outro lado, o Tribunal de Justiça já salientou que um título facilita o acesso a uma profissão ou o seu exercício na medida em que prova a posse de uma qualificação suplementar (v., neste sentido, acórdãos de 31 de Março de 1993, Kraus, C-19/92, Colect., p. I-1663, n.os 18 a 23, e de , Burbaud, C-285/01, Colect., p. I-8219, n.os 47 a 53).

56

Ora, a homologação espanhola não comprova uma qualificação suplementar. A este respeito, nem a homologação nem a inscrição no registo de um dos «colegios de ingenieros técnicos industriales» da Catalunha se basearam numa verificação das qualificações ou experiências profissionais adquiridas por M. Cavallera.

57

Aceitar, nestas circunstâncias, que a Directiva 89/48 possa ser invocada a fim de beneficiar de um acesso à profissão regulamentada em causa no processo principal em Itália teria como consequência permitir que uma pessoa que apenas tivesse obtido um título emitido por esse Estado-Membro, que, em si, não dá acesso à referida profissão regulamentada, acedesse a esta última sem que, no entanto, o título de homologação obtido em Espanha comprove a aquisição de uma qualificação suplementar ou de uma experiência profissional. Esse resultado seria contrário ao princípio consagrado na Directiva 89/48 e enunciado no seu quinto considerando, segundo o qual os Estados-Membros conservam a faculdade de fixar o nível mínimo de qualificação necessário com o fim de garantir a qualidade das prestações fornecidas no seu território.

58

Resulta do conjunto das considerações precedentes que o artigo 1.o, alínea a), da Directiva 89/48 deve ser interpretado no sentido de que a definição do conceito de «diploma» que enuncia não inclui o título emitido por um Estado-Membro que não sanciona uma formação no sistema educativo desse Estado-Membro e não se baseia num exame nem numa experiência profissional adquirida no referido Estado-Membro.

59

Consequentemente, há que responder à primeira questão que as disposições da Directiva 89/48 não podem ser invocadas, para efeitos de acesso a uma profissão regulamentada num Estado-Membro de acolhimento, pelo titular de um título emitido por uma autoridade de outro Estado-Membro que não sanciona uma formação prevista no sistema educativo desse Estado-Membro e não se baseia num exame nem numa experiência profissional adquirida no referido Estado-Membro.

60

Face à resposta dada à primeira questão, não é necessário responder à segunda questão.

Quanto às despesas

61

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

As disposições da Directiva 89/48/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos, não podem ser invocadas, para efeitos de acesso a uma profissão regulamentada num Estado-Membro de acolhimento, pelo titular de um título emitido por uma autoridade de outro Estado-Membro que não sanciona uma formação prevista no sistema educativo desse Estado-Membro e não se baseia num exame nem numa experiência profissional adquirida no referido Estado-Membro.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: italiano.