ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

21 de Fevereiro de 2008 ( *1 )

«Incumprimento de Estado — Produtos fitofarmacêuticos — Importações paralelas — Procedimento de autorização de colocação no mercado — Requisitos — Origem comum do produto fitofarmacêutico importado paralelamente e do produto de referência»

No processo C-201/06,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.o CE, entrada em 4 de Maio de 2006,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. Stromsky, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Francesa, representada por G. de Bergues e R. Loosli-Surrans, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por:

Reino dos Países Baixos, representado por H. G. Sevenster, na qualidade de agente,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, U. Lõhmus, J. N. Cunha Rodrigues, A. Ó Caoimh e P. Lindh (relatora), juízes,

advogada-geral: V. Trstenjak,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 11 de Setembro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1

Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao exigir, para efeitos da concessão de uma autorização de importação de um produto fitofarmacêutico importado paralelamente, que o produto importado e o produto já autorizado em França tenham uma origem comum, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.o CE.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

2

A Directiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO L 230, p. 1), institui regras uniformes relativas aos requisitos e aos procedimentos de autorização de colocação no mercado (a seguir «ACM») dos produtos fitofarmacêuticos, bem como à respectiva revisão e retirada. A directiva tem por finalidade não só harmonizar as regras relativas aos requisitos e aos procedimentos de aprovação dos referidos produtos, como também assegurar um nível elevado de protecção da saúde das pessoas e dos animais, bem como do ambiente, contra as ameaças e os riscos provocados pelo uso incontrolado destes produtos. A directiva destina-se, além disso, a remover os entraves à livre circulação destes produtos.

3

A Directiva 91/414 diz respeito, designadamente, à autorização, à colocação no mercado, à utilização e ao controlo, no interior da Comunidade Europeia, de produtos fitofarmacêuticos apresentados sob a sua forma comercial. De acordo com o seu artigo 2.o, n.o 10, entende-se por «colocação no mercado» qualquer entrega, a título oneroso ou gratuito, com excepção das entregas para armazenagem e subsequente expedição para fora do território da Comunidade. A importação de um produto fitofarmacêutico para o território da Comunidade é considerada como uma colocação no mercado na acepção da presente directiva.

4

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Directiva 91/414:

«Os Estados-Membros determinarão que os produtos fitofarmacêuticos só podem ser colocados no mercado e utilizados no seu território quando tiverem sido autorizados em conformidade com o disposto na presente directiva […]»

5

O artigo 4.o desta directiva enuncia, designadamente, os requisitos que um produto fitofarmacêutico deve preencher para poder ser autorizado. Por força deste mesmo artigo, as autorizações devem precisar as exigências relativas à colocação no mercado e à utilização dos produtos. São concedidas apenas por um período determinado, que não ultrapassa dez anos, que é fixado pelos Estados-Membros. Podem ser reexaminadas a qualquer momento e devem, em determinadas condições, ser anuladas. Quando um Estado-Membro retira uma autorização, informa imediatamente desse facto o respectivo titular.

6

O artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida directiva dispõe, nomeadamente, que «[o] pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico será apresentado, pelo ou em nome do responsável pela sua primeira colocação no mercado de um Estado-Membro, às autoridades competentes de cada Estado-Membro onde deve ser colocado no mercado». A primeira autorização requer uma avaliação completa das propriedades do produto.

7

Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, da directiva, um Estado-Membro ao qual tenha sido apresentado um pedido de autorização de um produto fitofarmacêutico já autorizado noutro Estado-Membro deve abster-se de exigir, sob determinadas condições e salvo excepção, a repetição dos testes e análises já realizados.

8

Nos termos do artigo 17.o, primeiro parágrafo, da Directiva 91/414:

«Os Estados-Membros adoptarão as disposições necessárias para que os produtos fitofarmacêuticos colocados no mercado e respectiva utilização sejam oficialmente controlados no que se refere à observância das condições previstas na presente directiva e, em especial, das condições de autorização e indicações constantes do rótulo.»

9

No entanto, a referida directiva não contém qualquer disposição que determine as condições de concessão de ACM nos casos de importações paralelas.

Legislação nacional

10

Nos termos do artigo L. 253-1 do code rural:

«I.

São proibidas a colocação no mercado, a utilização e a detenção, pelo utilizador final, de produtos fitofarmacêuticos que não tenham sido objecto de uma [ACM] ou de uma autorização de distribuição para experimentação concedida nas condições previstas no presente capítulo.

É proibida a utilização dos produtos mencionados no primeiro parágrafo em condições que não sejam as previstas na decisão de autorização.

[…]»

11

Em França, as condições de emissão das ACM dos produtos fitofarmacêuticos estão definidas no Decreto n.o 94-359, de 5 de Maio de 1994, relativo ao controlo dos produtos fitofarmacêuticos (JORF de 7 de Maio de 1994, p. 6683), adoptado para garantir a transposição da Directiva 91/414 para a ordem jurídica nacional.

12

O Decreto n.o 2001-317, de 4 de Abril de 2001, que estabelece um procedimento simplificado de autorização de colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos provenientes do Espaço Económico Europeu (JORF de 14 de Abril de 2001, p. 5811), que foi codificado nos artigos R. 253-52 a R. 253-55 do code rural, dispõe, no seu artigo 1.o:

«A introdução no território nacional de um produto fitofarmacêutico proveniente de um Estado do Espaço Económico Europeu no qual já beneficia de uma [ACM], emitida de acordo com a Directiva 91/414 […], e idêntico a um produto denominado a seguir ‘produto de referência’, é autorizada nas seguintes condições:

O produto de referência deve beneficiar de uma [ACM] emitida pelo Ministro da Agricultura […]

A identidade do produto introduzido no território nacional com o produto de referência é analisada tendo em consideração os três seguintes critérios:

origem comum dos dois produtos no sentido de que foram fabricados de acordo com a mesma fórmula, pela mesma sociedade ou por empresas associadas ou sob licença;

fabrico mediante a utilização da mesma ou das mesmas substâncias activas;

efeitos idênticos dos dois produtos, tendo em conta as diferenças que podem existir ao nível das condições agrícolas, fitossanitárias e ambientais, nomeadamente climatéricas, associadas à utilização dos produtos.»

13

Nos termos do artigo 1.o do Decreto ministerial de 17 de Julho de 2001, relativo à aplicação do Decreto n.o 2001-317 (JORF de 27 de Julho de 2001, p. 12091), o requerente de uma ACM para um produto fitofarmacêutico proveniente de um Estado do Espaço Económico Europeu deve apresentar, em apoio do seu pedido, um dossier composto por um formulário contendo todas as informações cuja lista consta do anexo deste mesmo decreto, por um projecto de rótulo em francês do produto cuja colocação no mercado é pedida a título da importação paralela, bem como por um rótulo original do produto ou dos produtos importados.

14

O anexo do referido decreto ministerial prevê que o requerente de uma ACM para esse produto fitofarmacêutico deve, em apoio do seu pedido, fornecer informações relativas à identidade do importador, à identificação do produto importado e do produto de referência, às utilizações reivindicadas para o produto que é objecto do pedido, bem como à identificação francesa da importação e ao nome comercial proposto em França para o produto em causa.

Fase pré-contenciosa

15

A Comissão recebeu uma denúncia respeitante à retirada de várias autorizações de produtos fitofarmacêuticos concedidas mediante o procedimento simplificado aplicável às importações paralelas, nomeadamente à de um insecticida denominado Deltamex, cuja substância activa é a deltametrina.

16

Por ofício de 18 de Outubro de 2004, a Comissão notificou a República Francesa para apresentar as suas observações sobre a conformidade das condições de importação paralela de produtos fitofarmacêuticos com o direito comunitário. Esta notificação referia-se a três aspectos da legislação francesa, a saber:

a exigência de autorização para todos os operadores que importam paralelamente um mesmo produto;

a exigência de uma identidade perfeita entre o produto importado e o produto de referência, analisada à luz da sua composição (substâncias activas e excipientes), da sua apresentação (embalagem e rotulagem) e da sua origem comum (fabricantes pertencentes ao mesmo grupo de empresas ou que tenham obtido uma licença), e

o peso excessivo da obrigação imposta ao importador paralelo de fazer prova desta identidade perfeita.

17

Por parecer fundamentado de 5 de Julho de 2005, a Comissão considerou que a República Francesa não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.o CE ao exigir uma «origem comum» do produto fitofarmacêutico importado paralelamente e do produto de referência. As outras acusações formuladas na notificação para cumprir não foram referidas nesse parecer fundamentado.

18

Não tendo ficado satisfeita com a resposta da República Francesa ao referido parecer fundamentado, a Comissão propôs a presente acção.

Quanto à acção

Argumentos das partes

19

A Comissão sustenta que o artigo 1.o do Decreto n.o 2001-317 constitui uma restrição à livre circulação de mercadorias contrária ao artigo 28.o CE, porque sujeita a concessão de uma autorização de importação paralela à observância do requisito de origem comum do produto importado e do produto de referência. Este requisito excede o que se pode considerar necessário para a protecção da saúde pública e dos animais, bem como do ambiente.

20

A Comissão alega que, relativamente a produtos que não apresentem diferenças significativas, o facto de estes produtos não terem uma origem comum não basta para justificar a recusa de importação paralela, uma vez que o critério determinante para a importação paralela é o da identidade substantiva dos produtos. Esta solução, encontrada pelo Tribunal de Justiça a propósito de produtos farmacêuticos no acórdão de 1 de Abril de 2004, Kohlpharma (C-112/02, Colect., p. I-3369, n.o 18), é transponível para produtos fitofarmacêuticos (acórdão de 14 de Julho de 2005, Comissão/Alemanha,C-114/04, não publicado na Colectânea, n.os 24 e 27). Não existe razão alguma baseada na protecção da saúde pública que permita exigir uma origem comum em matéria fitofarmacêutica, quando não se exige o mesmo em relação aos medicamentos para uso humano. É certo que, no seu acórdão de 11 de Março de 1999, British Agrochemicals Association (C-100/96, Colect., p. I-1499), o Tribunal de Justiça atribuiu uma certa importância à origem comum dos produtos em causa. No entanto, este acórdão não permite considerar que o requisito de origem comum tenha uma importância menor em relação a produtos farmacêuticos do que relativamente a produtos fitofarmacêuticos.

21

A República Francesa contesta o incumprimento alegado e afirma ter adoptado o Decreto n.o 2001-317 para dar cumprimento ao acórdão British Agrochemicals Association, já referido, no qual o Tribunal de Justiça reconheceu, entre os critérios para a concessão de uma ACM simplificada para importações paralelas, o critério da origem comum dos produtos em causa.

22

Este critério visa assegurar que as substâncias activas contidas nos referidos produtos são idênticas. Ora, variações na composição de um produto podem gerar alterações das propriedades físicas ou químicas deste. A República Francesa sublinha a este respeito que, no âmbito da Directiva 91/414, a mesma substância activa pode ser autorizada de acordo com especificações que variam de Estado-Membro para Estado-Membro. Com efeito, durante o período transitório em que as substâncias activas existentes são objecto do programa de avaliação com vista à sua inclusão no anexo I desta directiva, cada Estado-Membro continua a autorizar os produtos fitofarmacêuticos em conformidade com as disposições nacionais relevantes e com o artigo 8.o, n.o 2, da referida directiva.

23

Se o produto de referência e o produto importado tiverem a mesma origem de fabrico, a República Francesa entende que não é necessário avaliar o produto importado. No caso de estes produtos não terem origem comum, impõe-se essa avaliação, que deve igualmente incidir sobre a substância ou substâncias activas que não constam ainda do anexo I da Directiva 91/414.

24

O facto de eliminar o requisito relativo à origem comum equivale a tornar mais pesado o procedimento simplificado para as importações paralelas ao impor sistematicamente uma avaliação das substâncias activas contidas no produto importado. Uma tal medida constitui um entrave às trocas bem maior do que o alegado, no caso em apreço, pela Comissão. Longe de ser simplificado, um tal procedimento aproxima-se do previsto no artigo 10.o da Directiva 91/414 para o reconhecimento mútuo das ACM.

25

Quanto aos factos na origem da denúncia mencionada no parecer fundamentado de 5 de Julho de 2005, a República Francesa afirma que a autorização de importação paralela do Deltamex foi retirada porque o importador não tinha feito prova de que o seu produto era fabricado de acordo com a mesma fórmula que o produto de referência francês Decis e não pelo facto de esses produtos não terem origem comum.

26

Com efeito, o importador pediu, em primeiro lugar, na Áustria, a autorização para importar um produto fitofarmacêutico autorizado na Alemanha com o nome de Inter Delta M, baseando-se na ACM de um produto de referência igualmente denominado Decis. Este produto foi então autorizado com o nome de Mac Deltamethrin 2,5 EC.

27

Várias diferenças de apresentação entre o produto importado e o produto de referência suscitaram dúvidas quanto à identidade da fórmula desses dois produtos, sem que o importador produzisse elementos que pudessem dissipar essa dúvida.

28

O Reino dos Países Baixos, admitido a intervir em apoio dos pedidos da República Francesa por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2006, considera que o requisito relativo à origem comum dos produtos é necessário e justificado, porque se não existir contribui para diminuir o nível de protecção previsto pela Directiva 91/414, viola os direitos à protecção dos dados dos titulares da ACM do produto de referência e compromete o procedimento de reconhecimento mútuo das ACM instituído no artigo 10.o dessa directiva.

29

Ao exigir que o produto importado seja idêntico ao produto de referência, a legislação francesa responde aos objectivos da Directiva 91/414, garantindo a transparência do procedimento de autorização da importação paralela. O critério relativo à origem comum dos produtos é necessário e proporcionado. Para além dos argumentos apresentados pela República Francesa, os quais subscreve, o Reino dos Países Baixos invoca os riscos inerentes ao tráfico de produtos fitofarmacêuticos resultante da importação de contrafacções.

Apreciação do Tribunal

30

A presente acção suscita a questão de saber se o artigo 28.o CE se opõe ao artigo 1.o do Decreto n.o 2001-317, na medida em que este restringe o procedimento simplificado de autorização de importação paralela de produtos fitofarmacêuticos aos casos em que o produto de importação e o produto de referência têm uma origem comum, no sentido de que foram fabricados de acordo com a mesma fórmula, pela mesma sociedade ou por empresas associadas ou sob licença.

31

De acordo com o princípio de base na matéria, qualquer produto fitofarmacêutico colocado no mercado de um Estado-Membro deve ser autorizado pelas autoridades competentes desse Estado-Membro. O artigo 3.o, n.o 1, da Directiva 91/414 prevê assim que nenhum produto fitofarmacêutico pode ser colocado no mercado e utilizado num Estado-Membro sem que uma ACM tenha sido emitida previamente por esse Estado-Membro, em conformidade com a referida directiva. Esta exigência é válida mesmo quando o produto em causa já beneficia de uma ACM noutro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdão de 8 de Novembro de 2007, Escalier e Bonnarel,C-260/06 eC-261/06, ainda não publicado na Colectânea, n.o 24).

32

No entanto, a Directiva 91/414 relativiza este princípio ao prever, no artigo 10.o, n.o 1, que, no caso de, num Estado-Membro, ser apresentado um pedido de ACM para um produto fitofarmacêutico já autorizado noutro Estado-Membro, o primeiro Estado deve abster-se, sob determinadas condições e salvo excepções, de exigir a repetição dos testes e das análises já feitas nesse outro Estado, permitindo assim economizar tempo e os custos necessários para reunir os dados exigidos (v. acórdão Escalier e Bonnarel, já referido, n.o 25).,

33

Em contrapartida, no que se refere às importações paralelas pelas quais um operador adquire um produto num Estado-Membro com vista a revendê-lo noutro Estado-Membro para obter o lucro da diferença de preços entre estes dois mercados geográficos, a Directiva 91/414 não contém qualquer disposição específica. Esta directiva não estabelece os requisitos de autorização de um produto fitofarmacêutico que beneficia de uma ACM concedida de acordo com as suas disposições e que é objecto de uma importação paralela em relação a um produto fitofarmacêutico que já beneficia de uma ACM no Estado-Membro de importação. Uma tal situação é, todavia, abrangida pelo âmbito das disposições relativas à livre circulação de mercadorias, de modo que a legalidade de medidas nacionais que restringem as importações paralelas deve ser analisada à luz dos artigos 28.o CE e seguintes (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/Alemanha, n.o 27, e Escalier e Bonnarel, n.o 28).

34

Quando uma tal operação diz respeito a um produto fitofarmacêutico já autorizado nos termos da Directiva 91/414 no Estado-Membro de exportação e no Estado-Membro de importação, não se pode considerar que este produto é colocado pela primeira vez no mercado do Estado-Membro de importação. Não é, portanto, necessário, para proteger a saúde humana e animal ou o ambiente, sujeitar os importadores paralelos ao procedimento de ACM previsto nesta directiva, uma vez que as autoridades competentes do Estado-Membro de importação dispõem já de todas as informações indispensáveis ao exercício do seu controlo. O facto de sujeitar o produto de importação ao procedimento de ACM excedia o que é necessário para atingir os objectivos da referida directiva relativos à protecção da saúde pública, dos animais e do ambiente, e corria o risco de contrariar, sem justificação, o princípio da livre circulação das mercadorias enunciado no artigo 28.o CE (v., neste sentido, acórdão British Agrochemicals Association, já referido, n.o 32).

35

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, caso se deva considerar que um produto fitofarmacêutico já foi autorizado no Estado-Membro de importação, as autoridades competentes desse Estado devem permitir que o produto em questão beneficie da ACM emitida para o produto fitofarmacêutico já presente no mercado, a menos que considerações relativas à protecção eficaz da saúde humana, animal e do ambiente se oponham a isso (acórdão British Agrochemicals Association, já referido, n.o 36).

36

No entanto, um produto fitofarmacêutico introduzido no território de um Estado-Membro através de uma importação paralela não pode beneficiar automaticamente, nem de forma absoluta e incondicional, da ACM emitida para um produto fitofarmacêutico já presente no mercado desse Estado. Caso não se possa considerar que o produto de importação já foi autorizado no Estado-Membro de importação, este último deve conceder uma ACM de acordo com os requisitos enunciados na Directiva 91/414 ou proibir a sua colocação no mercado e a sua utilização (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, British Agrochemicals Association, n.o 37, e Escalier e Bonnarel, n.os 30 e 31).

37

A fim de se verificar se se deve considerar que um produto autorizado noutro Estado-Membro nos termos da Directiva 91/414 já foi autorizado no Estado-Membro de importação, compete às autoridades competentes deste Estado-Membro verificar se estão preenchidos dois requisitos, isto é, em primeiro lugar, se a importação de um produto fitofarmacêutico que beneficia de uma ACM noutro Estado-Membro constitui uma importação paralela em relação a um produto que já beneficia de uma ACM no Estado-Membro de importação e, em segundo lugar, a pedido dos interessados, analisar se o produto em causa pode beneficiar da ACM emitida para um produto fitofarmacêutico já presente no mercado desse Estado.

38

Para este fim, o conceito de origem comum permite distinguir as importações paralelas de outras situações em que o importador de um produto autorizado noutro Estado-Membro pretende beneficiar de uma ACM já concedida no Estado-Membro de importação. A origem comum constitui, além disso, um indício importante da identidade dos produtos em causa, susceptível de demonstrar que a ACM do produto de referência pode ser utilizada em benefício do produto de importação (v., neste sentido, acórdão Kohlpharma, já referido, n.os 16 e 17).

39

No n.o 40 do acórdão British Agrochemicals Association, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que sempre que a autoridade competente de um Estado-Membro concluir que um produto fitofarmacêutico importado de um Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu onde beneficiava já de uma ACM concedida nos termos da Directiva 91/414, sem ser totalmente idêntico a um produto já autorizado no território do Estado-Membro de importação, pelo menos,

tem uma origem comum com esse produto, no sentido de que foi fabricado pela mesma sociedade ou por uma empresa associada ou sob licença, de acordo com a mesma fórmula;

foi fabricado com recurso à mesma substância activa, e

tem, além disso, os mesmos efeitos, atendendo às eventuais diferenças existentes a nível das condições agrícolas, fitossanitárias e ambientais, designadamente climáticas, que importam para efeitos de utilização do produto,

tal produto deve, excepto se a isso se opuserem considerações relativas à protecção da saúde humana e animal, bem como do ambiente, poder beneficiar da ACM já concedida no Estado-Membro de importação.

40

No caso em apreço, há que observar que o requisito relativo à origem comum constante do artigo 1.o do Decreto n.o 2001-317 é conforme a esta interpretação, de modo que não se pode considerar contrário ao artigo 28.o CE.

41

Contrariamente ao que sustenta a Comissão, o acórdão Kohlpharma, já referido, não põe em causa esta apreciação. Nesse processo, o Tribunal de Justiça baseou-se na premissa de que o medicamento importado e o medicamento de referência não apresentavam nenhuma diferença significativa no que respeita à avaliação da sua segurança e eficácia, ainda que tivessem sido fabricados por duas empresas distintas. Depois de recordar que o princípio da proporcionalidade exige a aplicação da regulamentação em causa na medida do estritamente necessário para alcançar o seu objectivo essencial de protecção da saúde pública, o Tribunal de Justiça observou que as circunstâncias desse processo se caracterizavam pelo facto de o princípio activo ser vendido a dois fabricantes de medicamentos estabelecidos em dois Estados-Membros, de modo que o requerente da autorização de importação paralela, se fosse caso disso, podia demonstrar, através das informações de que dispunha e daquelas a que podia aceder, que o medicamento a importar não apresentava diferenças significativas em relação ao medicamento já autorizado no que respeita à avaliação da sua segurança e da sua eficácia (acórdão Kohlpharma, já referido, n.os 11, 14 e 19). Nestas circunstâncias, a avaliação do medicamento já autorizado quanto à sua eficácia e segurança podia ser utilizada, sem qualquer risco para a saúde pública, para o medicamento objecto do pedido de ACM (acórdão Kohlpharma, já referido, n.o 21, terceiro travessão).

42

É certo que não há nenhuma razão relativa à protecção da saúde pública que se oponha a que esta regra seja aplicável aos produtos fitofarmacêuticos na medida em que a legislação comunitária aplicável a este sector visa assegurar um alto nível de protecção da saúde humana (v., neste sentido, acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.os 24 a 26). Não obstante, esta consideração não permite concluir que o requisito relativo à origem comum enunciado no artigo 1.o do Decreto n.o 2001-317 constitua um obstáculo às trocas comerciais proibido pelo artigo 28.o CE.

43

Com efeito, tal como já foi exposto, este requisito relativo à origem comum dos produtos em causa, por um lado, permite identificar os casos de importações paralelas e distingui-los de outras situações próximas nas quais a importação de um produto requer uma ACM e, por outro, constitui um indício importante da identidade entre o produto importado e o produto de referência. Quando estes produtos não têm uma origem comum mas foram fabricados em paralelo, por duas empresas concorrentes, deve considerar-se, a priori, que o produto de importação é distinto do produto de referência e, por consequência, que é colocado no mercado do Estado-Membro de importação pela primeira vez. Nesta situação, como se recordou nos n.os 34 a 36 do presente acórdão, devem aplicar-se as disposições da Directiva 91/414, de modo que o Estado-Membro de importação é, em princípio, obrigado a exigir a observância do procedimento de ACM instituído por esta directiva ou, eventualmente, a proibir a colocação no mercado e a utilização deste produto de importação.

44

Por outro lado, importa igualmente sublinhar o facto de, em matéria fitofarmacêutica, o legislador não ter adoptado disposições análogas àquelas que, no sector farmacêutico, permitem verificar a identidade substancial de um produto genérico com um produto de referência [quanto à Directiva 65/65/CEE do Conselho, de 26 de Janeiro de 1965, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às especialidades farmacêuticas (JO 1965, 22, p. 369; EE 13 F1 p. 18), v. acórdão de 3 de Dezembro de 1998, Generics (UK) e o., C-368/96, Colect., p. I-7967, bem como o artigo 10.o da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67)].

45

Por conseguinte, importa concluir que, ao exigir, para efeitos da concessão de uma autorização de importação de um produto fitofarmacêutico, que o produto importado e o produto já autorizado em França tenham uma origem comum, a República Francesa cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 28.o CE.

46

Por conseguinte, há que julgar improcedente a acção apresentada pela Comissão.

Quanto às despesas

47

Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Francesa pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas. Em conformidade com o n.o 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, o Reino dos Países Baixos, que interveio no presente processo, suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

 

1)

A acção é julgada improcedente.

 

2)

A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

 

3)

O Reino dos Países Baixos suportará as suas próprias despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.