Processo C‑17/06

Céline SARL

contra

Céline SA

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d’appel de Nancy)

«Marcas – Artigos 5.°, n.° 1, alínea a), e 6.°, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104/CEE – Direito de o titular de uma marca registada se opor ao uso, por um terceiro, de um sinal idêntico à marca – Uso do sinal como denominação social, nome comercial ou insígnia – Direito de o terceiro fazer uso do seu nome»

Sumário do acórdão

1.        Aproximação das legislações – Marcas – Directiva 89/104 – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso, por um terceiro, de um sinal idêntico para produtos idênticos – Uso da marca na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva – Conceito

[Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.°, n.° 1, alínea a)]

2.        Aproximação das legislações – Marcas – Directiva 89/104 – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso, por um terceiro, de um sinal idêntico para produtos idênticos – Alcance

[Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.°, n.° 1, alínea a)]

3.        Aproximação das legislações – Marcas – Directiva 89/104 – Limitação dos efeitos da marca

[Directiva 89/104 do Conselho, artigo 6.°, n.° 1, alínea a)]

1.        O uso, por um terceiro não autorizado, de uma denominação social, de um nome comercial ou de uma insígnia idêntica a uma marca anterior constitui um «uso para produtos e serviços» quando o uso for efectuado para distinguir os referidos produtos ou serviços.

É este o caso quando um terceiro apõe o sinal que constitui a sua denominação social, nome comercial ou insígnia nos produtos que comercializa ou mesmo na falta de aposição, quando o terceiro utiliza o sinal de tal forma que se estabelece um nexo entre o sinal que constitui a denominação social, o nome comercial ou a insígnia do terceiro e os produtos por este comercializados ou os serviços por este prestados. Pelo contrário, não compreende o uso limitando-se a identificar uma sociedade ou a designar um estabelecimento comercial, uma vez que esse uso não se destina, per se, a distinguir produtos ou serviços. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se o uso, pela de um sinal constitui um uso para produtos ou serviços, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da directiva.

(cf. n.os 20‑24 e disp.)

2.        O uso, por um terceiro não autorizado, de um sinal idêntico a uma marca registada para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais essa marca foi registada só pode ser proibido, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104 relativa às marcas, se prejudicar ou for susceptível de prejudicar as funções da marca, nomeadamente a sua função essencial de garantir aos consumidores a proveniência dos produtos ou serviços. É o que sucede quando o sinal é utilizado pelo terceiro para os seus produtos ou serviços de tal forma que os consumidores podem interpretá‑lo no sentido de que designa a proveniência dos produtos ou dos serviços em causa. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se o uso desse sinal prejudica ou é susceptível de prejudicar a função essencial da marca.

(cf. n.os 26‑28 e disp.)

3.        Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104 relativa às marcas, o direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial, do seu próprio nome e endereço, desde que esse uso seja feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial. Compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar a observância do referido requisito tendo em conta, por um lado, a medida em que o uso do seu nome por um terceiro é compreendido, pelo público visado ou pelo menos por uma parte significativa desse público, no sentido de que indica uma ligação entre os produtos ou serviços do terceiro e o titular da marca ou uma pessoa habilitada a utilizar a marca e, por outro, que o terceiro terá de estar consciente disso. Constitui igualmente um factor que deve ser tido em conta no momento da apreciação a circunstância de se tratar de uma marca que goza, no Estado‑Membro em que está registada e em que a sua protecção é pedida, de um certo prestígio, de que o terceiro pode beneficiar para a comercialização dos seus produtos ou dos seus serviços.

(cf. n.os 30, 34, 35 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

11 de Setembro de 2007 (*)

«Marcas – Artigos 5.°, n.° 1, alínea a), e 6.º, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104/CEE – Direito do titular de uma marca registada de se opor ao uso, por um terceiro, de um sinal idêntico à marca – Uso do sinal como denominação social, nome comercial ou insígnia – Direito do terceiro de fazer uso do seu nome»

No processo C‑17/06,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela cour d’appel de Nancy (França), por decisão de 9 de Janeiro de 2006, entrado no Tribunal de Justiça em 17 de Janeiro de 2006, no processo

Céline SARL

contra

Céline SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts e R. Schintgen, presidentes de secção, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, A. Borg Barthet, M. Ilešič (relator), J. Malenovský, J.‑C. Bonichot e T. von Danwitz, juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: M.‑A. Gaudissart, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Novembro de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Céline SA, por P. de Candé, avocat,

–        em representação do Governo francês, por G. de Bergues e J.‑C. Niollet, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por V. Jackson, na qualidade de agente, assistida por M. Tappin, barrister,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por W. Wils, na qualidade de agente,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 18 de Janeiro de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 5.°, n.° 1, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1, a seguir «directiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Céline SA à Céline SARL relativamente à utilização, por esta última, da denominação social «Céline» e da insígnia «Céline».

 Quadro jurídico

3        O artigo 5.° da directiva, sob a epígrafe «Direitos conferidos pela marca», dispõe, nos seus n.os 1, 3 e 5:

«1.      A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)      De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)      De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.

[…]

3.      Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

a)      Apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;

b)      Oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

c)      Importar ou exportar produtos com esse sinal;

d)      Utilizar o sinal nos documentos comerciais e na publicidade.

[…]

5.      Os n.os 1 a 4 não afectam as disposições aplicáveis num Estado‑Membro relativas à protecção contra o uso de um sinal feito para fins diversos dos que consistem em distinguir os produtos ou serviços, desde que a utilização desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.»

4        O artigo 6.° da directiva, sob a epígrafe «Limitação dos efeitos da marca», prevê, no seu n.° 1:

«O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial:

a)      Do seu próprio nome e endereço;

[…]

desde que esse uso seja feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

5        A Céline SA, sociedade constituída sob esta denominação em 9 de Julho de 1928, tem como actividade principal a criação e comercialização de peças de vestuário e acessórios de moda.

6        Esta sociedade requereu, em 19 de Abril de 1948, o registo da marca nominativa CÉLINE, registo esse desde então renovado várias vezes, a última das quais em 6 de Março de 1998, para designar todos os produtos das classes 1 a 42, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado, nomeadamente «vestuário e calçado».

7        A. Grynfogel procedeu, em 25 de Setembro de 1950, à sua inscrição no registo comercial e das sociedades de Nancy para a exploração de um estabelecimento comercial de confecções para homem e senhora, com a insígnia «Céline».

8        A Céline SARL declarou que o seu direito de usar a insígnia «Céline» lhe foi transmitido por A. Grynfogel, por intermédio dos sucessivos titulares desse estabelecimento comercial. Essa sociedade foi matriculada no registo comercial e das sociedades em 31 de Janeiro de 1992, para explorar, sob a referida insígnia, um estabelecimento comercial de pronto‑a‑vestir, roupa interior, confecções, peles, vestuário e acessórios variados.

9        Tendo sido informada desta situação, a Céline SA demandou judicialmente a Céline SARL para obter a proibição dos actos de contrafacção da marca CÉLINE e de concorrência desleal por usurpação da denominação social «Céline» e da insígnia «Céline», bem como para obter a reparação dos seus prejuízos.

10      Por sentença de 27 de Junho de 2005, o tribunal de grande instance de Nancy julgou procedentes todos os pedidos da Céline SA e proibiu à Céline SARL toda e qualquer utilização do termo «Céline», isolado ou em combinação, fosse a que título fosse, ordenou‑lhe que alterasse a sua denominação social para um termo insusceptível de confusão com a marca anterior Céline e com a insígnia «Céline» e condenou‑a pagar à Céline SA uma indemnização no montante de 25 000 euros.

11      Em 4 de Julho de 2005, a Céline SARL recorreu dessa sentença para a cour d’appel de Nancy, alegando que a utilização de um sinal idêntico a uma marca nominativa anterior como denominação social ou insígnia não é do domínio da contrafacção, pois nem a denominação social nem a insígnia têm por função distinguir produtos ou serviços, e que, em todo o caso, não pode haver confusão no espírito do público quanto à origem dos produtos em causa, dado a Céline SA estar exclusivamente presente no mercado do vestuário e dos acessórios de luxo.

12      A cour d’appel de Nancy decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 5.°, n.° 1, da [directiva] deve ser interpretado no sentido de que a adopção, por um terceiro não autorizado, de uma marca nominativa registada, a título de denominação social, de nome comercial ou de insígnia no âmbito de uma actividade de comercialização de produtos idênticos, constitui um acto de utilização dessa marca na vida comercial que o titular pode fazer cessar por força do seu direito exclusivo?»

 Quanto à questão prejudicial

13      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o uso, como denominação social, nome comercial ou insígnia, por um terceiro não autorizado, de um sinal idêntico a uma marca nominativa anterior, no âmbito de uma actividade de comercialização de produtos idênticos àqueles para os quais a marca foi registada, constitui um uso que o titular pode fazer cessar ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, da directiva.

 Quanto à interpretação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva

14      Segundo o artigo 5.°, n.° 1, primeiro período, da directiva, a marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. Por força da alínea a) do mesmo número, esse direito exclusivo habilita o titular a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso, na vida comercial, de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada. Outras disposições da directiva, como o artigo 6.°, definem determinadas limitações dos efeitos da marca.

15      Para evitar que a protecção conferida ao titular da marca varie de um Estado‑Membro para outro, compete ao Tribunal de Justiça dar uma interpretação uniforme ao artigo 5.°, n.° 1, da directiva, em especial ao conceito de «uso» que nele figura (acórdãos de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club, C‑206/01, Colect., p. I‑10273, n.° 45, e de 25 de Janeiro de 2007, Adam Opel, C‑48/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 17).

16      Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos Arsenal Football Club, já referido; de 16 de Novembro de 2004, Anheuser‑Busch, C‑245/02, Colect., p. I‑10989; e Adam Opel, já referido), o titular de uma marca registada só pode proibir o uso, por um terceiro, de um sinal idêntico à sua marca, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva, se estiverem preenchidos os seguintes quatro requisitos:

–        Esse uso tem de ocorrer na vida comercial;

–        Tem de ser feito sem o consentimento do titular da marca;

–        Tem de ser feito para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

–        Tem de prejudicar ou ser susceptível de prejudicar as funções da marca, nomeadamente a sua função essencial de garantir aos consumidores a proveniência dos produtos ou serviços.

17      É pacífico que, no processo principal, o uso do sinal idêntico à marca em causa ocorre no contexto de uma actividade comercial destinada à obtenção de um proveito económico e não na vida privada. Consequentemente, foi feito uso desse sinal na vida comercial (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Arsenal Football Club, n.° 40, e Adam Opel, n.° 18).

18      É também pacífico que foi feito uso desse sinal sem o consentimento do titular da marca em causa no processo principal.

19      Em contrapartida, a Céline SARL contesta que se tenha verificado o uso do sinal idêntico à marca em causa «para produtos», na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva.

20      Resulta da sistemática do artigo 5.° da directiva que o uso de um sinal para produtos ou serviços, na acepção dos n.os 1 e 2 desse artigo, é um uso com o fim de distinguir produtos ou serviços, ao passo que o n.° 5 do mesmo artigo se refere, por sua vez, «[a]o uso de um sinal feito para fins diversos dos que consistem em distinguir os produtos ou serviços» (acórdão de 23 de Fevereiro de 1999, BMW, C‑63/97, Colect., p. I‑905, n.° 38).

21      Ora, uma denominação social, nome comercial ou insígnia não se destina, per se, a distinguir produtos ou serviços (v., neste sentido, acórdãos de 21 de Novembro de 2002, Robelco, C‑23/01, Colect., p. I‑10913, n.° 34, e Anheuser‑Busch, já referido, n.° 64). Com efeito, a denominação social destina‑se a identificar uma sociedade, ao passo que o nome comercial ou insígnia se destina a designar um estabelecimento comercial. Por conseguinte, quando o uso de uma denominação social, nome comercial ou insígnia se limita a identificar uma sociedade ou a designar um estabelecimento comercial, não se pode considerar que esse uso seja feito «para produtos ou serviços», na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da directiva.

22      Ao invés, verifica‑se um uso «para produtos», na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da directiva, quando um terceiro apõe o sinal que constitui a sua denominação social, nome comercial ou insígnia nos produtos que comercializa (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Arsenal Football Club, n.° 41, e Adam Opel, n.° 20).

23      Além disso, mesmo na falta de aposição do sinal, há uso «para produtos ou serviços», na acepção da referida disposição, quando o terceiro utiliza o sinal de tal forma que se estabelece um nexo entre o sinal que constitui a denominação social, o nome comercial ou a insígnia do terceiro e os produtos por este comercializados ou os serviços por este prestados.

24      No processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o uso, pela Céline SARL, do sinal «Céline» constitui um uso para os referidos produtos, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da directiva.

25      Por último, a Céline SARL sustenta que não pode haver confusão, no espírito do público, quanto à origem dos produtos em causa.

26      Como se recordou no n.° 16 do presente acórdão, o uso, por um terceiro não autorizado, de um sinal idêntico a uma marca registada para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais essa marca foi registada só pode ser proibido, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva, se prejudicar ou for susceptível de prejudicar as funções da marca, nomeadamente a sua função essencial de garantir aos consumidores a proveniência dos produtos ou serviços.

27      É o que sucede quando o sinal é utilizado pelo terceiro para os seus produtos ou serviços de tal forma que os consumidores podem interpretá‑lo no sentido de que designa a proveniência dos produtos ou dos serviços em causa. Com efeito, em semelhante caso, o uso do referido sinal é susceptível de pôr em perigo a função essencial da marca, pois esta, para poder desempenhar o seu papel de elemento essencial do sistema de concorrência leal que o Tratado CE pretende criar e manter, deve constituir a garantia de que todos os produtos ou serviços que a ostentam foram fabricados ou prestados sob o controlo de uma única empresa à qual pode ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles (v., neste sentido, acórdão Arsenal Football Club, já referido, n.° 48 e jurisprudência aí referida, bem como n.os 56 a 59).

28      No processo principal, compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o uso, pela Céline SARL, do sinal «Céline» prejudica ou é susceptível de prejudicar as funções da marca CÉLINE, nomeadamente a sua função essencial.

 Quanto à interpretação do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), da directiva

29      Segundo jurisprudência assente, compete ao Tribunal de Justiça fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todos os elementos de interpretação do direito comunitário que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe está submetido, quer este lhes tenha feito referência ou não no enunciado das suas questões (acórdão Adam Opel, já referido, n.° 31 e jurisprudência aí referida).

30      A este propósito, recorde‑se que, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), da directiva, o direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial, do seu próprio nome e endereço, desde que esse uso seja feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

31      O Tribunal de Justiça decidiu que esta disposição não se limita aos nomes de pessoas singulares (acórdão Anheuser‑Busch, já referido, n.os 77 a 80).

32      Por conseguinte, para o caso de o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que a Céline SA pode proibir o uso do sinal «Céline» pela Céline SARL, nos termos do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva, e para permitir a esse órgão jurisdicional resolver o litígio que lhe foi submetido, há que averiguar se, numa situação como a do processo principal, o artigo 6.°, n.° 1, alínea a), da directiva obsta a que o titular de uma marca proíba um terceiro de utilizar um sinal idêntico à sua marca como denominação social ou nome comercial.

33      O Tribunal de Justiça decidiu que o requisito que impõe que o uso seja «feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial», tal como é enunciado no artigo 6.°, n.° 1, da directiva, constitui, no essencial, a expressão de uma obrigação de lealdade face aos interesses legítimos do titular da marca (acórdão Anheuser‑Busch, já referido, n.° 82).

34      A este respeito, refira‑se que a observância do referido requisito relativo à prática honesta deve ser apreciado tendo em conta, por um lado, a medida em que o uso do seu nome por um terceiro é compreendido, pelo público visado ou pelo menos por uma parte significativa desse público, no sentido de que indica uma ligação entre os produtos ou serviços do terceiro e o titular da marca ou uma pessoa habilitada a utilizar a marca e, por outro, que o terceiro terá de estar consciente disso. Constitui igualmente um factor que deve ser tido em conta no momento da apreciação a circunstância de se tratar de uma marca que goza, no Estado‑Membro em que está registada e em que a sua protecção é pedida, de um certo prestígio, de que o terceiro pode beneficiar para a comercialização dos seus produtos ou dos seus serviços (acórdão Anheuser‑Busch, já referido, n.° 83).

35      Incumbe ao órgão jurisdicional nacional proceder à apreciação global de todas as circunstâncias relevantes do processo principal, para decidir, mais especificamente, se se pode considerar que a Céline SARL exercia uma concorrência desleal contra a Céline SA (v., neste sentido, acórdão Anheuser‑Busch, já referido, n.° 84).

36      Em face do exposto, há que responder à questão submetida que o uso, por um terceiro não autorizado, de uma denominação social, de um nome comercial ou de uma insígnia idêntica a uma marca anterior, no âmbito de uma actividade de comercialização de produtos idênticos àqueles para os quais essa marca foi registada, constitui um uso que o titular pode proibir ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva, se se tratar de um uso para produtos que prejudique ou seja susceptível de prejudicar as funções da marca.

Se for esse o caso, o artigo 6.°, n.° 1, alínea a), da directiva só pode obstar a essa proibição se o uso, pelo terceiro, da sua denominação social ou do seu nome comercial for feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

 Quanto às despesas

37      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O uso, por um terceiro não autorizado, de uma denominação social, de um nome comercial ou de uma insígnia idêntica a uma marca anterior, no âmbito de uma actividade de comercialização de produtos idênticos àqueles para os quais essa marca foi registada, constitui um uso que o titular pode proibir ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, se se tratar de um uso para produtos que prejudique ou seja susceptível de prejudicar as funções da marca.

Se for esse o caso, o artigo 6.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 89/104 só pode obstar a essa proibição se o uso, pelo terceiro, da sua denominação social ou do seu nome comercial for feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.