1. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Proibição – Infracções – Acordos e práticas concertadas que podem ser tratados como constitutivos de uma infracção única – Conceito
(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2)
2. Recurso de anulação – Decisão da Comissão tomada com base nos artigos 81.° CE ou 82.° CE – Apreciação económica complexa – Fiscalização jurisdicional – Limites
(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2)
3. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Poder de apreciação da Comissão – Fiscalização jurisdicional – Competência de plena jurisdição do julgador comunitário
(Artigos 81.° CE, 82.° CE, 229.° CE e 253.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigos 23.°, n. os 2 e 3, e 31.°)
4. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Poder de apreciação conferido à Comissão pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 – Violação do princípio da legalidade das penas – Inexistência
(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2)
5. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Pluralidade de infracções
(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)
6. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
7. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Medida da capacidade efectiva para causar um prejuízo ao mercado afectado
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)
8. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Repartição das empresas em causa por categorias que têm um ponto de partida específico
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
9. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Necessidade de tomar em conta os volumes de negócios das empresas em causa e de garantir a proporcionalidade das coimas com esses volumes de negócios – Inexistência
(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 3; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
10. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Repartição das empresas em causa por categorias que têm um ponto de partida específico
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A, sexto parágrafo)
11. Concorrência – Coimas – Decisão que aplica coimas – Dever de fundamentação – Alcance
(Artigo 253.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)
12. Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Participação em reuniões de empresas com objecto anticoncorrencial – Circunstância que permite, na falta de distanciamento relativamente às decisões tomadas, concluir pela participação no acordo subsequente
(Artigo 81.°, n.° 1, CE)
13. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Duração da infracção – Infracções de média e longa duração – Majoração de 10 % do montante de partida por ano
(Regulamento do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 3; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 B)
14. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes
(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3, terceiro travessão)
15. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Volume de negócios a tomar em consideração para o cálculo da coima
(Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)
16. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Consideração dos efeitos da infracção
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°)
17. Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara a existência de uma infracção – Elementos de prova que podem ser aceites
(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27, n.° 1)
18. Concorrência – Procedimento administrativo – Pedido de informações – Direitos de defesa
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 11.°, n.° 5)
19. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Cooperação da empresa no procedimento administrativo
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 11.°, n. os 4 e 5)
1. O conceito de infracção única visa uma situação em que várias empresas participaram numa infracção que consiste num comportamento continuado com uma única finalidade económica e com o intuito de falsear a concorrência ou ainda em infracções individuais ligadas entre si através de uma identidade de objecto (mesma finalidade de conjunto dos elementos) e de sujeitos (identidade das empresas em causa, conscientes de participarem no objecto comum). Uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE pode resultar não apenas de um acto isolado mas igualmente de uma série de actos ou mesmo de um comportamento continuado. Esta interpretação não pode ser contestada com base no facto de um ou diversos elementos dessa série de actos ou desse comportamento continuado também poderem constituir, só por si e considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Quando as diferentes acções se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objecto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas acções em função da participação na infracção considerada no seu todo. Além disso, o conceito de infracção única pode corresponder à qualificação jurídica de um comportamento anticoncorrencial que consista em acordos, em práticas concertadas e em decisões de associações de empresas.
O conceito de objectivo único não pode ser determinado pela referência geral à distorção da concorrência no mercado afectado pela infracção, uma vez que o impacto na concorrência constitui, como objectivo ou como efeito, um elemento consubstancial a qualquer comportamento abrangido pelo artigo 81.°, n.° 1, CE. Essa definição do conceito de objectivo único pode retirar ao conceito de infracção única e continuada uma parte do seu sentido, na medida em que pode ter como consequência que vários comportamentos relativos a um sector económico proibidos pelo artigo 81.°, n.° 1, CE devam ser sistematicamente qualificados como elementos constitutivos de uma infracção única. Assim, para efeitos de qualificação das diversas actuações como infracção única e continuada, há que verificar se apresentam uma relação de complementaridade, no sentido de que cada uma delas se destina a enfrentar uma ou mais consequências do jogo normal da concorrência, e contribuem, através de uma interacção, para a realização do conjunto dos efeitos anticoncorrenciais pretendidos pelos seus autores, no âmbito de um plano global com um objectivo único. A esse respeito, há que ter em conta quaisquer circunstâncias susceptíveis de demonstrar ou pôr em causa essa relação, tais como o período de aplicação, o conteúdo e, correlativamente, o objectivo das diversas actuações em causa. Assim, é por razões objectivas que a Comissão pode abrir processos distintos, dar por provadas várias infracções distintas e aplicar várias coimas distintas.
A qualificação de certas actuações ilícitas como actuações constitutivas de uma única e mesma infracção ou de uma pluralidade de infracções afecta, em princípio, a sanção que pode ser aplicada. Com efeito, o apuramento de uma pluralidade de infracções pode levar à aplicação de várias coimas distintas, sempre dentro dos limites previstos no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE].
(cf. n. os 89‑94, 133‑134)
2. Quanto à validade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], à luz do princípio da legalidade das penas, como reconhecido pelo julgador comunitário em conformidade com as indicações fornecidas pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e com as tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, a Comissão não dispõe de uma margem de apreciação ilimitada, em primeiro lugar, para dar por provada a existência de infracções às normas de concorrência, em segundo lugar, para determinar se os diversos actos ilícitos constituem uma infracção única e continuada ou várias infracções autónomas e, em terceiro lugar, para fixar o montante das coimas por essas infracções.
Em primeiro lugar, as infracções às normas de concorrência pelas quais a Comissão pode, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, aplicar coimas são unicamente as infracções aos artigos 81.° CE ou 82.° CE. A questão de saber se as condições dos artigos 81.° CE e 82.° CE estão preenchidas está sujeita, em princípio, à total fiscalização do julgador comunitário. Por outro lado, embora seja verdade que, na eventualidade de isso exigir apreciações económicas ou técnicas complexas, a jurisprudência reconhece à Comissão uma certa margem de apreciação, esta em nenhum caso é ilimitada. Com efeito, a existência dessa margem de apreciação não implica que o Tribunal Geral, em sede de recurso de anulação, deva deixar de fiscalizar a interpretação que a Comissão der a dados dessa natureza. O julgador comunitário deve não só verificar a exactidão material das provas apresentadas, a sua fiabilidade e a sua coerência mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados relevantes a tomar em consideração na apreciação de uma situação complexa e se são susceptíveis de servir de suporte às conclusões que deles são extraídas.
(cf. n. os 130‑131)
3. A Comissão não dispõe de uma margem de apreciação ilimitada na fixação das coimas por infracção às normas de concorrência. Embora o critério objectivo do limite da coima e os critérios subjectivos da gravidade e da duração da infracção deixem à Comissão uma ampla margem de apreciação, não é menos certo que são critérios que permitem à Comissão aplicar as sanções tendo em conta o grau de ilicitude do comportamento em causa. Assim, há que considerar que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n. os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], embora deixando à Comissão uma certa margem de apreciação, definem os critérios e limites a que ela está sujeita no exercício do seu poder em matéria de coimas. Por outro lado, para fixar coimas ao abrigo dessas disposições, a Comissão tem de respeitar os princípios gerais de direito, muito especialmente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, tal como tratados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral.
Por força do artigo 229.° CE e do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral decidem com competência de plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões através das quais a Comissão tenha fixado coimas, podendo, assim, não só anular as decisões tomadas pela Comissão mas também suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada. Deste modo, a prática administrativa da Comissão está sujeita à plena fiscalização dos tribunais comunitários.
Em conformidade com o artigo 253.° CE, a Comissão, na decisão de aplicação de uma coima, apesar do contexto habitualmente conhecido da decisão, tem de apresentar uma fundamentação, designadamente quanto ao montante da coima aplicada e ao método para o efeito. Essa fundamentação deve deixar transparecer, de modo claro e inequívoco, o raciocínio da Comissão, de modo a permitir que os interessados conheçam as justificações da medida tomada, a fim de apreciarem a oportunidade de um recurso para o juiz comunitário e, sendo esse o caso, de permitirem a este último exercer a sua fiscalização.
(cf. n. os 140, 142‑144, 148)
4. A qualificação de certas actuações ilícitas como constitutivas de uma só e mesma infracção ou de uma pluralidade de infracções afecta, em princípio, a sanção que pode ser aplicada, uma vez que uma pluralidade de infracções pode levar à aplicação de várias coimas distintas, cada uma dentro dos limites fixados pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], que dispõem que, para cada empresa ou associação de empresas participante na infracção, a coima não deve exceder 10% do seu volume de negócios total realizado no exercício social anterior. Daí resulta que, ao aplicar duas coimas cujos montantes somados excedem o limite de 10% do volume de negócios das recorrentes, a Comissão não cometeu qualquer violação do princípio nulla poena sine lege .
(cf. n. os 150‑151)
5. O objectivo de dissuasão que a Comissão pode prosseguir na fixação do montante de uma coima pretende garantir que, na condução das suas actividades na Comunidade Europeia ou no Espaço Económico Europeu, as empresas respeitem as regras de concorrência previstas no Tratado para o efeito. No caso de pluralidade de infracções, a Comissão pode considerar que esse objectivo não será atingido só pela aplicação de uma sanção por uma das infracções.
(cf. n.° 160)
6. O princípio da propor cionalidade impõe que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário para a realização do objectivo pretendido. No contexto do cálculo das coimas, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos e não se deve atribuir a nenhum desses outros elementos uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação. O princípio da proporcionalidade implica neste contexto que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infracção e que deve aplicar esses elementos de forma coerente e objectivamente justificada.
Na apreciação da gravidade de uma infracção, a Comissão deve ter em conta um grande número de elementos cujo carácter e importância variam segundo o tipo e circunstâncias específicas da infracção. Entre estes elementos que atestam a gravidade de uma infracção, não se pode excluir a possibilidade de figurar, consoante o caso, a dimensão do mercado do produto em causa. Por conseguinte, embora a dimensão do mercado possa ser um elemento a tomar em consideração para determinar a gravidade da infracção, a sua importância varia em função do tipo de infracção e das circunstâncias específicas da infracção.
As restrições horizontais do tipo «cartel de preços» na acepção das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA são «muito graves» por natureza. Nesse contexto, a pequena dimensão dos mercados em causa, admitindo‑a verificada, tem apenas uma pequena importância face ao conjunto dos outros elementos demonstrativos da gravidade da infracção.
(cf. n. os 171, 175‑176, 178)
7. Na análise, efectuada para fixar o montante da coima por infracção às normas comunitárias de concorrência, da capacidade económica efectiva das sociedades infractoras para prejudicarem significativamente a concorrência, que implica uma apreciação da importância real dessas empresas no mercado afectado, ou seja, da sua influência no mesmo, o volume de negócios global apenas permite obter uma perspectiva incompleta das coisas. Não se pode excluir, com efeito, a possibilidade de uma empresa poderosa com uma multiplicidade de actividades diferentes estar presente apenas de forma acessória num mercado específico de produtos. Do mesmo modo, não se pode excluir a possibilidade de uma empresa com uma posição importante num mercado geográfico extracomunitário dispor apenas de uma posição débil no mercado comunitário ou no do Espaço Económico Europeu. Em tais casos, o simples facto de tal empresa realizar um volume de negócios global considerável não significa necessariamente que exerce uma influência determinante no mercado afectado. Por isso, embora o volume de negócios de uma empresa realizado nos mercados em causa não possa ser determinante para se concluir que essa empresa pertence a uma entidade económica poderosa, é, em contrapartida, relevante para determinar a influência que ela pôde exercer no mercado.
Neste sentido, a parte do volume de negócios com origem nas mercadorias objecto da infracção é susceptível de dar uma justa indicação da amplitude da infracção no mercado em causa. Com efeito, esse volume de negócios é susceptível de dar uma justa indicação da responsabilidade de cada empresa nesses mercados, visto que constitui um elemento objectivo que dá uma justa medida da nocividade dessa prática para o jogo normal da concorrência, assim representando um bom indicador da capacidade de cada empresa para causar um dano.
(cf. n. os 187‑188)
8. Para a fixação do montante das coimas a aplicar aos diversos participantes num acordo, o método de repartir os membros desse cartel em várias categorias, o que leva a uma criação de taxas fixas do montante de partida das coimas fixadas às empresas pertencentes a cada categoria, embora se traduza em ignorar as diferenças de dimensão entre empresas da mesma categoria, não pode ser criticado, desde que sejam respeitados os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento. Não compete ao Tribunal Geral pronunciar‑se sobre a oportunidade desse sistema, mesmo admitindo que prejudica as empresas de menor dimensão. Com efeito, o Tribunal Geral, no âmbito da sua fiscalização da legalidade do exercício do poder de apreciação da Comissão nessa matéria, deve limitar‑se a fiscalizar se a repartição dos membros do cartel em categorias é coerente e objectivamente justificada, sem substituir sem mais a apreciação da Comissão pela sua.
(cf. n.° 196)
9. O artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° CE e 82.° CE, também não exige que, no caso de aplicação de coimas a várias empresas envolvidas na mesma infracção, o montante da coima aplicada a uma empresa de pequena ou média dimensão não seja superior, em percentagem do volume de negócios, ao das coimas aplicadas às empresas maiores. Com efeito, resulta dessa disposição que, tanto para as empresas de pequena ou média dimensão como para as empresas de maior dimensão, há que tomar em consideração, na determinação do montante da coima, a gravidade e a duração da infracção. Na medida em que a Comissão aplique a cada uma das empresas envolvidas na mesma infracção coimas justificadas, relativamente à gravidade e à duração da infracção, não merece qualquer reparo o facto de, para algumas delas, o montante da coima ser superior, face ao volume de negócios, ao de outras empresas. Assim, a Comissão não tem de reduzir o montante das coimas quando as empresas em causa são pequenas e médias empresas. Com efeito, a dimensão da empresa já foi tida em conta no limite fixado no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e nas disposições das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA. Com excepção destas considerações relativas à dimensão, não há qualquer razão para tratar as pequenas e médias empresas de forma diferente das outras empresas. O facto de as empresas em causa serem pequenas e médias empresas não as isenta do respeito das normas de concorrência.
(cf. n. os 199‑200)
10. No âmbito das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, que dispõem no seu ponto 1 A, sexto parágrafo, que uma disparidade considerável na dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza é, nomeadamente, susceptível de justificar uma diferenciação para efeitos de análise da gravidade da infracção, não viola o princípio da igualdade de tratamento uma decisão da Comissão que classifica no mesmo grupo várias empresas, uma das quais tendo um volume de negócios global claramente ou mesmo «sensivelmente» inferior ao das outras empresas, com base nos respectivos volumes de negócios no mercado em causa e nas suas quotas de mercado muito semelhantes, e aplicar‑lhes um montante de partida específico idêntico.
(cf. n. os 202, 205)
11. Na determinação do montante da coima por infracção às normas de concorrência, as exigências da formalidade essencial constituída pelo dever de fundamentação estão preenchidas quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção. Essas exigências não impõem que a Comissão indique na decisão os números relativos ao modo de cálculo das coimas, sublinhando‑se que, em qualquer dos casos, a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas, privar‑se do seu poder de apreciação. Numa decisão que aplica coimas a várias empresas, o alcance do dever de fundamentação deve ser apreciado nomeadamente à luz do facto de que a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, nomeadamente as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o alcance dissuasor das coimas, sem que se tenha instituído uma lista vinculativa ou taxativa de critérios a ter necessariamente em conta.
(cf. n.° 226)
12. O facto de não ter participado na reunião multilateral e de ter cessado, na sequência das mensagens de correio electrónico de Maio de 2001, de transmitir informações aos outros membros do cartel não demonstra que tivesse deixado de participar nele se não se tiver distanciado publicamente do conteúdo.
(cf. n. os 240‑241, 244)
13. De acordo com o disposto no artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° CE e 82.° CE, a duração da infracção constitui um dos elementos a tomar em consideração para determinar o montante da coima a aplicar às empresas culpadas de infracções às normas de concorrência.
Embora as disposições do ponto 1 B das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA não prevejam qualquer majoração para as infracções de curta duração, em geral de duração inferior a um ano, aplica‑se uma majoração às infracções de duração média, em geral com uma duração entre um e cinco anos, majoração essa que pode chegar a 50% do montante de partida da coima. Quanto às infracções de longa duração, em geral com duração superior a cinco anos, apenas se prevê que o montante pode ser majorado de 10% ao ano. Essas majorações não são automáticas, deixando as orientações uma margem de apreciação à Comissão.
(cf. n. os 237, 247, 249)
14. As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA não enumeram de forma imperativa as circunstâncias atenuantes que a Comissão tem de tomar em conta. Assim, de modo nenhum a Comissão poderá ser obrigada, no quadro do seu poder de apreciação, a aplicar uma redução da coima pela cessação de uma infracção manifesta, tenha essa cessação ocorrido antes ou após as suas intervenções.
A cessação das infracções às normas de concorrência logo com as primeiras intervenções da Comissão, prevista no ponto 3, terceiro travessão, das orientações logicamente só pode constituir uma circunstância atenuante se existirem razões que permitam acreditar que as empresas em causa foram incentivadas a cessar os seus comportamentos anticoncorrenciais pelas intervenções em causa. Com efeito, verifica‑se que a finalidade dessa disposição é encorajar as empresas a cessarem os seus comportamentos anticoncorrenciais imediatamente quando a Comissão abre um inquérito. Uma redução do montante da coima a esse respeito não pode ser aplicada no caso de essas empresas já terem tomado uma decisão firme de pôr termo à infracção antes da data das primeiras intervenções da Comissão ou no caso de a infracção já ter chegado ao fim antes dessa data. Esta última hipótese é suficientemente tida em conta no cálculo da duração do período de infracção fixado.
(cf. n. os 259‑260)
15. As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA dispõem, quanto aos elementos subjectivos a tomar em conta na fixação do montante de partida, que é necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo considerável aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e fixar o montante da coima num nível que lhe garanta um carácter suficientemente dissuasor. Segundo essas mesmas orientações, nos casos que envolvam várias empresas, como os casos de cartel, pode ser conveniente ponderar o montante de partida geral, a fim de ter em conta o peso específico, e, portanto, o impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza, e adaptar em conformidade o montante de partida geral segundo o carácter específico de cada empresa.
As orientações não se opõem a que tais volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam.
Assim, uma repartição das empresas em duas categorias, em função do seu volume de negócios, é uma forma razoável de tomar em conta a sua importância relativa no mercado ao fixar o montante de partida da coima, desde que não leve a uma representação grosseiramente deformada do mercado em causa.
(cf. n. os 273‑275, 280)
16. Em matéria de concorrência, o ónus da prova da existência de efeitos de uma infracção num mercado, que cabe à Comissão quando tem em conta esses efeitos no cálculo da coima em função da gravidade da infracção, é menos acentuado que o seu ónus de provar a existência enquanto tal de uma infracção no âmbito de um cartel. Com efeito, para ter em conta o impacto concreto do cartel no mercado, basta que a Comissão forneça «boas razões para serem levadas em conta».
(cf. n.° 301)
17. Os direitos de defesa só são violados por causa de uma discordância entre a comunicação de acusações e a decisão final se uma acusação dada por provada nessa decisão não tivesse sido exposta de forma suficiente a permitir que os destinatários se defendessem.
Se esses documentos não tiverem sido mencionados na comunicação de acusações, a empresa em causa tem razão para considerar que não têm importância para o processo. Ao não informar uma empresa de que certos documentos serão utilizados na decisão, a Comissão impede‑a de manifestar em tempo útil a sua opinião sobre o valor probatório desses documentos. Daí resulta que esses documentos não podem ser considerados meios de prova válidos no que a ela respeita.
Um documento utilizado pela Comissão como prova de uma acusação na decisão final, mesmo quando tenha sido utilizado na comunicação de acusações como prova de outra acusação, só é oponível à empresa na decisão se ela pudesse razoavelmente inferir da comunicação de acusações e do conteúdo desse documento as conclusões que a Comissão tencionava extrair.
(cf. n. os 313‑315)
18. Não se pode reconhecer um direito ao silêncio absoluto a uma empresa destinatária de uma decisão de pedido de informações na acepção do artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17. Com efeito, o reconhecimento desse direito iria além do necessário para preservar os direitos de defesa das empresas e constituiria um entrave injustificado ao desempenho da missão da Comissão de garantir o respeito das normas de concorrência no mercado comum. Esse direito ao silêncio só pode ser reconhecido se a empresa for obrigada a fornecer respostas que a levem a admitir a existência da infracção cuja prova cabe à Comissão.
Para preservar o efeito útil do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a Comissão pode, assim, obrigar as empresas a fornecerem todas as informações necessárias relativas aos factos de que possam ter conhecimento e, se necessário, os documentos correlativos que estejam na sua posse, mesmo que estes possam servir para comprovar a existência de um comportamento anticoncorrencial. Esse poder de informações da Comissão não colide com o artigo 6.°, n. os 1 e 2, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais nem com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
De qualquer forma, o facto de se ser obrigado a responder às questões puramente factuais colocadas pela Comissão e a satisfazer os seus pedidos de apresentação de documentos preexistentes não é susceptível de violar o princípio do respeito dos direitos de defesa ou o direito a um processo equitativo, que oferecem, no domínio do direito da concorrência, uma protecção equivalente à garantida pelo artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Com efeito, nada impede o destinatário de um pedido de informações de demonstrar, mais tarde no quadro do procedimento administrativo ou num processo perante o juiz comunitário, que os factos constantes das suas respostas ou os documentos transmitidos têm um significado diferente daquele que lhes deu a Comissão.
Por último, quando, num pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, além das questões meramente factuais e dos pedidos de apresentação de documentos preexistentes, a Comissão pede a uma empresa que descreva o objecto e como decorreram as várias reuniões em que participou e os resultados ou as conclusões dessas reuniões, quando é manifesto que a Comissão tem suspeitas de que o objectivo das referidas reuniões era restringir a concorrência, esse pedido é susceptível de obrigar a empresa questionada a admitir a sua participação numa infracção às regras comunitárias de concorrência, de modo que a referida empresa não é obrigada a responder a este tipo de questões. Nesse caso, o facto de, não obstante, uma empresa fornecer informações quanto a estes pontos deve ser considerado uma colaboração espontânea da empresa, susceptível de justificar uma redução da coima, em aplicação da comunicação sobre a cooperação. Resulta igualmente da jurisprudência que, nesse caso, as empresas não podem alegar que o seu direito a não se incriminarem foi violado por terem respondido voluntariamente a esse pedido.
(cf. n. os 326‑329)
19. Num procedimento administrativo aberto por cartel proibido, a colaboração de uma empresa na investigação não dá origem a uma redução da coima quando essa colaboração não ultrapassar o que resulta das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 11.°, n. os 4 e 5, do Regulamento n.° 17. Em contrapartida, no caso de uma empresa que, em resposta a um pedido nos termos do artigo 11.°, presta informações que vão muito além daquelas que podem ser exigidas pela Comissão por força desse mesmo artigo, a empresa pode beneficiar de uma redução da coima.
(cf. n.° 340)