Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Partes

Nos processos apensos C‑260/06 e C‑261/06,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentados pela cour d’appel de Montpellier (França), por decisões de 24 de Maio de 2006, entrados no Tribunal de Justiça em 15 de Junho de 2006, nos processos penais contra

Daniel Escalier (C‑260/06),

Jean Bonnarel (C‑261/06),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, G. Arestis, E. Juhász, J. Malenovský e T. von Danwitz (relator), juízes,

advogada‑geral: V. Trstenjak,

secretário: R. Grass,

vistas as observações apresentadas:

– em representação de D. Escalier e J. Bonnarel, por J.‑P. Montenot, avocat,

– em representação do Governo francês, por G. de Bergues e R. Loosli‑Surrans, na qualidade de agentes,

– em representação do Governo helénico, por G. Kanellopoulos e S. Papaioannou, na qualidade de agentes,

– em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, na qualidade de agente,

– em representação do Governo finlandês, por A. Guimaraes‑Purokoski, na qualidade de agente,

– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por B. Stromsky, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de Julho de 2007,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão

1. Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação dos artigos 28.° CE e 30.° CE, bem como da Directiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO L 230, p. 1, a seguir «directiva»).

2. Estes pedidos foram apresentados no âmbito de processos penais contra D. Escalier e J. Bonnarel, que são acusados de desrespeito pela legislação francesa relativa à colocação no mercado, à posse e à utilização de produtos fitofarmacêuticos.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3. Nos termos do artigo 28.° CE, as restrições quantitativas à importação e as medidas de efeito equivalente são proibidas entre os Estados‑Membros. Todavia, nos termos do artigo 30.° CE, as proibições ou as restrições à importação entre os Estados‑Membros que são justificadas por razões, designadamente, de protecção da saúde e da vida das pessoas e dos animais ou de preservação dos vegetais são autorizadas desde que não constituam um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada ao comércio intracomunitário.

4. A directiva institui regras uniformes relativas aos requisitos e aos procedimentos de autorização de colocação no mercado (a seguir «ACM») dos produtos fitofarmacêuticos, bem como à respectiva revisão e retirada. A directiva tem por finalidade não só harmonizar as regras relativas aos requisitos e aos procedimentos de autorização dos referidos produtos como também assegurar um nível elevado de protecção da saúde das pessoas e dos animais, bem como do ambiente, contra as ameaças e os riscos provocados pelo uso incontrolado destes produtos. A directiva, destina‑se, além disso, a remover os entraves à livre circulação destes produtos.

5. A directiva diz respeito, designadamente, à autorização, à colocação no mercado, à utilização e ao controlo, no interior da Comunidade Europeia, de produtos fitofarmacêuticos apresentados sob a sua forma comercial. De acordo com o seu artigo 2.°, n.° 10, entende‑se por «colocação no mercado» qualquer entrega, a título oneroso ou gratuito, com excepção das entregas para armazenagem e subsequente expedição para fora do território da Comunidade Europeia. Considera‑se colocação no mercado, na acepção da directiva, a importação de um produto fitofarmacêutico para este território.

6. Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da directiva:

«Os Estados‑Membros determinarão que os produtos fitofarmacêuticos só podem ser colocados no mercado e utilizados no seu território quando tiverem sido autorizados em conformidade com o disposto na presente directiva, […]»

7. O artigo 4.° da directiva enuncia, designadamente, os requisitos que um produto fitofarmacêutico deve preencher para poder ser autorizado. Por força deste mesmo artigo, as autorizações devem precisar as exigências relativas à colocação no mercado e à utilização dos produtos e são concedidas apenas por um período determinado, que não ultrapassa dez anos, que é fixado pelos Estados‑Membros. Podem ser reexaminadas a qualquer momento e devem, em determinadas condições, ser anuladas. Quando um Estado‑Membro retira uma ACM, informa imediatamente desse facto o respectivo titular.

8. A directiva prevê, além disso, nos seus artigos 3.°, n.° 4, e 16.°, um controlo específico relativo à classificação, à embalagem e à rotulagem de cada produto. Assim, por força do artigo 16.°, n.° 1, da directiva, o rótulo da embalagem de um produto fitofarmacêutico deve conter, de modo legível e indelével, designadamente, o nome comercial ou a designação desse produto, o nome e a morada do titular da ACM, o número desta, bem como numerosas indicações relativas ao produto e à sua utilização, como, por exemplo, a natureza dos riscos especiais para o homem, os animais e o ambiente, bem como as precauções a tomar para a protecção destes, as utilizações para as quais o produto fitofarmacêutico é autorizado e as condições específicas em que pode ser utilizado, bem como as instruções de utilização.

9. Nos termos do artigo 10.°, n.° 1, da directiva, um Estado‑Membro ao qual tenha sido apresentado um pedido de ACM para um produto fitofarmacêutico já autorizado noutro Estado‑Membro deve abster‑se de exigir, sob determinadas condições e salvo excepção, a repetição dos testes e análises já realizados.

10. Nos termos do artigo 17.°, primeiro parágrafo, da directiva:

«Os Estados‑Membros adoptarão as disposições necessárias para que os produtos fitofarmacêuticos colocados no mercado e respectiva utilização sejam oficialmente controlados no que se refere à observância das condições previstas na presente directiva e, em especial, das condições de autorização e indicações constantes do rótulo.»

Legislação nacional

11. Nos termos do artigo L. 253‑1 do code rural:

«São proibidas a colocação no mercado, a utilização e a detenção, pelo utilizador final, de produtos fitofarmacêuticos se não tiverem autorização de colocação no mercado […]».

12. As condições de emissão das ACM dos produtos fitofarmacêuticos em França estão definidas no Decreto n.° 94‑359, de 5 de Maio de 1994, relativo ao controlo dos produtos fitofarmacêuticos (JORF de 7 de Maio de 1994, p. 6683), adoptado para garantir a transposição da directiva para a ordem jurídica nacional.

13. O Decreto n.° 2001‑317, de 4 de Abril de 2001, que estabelece um procedimento simplificado de autorização de colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos provenientes do Espaço Económico Europeu (JORF de 14 de Abril de 2001, p. 5811), que foi codificado nos artigos R. 253‑52 a R. 253‑55 do code rural, dispõe, no seu artigo 1.°:

«A introdução no território nacional de um produto fitofarmacêutico proveniente de um Estado do Espaço Económico Europeu, onde já beneficia de uma autorização de colocação no mercado emitida em conformidade com a directiva […], e idêntica a um produto a seguir denominado ‘produto de referência’, é autorizada nas condições seguintes:

O produto de referência deve beneficiar de uma autorização de colocação no mercado, emitida pelo Ministro da Agricultura nos termos do disposto nos títulos I, III e IV do Decreto de 5 de Maio de 1994 acima referido.

A identidade do produto introduzido no território nacional com o produto de referência é apreciada à luz dos três critérios seguintes:

– origem comum dos dois produtos no sentido de que foram fabricados, segundo a mesma fórmula, pela mesma sociedade ou por empresas coligadas ou que trabalhem sob licença;

– fabrico com utilização da mesma ou das mesmas substâncias activas;

– efeitos similares dos dois produtos, tendo em conta as diferenças que podem existir ao nível das condições agrícolas, fitossanitárias e ambientais, designadamente climáticas, ligadas à utilização dos produtos.»

14. Nos termos do artigo 1.° do Decreto Ministerial de 17 de Julho de 2001, relativo à aplicação do Decreto n.° 2001‑317 (JORF de 27 de Julho de 2001, p. 12091), o requerente de uma ACM para um produto fitofarmacêutico proveniente de um Estado do Espaço Económico Europeu deve apresentar, em apoio do seu pedido, um dossier composto por um formulário contendo todas as informações cuja lista consta do anexo deste decreto, um projecto de rótulo em francês do produto cuja colocação no mercado é pedida a título da importação paralela, bem como um rótulo original do produto ou dos produtos importados.

15. O anexo do referido decreto ministerial prevê que o requerente de uma ACM para esse produto fitofarmacêutico deve, em apoio do seu pedido, fornecer informações relativas à identidade do importador, à identificação do produto importado e do produto de referência, às utilizações reivindicadas para o produto que é objecto do pedido, bem como à identificação francesa da importação e ao nome comercial proposto em França para o produto em causa.

Litígios no processo principal e questões prejudiciais

16. Resulta das decisões prejudiciais que, nas jurisdições francesas, foram movidos processos penais contra dois viticultores, D. Escalier (processo C‑260/06) e J. Bonnarel (processo C‑261/06), que são acusados de terem em sua posse, com vista à sua utilização, produtos antiparasitas para utilização agrícola, que não beneficiam de uma ACM. D. Escalier é acusado, designadamente, de ter utilizado esses produtos, e J. Bonnarel é acusado de se ter negado a destruir os referidos produtos. Nos dois processos, tratava‑se de produtos provenientes de Espanha.

17. Por decisões de 15 de Junho de 2005, o tribunal de grande instance de Carcassonne declarou os acusados culpados dos crimes atrás referidos e condenou cada um deles a pagar uma multa de 1 500 euros, suspendendo a execução da pena. D. Escalier e J. Bonnarel recorreram destas decisões para a cour d’appel de Montpellier.

18. Tanto em primeira instância como no órgão jurisdicional de reenvio, D. Escalier e J. Bonnarel alegaram que os produtos em causa já tinham obtido uma ACM em França, concedida a outros importadores, ou que apresentam semelhanças com produtos de referência autorizados nesse Estado‑Membro. Sustentaram igualmente que o procedimento simplificado de uma ACM e as disposições do code rural nas quais se basearam os processos que lhes foram movidos não podem ser aplicados aos agricultores que fazem importações não para fins comerciais mas para fins pessoais. Além disso, o referido procedimento não está em conformidade com o direito comunitário ou, no mínimo, é desproporcionado em razão da sua complexidade e do seu custo.

19. O tribunal de grande instance de Carcassonne e a cour d’appel de Montpellier declararam que a finalidade do procedimento simplificado da ACM, definido pelo legislador francês, é assegurar que não sejam colocados no mercado produtos que apresentem riscos e perigos para o homem, os animais e o ambiente. Segundo estes tribunais, tal procedimento tem por objectivo conciliar o princípio da livre circulação na Comunidade com a necessidade de permitir a cada Estado‑Membro garantir a protecção da saúde pública e do ambiente, tendo em conta, designadamente, as especificidades locais. Acrescentam que a directiva não faz distinção alguma entre as importações paralelas para fins comerciais e as de particulares destinadas a fins privados, para uma utilização estritamente pessoal destes últimos.

20. Por considerar que a resolução do litígio que lhe foi submetido depende da compatibilidade da legislação francesa com o direito comunitário, a cour d’appel de Montpellier decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, que estão redigidas em termos idênticos nos dois processos C‑260/06 e C‑261/06:

«1) Quando um Estado‑Membro sujeita a importação de um produto fitofarmacêutico proveniente de outro Estado‑Membro, onde o produto já beneficia de uma [ACM] emitida em conformidade com a Directiva […], a um procedimento simplificado de [ACM] destinado a verificar se o produto importado preenche as condições de identidade estabelecidas no acórdão […] de 11 de Março de 1999, [British Agrochemicals Association, C‑100/96, Colect., p. I‑1499,] este Estado‑Membro tem o direito de impor o referido procedimento de autorização simplificado a um operador quando:

– o importador seja um agricultor que importa produtos unicamente para as necessidades da sua exploração agrícola, que são múltiplas mas quantitativamente limitadas, e não procede portanto à sua colocação no mercado, na acepção comercial que este conceito implica?

– o procedimento simplificado de uma ACM com valor de autorização de importação é personalizado para cada operador/distribuidor que está obrigado a designar o produto importado com a sua própria marca e está sujeito a uma taxa de 800 EUR?

2) Em caso de resposta negativa a esta primeira questão, o acórdão de 26 de Maio de 2005, [Comissão/França] no processo C‑212/03 [Colect., p. I‑4213], relativo às importações pessoais de medicamentos por particulares, pode ser transponível para o caso dos produtos fitofarmacêuticos importados pelos agricultores unicamente para as necessidades das suas explorações agrícolas?»

21. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2006, os processos C‑260/06 e C‑261/06 foram apensos para efeitos da fase escrita e oral, bem como do acórdão a proferir.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

22. Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se um Estado‑Membro que sujeita a importação de um produto fitofarmacêutico proveniente de outro Estado‑Membro, onde esse produto está autorizado, a um procedimento simplificado de ACM destinado a verificar a identidade deste último com um produto de referência já autorizado nesse Estado‑Membro de importação, pode impor esse procedimento quando o operador é um agricultor que importa o produto, exclusivamente, para as necessidades da sua exploração, esse procedimento é personalizado para cada operador e o obriga a designar o produto importado com a sua própria marca e quando dá lugar ao pagamento de uma taxa de 800 EUR.

23. A este respeito, refira‑se que o sistema estabelecido pela directiva não assenta numa obrigação de reconhecimento mútuo, pelos Estados‑Membros, das ACM de produtos fitofarmacêuticos concedidas nos outros Estados‑Membros, mas numa obrigação de autorização desses produtos, que é da competência dos Estados‑Membros, os quais não estão vinculados pelas ACM concedidas noutro Estado‑Membro.

24. Assim, por força dos princípios enunciados na directiva, designadamente no seu artigo 3.°, n.° 1, e não obstante as regras do Tratado CE relativas à livre circulação de mercadorias, nenhum produto fitofarmacêutico pode ser colocado no mercado e utilizado num Estado‑Membro sem que uma ACM tenha sido emitida previamente pela autoridade competente desse Estado, em conformidade com a directiva. Esta exigência é válida mesmo quando o produto em causa já beneficia de uma ACM emitida pela autoridade competente de outro Estado‑Membro, dado que a directiva exige que seja obtida uma autorização prévia junto da autoridade competente de cada Estado‑Membro onde esse produto é colocado no mercado e utilizado (v., neste sentido, acórdão de 17 de Setembro de 1998, Harpegnies, C‑400/96, Colect., p. I‑5121, n.° 26).

25. No entanto, no caso de, num Estado‑Membro, ser apresentado um pedido de ACM para um produto fitofarmacêutico já autorizado noutro Estado‑Membro, o primeiro Estado deve, por força do artigo 10.°, n.° 1, da directiva, abster‑se, sob determinadas condições e salvo excepções, de exigir a repetição dos testes e das análises já feitas nesse outro Estado, permitindo assim economizar tempo e os custos necessários para reunir os dados exigidos.

26. Daqui resulta que a obrigação, decorrente da directiva, imposta ao importador de um produto fitofarmacêutico, de obter, antes de colocar esse produto à disposição de terceiros num Estado‑Membro, uma ACM emitida em conformidade com a directiva não pode, em princípio, constituir uma restrição às trocas comerciais intracomunitárias, proibida pelo artigo 28.° CE (v., no que respeita aos produtos fitofarmacêuticos, acórdãos de 11 de Dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband, C‑322/01, Colect., p. I‑14887, n. os  48, 52 e 53, e de 29 de Abril de 2004, Comissão/Áustria, C‑150/00, Colect., p. I‑3887, n. os  56 e 57). O mesmo se diga no que respeita à proibição de utilizar, no território do Estado‑Membro de importação, um produto que não foi previamente autorizado.

27. Consequentemente, um operador que adquiriu um produto fitofarmacêutico proveniente de um Estado‑Membro, onde esse produto é legalmente comercializado ao abrigo de uma ACM concedida pela autoridade competente desse mesmo Estado, não pode importar esse produto para outro Estado‑Membro, com vista à sua colocação no mercado ou à sua utilização, uma vez que não beneficia de uma ACM regularmente emitida neste último Estado.

28. Em contrapartida, quando uma importação de um produto fitofarmacêutico para um Estado‑Membro, que beneficia de uma ACM concedida noutro Estado‑Membro nos termos das disposições da directiva, constitua uma importação paralela em relação a um produto fitofarmacêutico que já beneficia de uma ACM no Estado‑Membro de importação, não são aplicáveis as disposições da directiva relativas ao processo de concessão de ACM (v., neste sentido, no que respeita aos produtos farmacêuticos, acórdão de 12 de Novembro de 1996, Smith & Nephew e Primecrown, C‑201/94, Colect., p. I‑5819, n.° 21, bem como, no que respeita aos produtos fitofarmacêuticos, acórdão British Agrochemicals Association, já referido, n.° 31). Essa situação está, no entanto, abrangida pelas disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias.

29. Os Estados‑Membros devem, todavia, verificar se a importação de um produto fitofarmacêutico que beneficia de uma ACM noutro Estado‑Membro constitui uma importação paralela em relação a um produto que já beneficia de uma ACM no Estado‑Membro de importação, uma vez que são obrigados a assegurar o respeito das obrigações e das proibições previstas na directiva (v., neste sentido, acórdão British Agrochemicals Association, já referido, n.° 33).

30. Caso se deva considerar que o produto fitofarmacêutico em causa já foi autorizado no Estado‑Membro de importação, as autoridades competentes desse Estado devem permitir que o produto em questão beneficie da ACM emitida para o produto fitofarmacêutico já presente no mercado, a menos que considerações relativas à protecção eficaz da saúde humana, animal e do ambiente se oponham a isso (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Smith & Nephew e Primecrown, n. os  29 e 32, e British Agrochemicals Association, n.° 36). Assim, um produto fitofarmacêutico introduzido no território de um Estado‑Membro através de uma importação paralela não pode beneficiar automaticamente nem de forma absoluta e incondicional da ACM emitida para um produto fitofarmacêutico já presente no mercado desse Estado.

31. Caso não se possa considerar que o produto fitofarmacêutico já foi autorizado no mercado do Estado‑Membro de importação, este último apenas poderá emitir uma ACM para esse produto se forem observados todos os requisitos enunciados na directiva (v. acórdãos, já referidos, Smith & Nephew e Primecrown, n.° 30, e British Agrochemicals Association, n.° 37), ou proibir a sua colocação no mercado e a sua utilização.

32. Resulta do exposto que os Estados‑Membros são obrigados a sujeitar as importações de produtos fitofarmacêuticos no território nacional a um procedimento de exame, podendo esse procedimento, como no caso dos autos, revestir a forma de um procedimento dito «simplificado», destinado a verificar se um produto necessita de uma ACM ou se se deve considerar que esse produto já foi autorizado no Estado‑Membro de importação. A este respeito, cabe às autoridades competentes do Estado‑Membro de importação examinar, a pedido dos interessados, se podem permitir que o produto em questão beneficie de uma ACM emitida para um produto fitofarmacêutico já presente no mercado desse Estado.

33. Como referiu a advogada‑geral nos n. os  40 a 47 das suas conclusões e como sustentaram os Estados‑Membros que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, bem como a Comissão das Comunidades Europeias, estas afirmações são válidas independentemente da finalidade da importação e, por conseguinte, são igualmente aplicáveis aos agricultores que importam produtos, exclusivamente, para as necessidades da sua exploração.

34. Se os agricultores estivessem dispensados da obrigação de se submeterem a um procedimento simplificado de ACM, a apreciação da questão de saber se um produto pode beneficiar de uma ACM emitida para outro produto fitofarmacêutico seria da exclusiva responsabilidade dos agricultores. Ora, por um lado, essa apreciação, atentas as razões imperiosas de interesse geral ligadas à protecção da saúde humana e animal assim como do ambiente, e atentas as considerações expostas no n.° 30 do presente acórdão, apenas pode incumbir às autoridades competentes do Estado‑Membro de importação. Por outro lado, um agricultor não dispõe, em nenhuma circunstância, dos meios adequados para poder proceder a essa apreciação, de modo fiável, fora do processo previsto para esse efeito.

35. Além disso, essa dispensa poria em causa não só o sistema estabelecido pela directiva, segundo o qual a colocação no mercado e a utilização de produtos fitofarmacêuticos estão sujeitas a uma autorização prévia, mas igualmente a efectividade do mecanismo de controlo, que incumbe aos Estados‑Membros, designadamente, por força dos artigos 3.°, n.° 1, e 17.° da directiva.

36. Consequentemente, um Estado‑Membro pode exigir a uma pessoa que queira proceder à importação paralela de um produto fitofarmacêutico já autorizado no seu território que esse produto seja sujeito a um procedimento simplificado de ACM, mesmo quando esse importador seja um agricultor que importa esse produto, exclusivamente, para as necessidades da sua exploração.

37. No que diz respeito à conformidade, com o direito comunitário, do carácter pessoal de uma ACM emitida na sequência de um procedimento simplificado e à obrigação de um importador designar com a sua própria marca o produto que é objecto de importação paralela e de pagar uma taxa de 800 EUR por esse procedimento, recorde‑se que cabe às autoridades nacionais competentes zelar pelo estrito respeito do objectivo essencial da regulamentação comunitária, ou seja, a protecção da saúde humana e animal assim como do ambiente. Porém, o princípio da proporcionalidade exige, para proteger a livre circulação de mercadorias, que a regulamentação em causa seja aplicada na medida do estritamente necessário para alcançar os objectivos de protecção do ambiente e da saúde humana e animal legitimamente prosseguidos (acórdãos de 10 de Setembro de 2002, Ferring, C‑172/00, Colect., p. I‑6891, n.° 34, e de 1 de Abril de 2004, Kohlpharma, C‑112/02, Colect., p. I‑3369, n.° 14).

Quanto ao carácter pessoal de uma ACM

38. A este respeito, como referiu a advogada‑geral nos n. os  49 e 50 das suas conclusões e como observaram os Governos neerlandês e finlandês, tendo em conta a perigosidade dos produtos fitofarmacêuticos e os riscos ligados à sua utilização, a necessidade de verificar de um modo fiável e eficaz que foram cumpridos os requisitos da directiva pode justificar o carácter pessoal de uma ACM.

39. O objectivo segundo o qual não podem ser utilizados produtos fitofarmacêuticos no território de um Estado‑Membro, que não tenham sido sujeitos a um processo de controlo pelas autoridades competentes desse Estado, estando essa utilização sujeita às condições previstas na ACM, só pode ser assegurado se cada um dos operadores for obrigado a submeter‑se a um procedimento simplificado de ACM, quer tenha a intenção de colocar o produto importado à disposição de terceiros ou de o utilizar para as suas próprias necessidades.

40. Embora, no âmbito de uma importação paralela, a ACM estivesse ligada unicamente ao produto importado e não ao importador, caberia a este proceder às necessárias verificações. Ora, o facto de se permitir que os operadores ponham à disposição de terceiros ou utilizem um produto fitofarmacêutico que já foi objecto de um procedimento simplificado de ACM sem nenhum controlo prévio poderia aumentar o risco de uma utilização incorrecta ou abusiva desse produto. Com efeito, por um lado, não está garantido que os importadores procedam a verificações fiáveis destinadas a saber se e em que condições um produto fitofarmacêutico objecto de uma importação paralela beneficia de uma ACM emitida para outro produto. Por outro lado, a observância das regras estritas em matéria de rotulagem e embalagem dos produtos fitofarmacêuticos, que se destinam, designadamente, a assegurar a utilização correcta destes, também não pode ser controlada de modo eficaz pelas autoridades competentes do Estado‑Membro em questão.

41. Além disso, as ACM podem ser objecto de reexame e podem ser anuladas. Nesses casos, como referiram a advogada‑geral, no n.° 50 das suas conclusões, e o Governo francês, os Estados‑Membros devem, em função dos motivos da anulação da ACM, poder retirar todos os produtos em causa, presentes nos seus territórios, no mais curto prazo possível, o que não se verificaria se a ACM não tivesse carácter pessoal e se apenas a primeira importação paralela de um produto estivesse sujeita a procedimento simplificado de ACM.

42. Resulta do exposto que se justifica que uma ACM emitida no âmbito de um procedimento simplificado tenha carácter pessoal.

43. Consequentemente, um importador pode ser sujeito a um procedimento simplificado de ACM, mesmo que o produto objecto de importação paralela já tenha obtido uma ACM em proveito de outro importador paralelo. Todavia, quando as autoridades competentes do Estado‑Membro de importação tenham declarado a identidade desse produto com um produto de referência, as diligências administrativas que incumbem ao importador paralelo no âmbito de um procedimento simplificado de ACM não devem, tendo em conta o princípio da proporcionalidade, ir além do registo de um pedido de ACM. Esse pedido deve conter a indicação do produto de referência bem como o compromisso de respeitar as condições ligadas à utilização fixadas na ACM relativa ao produto de referência. A Administração competente deve pronunciar‑se dentro de um prazo que não exceda o estritamente necessário ao exame desse pedido. A duração desse prazo pode depender das verificações que eventualmente se impõem se essa Administração não dispuser de indícios que lhe permitam presumir que o produto objecto de importação paralela pode ser utilizado em condições diferentes das do produto de referência.

Quanto à obrigação de designação de uma marca

44. No que respeita à obrigação de designar com a marca do operador o produto fitofarmacêutico que foi objecto de uma importação paralela, o Governo francês, apoiado pelo Governo neerlandês, alega que o direito francês não impõe essa obrigação. Com efeito, por força do anexo do Decreto Ministerial de 17 de Julho de 2001, apenas se exige que, em apoio de um pedido de ACM, seja indicado «o nome comercial proposto em França para o produto que é objecto do pedido».

45. Declare‑se, a este respeito, que essa obrigação, quer se trate da denominação sob um nome comercial do produto em causa ou da designação deste com a marca do operador, não é adequada nem necessária para alcançar os objectivos de protecção da saúde humana e animal assim como do ambiente, no caso de uma importação paralela com vista à utilização de um produto, exclusivamente, para as necessidades da exploração de um agricultor.

46. Daqui resulta que não se pode considerar que, em casos como os do processo principal, essa obrigação esteja justificada por motivos de protecção da saúde humana e animal assim como do ambiente, pelo que a mesma não é oponível aos interessados.

Quanto à obrigação de pagar uma taxa de 800 EUR

47. No que respeita à taxa imposta a um operador, quando da importação de produtos fitofarmacêuticos, cobrada por ocasião de um procedimento simplificado de ACM, o Governo francês sustenta que o montante de 800 EUR se justifica pelo facto de a Administração competente examinar sistematicamente cada dossier e proceder a verificações junto das autoridades competentes dos outros Estados‑Membros.

48. Embora seja certo que, para apreciar se um produto fitofarmacêutico apresenta um grau de semelhança suficiente com um produto de referência já autorizado no Estado‑Membro de importação, pode ser necessário proceder a determinadas verificações junto das autoridades competentes do Estado‑Membro de exportação, em princípio, essa diligência não pode, à luz do princípio da proporcionalidade, justificar‑se relativamente a cada um dos pedidos de ACM apresentados para esse mesmo produto e para o qual essa autorização foi concedida a outro operador. Como foi declarado no n.° 43 do presente acórdão, nesse caso, as diligências administrativas não devem, em princípio, ir além do registo do pedido de ACM. Todavia, não se pode excluir que sejam necessárias verificações suplementares se a Administração em causa tiver razões para pensar que o produto cuja importação paralela se prevê pode ser utilizado em condições diferentes das do produto de referência e que há o risco de as exigências relativas à colocação no mercado e à sua utilização, fixadas na ACM concedida para esse produto, não serem respeitadas pelo importador paralelo. Consequentemente, um procedimento simplificado de ACM pode, consoante as diligências necessárias, gerar, para as Administrações competentes, custos diferentes de um caso para outro.

49. Quanto ao montante das taxas impostas a um importador paralelo de produtos fitofarmacêuticos, cobradas por ocasião do procedimento simplificado de ACM, esse montante deve ser adequado às despesas ocasionadas pelo controlo ou pelas diligências administrativas necessárias ao exame do pedido de ACM. Esta exigência não pode, no entanto, excluir uma avaliação forfetária dessas despesas, desde que o princípio da proporcionalidade seja respeitado pelos Estados‑Membros. Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se, tendo em conta as circunstâncias do processo principal, essa exigência está satisfeita.

50. Nestas condições, deve responder‑se à primeira questão que um Estado‑Membro pode sujeitar a um procedimento simplificado de ACM a importação paralela de um produto fitofarmacêutico proveniente de outro Estado‑Membro, onde já beneficia dessa autorização, quando a importação é efectuada por um agricultor, exclusivamente, para as necessidades da sua exploração, uma vez que a ACM assim concedida é própria de cada operador. Essa autorização não pode estar subordinada à designação, com a marca própria do operador, do produto importado em questão, quando este último é um agricultor que efectua a importação paralela, exclusivamente, para as necessidades da sua própria exploração. A referida autorização não pode estar sujeita ao pagamento de uma taxa que não seja adequada às despesas geradas pelo controlo ou pelas diligências administrativas necessárias ao exame do pedido de autorização. No entanto, é admissível a avaliação forfetária dessas despesas, desde que seja respeitado o princípio da proporcionalidade.

Quanto à segunda questão

51. Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o acórdão Comissão/França, já referido, é transponível para as importações paralelas de produtos fitofarmacêuticos, realizadas por agricultores, exclusivamente, para as necessidades das suas explorações. O referido acórdão tem por objecto a compatibilidade, com as normas do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias, de uma legislação francesa relativa às importações pessoais, não realizadas por transporte pessoal, de medicamentos regularmente receitados em França.

52. Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não é necessário responder à segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Quanto às despesas

53. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Parte decisória

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

Um Estado‑Membro pode sujeitar a um procedimento simplificado de autorização de colocação no mercado a importação paralela de um produto fitofarmacêutico proveniente de outro Estado‑Membro, onde já beneficia dessa autorização, quando a importação é efectuada por um agricultor, exclusivamente, para as necessidades da sua exploração, uma vez que a autorização de colocação no mercado assim concedida é própria de cada operador. Essa autorização não pode estar subordinada à designação, com a marca própria do operador, do produto importado em questão, quando este último é um agricultor que efectua a importação paralela, exclusivamente, para as necessidades da sua própria exploração. A referida autorização não pode estar sujeita ao pagamento de uma taxa que não seja adequada às despesas geradas pelo controlo ou pelas diligências administrativas necessárias ao exame do pedido de autorização. No entanto, é admissível a avaliação forfetária dessas despesas, desde que seja respeitado o princípio da proporcionalidade.