Processo C-132/06

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Italiana

«Incumprimento de Estado — Artigo 10.o CE — Sexta Directiva IVA — Obrigações por força do sistema interno — Controlo das operações tributáveis — Amnistia»

Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 25 de Outubro de 2007   I - 5460

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 17 de Julho de 2008   I - 5479

Sumário do acórdão

Disposições fiscais — Harmonização das legislações — Impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado — Obrigações dos contribuintes

[Artigo 10.o CE; Directiva 77/388 do Conselho, artigos 2.o e 22.o]

Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.o e 22.o da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, e do artigo 10.o CE um Estado-Membro cuja lei prevê uma renúncia geral e indiscriminada à verificação das operações tributáveis efectuadas no decurso de uma série de exercícios fiscais na medida em que:

um sujeito passivo que não cumpriu as suas obrigações relativas aos exercícios fiscais compreendidos entre o primeiro e o quarto ano que precedem a adopção da referida lei — ou seja, em certos casos, apenas um ano antes de ser adoptada esta lei — pode subtrair-se a qualquer controlo até ao limite de um montante equivalente ao dobro do montante do imposto que figura numa declaração complementar apresentada para rectificar as declarações já apresentadas e

um sujeito passivo que não apresentou declarações relativas aos exercícios fiscais compreendidos entre o primeiro e o quarto ano que precedem a adopção da referida lei pode subtrair-se a qualquer controlo pagando um montante correspondente a 2% do imposto devido sobre as entregas de bens e as prestações de serviços por ele efectuadas, bem como um montante de 2% do imposto deduzido no decurso do mesmo período, sendo esta percentagem fixada em 1,5% no caso de o imposto a jusante ou o imposto a montante exceder 200000 euros e em 1% no caso de um montante superior a 300000 euros.

Ao substituir, pouco tempo após terem expirado os prazos fixados aos sujeitos passivos para pagar os montantes do imposto normalmente devidos, as obrigações dos interessados decorrentes dos artigos 2.o e 22.o da Sexta Directiva por outras que não exigem o pagamento dos referidos montantes, a legislação em causa esvazia de conteúdo esses artigos, que, porém, constituem a base do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, e afecta, deste modo, a própria estrutura deste imposto. O importante desequilíbrio existente entre os montantes efectivamente devidos e os que são pagos pelos sujeitos passivos que desejam beneficiar da amnistia fiscal em causa conduz a uma quase isenção fiscal.

Daqui resulta que essa legislação perturba gravemente o bom funcionamento do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado. As suas disposições falseiam o princípio da neutralidade fiscal ao introduzirem significativas diferenças de tratamento entre os sujeitos passivos no território em causa. Pela mesma razão, estas disposições põem em causa a obrigação de assegurar uma cobrança equivalente do imposto em todos os Estados-Membros.

Na medida em que, como indica o quarto considerando da Sexta Directiva, o princípio da neutralidade fiscal visa tornar possível a criação de um mercado comum que permita uma concorrência sã, o próprio funcionamento do mercado comum é afectado pela referida legislação, dado que, no Estado-Membro em questão, os sujeitos passivos podem contar com a possibilidade de não serem obrigados a pagar grande parte das suas dívidas fiscais.

A luta contra a fraude é um objectivo reconhecido e encorajado pela Sexta Directiva. Assim, o artigo 22.o, n.o 8, da Sexta Directiva convida os Estados-Membros a prever, se necessário, obrigações suplementares para evitar a fraude. Ora, a referida legislação produz um efeito contrário, na medida em que os sujeitos passivos culpados de fraude são por ela favorecidos.

Ao introduzir uma medida de amnistia pouco tempo após terem expirado os prazos nos quais os sujeitos passivos deveriam ter pago o imposto sobre o valor acrescentado e ao exigir o pagamento de um montante muito reduzido em relação ao imposto efectivamente devido, a referida legislação permite aos sujeitos passivos interessados escapar definitivamente às suas obrigações em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, embora as autoridades fiscais nacionais pudessem ter descoberto, pelo menos, uma parte desses sujeitos passivos durante os quatro anos anteriores à data da prescrição do imposto normalmente devido. Deste modo, a referida legislação põe em causa a responsabilidade que pesa sobre cada Estado-Membro de assegurar a cobrança correcta do imposto.

(cf. n.os 9, 40-47, 52, 53, disp.)