ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
19 de Fevereiro de 2009 ( *1 )
«Acordo de associação CEE-Turquia — Livre prestação de serviços — Obrigação de dispor de visto para a admissão no território de um Estado-Membro»
No processo C-228/06,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE, apresentado pelo Oberverwaltungsgericht Berlin-Brandenburg (Alemanha), por decisão de 30 de Março de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de Maio de 2006, no processo
Mehmet Soysal,
Ibrahim Savatli
contra
Bundesrepublik Deutschland,
sendo interveniente:
Bundesagentur für Arbeit,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: P. Jann, presidente de secção, M. Ilešič, A. Tizzano, A. Borg Barthet e J.-J. Kasel (relator), juízes,
advogado-geral: M. Poiares Maduro,
secretário: K. Sztranc-Sławiczek, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 8 de Outubro de 2008,
vistas as observações apresentadas:
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em representação de M. Soysal e I. Savatli, por R. Gutmann, Rechtsanwalt, |
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em representação do Governo alemão, por M. Lumma e J. Möller, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo dinamarquês, por R. Holdgaard, na qualidade de agente, |
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em representação do Governo grego, por G. Karipsiadis e T. Papadopoulou, na qualidade de agentes, |
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em representação do Governo esloveno, por T. Mihelič, na qualidade de agente, |
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em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Wilderspin e G. Braun, na qualidade de agentes, |
vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 41.o, n.o 1, do Protocolo Adicional, assinado em 23 de Novembro de 1970, em Bruxelas, e concluído, aprovado e confirmado, em nome da Comunidade, pelo Regulamento (CEE) n.o 2760/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972 (JO L 293, p. 1; EE 11 F1 p. 213; a seguir «protocolo adicional»). |
2 |
Esse pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe M. Soysal e I. Savatli, nacionais turcos, à Bundesrepublik Deutschland, a propósito da obrigação de os camionistas turcos obterem um visto para efectuarem prestações de serviços sob a forma de transportes rodoviários internacionais de mercadorias. |
Quadro jurídico
Regulamentação comunitária
Associação CEE-Turquia
3 |
Em conformidade com o seu artigo 2.o, n.o 1, o Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia, assinado em 12 de Setembro de 1963, em Ancara, pela República da Turquia, por um lado, e pelos Estados-Membros da CEE e a Comunidade, por outro, e concluído, aprovado e confirmado, em nome desta última, pela Decisão 64/732/CEE do Conselho, de 23 de Dezembro de 1963 (JO 1964, 217, p. 3685; EE 11 F1 p. 18; a seguir «acordo de associação»), tem por objecto promover o reforço contínuo e equilibrado das relações comerciais e económicas entre as Partes Contratantes, incluindo no domínio da mão-de-obra, através da realização progressiva da livre circulação de trabalhadores (artigo 12.o do acordo de associação), bem como através da eliminação das restrições à liberdade de estabelecimento (artigo 13.o do referido acordo) e à livre prestação de serviços (artigo 14.o do mesmo acordo), a fim de melhorar o nível de vida do povo turco e facilitar posteriormente a adesão da República da Turquia à Comunidade (quarto considerando do preâmbulo e artigo 28.o desse acordo). |
4 |
Para este efeito, o acordo de associação inclui uma fase preparatória, que permite à República da Turquia reforçar a sua economia com o auxílio da Comunidade (artigo 3.o desse acordo), uma fase transitória, durante a qual são assegurados o estabelecimento progressivo de uma união aduaneira e a aproximação das políticas económicas (artigo 4.o do referido acordo), e uma fase definitiva, que assenta na união aduaneira e implica o reforço e a coordenação das políticas económicas das Partes Contratantes (artigo 5.o do mesmo acordo). |
5 |
O artigo 6.o do acordo de associação tem a seguinte redacção: «Para assegurar a aplicação e o desenvolvimento progressivo do regime de associação, as Partes Contratantes reúnem-se no âmbito de um Conselho de Associação que age nos limites das atribuições que lhe são conferidas pelo Acordo.» |
6 |
Nos termos do artigo 8.o do acordo de associação, inserido no título II do mesmo, com a epígrafe «Realização da fase transitória»: «Para a realização dos objectivos enunciados no artigo 4.o, o Conselho de Associação fixará, antes do início da fase transitória, e de acordo com o procedimento previsto no artigo 1.o do Protocolo Provisório, as condições, regras e calendário da aplicação das medidas adequadas aos domínios abrangidos pelo Tratado que institui a Comunidade que devem ser tomados em consideração, nomeadamente os referidos no presente título, bem como qualquer cláusula de protecção que se revelar útil.» |
7 |
Os artigos 12.o a 14.o do acordo de associação constam igualmente do seu título II, capítulo 3, intitulado «Outras disposições de carácter económico». |
8 |
O artigo 12.o prevê: «As Partes Contratantes acordam em inspirar-se nos artigos [39.o CE], [40.o CE] e [41.o CE] na realização progressiva entre si da livre circulação de trabalhadores.» |
9 |
O artigo 13.o dispõe: «As Partes Contratantes acordam em inspirar-se nos artigos [43.o CE] a [46.o CE] inclusive e no artigo [48.o CE] na eliminação entre si das restrições à liberdade de estabelecimento.» |
10 |
O artigo 14.o enuncia: «As Partes Contratantes acordam em inspirar-se nos artigos [45.o CE], [46.o CE] e [48.o CE] a [54.o CE] inclusive […] para eliminar entre si as restrições à livre prestação de serviços.» |
11 |
Nos termos do artigo 22.o, n.o 1, do acordo de associação: «Para a realização dos objectivos fixados pelo Acordo e nos casos por ele previstos, o Conselho de Associação dispõe de poder de decisão. Cada uma das Partes deve tomar as medidas necessárias à execução das medidas tomadas […]» |
12 |
O protocolo adicional, que, em conformidade com o seu artigo 62.o, faz parte integrante do acordo de associação, aprova, nos termos do seu artigo 1.o, as condições, modalidades e o calendário de realização da fase transitória referida no artigo 4.o do referido acordo. |
13 |
O protocolo adicional contém um título II, com a epígrafe «Circulação de pessoas e de serviços», cujo capítulo I visa «[o]s trabalhadores», sendo o capítulo II consagrado ao «[d]ireito de estabelecimento, serviços e transportes». |
14 |
O artigo 36.o do protocolo adicional, que faz parte do referido capítulo I, prevê que a livre circulação de trabalhadores entre os Estados-Membros da Comunidade e a Turquia será realizada gradualmente, em conformidade com os princípios enunciados no artigo 12.o do acordo de associação, entre o final do décimo segundo ano e do vigésimo segundo ano após a entrada em vigor do mesmo, e que o Conselho de Associação decidirá as modalidades necessárias para tal efeito. |
15 |
O artigo 41.o do protocolo adicional, que consta do capítulo II do referido título II, tem a seguinte redacção: «1. As Partes Contratantes abster-se-ão de introduzir, nas suas relações mútuas, novas restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços. 2. O Conselho de Associação fixará, em conformidade com os princípios enunciados nos artigos 13.o e 14.o do acordo de associação, o calendário e as modalidades segundo os quais as Partes Contratantes suprimirão progressivamente, nas suas mútuas relações, as restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços. O Conselho de Associação fixará este calendário e estas modalidades para as diferentes categorias de actividades, tendo em conta disposições análogas já adoptadas pela Comunidade nestes domínios, bem como a situação especial da Turquia no plano económico e social. Será dada prioridade às actividades que contribuam de modo especial para o desenvolvimento da produção e das trocas comerciais.» |
16 |
É ponto assente que, até agora, o Conselho de Associação, instituído pelo acordo de associação e composto, por um lado, pelos membros dos Governos dos Estados-Membros, pelo Conselho da União Europeia e pela Comissão das Comunidades Europeias, e, por outro, pelos membros do Governo turco, não adoptou nenhuma decisão com base no artigo 41.o, n.o 2, do protocolo adicional. |
17 |
O artigo 59.o do protocolo adicional, inserido no seu título IV, com a epígrafe «Disposições gerais e finais», está redigido nos seguintes termos: «Nos domínios abrangidos pelo presente protocolo, a Turquia não pode beneficiar de um tratamento mais favorável do que aquele que os Estados-Membros aplicam entre si por força do Tratado que institui a Comunidade.» |
Regulamento (CE) n.o 539/2001
18 |
Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 539/2001 do Conselho, de 15 de Março de 2001, que fixa a lista dos países terceiros cujos nacionais estão sujeitos à obrigação de visto para transporem as fronteiras externas [dos Estados-Membros] e a lista dos países terceiros cujos nacionais estão isentos dessa obrigação (JO L 81, p. 1): «Os nacionais dos países terceiros enumerados no Anexo I devem ser detentores de um visto para transporem as fronteiras externas dos Estados-Membros.» |
19 |
Resulta do referido Anexo I que a República da Turquia está entre os Estados que figuram na lista que constitui esse anexo. |
20 |
O primeiro considerando do Regulamento n.o 539/2001 recorda que o artigo 61.o CE integra a fixação da lista dos países terceiros cujos nacionais devem ser detentores de visto na passagem das fronteiras externas dos Estados-Membros, assim como a lista dos países terceiros cujos nacionais estão isentos dessa obrigação, «no âmbito das medidas de acompanhamento directamente relacionadas com a livre circulação de pessoas num espaço de liberdade, de segurança e de justiça». |
Legislação nacional
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Resulta da decisão de reenvio que, em 1 de Janeiro de 1973, data em que o protocolo adicional entrou em vigor para a República Federal da Alemanha, os nacionais turcos que, como os recorrentes no processo principal, exercessem nesse Estado-Membro uma actividade com a duração máxima de dois meses no sector do transporte rodoviário internacional de mercadorias não precisavam de autorização para entrar no território alemão. Com base no § 1, n.o 2, ponto 2, do Regulamento de execução da lei relativa aos estrangeiros (Verordnung zur Durchführung des Ausländergesetzes), na sua versão publicada em 12 de Março de 1969 (BGBl. 1969 I, p. 207), esses nacionais turcos tinham efectivamente o direito de entrar na Alemanha sem visto. |
22 |
Os referidos nacionais só foram submetidos à obrigação geral de visto quando o Décimo Primeiro Regulamento rectificativo do regulamento de execução da lei relativa aos estrangeiros entrou em vigor, em 1 de Julho de 1980 (BGBl. 1980 I, p. 782). |
23 |
Actualmente, a obrigação de os nacionais turcos, como os recorrentes no processo principal, possuírem visto para entrarem na Alemanha resulta do § 4, n.o 1, e do § 6 da Lei relativa à residência de estrangeiros (Aufenthaltsgesetz), de 30 de Julho de 2004 (BGBl. 2004 I, p. 1950, a seguir «Aufenthaltsgesetz»), que substituiu a Lei relativa aos estrangeiros (Ausländergesetz) e entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2005, bem como das disposições combinadas do artigo 1.o, n.o 1, e do Anexo I do Regulamento n.o 539/2001. |
24 |
Sob a epígrafe «Exigência de um título de permanência», o § 4, n.o 1, da Aufenthaltsgesetz dispõe: «(1) Para entrar e permanecer no território da República Federal, os estrangeiros devem possuir um título de permanência, desde que outro regime não esteja previsto na legislação da União Europeia ou numa disposição regulamentar, ou desde que exista um direito de permanência com base no Acordo de 12 de Setembro de 1963 que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a Turquia […]. Os títulos de permanência podem ser concedidos numa das seguintes formas
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25 |
O § 6, com a epígrafe «Visto», da Aufenthaltsgesetz prevê: «(1) Pode ser concedido a um estrangeiro:
quando estejam preenchidos os requisitos de concessão previstos na Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen e das suas disposições de execução. Em casos excepcionais, o visto Schengen pode ser concedido com base em razões do direito internacional ou por razões humanitárias, ou ainda para salvaguarda dos interesses políticos da República Federal da Alemanha, quando não estejam preenchidos os requisitos de concessão previstos na Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen. Nestes casos, a validade do visto deve ser limitada ao território da República Federal da Alemanha. (2) O visto para permanências de curta duração pode também ser prorrogado para várias estadas, por um período de validade até cinco anos, na condição de a duração de cada estada não ultrapassar três meses durante um período de seis meses a contar do dia da primeira entrada. (3) Um visto Schengen concedido com base no § 1, primeira frase, pode, em casos especiais, ser prorrogado por um período total de três meses num período de seis meses a contar do dia da primeira entrada. Isto também se aplica aos casos em que o visto tiver sido concedido por uma representação no estrangeiro de outro Estado que aplique o Acordo de Schengen. O visto apenas pode ser prorrogado por um período suplementar de três meses, durante o referido prazo de seis meses, nas condições previstas no § 1, segunda frase. (4) As estadas de longa duração necessitam de visto para o território federal (visto nacional) emitido antes da entrada no território. A sua emissão rege-se pelas disposições em vigor em matéria de autorização de residência e de estabelecimento. […]» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
26 |
Resulta da decisão de reenvio que M. Soysal e I. Savatli são nacionais turcos domiciliados na Turquia, empregados numa sociedade turca de transporte internacional de mercadorias, na qualidade de motoristas de veículos pesados pertencentes a uma sociedade alemã e matriculados na Alemanha. |
27 |
Até 2000, a República Federal da Alemanha concedeu, por várias vezes, respondendo a pedidos nesse sentido, um visto de entrada aos recorrentes no processo principal, na sua qualidade de condutores de veículos pesados matriculados na Turquia, para efeitos da prestação de serviços na Alemanha. |
28 |
Após ter constatado que os interessados conduziam veículos pesados matriculados na Alemanha, o Consulado Geral da Alemanha em Istambul indeferiu os pedidos de visto que apresentaram durante 2001 e 2002. |
29 |
M. Soysal e I. Savatli interpuseram recursos no Verwaltungsgericht de Berlim contra as decisões de recusa dos vistos, pedindo a declaração de que, na sua qualidade de camionistas que efectuam prestações de serviços sob a forma de transportes internacionais de mercadorias, têm o direito de entrar na Alemanha, sem necessidade de visto. A este respeito, baseiam-se na cláusula de «standstill» prevista no artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional, que, segundo eles, proíbe que lhes sejam aplicadas condições de acesso ao território alemão menos favoráveis do que as aplicáveis à data da entrada em vigor do referido protocolo para a República Federal da Alemanha, ou seja, em 1 de Janeiro de 1973. Ora, nessa data, não havia a obrigação de visto para a actividade que exercem, uma vez que essa obrigação só foi introduzida em 1980. Entendem ainda que a referida cláusula prevalece sobre a obrigação de visto imposta pelo Regulamento n.o 539/2001, que foi adoptado após a data acima indicada. |
30 |
Tendo sido negado provimento aos seus recursos pelo Verwaltungsgericht Berlin por sentença de 3 de Julho de 2002, M. Soysal e I. Savatli interpuseram recurso para o Oberverwaltungsgericht Berlin-Brandenburg, que considera que a decisão da causa depende da interpretação do artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional. |
31 |
A esse respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que os recorrentes no processo principal estão empregados, na qualidade de camionistas, numa empresa com sede na Turquia, que efectua legalmente prestações de serviços na Alemanha. Em particular, não exercem a sua actividade para a sociedade alemã em cujo nome estão matriculados os veículos pesados utilizados no transporte de mercadorias, no âmbito de disponibilização de trabalhadores, que necessita de uma autorização passada nos termos do direito alemão, visto que o poder de dar instruções aos trabalhadores em causa no que respeita ao exercício do seu trabalho incumbe, essencialmente, mesmo quando estão ao serviço da referida sociedade, à sociedade turca que os emprega. |
32 |
Além disso, resulta do acórdão de 21 de Outubro de 2003, Abatay e o. (C-317/01 e C-369/01, Colect., p. I-12301, n.o 106), que os trabalhadores turcos como os recorrentes no processo principal tem direito de invocar, para a actividade exercida, o artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional. |
33 |
Por último, na altura da entrada em vigor do referido protocolo, esses trabalhadores, que exerciam actividades na Alemanha no sector do transporte rodoviário internacional de mercadorias, tinham o direito de entrar no território desse Estado-Membro sem visto, tendo esse tipo de obrigação sido introduzido no direito alemão apenas a partir de 1 de Julho de 1980. |
34 |
Todavia, até ao momento, não existe jurisprudência do Tribunal de Justiça que responda à questão de saber se a introdução, pelo direito nacional relativo aos estrangeiros ou pelo direito comunitário, de uma obrigação de visto faz parte das «novas restrições» à livre prestação de serviços, na acepção do artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional. |
35 |
Com efeito, por um lado, embora os n.os 69 e 70 do acórdão de 11 de Maio de 2000, Savas (C-37/98, Colect., p. I-2927), possam corroborar a interpretação segundo a qual o artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional contém uma interdição global de agravamento aplicável igualmente ao direito de entrada e de residência, de modo que basta determinar se a medida em causa tem por objecto ou por efeito submeter a situação do nacional turco, em matéria de liberdade de estabelecimento ou de livre prestação de serviços, a condições mais restritivas do que as aplicáveis quando entrou em vigor o referido protocolo adicional (v., no mesmo sentido, acórdão Abatay e o., já referido, n.o 116), foi alegado contra esta interpretação que a referida disposição não se pode traduzir num bloqueio do poder normativo geral dos Estados-Membros, susceptível de afectar de alguma maneira a situação dos nacionais turcos. |
36 |
Por outro lado, apesar de a letra do artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional, que visa as «Partes Contratantes», advogar a tese segundo a qual a cláusula de «standstill» enunciada nessa disposição se aplica não só às normas dos Estados-Membros mas também às que decorrem do direito comunitário derivado, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou a esse respeito. |
37 |
Nestas condições, o Oberverwaltungsgericht Berlin-Brandenburg decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto à competência do Tribunal de Justiça
38 |
O Governo alemão considera que o presente pedido de decisão prejudicial é «inadmissível», pelo facto de o pedido ter sido submetido ao Tribunal de Justiça por um órgão jurisdicional que não figura entre os órgãos cujas decisões não são susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, na acepção do artigo 68.o, n.o 1, CE, pese embora as questões colocadas se referirem à validade de um regulamento do Conselho adoptado com base no título IV da parte III do Tratado CE. |
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Esta argumentação não pode, porém, ser acolhida. |
40 |
Com efeito, como resulta do próprio texto das questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, estas referem-se, de modo expresso e exclusivo, à interpretação do direito da associação CEE-Turquia e, mais precisamente, do artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional. |
41 |
Por conseguinte, as questões foram validamente submetidas ao Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 234.o CE (v. acórdão de 20 de Setembro de 1990, Sevince, C-192/89, Colect., p. I-3461, n.os 8 a 11 e jurisprudência aí referida), de modo que o facto de o órgão jurisdicional de reenvio não figurar entre os órgãos referidos no artigo 68.o, n.o 1, CE, que prevê uma excepção ao artigo 234.o CE, é irrelevante. |
42 |
Nestas condições, o Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre as questões colocadas pelo Oberverwaltungsgericht Berlin-Brandenburg. |
Quanto às questões prejudiciais
43 |
Nas suas duas questões, que há que analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional deve ser interpretado no sentido de que se opõe à introdução, a contar da entrada em vigor desse protocolo, da exigência de visto para permitir a nacionais turcos, como os recorrentes no processo principal, entrarem no território de um Estado-Membro para aí prestarem serviços por conta de uma empresa estabelecida na Turquia. |
44 |
Importa recordar, a título preliminar, que os recorrentes no processo principal são camionistas turcos, residentes na Turquia e empregados numa sociedade de transportes internacionais estabelecida nesse mesmo Estado, que efectuam regularmente transportes de mercadorias entre este e a Alemanha, em veículos pesados matriculados na Alemanha. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio verificou que tanto essas operações de transporte como as actividades de camionista exercidas no âmbito destas são perfeitamente legais. |
45 |
Para determinar o alcance exacto do artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional numa situação como a que está em causa no processo principal, há que recordar, antes de mais, que resulta de jurisprudência assente que essa disposição tem efeito directo. Com efeito, enuncia, em termos claros, precisos e incondicionais, uma cláusula inequívoca de «standstill», que implica uma obrigação assumida pelas Partes Contratantes, que se traduz juridicamente numa simples abstenção (v. acórdãos Savas, já referido, n.os 46 a 54 e 71, segundo travessão, e Abatay e o., já referido, n.os 58, 59 e 117, primeiro travessão; e acórdão de 20 de Setembro de 2007, Tum e Dari, C-16/05, Colect., p. I-7415, n.o 46). Consequentemente, os direitos que a referida disposição confere aos cidadãos turcos a quem se aplica podem ser invocados nos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Savas, n.o 54, e Tum e Dari, n.o 46). |
46 |
Cumpre precisar, seguidamente, que o artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional pode ser validamente invocado por camionistas turcos como os recorrentes no processo principal, que estão empregados numa empresa estabelecida na Turquia e que efectuam legalmente prestações de serviços num Estado-Membro, visto que os trabalhadores do prestador de serviços são indispensáveis para lhe permitir fornecer as suas prestações (v. acórdão Abatay e o., já referido, n.os 106 e 117, quinto travessão). |
47 |
Por último, é jurisprudência assente que, mesmo que a cláusula de «standstill» enunciada no artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional não seja, por si só, susceptível de conferir aos nacionais turcos, unicamente com base na regulamentação comunitária, um direito de estabelecimento e um direito correlativo de residência nem um direito à livre prestação de serviços ou um direito de entrada no território de um Estado--Membro (v. acórdãos, já referidos, Savas, n.os 64 e 71, terceiro travessão; Abatay e o., n.o 62; e Tum e Dari, n.o 52), não deixa de ser verdade que tal cláusula proíbe de maneira geral a introdução de qualquer nova medida que tenha por objecto ou por efeito submeter o exercício, por um nacional turco, das referidas liberdades económicas no território nacional, a condições mais restritivas do que as que lhe eram aplicáveis à data da entrada em vigor do protocolo adicional para o Estado-Membro em causa (v. acórdãos, já referidos, Savas, n.os 69 e 71, quarto travessão; Abatay e o., n.os 66 e 117, segundo travessão; e Tum e Dari, n.os 49 e 53). |
48 |
Assim, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional se opõe à introdução na regulamentação de um Estado-Membro da exigência, inexistente à data da entrada em vigor do referido protocolo para a este último, de uma autorização de trabalho para efeitos da prestação de serviços, no território desse Estado, por uma empresa estabelecida na Turquia e seus empregados turcos (acórdão Abatay e o., já referido, n.o 117, sexto travessão). |
49 |
Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça considerou que a referida disposição se opõe igualmente à adopção, a contar da entrada em vigor do protocolo adicional, de quaisquer novas restrições ao exercício da liberdade de estabelecimento e relativas às condições substantivas e/ou processuais em matéria de admissão, no território do Estado-Membro em causa, de cidadãos turcos que aí pretendam exercer uma actividade profissional na qualidade de trabalhadores independentes (acórdão Tum e Dari, já referido, n.o 69). |
50 |
Nesses processos, tratava-se de saber se as regulamentações nacionais que, para efeitos de acesso ao território de um Estado-Membro ou a uma actividade profissional, introduziam, para os nacionais turcos, condições substantivas e/ou processuais mais estritas do que as que lhes eram aplicáveis nesse Estado-Membro à data da entrada em vigor do protocolo adicional podiam ser consideradas restrições novas, na acepção do artigo 41.o, n.o 1, do referido protocolo. |
51 |
Ora, isto também se aplica ao processo principal. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, à data da entrada em vigor do protocolo adicional para a República Federal da Alemanha, a saber, em 1 de Janeiro de 1973, os nacionais turcos que, como os recorrentes no processo principal, exercessem actividades de prestação de serviços na Alemanha, no sector do transporte rodoviário internacional de mercadorias, por conta de uma empresa turca, tinham o direito de entrar no território desse Estado-Membro para esse fim, sem serem obrigados a obter visto previamente. |
52 |
Só a partir de 1 de Julho de 1980 é que a regulamentação alemã relativa aos estrangeiros submeteu à exigência de visto os nacionais originários de países terceiros, incluindo os nacionais turcos, que pretendessem exercer tais actividades na Alemanha. Actualmente, a obrigação de os nacionais turcos como os recorrentes no processo principal possuírem um visto para entrarem no território alemão é prevista pela Aufenthaltsgesetz, que substituiu a regulamentação relativa aos estrangeiros, com efeitos a 1 de Janeiro de 2005. |
53 |
É certo que a Aufenthaltsgesetz não é mais do que a aplicação, no Estado-Membro em causa, de um acto de direito comunitário derivado, neste caso o Regulamento n.o 539/2001, que, como resulta do seu primeiro considerando, constitui uma medida de acompanhamento directamente relacionada com a livre circulação de pessoas num espaço de liberdade, de segurança e de justiça e adoptada com base no artigo 62.o, n.o 2, alínea b), i), CE. |
54 |
É igualmente verdade, como observou a Comissão na audiência, que as condições aplicáveis a um visto Schengen, como o previsto no § 4, n.o 1, e no § 6, n.o 2, da Aufenthaltsgesetz, apresentam certas vantagens em relação às condições aplicáveis na Alemanha, à data da entrada em vigor do protocolo adicional nesse Estado-Membro, aos nacionais turcos na situação dos recorrentes no processo principal. Com efeito, apesar de esses nacionais apenas beneficiarem de um direito de acesso limitado unicamente ao território alemão, um visto emitido ao abrigo do § 6, n.o 2, da Aufenthaltsgesetz permite-lhes circularem livremente no território de todos os Estados Partes no Acordo entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinado em Schengen em 14 de Junho de 1985 (JO 2000, L 239, p. 13), acordo que foi concretizado pela assinatura, em Schengen, em 19 de Junho de 1990, de uma Convenção de aplicação (JO 2000, L 239, p. 19), que prevê medidas de cooperação destinadas a assegurar, como contrapartida da supressão das fronteiras internas, a protecção do conjunto dos territórios das Partes Contratantes. |
55 |
Não é menos verdade que, quanto aos nacionais turcos como os recorrentes no processo principal, que têm a intenção de fazer uso do direito à livre circulação de serviços, no território de um Estado-Membro, ao abrigo do acordo de associação, uma regulamentação nacional que subordina essa actividade à emissão de um visto, que, de resto, não pode ser imposto aos nacionais comunitários, é susceptível de dificultar o exercício efectivo dessa liberdade, nomeadamente em razão dos encargos administrativos e financeiros suplementares e recorrentes que a obtenção de tal autorização implica e cuja validade é limitada no tempo. Além disso, no caso em que o visto é objecto de uma decisão de recusa, como no processo principal, uma regulamentação desse tipo impede o exercício dessa liberdade. |
56 |
Daqui resulta que tal regulamentação, que não existia em 1 de Janeiro de 1973, tem pelo menos por efeito submeter o exercício das liberdades económicas garantidas pelo acordo de associação, por cidadãos turcos como os recorrentes no processo principal, a condições mais restritivas do que as aplicáveis no Estado-Membro em causa à data da entrada em vigor do protocolo adicional. |
57 |
Nestas condições, há que concluir que uma regulamentação como a que está em causa no processo principal constitui uma «nova restrição», na acepção do artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional, ao direito de os nacionais turcos residentes na Turquia fornecerem livremente prestações de serviços na Alemanha. |
58 |
Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a regulamentação actualmente em vigor na Alemanha ser apenas a aplicação de uma disposição comunitária de direito derivado. |
59 |
A esse respeito, basta recordar que o primado dos acordos internacionais concluídos pela Comunidade sobre os actos de direito comunitário derivado obriga a interpretar estes últimos, na medida do possível, em conformidade com os referidos acordos (v. acórdão de 10 de Setembro de 1996, Comissão/Alemanha, C-61/94, Colect., p. I-3989, n.o 52). |
60 |
Além do mais, não se pode acolher a objecção, evocada igualmente pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual a aplicação da cláusula de «standstill» enunciada no artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional implica um bloqueio do poder normativo geral do legislador. |
61 |
Com efeito, a adopção de regras que se aplicam da mesma maneira aos nacionais turcos e aos nacionais comunitários não entra em contradição com essa cláusula. Aliás, se essas regras se aplicassem aos nacionais comunitários, mas não aos nacionais turcos, estes últimos ficariam numa situação mais favorável do que a dos primeiros, o que seria manifestamente contrário à exigência do artigo 59.o do protocolo adicional, segundo a qual a República da Turquia não pode beneficiar de um tratamento mais favorável do que aquele que os Estados-Membros aplicam entre si por força do Tratado CE. |
62 |
Em face do exposto, há que responder às questões colocadas que o artigo 41.o, n.o 1, do protocolo adicional deve ser interpretado no sentido de que se opõe à introdução, a contar da entrada em vigor desse protocolo, da exigência de visto para permitir a nacionais turcos, como os recorrentes no processo principal, entrarem no território de um Estado-Membro para aí efectuarem prestações de serviços por conta de uma empresa estabelecida na Turquia, desde que, nessa data, não fosse exigido tal visto. |
Quanto às despesas
63 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara: |
O artigo 41.o, n.o 1, do Protocolo Adicional, assinado em 23 de Novembro de 1970, em Bruxelas, e concluído, aprovado e confirmado, em nome da Comunidade, pelo Regulamento (CEE) n.o 2760/72 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à introdução, a contar da entrada em vigor desse protocolo, da exigência de visto para permitir a nacionais turcos, como os recorrentes no processo principal, entrarem no território de um Estado-Membro para aí efectuarem prestações de serviços por conta de uma empresa estabelecida na Turquia, desde que, nessa data, não fosse exigido tal visto. |
Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: alemão.