ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

13 de Março de 2008 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância — Directiva 89/552/CEE — Radiodifusão televisiva — Recurso de anulação — Artigo 230.o, quarto parágrafo, CE — Conceito de decisão que diz ‘directa e individualmente’ respeito a uma pessoa singular ou colectiva»

No processo C-125/06 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça, interposto em 28 de Fevereiro de 2006,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K. Banks e M. Huttunen, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Infront WM AG, anteriormente FWC Medien AG, que passou a KirchMedia WM AG, com sede em Zug (Suíça), representada por M. Garcia, solicitor,

recorrente em primeira instância,

República Francesa,

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte,

Parlamento Europeu,

Conselho da União Europeia,

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, G. Arestis, R. Silva de Lapuerta, E. Juhász e J. Malenovský (relator), juízes,

advogado-geral: Y. Bot,

secretário: R. Grass,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 18 de Outubro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1

Através do seu recurso, a Comissão das Comunidades Europeias pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 15 de Dezembro de 2005, Infront WM/Comissão (T-33/01, Colect., p. II-5897, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este anulou a decisão da Comissão contida na sua carta dirigida ao Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte em 28 de Julho de 2000 (a seguir «acto controvertido»).

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

2

A Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23), modificada pela Directiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 202, p. 60, a seguir «Directiva 89/552»), tem por objectivo assegurar a liberdade de recepção e de transmissão de emissões televisivas no interior da Comunidade Europeia, prevendo disposições mínimas cujo respeito os Estados-Membros são obrigados a impor aos organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição.

3

Os décimos oitavo e décimo nono considerandos da Directiva 97/36 enunciam o seguinte:

«(18)

[…] é essencial que os Estados-Membros possam adoptar medidas tendentes à protecção do direito à informação e a assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de acontecimentos nacionais ou não nacionais de grande importância para a sociedade, tais como os Jogos Olímpicos, os Campeonatos do Mundo e Europeu de Futebol; […] para este efeito, os Estados-Membros mantêm o direito de adoptar medidas compatíveis com o direito comunitário, tendentes a regular o exercício pelos emissores sob a sua jurisdição dos direitos de exclusividade para a cobertura televisiva dos referidos acontecimentos;

(19)

[…] é necessário adoptar disposições no âmbito comunitário que permitam evitar potenciais incertezas jurídicas e distorções de mercado e conciliar a livre circulação dos serviços de televisão com a necessidade de evitar eventuais evasões às medidas nacionais de protecção de um interesse geral legítimo».

4

Nos termos do artigo 1.o, alínea b), da Directiva 89/552, entende-se por «Organismo de radiodifusão televisiva» a pessoa singular ou colectiva que assume a responsabilidade editorial pela composição de grelhas de programas de televisão, na acepção da alínea a), e que os transmite ou faz transmitir por terceiros.

5

Nos termos do artigo 3.o-A da Directiva 89/552, aditado pela Directiva 97/36:

«1.   Cada Estado-Membro poderá tomar medidas de acordo com o direito comunitário por forma a garantir que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não transmitam com carácter de exclusividade acontecimentos que esse Estado-Membro considere de grande importância para a sociedade de forma a privar uma parte considerável do público do Estado-Membro da possibilidade de acompanhar esses acontecimentos em directo ou em diferido na televisão de acesso não condicionado. Se tomar essas medidas, o Estado-Membro estabelecerá uma lista de acontecimentos, nacionais ou não nacionais, que considere de grande importância para a sociedade. Fá-lo-á de forma clara e transparente, e atempadamente. Ao fazê-lo, o Estado-Membro em causa deverá também determinar se esses acontecimentos deverão ter uma cobertura ao vivo total ou parcial, ou, se tal for necessário ou adequado por razões objectivas de interesse público, uma cobertura diferida total ou parcial.

2.   Os Estados-Membros notificarão imediatamente à Comissão as medidas tomadas ou a tomar ao abrigo do n.o 1. No prazo de três meses a contar da notificação, a Comissão verificará se essas medidas são compatíveis com o direito comunitário e comunicá-las-á aos outros Estados-Membros, pedindo o parecer do comité criado pelo artigo 23.o-A. A Comissão publicará de imediato as medidas adoptadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e, pelo menos uma vez por ano, a lista consolidada das medidas tomadas pelos Estados-Membros.

3.   Os Estados-Membros assegurarão, através dos meios adequados, no âmbito da sua legislação, que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não exerçam os direitos exclusivos comprados após a data de publicação da presente directiva de forma a que uma proporção substancial de público em outro Estado-Membro seja impedida de seguir acontecimentos considerados nesse outro Estado-Membro como estando nas condições referidas nos números anteriores através de uma cobertura em directo ou de uma cobertura diferida ou, sempre que necessário ou adequado por razões objectivas de interesse público, uma cobertura diferida total ou parcial na televisão de acesso não condicionado, tal como estabelecido nesse outro Estado-Membro de acordo com o n.o 1.»

Legislação nacional

6

Nos termos das Sections 98 e 101 da secção IV da lei sobre a radiodifusão de 1996 (Broadcasting Act 1996), alterada pelo regulamento da radiodifusão televisiva de 2000 (The Television Broadcasting Regulations 2000, a seguir «lei sobre a radiodifusão»):

«98. Categorias de serviços

1)

Para fins da presente secção, os serviços de programas televisivos e os serviços de difusão por satélite no quadro do [Espaço Económico Europeu, a seguir «EEE»] são repartidos em duas categorias da seguinte forma:

a)

os serviços de programas televisivos e os serviços de difusão por satélite no quadro do EEE que, até nova indicação, preenchem as condições necessárias, e

b)

todos os outros serviços de programas televisivos e serviços de difusão por satélite no quadro do EEE.

2)

No âmbito do presente artigo, as ‘condições necessárias’ que devem ser preenchidas por um dado serviço são as seguintes:

a)

a recepção do serviço não deve dar lugar a remuneração, e

b)

o serviço deve ser captado por, pelo menos, 95% da população do Reino Unido.

[…]

101. restrições em matéria de radiodifusão televisiva de acontecimentos inscritos na lista

1)

Qualquer fornecedor de programas televisivos que assegure um serviço incluído numa das duas categorias definidas na Section 98, n.o 1, (‘primeiro serviço’) e destinado a ser captado em todo ou em parte do território do Reino Unido não pode transmitir em directo, no âmbito do referido serviço, todo ou parte de um acontecimento inscrito na lista sem ter obtido o consentimento prévio da [Comissão Independente da Televisão, a seguir «CIT»], a menos que:

a)

outro fornecedor de programas televisivos que assegure um serviço incluído noutra categoria definida neste número (‘segundo serviço’) tenha adquirido o direito de incluir neste a transmissão em directo na íntegra do acontecimento ou da referida parte do acontecimento, e

b)

a região na qual o segundo serviço é difundido cubra ou englobe a (quase) totalidade da região na qual o primeiro serviço é captado.

[…]»

7

Estas disposições foram notificadas à Comissão com base no artigo 3.o-A, n.o 2, da Directiva 89/552 e publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO 2000, C 328, p. 2).

8

Os factores a ter em consideração para efeitos do consentimento mencionado na referida Section 101, n.o 1, estão enunciados no código independente da televisão relativo aos acontecimentos desportivos e outros inscritos na lista, na sua versão modificada (Independent Television Commission Code on Sports and other Listed Events), na sua versão modificada.

Antecedentes do litigio

9

Os factos na origem do presente litígio, como foram expostos nos n.os 7 a 22 do acórdão recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

10

A Infront WM AG (a seguir «Infront»), anteriormente FWC Medien AG, que passou a KirchMedia WM AG, exerce a actividade de aquisição, gestão e comercialização de direitos de transmissão televisiva de acontecimentos desportivos. Compra habitualmente esses direitos ao organizador do acontecimento desportivo em causa e revende os direitos desta forma adquiridos aos organismos de radiodifusão televisiva.

11

Em 10 de Setembro de 1996, a sua sociedade-mãe assinou um contrato com a Federação Internacional de Futebol (FIFA) relativo à cessão de direitos exclusivos de transmissão televisiva dos jogos da fase final dos Campeonatos do Mundo de Futebol da FIFA de 2002 e 2006. Nomeadamente, foi-lhe atribuída a exclusividade dos direitos de transmissão televisiva desses acontecimentos para os Estados do continente europeu. Estes direitos foram posteriormente cedidos à Infront.

12

Por cartas de 25 de Setembro de 1998 e 5 de Maio de 2000, o Reino Unido notificou à Comissão, nos termos do artigo 3.o-A, n.o 2, da Directiva 89/552, as medidas adoptadas em aplicação do n.o 1 deste artigo.

13

Em 28 de Julho de 2000, o director-geral da Direcção-Geral «Educação e Cultura» da Comissão dirigiu ao Reino Unido o acto controvertido referindo o seguinte:

«Por carta de 5 de Maio de 2000, recebida pela Comissão em 11 de Maio de 2000, a representação permanente do Reino Unido junto da União Europeia notificou à Comissão um conjunto de medidas nacionais relativas à cobertura televisiva de acontecimentos de interesse nacional no Reino Unido. […]

Tenho a honra de informar que, na sequência da apreciação da conformidade das medidas adoptadas com a Directiva [89/552] e atendendo aos elementos de facto disponíveis no que diz respeito ao panorama audiovisual do Reino Unido, a Comissão […] não pretende contestar as medidas notificadas pelas vossas autoridades.

Em conformidade com o previsto no artigo 3.o-A, n.o 2, da Directiva [89/552], a Comissão irá proceder à publicação das medidas notificadas no [Jornal Oficial].»

14

A Comissão publicou essas medidas no Jornal Oficial em 18 de Novembro de 2000. As referidas medidas compreendem as Sections 98 e 101 da secção IV da lei sobre a radiodifusão, bem como a lista dos acontecimentos de maior importância para a sociedade designados pelo Reino Unido (a seguir «acontecimentos designados»). Entre esses acontecimentos figura a fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA.

15

Durante o processo de verificação das referidas medidas pela Comissão, a Infront enviou-lhe duas cartas em que sustentava que a lista de acontecimentos designados não podia ser aprovada em razão da sua incompatibilidade com o artigo 3.o-A da Directiva 89/552 e com outras disposições do direito comunitário.

16

Seguidamente, por carta de 7 de Dezembro de 2000, a Infront pediu à Comissão que lhe confirmasse que havia concluído o processo de verificação previsto no artigo 3.o-A, n.o 2, da Directiva 89/552, no que respeita à lista dos acontecimentos designados, e a informasse do resultado desse processo, incluindo eventuais medidas adoptadas pela Comissão nesse contexto. Esta respondeu à Infront que o referido processo estava concluído e que a lista dos acontecimentos designados tinha sido considerada compatível com a mesma directiva.

17

Em consequência, a Infront interpôs recurso de anulação do acto controvertido para o Tribunal de Primeira Instância.

18

A Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade. Sustentava que não tinha adoptado qualquer acto impugnável em aplicação do artigo 3.o-A, n.o 2, da Directiva 89/552 e que o acto controvertido não dizia directa e individualmente respeito à Infront.

O acórdão recorrido

19

No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou improcedente a questão de inadmissibilidade e declara o recurso admissível.

20

Em primeiro lugar, considerou que o acto controvertido põe termo ao processo previsto no artigo 3.o-A, n.o 2, da Directiva 89/552 nos termos do qual a Comissão deve verificar a compatibilidade das medidas adoptadas em aplicação do n.o 1 deste artigo com o direito comunitário. A publicação no Jornal Oficial das referidas medidas aprovadas pela Comissão permite aos outros Estados-Membros tomarem conhecimento delas e, portanto, terem condições para dar cumprimento às obrigações que lhes incumbem por força do artigo 3.o-A, n.o 3, daquela directiva, no quadro do mecanismo de reconhecimento mútuo dessas medidas instituído por esta última disposição.

21

Por conseguinte, o acto controvertido produz, segundo o Tribunal de Primeira Instância, efeitos jurídicos relativamente aos Estados-Membros na medida em que prevê a publicação das medidas nacionais em causa no Jornal Oficial, dado que essa publicação tem por efeito desencadear o mecanismo de reconhecimento mútuo previsto no artigo 3.o-A, n.o 3, da Directiva 89/552. Constitui, assim, uma decisão na acepção do artigo 249.o CE, embora o artigo 3.o-A, n.o 3, dessa directiva não referira expressamente a adopção de uma «decisão» pela Comissão.

22

Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância apreciou se o acto diz directamente respeito à Infront. Recordou jurisprudência nos termos da qual, para que um acto diga directamente respeito a uma pessoa singular, na acepção do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, deve produzir efeitos directos na situação jurídica do interessado e a sua aplicação deve revestir um carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermédias (v. acórdão de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C-386/96 P Colect., p. I-2309, n.o 43 e jurisprudência aí referida).

23

O Tribunal de Primeira Instância começou por considerar que, no caso de a Infront ceder os seus direitos de radiodifusão televisiva a um organismo de radiodifusão televisiva estabelecido no Reino Unido, para efeitos da transmissão televisiva desses jogos neste Estado-Membro, as medidas adoptadas pelas autoridades do Reino Unido têm existência jurídica autónoma relativamente ao acto controvertido. Na medida em que as medidas notificadas são aplicáveis aos organismos de radiodifusão televisiva com sede no Reino Unido por força da lei sobre a radiodifusão em vigor nesse Estado-Membro e não por força do acto controvertido, este não diz directamente respeito à Infront.

24

Em contrapartida, só o acto controvertido que declara a compatibilidade das medidas notificadas pelo Reino Unido com o direito comunitário e que prevê a publicação subsequente dessas medidas no Jornal Oficial permite tornar efectivo o mecanismo de reconhecimento mútuo instituído no artigo 3.o-A, n.o 3, da Directiva 89/552. Daqui resulta que, nessa hipótese, esse acto valida as referidas medidas apenas para efeitos do seu reconhecimento mútuo pelos outros Estados-Membros.

25

Além disso, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que, visto o reconhecimento mútuo das medidas nacionais adoptadas em aplicação do artigo 3.o-A, n.o 1, da Directiva 89/552 estar subordinado à sua aprovação pela Comissão e à sua publicação subsequente no Jornal Oficial, o acto controvertido não deixa aos Estados-Membros, a partir dessa publicação, nenhuma margem de apreciação no âmbito do cumprimento das suas obrigações. Com efeito, embora as modalidades do controlo que as autoridades nacionais têm de realizar no âmbito do mecanismo de reconhecimento mútuo instituído pelo artigo 3.o-A, n.o 3, da Directiva 89/552 sejam determinadas por cada Estado-Membro, no quadro da sua legislação que transpõe essa disposição, não é menos verdade que essas autoridades devem assegurar-se de que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição respeitam as condições de transmissão dos acontecimentos designados nas medidas nacionais aprovadas e publicadas no Jornal Oficial pela Comissão.

26

Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que o acto controvertido diz directamente respeito à Infront na medida em que permite a aplicação do mecanismo de reconhecimento mútuo pelos outros Estados-Membros das medidas notificadas pelo Reino Unido em aplicação do artigo 3.o-A, n.o 1, da Directiva 89/552.

27

Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que o referido acto também diz individualmente respeito à Infront. Diz-lhe respeito devido a uma qualidade que lhe é particular, a saber, de detentora, em exclusividade, dos direitos de transmissão televisiva de um dos acontecimentos designados pelo Reino Unido. Com efeito, embora a Infront, na sua qualidade de agente dos direitos de transmissão televisiva em causa, não seja expressamente visada pelas medidas nacionais aprovadas e publicadas no Jornal Oficial pela Comissão, o facto é que estas constituem um obstáculo à sua faculdade de dispor livremente dos seus direitos ao condicionar a sua cessão, a título exclusivo, a um organismo de radiodifusão televisiva com sede num Estado-Membro diferente do Reino Unido e que pretenda difundir o referido acontecimento neste último Estado.

28

Além disso, se é certo que a validade jurídica dos contratos celebrados com a FIFA não é afectada pela acto controvertido, não é menos verdade que a recorrente adquiriu, em exclusividade, os direitos de transmissão televisiva em causa antes da entrada em vigor do artigo 3.o-A da Directiva 89/552 e, a fortiori, antes da adopção do referido acto.

29

Quanto ao mérito, o Tribunal de Primeira Instância anulou o acto controvertido com fundamento em que, constituindo uma decisão na acepção do artigo 249.o CE, o mesmo está viciado de incompetência. Com efeito, o colégio dos membros da Comissão não foi consultado e o director-geral que assinou esse acto não recebeu nenhuma habilitação específica por parte daquele colégio.

Pedidos das partes

30

Com o seu recurso, a Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido;

decidir em termos definitivos mediante a declaração de que o recurso interposto para o Tribunal de Primeira Instância era inadmissível, e

condenar a Infront nas despesas efectuadas pela Comissão na primeira instância e no presente recurso.

31

A Infront pede que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso, ou

remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância a fim de que este se pronuncie em termos conformes com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, e

condenar a Comissão a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas da Infront relativas ao processo no Tribunal de Justiça e no Tribunal de Primeira Instância.

Quanto ao recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância

32

Nos termos do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões que, embora dirigidas a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

33

A Comissão invoca dois fundamentos para o seu recurso, relativos à inobservância destas duas últimas condições.

Observações preliminares

34

Antes de examinar estes fundamentos, importa precisar os efeitos e o alcance do artigo 3.o-A da Directiva 89/552 e do acto controvertido.

35

Nos termos do artigo 3.o-A, n.o 1, dessa directiva, cada Estado-Membro poderá tomar medidas, de acordo com o direito comunitário, para garantir que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não transmitam com carácter de exclusividade acontecimentos que esse Estado-Membro considere de grande importância para a sociedade de forma a privar uma parte considerável do público da possibilidade de acompanhar esses acontecimentos em directo ou em diferido numa cadeia de televisão de acesso não condicionado. Para este efeito, o Estado-Membro em causa estabelecerá uma lista de acontecimentos dessa natureza.

36

O artigo 3.o-A, n.o 2, da referida directiva impõe à Comissão que verifique se as referidas medidas são compatíveis com o direito comunitário e as publique no Jornal Oficial. O n.o 3 do mesmo artigo institui um mecanismo de reconhecimento mútuo segundo o qual os outros Estados-Membros devem zelar por que os organismos de radiodifusão televisiva sob sua jurisdição não se subtraiam às medidas adoptadas pelo Estado-Membro em causa em aplicação do n.o 1 desse mesmo artigo, aprovadas pela Comissão e publicadas no Jornal Oficial.

37

É o que enuncia igualmente o décimo nono considerando da Directiva 97/36, dos termos do qual resulta que o artigo 3.o-A da Directiva 89/552 se destina a evitar eventuais evasões às medidas nacionais de protecção de um interesse geral legítimo.

38

Em aplicação desta regulamentação, a Comissão informou o Reino Unido, através do acto controvertido, de que aprovara as medidas que este Estado-Membro lhe tinha notificado e da sua subsequente publicação no Jornal Oficial. Como concluiu o Tribunal de Primeira Instância, este acto pôs termo ao processo de verificação que a Comissão estava obrigada a levar a cabo por força do artigo 3.o-A, n.o 2, da Directiva 89/552. A publicação das referidas medidas no Jornal Oficial permitiu aos outros Estados-Membros tomar conhecimento delas e dar cumprimento às obrigações que lhes incumbem por força do artigo 3.o-A, n.o 3, da mesma directiva.

39

Por conseguinte, o acto controvertido desencadeou o mecanismo de reconhecimento mútuo previsto pelo artigo 3.o-A, n.o 3, da Directiva 89/552 e, portanto, activou a obrigação para os restantes Estados-Membros de assegurarem que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não se subtraíam às medidas adoptadas pelo Reino Unido em aplicação do n.o 1 do mesmo artigo.

40

É à luz destas considerações que importa examinar os fundamentos invocados pela Comissão.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à inobservância da condição do interesse directo

Argumentos das partes

41

A Comissão sustenta que o Tribunal de Primeira Instância aplicou de forma errada a jurisprudência mencionada no n.o 22 do presente acórdão, que precisa a condição relativa ao interesse directo enunciada no artigo 230.o, quarto parágrafo, CE.

42

Desde logo, o acto controvertido não produziu efeitos na situação jurídica da Infront. O referido acto impunha aos Estados-Membros diferentes do Reino Unido a obrigação de fazer com que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não privassem uma parte considerável do público desses Estados-Membros da possibilidade de acompanhar certos acontecimentos designados numa cadeia de televisão de «acesso não condicionado». Para este efeito, apenas são impostas obrigações jurídicas a esses organismos.

43

Admitindo que uma sociedade de televisão paga estabelecida num Estado-Membro diferente do Reino Unido deseje eventualmente fazer uma proposta de aquisição dos direitos exclusivos de transmissão televisiva em causa, as restrições jurídicas que lhe são impostas podem fazê-la renunciar a esse projecto. Consequentemente, a Infront tinha menos potenciais interessados e encontrava-se provavelmente numa situação comercial menos vantajosa do que a que havia previsto, e isso não em virtude de uma alteração da sua situação jurídica, mas apenas pelo facto de não estarem criadas as condições para encontrar o comprador que podia ter esperado. Sofria, então, as consequências económicas indirectas do acto controvertido, apesar de a sua posição jurídica permanecer inalterada.

44

Além disso, mesmo essas consequências eram completamente incertas, porquanto não existia um organismo de radiodifusão televisiva estabelecido noutro Estado-Membro que não o Reino Unido disposto a pagar o considerável montante exigido pela Infront pelo direito de transmitir, no Reino Unido, os acontecimentos designados objecto dos direitos exclusivos de transmissão televisiva por ela detidos. Ora, o Tribunal de Primeira Instância devia ter pedido à Infront que fizesse prova da plausibilidade dessa situação de facto e da probabilidade de um prejuízo económico resultante do acto controvertido. Ao não ter imposto o ónus da prova adequado, cometeu igualmente um erro de direito.

45

Por fim, o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que os Estados-Membros não dispõem de nenhuma margem de apreciação na execução das obrigações previstas no artigo 3.o-A, n.o 3 da Directiva 89/552. É verdade que a identidade dos acontecimentos considerados de grande importância para a sociedade e o seu modo de transmissão televisiva são determinados pelo Estado-Membro autor da notificação e, portanto, pela decisão da Comissão adoptada em aplicação do n.o 2 desse artigo. Contudo, a medida em que, na prática, esse acontecimento será transmitido, em conformidade com os interesses desse Estado, depende grandemente da legislação e da estrutura decisória adoptadas por cada Estado-Membro nos termos do artigo 3.o-A, n.o 3. Esta disposição enuncia, ela própria, que a missão confiada aos Estados-Membros deve ser realizada «através dos meios adequados, no âmbito da sua legislação». Ora, os resultados obtidos em cada Estado-Membro podem ser diferentes em função da abordagem seguida em cada caso particular. Nestas condições, a execução do acto controvertido pelos Estados-Membros diferentes do Reino Unido pressupõe o exercício de um considerável grau de apreciação.

46

Segundo a Infront, o Tribunal de Primeira Instância concluiu correctamente que o acto controvertido lhe diz directamente respeito.

Apreciação do Tribunal de Justiça

47

Em conformidade com jurisprudência assente, a condição de a decisão dizer directamente respeito a uma pessoa singular ou colectiva, prevista no artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, exige que a medida comunitária impugnada produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe nenhum poder de apreciação aos seus destinatários encarregados da sua implementação, já que esta é de carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermédias (v., nomeadamente, acórdãos Dreyfus/Comissão, já referido, n.o 43; de 29 de Junho de 2004, Front national/Parlamento, C-486/01 P, Colect., p. I-6289, n.o 34; e de 2 de Maio de 2006, Regione Siciliana/Comissão, C-417/04 P, Colect., p. I-3881, n.o 28).

48

Em primeiro lugar, há que apreciar se o acto controvertido produz efeitos directos na situação jurídica da Infront.

49

Resulta das Sections 98 e 101 da lei sobre a radiodifusão que um organismo de radiodifusão televisiva que deseje transmitir um acontecimento designado, em exclusividade e em directo, deve obter o consentimento prévio da CIT, uma vez que o serviço prestado se destina a ser captado na totalidade ou parte do território do Reino Unido. Segundo o código da Comissão Independente da Televisão relativo aos acontecimentos desportivos e outros inscritos na lista, na sua versão modificada, os factores que condicionam esse consentimento são, no essencial, constituídos pelas circunstâncias de que a venda dos direitos de transmissão televisiva tenha sido objecto de anúncio público e que os organismos de transmissão televisiva tenham disposto de uma possibilidade real de adquirir esses direitos em condições razoáveis e equitativas.

50

Como foi referido nos n.os 35 a 39 do presente acórdão, os Estados-Membros diferentes diferentes do Reino Unido estão obrigados, por força do acto controvertido, a zelar por que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não se subtraiam às medidas adoptadas por outro Estado-Membro em aplicação do artigo 3.o-A, n.o 1, da Directiva 89/552 e, portanto, que não transmitam os acontecimentos designados apesar das exigências das referidas medidas. Daqui resulta que esses Estados-Membros são obrigados a impedir que esses organismos transmitam, em exclusividade e em directo, esses acontecimentos destinados ao público do Reino Unido, quando tenham adquirido os direitos de transmissão televisiva dos referidos acontecimentos no quadro de um processo de venda que não tem em conta os critérios mencionados no número anterior.

51

As medidas adoptadas pelo Reino Unido e aprovadas pelo acto controvertido impõem aos referidos organismos de radiodifusão televisiva um certo número de limites, quando pretendam transmitir acontecimentos designados sobre os quais a Infront adquiriu direitos exclusivos.

52

Na medida em que esses limites estão relacionados com as condições em que tais organismos adquirem, junto da Infront, os direitos de transmissão televisiva dos acontecimentos designados, as medidas adoptadas pelo Reino Unido e o acto controvertido têm por efeito associar aos direitos detidos por aquela sociedade novas restrições que não existiam quando esta adquiriu os referidos direitos de transmissão e que tornam mais difícil o exercício desses direitos. Assim, o acto controvertido tem efeitos directos na situação jurídica da Infront.

53

A Comissão afirma, porém, que a realidade desses efeitos na situação jurídica da Infront não está demonstrada, porquanto não existem organismos de radiodifusão televisiva estabelecidos em Estados-Membros diferentes do Reino Unido que, se não existisse o acto controvertido, estivessem interessados na aquisição dos direitos de transmissão televisiva detidos pela Infront e que fossem impedidos ou dissuadidos de adquiri-los em razão da adopção desse acto. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância tinha invertido o ónus da prova a esse respeito.

54

Importa referir que o legislador comunitário inseriu o artigo 3.o-A, n.o 3, na Directiva 89/552 precisamente porque podem existir situações em que organismos de radiodifusão televisiva sob a jurisdição de um Estado-Membro adquiram direitos exclusivos para a transmissão televisiva de um acontecimento considerado de grande importância para a sociedade por outro Estado-Membro e o transmitam ao público deste último Estado-Membro segundo modalidades que privem parte importante desse público da possibilidade de os acompanhar.

55

O Tribunal de Primeira Instância pronunciou-se a este respeito nos n.os 148 e 149 do acórdão recorrido. Por um lado, referiu diversos casos de transmissão transfronteiriça de acontecimentos considerados de grande importância para a sociedade em que os organismos de radiodifusão televisiva agiram da forma atrás descrita. Por outro lado, entendeu que a Comissão não havia fundamentado as suas alegações segundo as quais a especificidade do mercado da radiodifusão televisiva no Reino Unido excluía, no caso concreto, tais situações. Tendo em conta estes elementos, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que os direitos de transmissão televisiva, neste Estado-Membro, da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA não tinham sido necessariamente adquiridos por organismos de radiodifusão televisiva estabelecidos nesse mesmo Estado.

56

Ao fazê-lo, o Tribunal de Primeira Instância não inverteu o ónus da prova que incumbia às partes. Procedeu a uma apreciação soberana dos factos que visavam estabelecer a realidade das transmissões transfronteiriças dos acontecimentos designados. Ora, a este respeito, o Tribunal de Primeira Instância pode ter em conta o facto de uma das partes não ter fornecido elementos que fundamentem as suas próprias alegações (v. acórdão de 18 de Julho de 2006, Rossi/IHMI, C-214/05 P, Colect., p. I-7057, n.o 23).

57

Além disso, é jurisprudência assente que o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância é limitado às questões de direito e que o Tribunal de Primeira Instância é, portanto, o único competente para apurar e apreciar os factos pertinentes, bem como para apreciar os elementos de prova. A apreciação destes factos e elementos de prova não constitui, por isso, excepto no caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso (v. acórdão de 19 de Setembro de 2002, DKV/IHMI, C-104/00 P, Colect., p. I-7561, n.o 22 e jurisprudência citada).

58

Não foi invocada uma desvirtuação dos factos perante o Tribunal de Justiça. Nestas condições, não compete a este verificar o mérito da conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual não ficou provado que os direitos de transmissão televisiva em causa teriam sido necessariamente adquiridos por organismos de radiodifusão televisiva estabelecidos no Reino Unido.

59

Em segundo lugar, há que examinar se o acto controvertido deixa uma margem de apreciação às autoridades nacionais encarregadas da sua execução ou se esta tem carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermédias.

60

É certo que as autoridades nacionais não estão privadas de qualquer margem de manobra para executar o artigo 3.o-A, n.o 3, da Directiva 89/552 e o acto controvertido. Elas podem prever mecanismos apropriados de controlo para dar cumprimento às obrigações que deles decorrem.

61

Todavia, as referidas autoridades estão obrigadas a actuar de modo que os organismos de radiodifusão televisiva não se subtraiam às medidas adoptadas por outro Estado-Membro em aplicação do artigo 3.o-A, n.o 1, da Directiva 89/552 e exerçam os seus direitos exclusivos de forma a não privar o público pertinente da possibilidade de acompanhar, segundo as disposições tomadas por esse outro Estado-Membro, os acontecimentos considerados de grande importância para a sociedade.

62

Assim, como o Tribunal de Primeira Instância concluiu correctamente no n.o 146 do acórdão recorrido, as autoridades nacionais devem assegurar-se de que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição respeitam as condições de retransmissão dos acontecimentos em causa conforme definidas pelo Estado-Membro nas suas medidas aprovadas e publicadas no Jornal Oficial pela Comissão. Estas últimas medidas e, portanto, no caso vertente, o acto controvertido é que determinam o resultado a atingir. No que respeita a este resultado, as autoridades nacionais não gozam, portanto, de qualquer margem de apreciação.

63

Ora, as violações cometidas às situações jurídicas dos organismos de radiodifusão televisiva e da Infront devem-se à exigência de atingir aquele resultado.

64

Atendendo às considerações precedentes, há que julgar o primeiro fundamento improcedente.

Quanto ao segundo fundamento, relativo à inobservância da condição do interesse individual

Argumentos das partes

65

A Comissão sustenta que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que o acto controvertido dizia individualmente respeito à Infront, na acepção do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE e da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

66

A Comissão alega que a interpretação do Tribunal de Justiça leva a que se considere que as medidas adoptadas pelo Reino Unido em aplicação do artigo 3.o-A, n.o 1, da Directiva 89/552 dizem individualmente respeito a todos os detentores de direitos de transmissão televisiva por elas afectados, apesar de serem numerosos. À semelhança do que se passa relativamente a todos os detentores desses direitos, o acto controvertido apenas diz respeito à Infront na sua qualidade de agente de direitos de transmissão televisiva de acontecimentos desportivos que adquiriu os referidos direitos sobre um dos acontecimentos designados.

67

Por outro lado, os detentores de direitos de transmissão televisiva como a Infront apenas sofrem as consequências económicas das medidas nacionais aprovadas pelo acto controvertido. Ora, uma disposição regulamentar só pode dizer individualmente respeito a uma empresa se afectar a sua actividade económica, e isso tanto mais que essas consequências fazem parte do risco comercial normal.

68

O acto controvertido não afecta, portanto, a Infront em razão de certas qualidades que lhe sejam particulares ou de uma situação de facto que a caracterize relativamente a qualquer outra pessoa.

69

A Infront considera que o Tribunal de Primeira Instância salientou correctamente os elementos que a diferenciam relativamente a outras pessoas, a saber, a circunstância de ser detentora de direitos exclusivos de transmissão televisiva sobre um acontecimento que figura na lista dos acontecimentos designados, de estes direitos terem sido adquiridos antes do estabelecimento dessa lista e da sua aprovação pela Comissão, e de esta aprovação prejudicar seriamente a exploração dos referidos direitos pela Infront porquanto esta não pode cedê-los em licença numa base de exclusividade.

Apreciação do Tribunal de Justiça

70

Segundo jurisprudência assente, os sujeitos que não sejam os destinatários de uma decisão só podem alegar que ela lhes diz individualmente respeito se esta os prejudicar por determinadas qualidades que lhes são específicas ou por uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando-os, por isso, de forma idêntica à do destinatário dessa decisão (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, p. 279, e de 13 de Dezembro de 2005, Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, C-78/03, Colect., p. I-10737, n.o 33).

71

Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando o acto impugnado afecta um grupo de pessoas que estavam identificadas ou eram identificáveis no momento em que o acto foi adoptado, em função de critérios próprios aos membros do grupo, esse acto podia dizer individualmente respeito a essas pessoas na medida em que fazem parte de um círculo restrito de operadores económicos (v. acórdãos de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.o 31, e de 22 de Junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C-182/03 e C-217/03, Colect., p. I-5479, n.o 60).

72

Como referiu o advogado-geral nos n.os 99 e 100 das suas conclusões, pode ser esse o caso, nomeadamente, quando a decisão modifica os direitos adquiridos pelo particular antes da sua adopção (v., nomeadamente, acórdão de 1 de Julho de 1965, Toepfer e Getreid-Import Gesellschaft/Comissão, C-106/63 e 107/63, Colect. 1965-1968, p. 120).

73

A Infront detinha direitos exclusivos de transmissão televisiva das fases finais dos Campeonatos do Mundo de Futebol da FIFA de 2002 e 2006, que estão inscritos na lista dos acontecimentos designados, notificada à Comissão e aprovada pelo acto controvertido.

74

Além disso, é dado assente que a Infront adquiriu esses direitos exclusivos antes da adopção do acto controvertido e que, nesse momento, apenas seis sociedades haviam feito investimentos consideráveis na aquisição dos direitos de transmissão televisiva dos acontecimentos inscritos na referida lista.

75

Daí decorre que a Infront era perfeitamente identificável no momento em que o acto controvertido foi adoptado.

76

Por último, decorre dos n.os 51 e 52 do presente acórdão que o acto controvertido afectou os membros do grupo constituído pelas seis sociedades acima referidas, do qual faz parte a Infront, em razão de uma qualidade que lhes é própria, a saber, como detentores dos direitos exclusivos de transmissão televisiva dos acontecimentos designados.

77

Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância concluiu acertadamente que o acto controvertido dizia individualmente respeito à Infront.

78

Consequentemente, há que julgar o segundo fundamento improcedente e, portanto, negar provimento ao recurso no seu todo.

Quanto às despesas

79

Por força do disposto no artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.o do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Infront pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.