Processo C-202/06 P

Cementbouw Handel & Industrie BV

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Competência da Comissão – Notificação de uma operação de concentração de dimensão comunitária – Compromissos propostos pelas partes – Efeito sobre a competência da Comissão – Autorização sujeita ao cumprimento de determinados compromissos – Princípio da proporcionalidade»

Conclusões da advogada-geral J. Kokott apresentadas em 26 de Abril de 2007 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 18 de Dezembro de 2007 

Sumário do acórdão

1.     Concorrência – Concentrações – Competência da Comissão – Determinação, relativamente a todo o processo, numa data estreitamente ligada à notificação

(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho, artigos 1.° , n.os 2 e 3, 5.° e 8.° , n.° 2, segundo parágrafo)

2.     Concorrência – Concentrações – Exame pela Comissão – Carácter proporcionado das condições e obrigações impostas às empresas para efeitos de tornar a operação de concentração compatível com o mercado comum

(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho, artigos 2.°  e 8.° , n.° 2)

3.     Concorrência – Concentrações – Exame pela Comissão – Obrigação de tomar em conta as decisões das autoridades nacionais – Inexistência

(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho)

1.     A competência da Comissão para analisar uma operação de concentração no âmbito do Regulamento nº 4064/89, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas deve ser estabelecida, relativamente a todo o processo, numa data determinada. Atendendo à importância que reveste a obrigação de notificação no sistema de controlo estabelecido pelo legislador comunitário, esta data deve necessariamente apresentar uma relação estreita com a notificação. Com efeito tanto esta preocupação de segurança jurídica, que implica que a autoridade competente para examinar uma operação de concentração possa ser identificada de modo previsível, como o imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do Regulamento n.° 4064/89 e que exige à Comissão que respeite prazos estritos para adoptar a decisão final, sem o que a operação é considerada compatível com o mercado comum, implicam igualmente que, uma vez declarada pela Comissão a sua competência relativamente a uma dada operação à luz dos critérios previstos nos artigos 1.°, n.os 2 e 3, e 5.° do Regulamento n.° 4064/89, esta competência não possa ser posta em causa em nenhum momento nem ser sujeita a alterações permanentes.

Assim, embora seja evidente que a Comissão perde a sua competência para analisar uma operação de concentração no caso de as empresas em causa abandonarem completamente o projecto, a situação é, no entanto, diferente quando as partes se limitam a propor a introdução de alterações parciais ao projecto. Estas propostas não podem ter como efeito obrigar a Comissão a reexaminar a sua competência, sob pena de permitir às empresas em causa perturbar significativamente o desenrolar do processo e a eficácia do controlo pretendido pelo legislador obrigando a Comissão a verificar constantemente a sua competência em detrimento da análise do mérito do processo. Esta interpretação é corroborada pela redacção do artigo 8.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, que prevê claramente que os compromissos propostos ou assumidos pelas empresas são alguns dos elementos que a Comissão deve tomar em consideração no âmbito da análise da questão de fundo, isto é, a compatibilidade ou incompatibilidade da concentração com o mercado comum, mas que, pelo contrário, estes compromissos não podem privar a Comissão da sua competência, uma vez que tenha sido verificada na primeira fase do processo.

(cf. n.os 38-43)

2.     As regras materiais do Regulamento n.° 4064/89, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, e, em especial o seu artigo 2.°, conferem à Comissão um certo poder discricionário, designadamente no que respeita às apreciações de ordem económica. Consequentemente, o controlo pelo órgão jurisdicional comunitário do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efectuado tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que fazem parte do regime das concentrações.

Em particular, o controlo do carácter proporcionado das condições e obrigações que a Comissão pode, por força do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, impor às partes de uma operação de concentração não consiste em verificar se, uma vez cumpridas, a operação de concentração é ainda de dimensão comunitária, mas em assegurar que as referidas condições e as referidas obrigações são proporcionais ao problema de concorrência identificado e permitem regulá‑lo inteiramente

(cf. n.os 53, 54)

3.     Atendendo à repartição precisa de competências sobre a qual assenta o Regulamento n.° 4064/89, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, as decisões das autoridades nacionais não podem vincular a Comissão no âmbito de processos de controlo de concentrações.

(cf. n.° 56)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

18 de Dezembro de 2007 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Competência da Comissão – Notificação de uma operação de concentração de dimensão comunitária – Compromissos propostos pelas partes – Efeito sobre a competência da Comissão – Autorização sujeita ao cumprimento de determinados compromissos – Princípio da proporcionalidade»

No processo C‑202/06 P,

que tem por objecto um recurso nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 3 de Maio de 2006,

Cementbouw Handel & Industrie BV, representada por W. Knibbeler, O. Brouwer e P. Kreijger, advocaten,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. Gippini Fournier, A. Nijenhuis e A. Whelan, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann (relator), presidente de secção, A. Tizzano, A. Borg Barthet, M. Ilešič e E. Levits, juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 22 de Março de 2007,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 26 de Abril de 2007,

profere o presente

Acórdão

1       Através do seu recurso, a Cementbouw Handel & Industrie BV pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 23 de Fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (T‑282/02, Colect., p. II‑319, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão 2003/756/CE da Comissão, de 26 de Junho de 2002, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum e com o acordo EEE [Processo COMP/M.2650 – Haniel/Cementbouw/JV (CVK)] (JO 2003, L 282, p. 1, rectificado no JO 2003, L 285, p. 52, a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2       O Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1, rectificado no JO 1990, L 257, p. 13), com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 4064/89»), define o seu âmbito de aplicação material no artigo 1.°, n.° 1, do seguinte modo:

«[…] o presente regulamento é aplicável a todas a operações de concentração de dimensão comunitária definidas nos n.os 2 e 3.»

3       O artigo 3.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89 define o conceito de operação de concentração de forma a incluir, nomeadamente, o caso em que uma ou mais empresas adquirem directa ou indirectamente, por compra de partes de capital ou de elementos do activo, por via contratual ou por qualquer outro meio, o controlo do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.

4       Para que uma operação de concentração tenha dimensão comunitária é necessário que o volume de negócios total realizado à escala mundial e na Comunidade Europeia pelas empresas em causa ultrapasse determinados limiares, expressos em volume de negócios, fixados no artigo 1.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89. O artigo 5.° deste regulamento especifica o método de cálculo destes limiares.

5       As operações de concentração de dimensão comunitária devem ser notificadas à Comissão das Comunidades Europeias. A este respeito, o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 esclarece que esta notificação deve ser feita «no prazo de uma semana após a conclusão do acordo ou a publicação da oferta de compra ou de troca ou a aquisição de uma participação de controlo».

6       O artigo 7.° deste regulamento prevê que essas operações não podem ser realizadas antes de serem notificadas nem antes de terem sido declaradas compatíveis com o mercado comum por uma decisão.

7       Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 4064/89, «[a] Comissão procederá à análise da notificação logo após a sua recepção». Em conformidade com o disposto no referido artigo 6.°, n.° 1, alínea c), se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada é de dimensão comunitária e suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao processo formal de controlo.

8       A este respeito, o artigo 8.°, n.os 1 a 4, do Regulamento n.° 4064/89 confere à Comissão os seguintes poderes de decisão:

«1.      […]

2.      Se a Comissão verificar que uma concentração notificada, eventualmente após as alterações introduzidas pelas empresas em causa, preenche o critério do n.° 2 do artigo 2.° […], tomará a decisão de declarar a concentração compatível com o mercado comum.

A Comissão pode acompanhar a sua decisão de condições e obrigações destinadas a garantir que as empresas em causa respeitem os compromissos perante ela assumidos para tornar a concentração compatível com o mercado comum. […]

3.      […]

4.      Se uma operação de concentração já tiver sido realizada, a Comissão pode ordenar […] a separação das empresas ou dos activos agrupados ou a cessação do controlo conjunto, ou qualquer outra medida adequada ao restabelecimento de uma concorrência efectiva.»

9       Nos termos do artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, a decisão de dar início a um processo formal de controlo deve ser tomada, salvo excepção não aplicável ao caso em apreço, no prazo máximo de um mês a contar do dia seguinte ao da recepção da notificação. De acordo com o artigo 10.°, n.os 2 e 3, deste regulamento, as decisões em que se declara a compatibilidade ou incompatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum devem ser tomadas, salvo em casos excepcionais, no prazo máximo de quatro meses a contar da data do início do processo. Nos termos do n.° 6, do mesmo artigo, se a Comissão não tomar qualquer decisão nestes prazos, considera‑se que a operação de concentração é declarada compatível com o mercado comum.

10     A delimitação das competências em matéria de controlo das operações de concentração é fixada no artigo 21.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 4064/89 da seguinte forma:

«1.      Sob reserva do controlo do Tribunal de Justiça, a Comissão tem competência exclusiva para tomar as decisões previstas no presente regulamento.

2.      Os Estados‑Membros não podem aplicar a sua legislação nacional sobre a concorrência às operações de concentração de dimensão comunitária.»

11     O vigésimo nono considerando do Regulamento n.° 4064/89 esclarece que «as operações de concentração que não são objecto do presente regulamento são, em princípio, da competência dos Estados‑Membros».

 Antecedentes do litígio

12     As constatações feitas pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 1 a 15 e 295 a 298 do acórdão recorrido permitem resumir os antecedentes do processo do seguinte modo.

13     Antes da realização da operação de concentração na origem do litígio, a Coöperatieve Verkoop‑ en Produktievereniging van Kalkzandsteenproducenten (a seguir «CVK»), cooperativa de direito neerlandês, agrupava onze fabricantes neerlandeses de blocos sílico‑calcários. Destas onze empresas associadas, cinco eram filiais da empresa alemã Franz Haniel & Cie GmbH (a seguir «Haniel»), três eram filiais da recorrente e duas filiais da empresa alemã RAG AG (a seguir «RAG»). A décima primeira destas empresas era detida conjuntamente pela Haniel, pela recorrente e pela RAG (n.° 5 do acórdão recorrido).

14     No decurso do ano de 1998, a Nederlandse Mededingingsautoriteit (autoridade neerlandesa em matéria de concorrência, a seguir «NMa») recebeu uma notificação de um projecto de concentração, por meio do qual a CVK pretendia adquirir o controlo sobre as suas associadas. O controlo devia ser transferido no âmbito da celebração de um acordo de pooling e de uma alteração dos estatutos da CVK. Por decisão de 20 de Outubro de 1998, a NMa autorizou o projecto em causa (n.° 6 do acórdão recorrido).

15     Antes de esta operação ser realizada, a RAG tinha tomado a decisão de vender à Haniel e à recorrente as participações que detinha nas empresas associadas da CVK. No decurso do mês de Março de 1999, as partes comunicaram as suas intenções à NMa. Esta, por ofício de 26 de Março de 1999, informou‑as de que a alienação prevista não constituiria uma operação de concentração na acepção da legislação neerlandesa, desde que a operação autorizada pela decisão de 20 de Outubro de 1998 fosse realizada até ao momento da referida alienação (n.° 7 do acórdão recorrido).

16     Em 9 de Agosto de 1999, a CVK e as suas empresas associadas realizaram várias transacções. Por um lado, celebraram o acordo de pooling referido no n.° 14 do presente acórdão e os estatutos da CVK foram alterados de modo a ter em conta as disposições do referido acordo (a seguir «primeiro grupo de transacções»). Por outro lado, a RAG alienou as participações que detinha em três associadas da CVK à Haniel e à recorrente, ao mesmo tempo que estas celebraram um acordo de cooperação que regula a sua cooperação na CVK (a seguir «segundo grupo de transacções») (n.° 8 do acórdão recorrido).

17     Tendo tomado conhecimento das transacções realizadas em 9 de Agosto de 1999 durante o exame de duas outras operações de concentração que lhe foram notificadas pela Haniel, a Comissão, por ofício de 22 de Outubro de 2001, comunicou à recorrente e às outras empresas participantes que a operação tinha de lhe ser notificada. Em 24 de Janeiro de 2002, a Haniel e a recorrente notificaram a operação nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 4064/89 (n.os 9 e 10 do acórdão recorrido).

18     Em 25 de Fevereiro de 2002, a Comissão deu início ao processo formal de controlo previsto no artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89 (n.° 11 do acórdão recorrido).

19     Após o envio da comunicação das objecções e da audição das partes interessadas pela Comissão, a Haniel e a recorrente apresentaram, em 28 de Maio de 2002, um primeiro projecto de compromissos. Este previa que a Haniel e a recorrente revogariam o seu acordo de cooperação e alienariam a um terceiro independente as participações que tinham adquirido ao longo de 1999 à RAG. A Comissão considerou que este projecto era insuficiente para pôr fim às dúvidas em matéria da concorrência no mercado em causa (n.os 12, 14 e 295 do acórdão recorrido).

20     Em 5 de Junho de 2002, a Haniel e a recorrente apresentaram então compromissos definitivos, pelos quais aceitavam também revogar o acordo de pooling, anular a alteração dos estatutos da CVK e dissolver esta última (n.os 14, 15 e 298 do acórdão recorrido).

21     Em 26 de Junho de 2002, a Comissão adoptou a decisão controvertida, na qual considerou que a operação de concentração constituída pelo primeiro e segundo grupos de transacções era compatível com o mercado comum, na condição de a Haniel e a recorrente cumprirem os compromissos assumidos na referida decisão. Estes últimos incluem, designadamente, a dissolução da CVK (n.° 15 do acórdão recorrido).

 Tramitação do processo no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

22     Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Setembro de 2002 e registada sob o número T‑282/02, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão controvertida.

23     A recorrente invocou três fundamentos de recurso.

24     O primeiro fundamento era relativo à incompetência da Comissão para examinar as transacções em causa por força do artigo 3.° do Regulamento n.° 4064/89. O Tribunal julgou improcedente este fundamento, concluindo, no n.° 109 do acórdão recorrido, que «uma operação de concentração, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, pode ser realizada mesmo na presença de uma pluralidade de transacções jurídicas formalmente distintas quando essas transacções sejam interdependentes, pelo que não seriam realizadas umas sem as outras e cujo resultado consista em conferir a uma ou a várias empresas o controlo económico, directo ou indirecto, sobre a actividade de uma ou de várias outras empresas».

25     O segundo fundamento era relativo a erros de apreciação da Comissão relativos à criação de uma posição dominante decorrente da operação de concentração, em violação do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89. O Tribunal julgou improcedente este fundamento.

26     O terceiro fundamento era relativo à violação dos artigos 3.° e 8.°, n.° 2, do mesmo regulamento e do princípio da proporcionalidade. No que se refere a este fundamento, o Tribunal concluiu:

«301      […] há que referir que os pedidos da recorrente se baseiam uma vez mais numa premissa errada, que o Tribunal considerou improcedente […]. Com efeito, existe uma única operação de concentração, celebrada em 9 de Agosto de 1999, constituída pelos primeiro e segundo grupos de transacções, que é abrangida pela competência da Comissão ao abrigo do Regulamento n.° 4064/89. Assim, contrariamente ao que sustenta a recorrente, o primeiro projecto de compromissos não altera a operação de concentração de forma a que esta deixe de existir.

[...]

304      […] há que referir que a recorrente não explicou de que modo o primeiro projecto de compromissos […] teria permitido à Comissão concluir pela compatibilidade da operação de concentração, quando é facto assente que, no âmbito desse projecto de compromissos, a posição dominante da CVK, como resulta da operação de concentração concluída em 9 de Agosto de 1999, permanecia inalterada. Com efeito, mais concretamente, não obstante o abandono do controlo conjunto da CVK, a empresa continuava, consoante a delimitação do mercado, a deter pelo menos [50 a 60]% do mercado em causa, sem que, por outro lado, as quotas de mercado dos seus principais concorrentes aumentassem.

305      Assim, contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Comissão não tinha a obrigação de aceitar o primeiro projecto de compromissos, nos termos do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, uma vez que este projecto não lhe permitia concluir que a operação de concentração de 9 de Agosto de 1999 não criaria uma posição dominante, na acepção do artigo 2.°, n.° 2, desse regulamento.

[...]

307      […] para poderem ser aceites pela Comissão na óptica da adopção de uma decisão nos termos do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, os compromissos das partes devem não só ser proporcionais ao problema de concorrência identificado pela Comissão na sua decisão, como resolvê‑lo integralmente, objectivo que, no presente caso, manifestamente não foi atingido através do primeiro projecto de compromissos proposto pelas partes que procederam à notificação.»

27     O Tribunal julgou improcedente o terceiro fundamento e, por conseguinte, o recurso na sua totalidade.

 Quanto ao recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância

28     A recorrente pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido e, se necessário, remeta o processo para o Tribunal de Primeira Instância e condene a Comissão nas despesas.

29     A Comissão pede que seja negado provimento ao recurso e que a recorrente seja condenada nas despesas.

30     Em apoio dos seus pedidos, a recorrente invoca dois fundamentos.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à interpretação e à aplicação erradas dos artigos 1.°, 2.° e 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89

 Argumentos das partes

31     A recorrente alega que a competência da Comissão nos termos do Regulamento n.° 4064/89 é determinada não exclusivamente pela operação de concentração tal como foi notificada, mas pela operação verdadeiramente realizada. Esta interpretação é aplicável quando a operação é objecto de alterações introduzidas pelas partes após a notificação, podendo estas alterações resultar de uma proposta de compromissos. Não é relevante o facto de a operação ter sido realizada antes da notificação, na forma em que foi notificada.

32     Segundo a recorrente, a operação em causa no presente processo só adquiriu dimensão comunitária com a conclusão do segundo grupo de transacções, mediante a qual assumiu com a Haniel o controlo da CVK. De acordo com a sua leitura do acórdão recorrido, o Tribunal reconheceu, no n.° 304 do referido acórdão, que o primeiro projecto de compromissos tinha conduzido ao abandono do controlo conjunto da CVK pelas partes notificantes. Ao invés, não teve em conta o facto de esse projecto ter tido também como efeito fazer desaparecer a operação de concentração notificada, só restando uma operação sem dimensão comunitária.

33     Em resposta a esta argumentação, a Comissão alega que, nos termos do Regulamento n.° 4064/89, a sua competência relativamente a uma operação de concentração devia ser determinada no momento em que esta operação lhe devia ser notificada. Sublinhando que deve declarar ou declinar a sua competência o mais tardar no fim do primeiro exame da notificação, a Comissão acrescenta que, no interesse de uma boa administração, a dimensão comunitária de uma concentração não pode ser constantemente reexaminada ao longo de todo o processo.

34     Segundo a Comissão, a recorrente ignora a função e a natureza dos compromissos que as partes podem assumir. Estes compromissos não podem privar a Comissão da competência que lhe foi conferida pelo Regulamento n.° 4064/89, mas antes visam permitir‑lhe exercer o seu poder de autorizar, em determinadas condições, a operação de concentração notificada.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

35     Tal como decorre do seu vigésimo nono considerando e do seu artigo 21.°, n.° 1, o Regulamento n.° 4064/89 assenta no princípio da repartição precisa de competências entre as autoridades nacionais e comunitárias em matéria de controlo de concentrações (acórdãos de 25 de Setembro de 2003, Schlüsselverlag J. S. Moser e o./Comissão, C‑170/02 P, Colect., p. I‑9889, n.° 32, e de 22 de Junho de 2004, Portugal/Comissão, C‑42/01, Colect., p. I‑6079, n.° 50).

36     O referido regulamento inclui igualmente disposições, entre as quais figura designadamente o artigo 10.°, n.os 1 e 2, cujo objectivo é limitar, por razões de segurança jurídica e no interesse das empresas em causa, a duração dos procedimentos de verificação das operações que incumbem à Comissão (acórdãos, já referidos, Schlüsselverlag J. S. Moser e o./Comissão, n.° 33, e Portugal/Comissão, n.° 51).

37     Deve daí concluir‑se que o legislador comunitário pretendeu definir uma repartição clara das intervenções das autoridades nacionais e comunitárias e que quis assegurar um controlo das operações de concentração em prazos compatíveis simultaneamente com as exigências de uma boa administração e da vida comercial (acórdãos, já referidos, Schlüsselverlag J. S. Moser e o./Comissão, n.° 34, e Portugal/Comissão, n.° 53).

38     Esta preocupação de segurança jurídica implica que a autoridade competente para examinar uma operação de concentração deve poder ser identificada de modo previsível. Esta é a razão pela qual o legislador comunitário fixou, nos artigos 1.°, n.os 2 e 3, e 5.° do Regulamento n.° 4064/89, critérios simultaneamente precisos e objectivos que permitem determinar se uma operação alcançou a dimensão económica exigida para ser de «dimensão comunitária», sendo, assim, da competência exclusiva da Comissão.

39     O imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do Regulamento n.° 4064/89 e que exige à Comissão que respeite prazos estritos para adoptar a decisão final, sem o que a operação é considerada compatível com o mercado comum, implica igualmente que, uma vez declarada pela Comissão a sua competência relativamente a uma dada operação, à luz dos critérios previstos nos artigos 1.°, n.os 2 e 3, e 5.° do referido regulamento, esta competência não pode ser posta em causa em nenhum momento nem ser sujeita a alterações permanentes.

40     Conforme observou a advogada‑geral no n.° 48 das suas conclusões, é evidente que a Comissão perde a sua competência para analisar uma operação de concentração no caso de as empresas em causa abandonarem completamente o projecto.

41     No entanto, a situação é diferente quando as partes se limitam a propor a introdução de alterações parciais ao projecto. Estas propostas não podem ter como efeito obrigar a Comissão a reexaminar a sua competência, sob pena de permitir às empresas em causa perturbar significativamente o desenrolar do processo e a eficácia do controlo pretendido pelo legislador obrigando a Comissão a verificar constantemente a sua competência em detrimento da análise do mérito do processo.

42     Esta interpretação é corroborada pela redacção do artigo 8.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, que prevê que «[a] Comissão pode acompanhar a sua decisão de condições e obrigações destinadas a garantir que as empresas em causa respeitem os compromissos perante ela assumidos para tornar a concentração compatível com o mercado comum». Como observou a advogada‑geral no n.° 52 das suas conclusões, esta redacção revela claramente que os compromissos propostos ou assumidos pelas empresas são alguns dos elementos que a Comissão deve tomar em consideração no âmbito da análise da questão de fundo, isto é, a compatibilidade ou incompatibilidade da concentração com o mercado comum, mas que, pelo contrário, estes compromissos não podem privar a Comissão da sua competência, uma vez que tenha sido verificada na primeira fase do processo.

43     Daqui decorre que a competência da Comissão para analisar uma operação de concentração deve ser estabelecida, relativamente a todo o processo, numa data determinada. Atendendo à importância que reveste a obrigação de notificação no sistema de controlo estabelecido pelo legislador comunitário, esta data deve necessariamente apresentar uma relação estreita com a notificação.

44     No âmbito do presente recurso, a recorrente não contesta a análise da Comissão, confirmada pelo acórdão recorrido, segundo a qual cabe verificar a existência de uma única operação, constituída pelos primeiro e segundo grupos de transacções. Não contesta também que, tanto à data da realização destes dois grupos de transacções como à data da notificação efectuada a pedido da Comissão, esta operação de concentração tinha dimensão comunitária. Por consequência, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a questão de saber se a data a considerar para determinar a competência da Comissão é a data em que nasceu a obrigação de notificação ou aquela em que a notificação devia ter sido efectuada ou ainda aquela em que foi efectivamente efectuada, não se contesta que, no presente caso, a Comissão era competente para analisar a operação de concentração em causa.

45     Quanto à questão de saber se, como sustenta a recorrente, o primeiro projecto de compromissos que apresentou com a Haniel podia ter efeitos sobre a competência assim adquirida, importa, desde logo, recordar que, no caso em apreço, a operação de concentração tinha já sido realizada. Em seguida, cabe observar que, tal como decorre das constatações efectuadas pelo Tribunal no n.° 295 do acórdão recorrido e não contestadas pela recorrente, este projecto dizia respeito à revogação do contrato de cooperação celebrado entre a recorrente e a Haniel, à alienação a um terceiro independente de participações que aquelas tinham adquirido em três das empresas da CVK, ou seja, o abandono do segundo grupo de transacções. Todavia, o referido projecto previa que o contrato de pooling e a alteração dos estatutos da CVK, objecto do primeiro grupo de transacções, seriam mantidos. Daqui decorre que, à luz da operação de concentração a que se refere o processo de controlo iniciado pela Comissão, o projecto em causa era constituído por medidas parciais.

46     Por conseguinte, o Tribunal não cometeu nenhum erro de direito ao concluir, no n.° 301 do acórdão recorrido, que o primeiro projecto de compromissos proposto pela recorrente e pela Haniel não alterava a operação de concentração de forma a que esta deixasse de existir.

47     O Tribunal também não cometeu nenhum erro de direito ao concluir, nos n.os 305 e 306 do mesmo acórdão, que, no exercício da competência que tinha adquirido, a Comissão podia considerar que este primeiro projecto de compromisso não era suficiente para resolver o problema que tinha constatado em matéria de concorrência.

48     Por conseguinte, o primeiro fundamento do presente recurso deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à interpretação e à aplicação erradas do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89 e do princípio da proporcionalidade

 Argumentos das partes

49     A recorrente alega que, ao considerar que o primeiro projecto de compromissos era insuficiente, a Comissão ignorou o facto de esses compromissos reduzirem a transacção a uma operação de concentração sem dimensão comunitária que já não era da sua competência. Acrescenta que, ao concluir que a Comissão não era obrigada a aceitar o primeiro projecto de compromissos, o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da proporcionalidade. Por outro lado, a recorrente critica o Tribunal de Primeira Instância por não ter explicado como é que a Comissão pôde chegar a uma conclusão diametralmente oposta à da autoridade neerlandesa em matéria de concorrência, a NMa, no que diz respeito aos efeitos anticoncorrenciais do primeiro grupo de transacções.

50     Segundo a Comissão, estes argumentos não são, no essencial, mais do que uma reformulação dos apresentados em apoio do primeiro fundamento. Esta instituição contesta ter agido de modo desproporcionado e sustenta que, por falta de precisão, o argumento relativo às divergências de apreciação entre si e a NMa é inadmissível.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

51     No que se refere, em primeiro lugar, ao argumento relativo à falta de competência da Comissão, cabe observar que se trata de uma repetição da argumentação desenvolvida no âmbito do primeiro fundamento. À semelhança deste, deve, portanto, ser julgado improcedente.

52     No que respeita, em segundo lugar, à alegada violação do princípio da proporcionalidade, importa reconhecer que as decisões tomadas pela Comissão nos processos de controlo de concentrações devem respeitar as exigências do princípio da proporcionalidade, que é um princípio geral do direito comunitário (v., designadamente, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑380/03, Colect., p. I‑11573, n.° 144).

53     Todavia, há que recordar que as regras materiais do Regulamento n.° 4064/89, em especial o seu artigo 2.°, conferem à Comissão um certo poder discricionário, designadamente no que respeita às apreciações de ordem económica, e que, consequentemente, o controlo pelo órgão jurisdicional comunitário do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efectuado tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que fazem parte do regime das concentrações (acórdãos de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.os 223 e 224, e de 15 de Fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, Colect., p. I‑987, n.° 38).

54     Em particular, conforme observou a advogada‑geral no n.° 73 das suas conclusões e diferentemente do que afirma a recorrente, o controlo do carácter proporcional das condições e obrigações que a Comissão pode, por força do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, impor às partes de uma operação de concentração não consiste em verificar se, uma vez cumpridas, a operação de concentração é ainda de dimensão comunitária, mas em assegurar que as referidas condições e as referidas obrigações são proporcionais ao problema de concorrência identificado e permitem regulá‑lo inteiramente.

55     Por conseguinte, o Tribunal não cometeu nenhum erro de direito ao concluir, nos n.os 304 e 305 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha obrigação de aceitar o primeiro projecto de compromissos já que considerava que estes eram insuficientes para resolver o problema de concorrência que tinha identificado.

56     No que se refere, em terceiro lugar, à divergência entre a apreciação efectuada, por um lado, pela NMa e, por outro, pela Comissão, de uma situação alegadamente idêntica, importa, desde logo, observar que, atendendo à repartição precisa de competências sobre a qual assenta o Regulamento n.° 4064/89, as decisões das autoridades nacionais não podem vincular a Comissão no âmbito de processos de controlo de concentrações.

57     Além disso, há que recordar que a NMa e a Comissão se pronunciaram, nos domínios de competência respectivos, à luz de critérios diferentes. Enquanto a NMa analisou o primeiro grupo de transacções tendo em conta a situação no mercado nacional, a Comissão avaliou a sua compatibilidade com o mercado comum. Por conseguinte, se o Tribunal era competente para fiscalizar, dentro dos limites recordados no n.° 53 do presente acórdão, a apreciação efectuada pela Comissão, não tinha que explicar como é que a Comissão chegou a um resultado diferente do da NMa.

58     Resulta das considerações precedentes que o segundo fundamento deve também ser julgado improcedente.

59     Decorre do exposto que há que negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

60     Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos nesse sentido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Cementbouw Handel & Industrie BV é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.