ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Sétima Secção)

15 de Outubro de 2008 ( *1 )

«Privilégios e imunidades — Membro do Parlamento Europeu — Levantamento da imunidade»

No processo T-345/05,

Ashley Neil Mote, membro do Parlamento Europeu, representado por J. Lofthouse e C. Hayes, barristers, e M. Monan, solicitor,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por H. Krück, D. Moore e M. Windisch, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão do Parlamento de 5 de Julho de 2005, sobre o levantamento da imunidade parlamentar do recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Sétima Secção),

composto por: N. J. Forwood, presidente, D. Šváby e L. Truchot (relator), juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de Fevereiro de 2008,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico

1

Nos termos do capítulo III do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, de 8 de Abril de 1965, anexo ao Tratado que institui um Conselho único e uma Comissão única das Comunidades Europeias (JO 1967, 152, p. 13) (a seguir «protocolo»):

«CAPÍTULO III

MEMBROS DO PARLAMENTO EUROPEU

Artigo 8.o

As deslocações dos membros do Parlamento Europeu, que se dirijam para ou regressem do local de reunião do Parlamento Europeu, não ficam sujeitas a restrições administrativas ou de qualquer outra natureza.

Artigo 9.o

Os membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções.

Artigo 10.o

Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam:

a)

No seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país.

b)

No território de qualquer outro Estado-Membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

Beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.

A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode também constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros.»

Antecedentes do litígio

2

Ashley Neil Mote, cidadão do Reino Unido, beneficiou de diversos auxílios públicos entre 1996 e 2002. Em Novembro de 2003, foi instaurado contra ele um processo penal, porquanto teria obtido esses auxílios com base em falsas declarações. Em Janeiro de 2004, A. N. Mote foi notificado para comparecer em juízo, em 27 de Abril de 2004 foi deduzida acusação contra ele e, em 10 de Junho de 2004, foi notificado da sua constituição como arguido, tendo recebido um resumo das acusações contra ele deduzidas.

3

Após a sua eleição para o Parlamento Europeu em Junho de 2004, o recorrente requereu a suspensão do processo penal pendente, invocando os privilégios e imunidades de que gozava enquanto deputado ao Parlamento Europeu. A suspensão foi decretada pela Chichester Crown Court (Tribunal da Coroa de Chichester) em 25 de Novembro de 2004. Este órgão jurisdicional considerou que o regime de liberdade mediante caução a que A. N. Mote tinha sido sujeito constituía um obstáculo à liberdade de deslocação dos membros do Parlamento e, consequentemente, desrespeitava o artigo 8.o do protocolo.

4

Por requerimento de 3 de Fevereiro de 2005, o Attorney General (procurador-geral de Inglaterra e do País de Gales) solicitou ao Parlamento:

que confirmasse que o processo penal instaurado contra o recorrente não infringia o protocolo, nomeadamente o seu artigo 8.o;

que, caso A. N. Mote beneficiasse de um privilégio ou de uma imunidade ao abrigo do protocolo, levantasse esse privilégio ou essa imunidade.

5

O requerimento foi transmitido à Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento (a seguir «Comissão dos Assuntos Jurídicos») e foi alvo de debates nessa comissão em 21 de Abril, 24 de Maio e 20 de Junho de 2005. A. N. Mote foi representado por outro membro do Parlamento na audição organizada pela Comissão dos Assuntos Jurídicos em 24 de Maio de 2005. Num articulado apresentado àquela nesse mesmo dia (a seguir «articulado»), A. N. Mote requereu o indeferimento do pedido de levantamento da sua imunidade.

6

Em 20 de Junho de 2005 a Comissão dos Assuntos Jurídicos aprovou, por unanimidade, um relatório em que recomendava ao Parlamento o levantamento da imunidade de A. N. Mote (a seguir «relatório»). Este relatório compreende uma fundamentação e uma proposta de decisão do Parlamento Europeu.

7

Por decisão de 5 de Julho de 2005, a sessão plenária do Parlamento decidiu levantar a imunidade e ordenou a transmissão da decisão e do relatório à autoridade competente do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (a seguir «decisão impugnada»).

8

Invocando o levantamento da imunidade de A. N. Mote decidida pelo Parlamento, a autoridade do Reino Unido competente para o exercício da acção penal requereu à High Court of Justice (England & Wales) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales)] o levantamento da suspensão do processo penal. Por decisão de 17 de Outubro de 2006, este órgão jurisdicional ordenou que o processo contra o recorrente prosseguisse os seus termos.

9

Em 4 de Maio de 2007, o recorrente apresentou um pedido de defesa da sua imunidade e dos seus privilégios, que foi indeferido pelo Parlamento por decisão de 10 de Julho de 2007.

10

Por sentença de 17 de Agosto de 2007, a Portsmouth Crown Court (Tribunal da Coroa de Portsmouth) declarou A. N. Mote culpado e, posteriormente, por sentença de 4 de Setembro de 2007, condenou-o numa pena de nove meses de prisão. Por acórdão de 21 de Dezembro de 2007, a Court of Appeal (England & Wales) [Tribunal de Segunda Instância (Inglaterra e País de Gales)] julgou improcedentes todos os fundamentos, excepto apenas um, do recurso interposto da sentença de 17 de Agosto. Em 18 de Janeiro de 2008, o recorrente requereu a admissão de um recurso contra o referido acórdão.

Tramitação processual e pedidos das partes

11

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Setembro de 2005, o recorrente interpôs o presente recurso.

12

A 3 de Novembro de 2005, o recorrente requereu o benefício do anonimato no processo principal, o qual lhe foi concedido em 14 de Novembro de 2005. Após ter ouvido as observações das partes na audiência de 21 de Fevereiro de 2008, o presidente da Sétima Secção levantou o anonimato.

13

Por pedido de medidas provisórias apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Dezembro de 2006, o recorrente requereu a suspensão da execução da decisão impugnada, ao abrigo do artigo 225.o, n.o 1, CE e dos artigos 242.o CE e 243.o CE. Por despacho de 16 de Março de 2007, o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido.

14

Por pedido de medidas provisórias apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Maio de 2007, o recorrente requereu novamente a suspensão da execução da decisão impugnada. Por despacho de 16 de Março de 2007, o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido.

15

Em 29 de Agosto de 2007, o recorrente apresentou um terceiro pedido de medidas provisórias, com os mesmos fundamentos, que foi indeferido por despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Novembro de 2007.

16

O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão impugnada;

declarar, em todo o caso, a nulidade da decisão no que respeita ao levantamento de um privilégio como o do artigo 8.o do protocolo, na medida em que a decisão apenas menciona uma imunidade;

condenar o recorrido nas despesas.

17

O Parlamento Europeu conclui pedindo que o Tribunal se digne:

a título principal, julgar o recurso inadmissível;

subsidiariamente, negar provimento ao recurso;

condenar o recorrente nas despesas.

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

18

O Parlamento conclui pela inadmissibilidade do recurso, com o fundamento de que a decisão de levantamento da imunidade não diz directamente respeito ao recorrente, na acepção do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, nomeadamente na medida em que essa decisão deixa uma margem de apreciação ao seu destinatário.

19

Para fundamentar a admissibilidade do seu recurso, A. N. Mote refere que, embora os privilégios e imunidades sejam atribuídos às Comunidades, os membros do Parlamento beneficiam daquelas por força do artigo 5.o do Regimento do Parlamento Europeu (JO 2005, L 44, p. 1) e que, consequentemente, qualquer decisão relativa a esses privilégios e imunidades afecta directamente o membro do Parlamento em causa.

20

A título preliminar, importa examinar se a decisão de levantamento da imunidade parlamentar de 5 de Julho de 2005 constitui uma decisão impugnável.

21

Resulta de jurisprudência assente que a Comunidade Europeia é uma comunidade de direito, no sentido de que nem os seus Estados-Membros nem as suas instituições escapam ao controlo da conformidade dos seus actos com a carta constitucional que é o Tratado e que este estabeleceu um sistema completo de vias de recurso e de procedimentos destinado a confiar ao Tribunal de Justiça a fiscalização da legalidade dos actos das instituições (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, Colect., p. 1339, n.o 23, e de 23 de Março de 1993, Weber/Parlamento, C-314/91, Colect., p. I-1093, n.o 8; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Outubro de 2001, Martinez e o.,/Parlamento, T-222/99, T-327/99 e T-329/99, Colect., p. II-2823, n.o 48). O Tribunal de Justiça também decidiu que os actos do Parlamento não estão, por norma, subtraídos a um recurso de anulação (acórdão Os Verdes/Parlamento, já referido, n.o 24).

22

Por aplicação do artigo 230.o, primeiro parágrafo, CE, o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos actos do Parlamento destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, distinguindo, para esse efeito, duas categorias de actos.

23

Não podem ser objecto de recurso de anulação os actos que apenas digam respeito à organização interna dos trabalhos do Parlamento (despachos do Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 1986, Grupo das Direitas Europeias/Parlamento, 78/85, Colect., p. 1753, n.o 11, e de 22 de Maio de 1990, Blot e Front national/Parlamento, C-68/90, Colect., p. I-2101, n.o 12; acórdão Weber/Parlamento, já referido, n.o 9).

24

São abrangidos por esta categoria os actos do Parlamento que não produzem efeitos jurídicos ou apenas os produzem no interior do Parlamento no que se refere à organização dos seus trabalhos e estão sujeitos a processos de fiscalização estabelecidos pelo seu Regimento (acórdão Weber/Parlamento, já referido, n.o 10; acórdão Martinez e o./Parlamento, já referido, n.o 52).

25

Em contrapartida, são impugnáveis no tribunal comunitário os actos do Parlamento que produzem ou se destinam a produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros ou, por outras palavras, actos cujos efeitos jurídicos vão além da organização interna dos trabalhos da instituição. (acórdão Weber/Parlamento, já referido, n.o 11; acórdão Martinez e o./Parlamento, já referido, n.o 53).

26

O Tribunal de Primeira Instância recordou que os membros do Parlamento, detentores de um mandato de representação dos povos dos Estados reunidos na Comunidade, devem, relativamente a um acto do Parlamento que produz efeitos jurídicos quanto às condições de exercício do referido mandato, ser considerados terceiros na acepção do artigo 230.o, primeiro parágrafo, CE (acórdão Martinez e o./Parlamento, já referido, n.o 61).

27

No que respeita, em especial, ao protocolo, os privilégios e imunidades reconhecidos às Comunidades Europeias por este texto só têm carácter funcional na medida em que visam evitar que o funcionamento e a independência das Comunidades Europeias sejam entravados (despachos do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 1989, Générale de Banque/Comissão, 1/88 SA, Colect., p. 857, n.o 9, e de 13 de Julho de 1990, Zwartveld e o., C-2/88 IMM, Colect., p. I-3365, n.o 19).

28

Porém, ainda que os privilégios e imunidades tenham sido concedidos exclusivamente no interesse da Comunidade, não é menos verdade que foram expressamente concedidos aos funcionários e outros agentes das instituições da Comunidade e aos membros do Parlamento. O facto de os privilégios serem previstos no interesse público comunitário justifica o poder dado às instituições de, se for caso disso, levantarem a imunidade, mas não significa que esses privilégios e imunidades sejam concedidos à Comunidade e não directamente aos seus funcionários, outros agentes e membros do Parlamento. Assim, o protocolo cria um direito subjectivo em benefício das pessoas em causa, cujo respeito é garantido pelo direito de recurso previsto no artigo 230.o CE (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1960, Humblet/Bélgica, 6/60, Recueil, p. 1125, Colect. 1954-1961, p. 545).

29

É de notar que a decisão pela qual o Parlamento levanta a imunidade de um dos seus membros produz efeitos jurídicos que excedem o âmbito da sua organização interna, visto que permite que seja instaurado um processo penal, pelos factos em causa, contra o membro do Parlamento interessado.

30

As condições de exercício do mandato do membro do Parlamento em causa são afectadas por semelhante decisão, que permite a instauração ou o prosseguimento de um processo penal contra esse parlamentar e, se for caso disso, que lhe sejam aplicadas medidas restritivas da liberdade susceptíveis de entravar o exercício do seu mandato parlamentar. No caso vertente, a decisão impugnada permitiu à autoridade do Reino Unido competente para o exercício da acção penal requerer e obter o levantamento da suspensão do processo penal instaurado contra A. N. Mote, por despacho da High Court of Justice (England & Wales) de 17 de Outubro de 2006.

31

A decisão impugnada deve ser considerada, pois, um acto que produz ou se destina a produzir efeitos jurídicos relativamente a terceiros. Daqui se conclui que, em consonância com os critérios definidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Weber/Parlamento, já referido, aquela deve poder ser objecto de fiscalização de legalidade pelo órgão jurisdicional comunitário, nos termos do artigo 230.o, primeiro parágrafo, CE.

32

Quanto à excepção de inadmissibilidade do recurso, deduzida pelo Parlamento nos termos do artigo 230.o, quarto parágrafo, CE, refira-se que este admite que a decisão impugnada diz individualmente respeito ao recorrente, mas contesta que a mesma o afecte directamente.

33

Por força de jurisprudência assente, a afectação directa exige que a medida comunitária impugnada produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários dessa medida, que são encarregados da sua implementação, já que esta é de carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de normas intermédias (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Glencore Grain/Comissão, C-404/96 P, Colect., p. I-2435, n.o 41 e jurisprudência referida; acórdãos de 29 de Junho de 2004, Front national/Parlamento, C-486/01 P, Colect., p. I-6289, n.o 34, e de 2 de Maio de 2006, Regione Siciliana/Comissão, C-417/04 P, Colect., p. I-3881, n.o 28).

34

No caso vertente, a imunidade prevista nos artigos 9.o e 10.o do protocolo protege os membros do Parlamento Europeu contra determinadas medidas susceptíveis de entravar o exercício das suas funções, pelo que uma decisão de levantamento da imunidade altera a situação jurídica do membro do Parlamento, pelo simples efeito da supressão dessa protecção, restabelecendo o seu estatuto de pessoa sujeita ao direito comum dos Estados-Membros e expondo-o assim, sem que seja necessária nenhuma regra intermédia, a medidas instituídas por esse direito comum, designadamente de detenção e de acção penal. Daí resulta que a decisão impugnada diz directamente respeito ao recorrente.

35

O poder de apreciação deixado às autoridades nacionais, após o levantamento da imunidade, quanto ao prosseguimento ou à desistência da acção penal desencadeada contra o membro do Parlamento, é irrelevante para a afectação directa da situação jurídica deste último, uma vez que os efeitos associados à decisão de levantamento da imunidade se limitam à supressão da protecção de que aquele beneficiava devido à sua qualidade de deputado e não implicam nenhuma medida complementar de execução.

36

Resulta do exposto que há que julgar admissível o recurso de anulação.

Quanto ao mérito

37

A. N. Mote invoca quatro fundamentos em apoio do recurso de anulação. Através do primeiro, relativo a um erro de direito, o recorrente sustenta que o Parlamento deveria ter verificado que o privilégio conferido pelo artigo 8.o do protocolo tinha sido violado. O segundo tem duas vertentes. A primeira assenta na violação do Regimento do Parlamento, dado o Parlamento ter expresso uma opinião sobre a oportunidade da acção penal exercida contra A. N. Mote. Na segunda vertente, o recorrente sustenta que o Parlamento não teve em consideração de forma justa e completa os factos e argumentos que o primeiro expôs à Comissão dos Assuntos Jurídicos. O terceiro fundamento é relativo à falta de fundamentação completa e adequada da decisão impugnada. O último assenta no carácter desrazoável e desproporcionado da decisão. Segundo o recorrente, os argumentos que aduziu deveriam ter levado à recusa do levantamento da sua imunidade.

Quanto ao erro de direito

Argumentos das partes

38

O recorrente sustenta que a decisão impugnada enferma de erro de direito, porquanto o Parlamento deveria ter verificado que fora violado um privilégio de que aquele beneficiava ao abrigo do artigo 8.o do protocolo. Com efeito, segundo o recorrente, há que distinguir o privilégio, reconhecido pelo artigo 8.o, relativo à liberdade de deslocação dos membros do Parlamento, da imunidade consagrada no artigo 10.o, que diz respeito à inviolabilidade destes caso sejam alvo de processos penais. No caso vertente, a natureza da liberdade sob caução no direito penal do Reino Unido lesa o privilégio do artigo 8.o, na medida em que o arguido se deve manter à disposição do órgão jurisdicional nacional. A participação nas sessões do Parlamento, mas também nos trabalhos das suas comissões, depende então do poder de apreciação do juiz, o que constitui uma restrição à liberdade de deslocação dos membros do Parlamento e uma violação da independência do Parlamento, seja qual for a vontade de cooperar manifestada pelas autoridades judiciárias do Reino Unido. Esta interpretação do artigo 8.o levou a Chichester Crown Court a suspender o processo penal enquanto aguardava a resposta do Parlamento ao pedido de levantamento da imunidade. Ao adoptar uma interpretação diferente do artigo 8.o na fundamentação do relatório e ao não se pronunciar sobre o levantamento do privilégio, o Parlamento cometeu um erro de direito.

39

O Parlamento considera que este fundamento improcede. Refere que se limitou a responder a um pedido de levantamento de imunidade. Esclarece que a fundamentação invocada pela Comissão dos Assuntos Jurídicos não reflecte necessariamente a sua posição enquanto instituição e expõe a interpretação que dá aos artigos 8.o e 10 do protocolo, sublinhando o carácter funcional dessas disposições.

40

Segundo o Parlamento, o artigo 8.o do protocolo, aprovado numa época em que as deslocações no interior da Comunidade não eram tão fáceis como hoje, destina-se essencialmente a impedir qualquer entrave de natureza administrativa, policial ou aduaneira às deslocações de um membro do Parlamento. Esse artigo, enquanto tal, não confere imunidade em matéria judiciária. O artigo 10.o do protocolo, por seu lado, prevê a inviolabilidade dos membros do Parlamento pelos actos praticados no território nacional dos respectivos Estados ou no território de qualquer outro Estado-Membro, para além das opiniões ou votos emitidos no exercício das respectivas funções, os quais estão abrangidos pelo artigo 9.o Ademais, o artigo 10.o concede aos deputados o benefício da imunidade quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento. Estas disposições seriam inoperantes se o privilégio concedido pelo artigo 8.o pudesse obstar ao exercício da acção judicial. O Parlamento acrescenta que nenhum privilégio reconhecido pelo artigo 8.o pode ser levantado com fundamento no artigo 10.o

41

Quanto à possibilidade de o órgão jurisdicional nacional entravar a actividade do Parlamento Europeu, se esse órgão jurisdicional pudesse controlar as deslocações do recorrente, o Parlamento recorda que as relações entre os Estados-Membros e as instituições comunitárias se regem pelo princípio da cooperação leal, por força do artigo 10.o CE. As autoridades judiciárias nacionais são obrigadas a favorecer o mais possível o bom funcionamento das instituições comunitárias e a respeitar as respectivas prerrogativas, como fez o órgão jurisdicional do Reino Unido, sem o que o Estado-Membro poderá ter de responder perante os órgãos jurisdicionais comunitários.

42

O recorrente admite que os privilégios e imunidades das Comunidades têm, antes de mais, um carácter funcional e contesta que alguma vez tenha equiparado o disposto no artigo 8.o a uma imunidade absoluta contra processos penais. Não obstante, mantém que a interpretação a dar ao privilégio concedido pelo artigo 8.o é muito genérica e que, em circunstâncias específicas, o mesmo pode obstar à instauração de processos penais, cuja natureza implica medidas restritivas da liberdade. Este privilégio evita interferências com as funções do parlamentar, de uma forma completamente distinta do disposto no artigo 10.o

43

O Parlamento entende que é de rejeitar a interpretação que A. N. Mote dá ao artigo 8.o, pois a proibição das restrições às deslocações de um deputado não pode proporcionar uma protecção superior à imunidade concedida pelo artigo 10.o Nesse caso, a imunidade conferida ao deputado seria absoluta, pois um privilégio não pode ser levantado, ao contrário de uma imunidade.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

44

O recorrente critica o Parlamento por não ter verificado que aquele estava protegido pelo privilégio instituído pelo artigo 8.o do protocolo e que esse privilégio tinha sido violado pelo processo penal instaurado contra ele, quando incumbia ao Parlamento, e não ao órgão jurisdicional nacional, pronunciar-se sobre essa questão, formulando um juízo sobre o risco de um processo judicial entravar o exercício, pelo membro do Parlamento, das suas funções.

45

Resulta do artigo 10.o, último parágrafo, do protocolo, nos termos do qual a imunidade não pode obstar ao direito do Parlamento Europeu de levantar a imunidade de um dos seus membros, que o Parlamento é competente para decidir sobre um pedido de levantamento da imunidade de um deputado europeu. Os artigos 6.o e 7.o do Regimento do Parlamento completam aquele preceito, precisando as regras a que obedece o procedimento de levantamento da imunidade.

46

Ao invés, não há, nem no protocolo nem no Regimento do Parlamento, nenhuma regra que preveja que o Parlamento é a autoridade competente para apreciar a existência do privilégio previsto no artigo 8.o do protocolo.

47

Esclareça-se, além disso, que os artigos 8.o e 10.o do protocolo não têm o mesmo âmbito de aplicação.

48

O Tribunal de Justiça declarou que o artigo 8.o, primeiro parágrafo, do protocolo tem por efeito proibir os Estados-Membros de criarem, nomeadamente através das suas práticas em matéria de tributação, restrições administrativas à liberdade de deslocação dos membros do Parlamento (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1981, Bruce of Donington, 208/80, Recueil, p. 2205, n.o 14). Como essa disposição esclarece, o privilégio destina-se a garantir o exercício, pelos membros do Parlamento, da sua liberdade de se dirigir para e regressar do local de reunião do Parlamento.

49

Importa sublinhar, porém, que embora não sejam enumeradas taxativamente pelo artigo 8.o, primeiro parágrafo, do protocolo, que se refere às restrições administrativas «ou de qualquer outra natureza», essas restrições não incluem as resultantes de processos judiciais, uma vez que estas estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 10.o, que define o regime jurídico das imunidades, fora do âmbito específico dos votos ou opiniões emitidos pelos parlamentares no exercício das suas funções, previsto no artigo 9.o Com efeito, os processos judiciais são expressamente mencionados pelo artigo 10.o, primeiro parágrafo, alínea b), do protocolo entre as medidas de que o membro do Parlamento está isento no território de qualquer outro Estado-Membro diferente do seu, durante as sessões do Parlamento. Da mesma forma, segundo o artigo 10.o, primeiro parágrafo, alínea a), do protocolo, o membro do Parlamento beneficia, durante o mesmo período, no seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país, algumas das quais protegem os deputados aos Parlamentos nacionais dos processos judiciais de que possam ser alvo. Por último, o artigo 10.o, segundo parágrafo, prevê que os membros do Parlamento beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento. A existência dessa disposição, que, como o artigo 8.o, primeiro parágrafo, do protocolo, protege os membros do Parlamento contra as violações da sua liberdade de deslocação, confirma que as restrições mencionadas por esta última disposição não abrangem todas as violações possíveis da liberdade de deslocação dos membros do Parlamento e que, como revelam as disposições do artigo 10.o antes examinadas, se deve considerar que os processos judiciais estão abrangidos pelo regime jurídico instituído por este último artigo.

50

O artigo 10.o do protocolo visa, assim, assegurar a independência dos deputados, impedindo que pressões, consubstanciadas em ameaças de detenção ou de processos judiciais, sejam exercidas sobre eles durante as sessões do Parlamento (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Maio de 2000, Rothley e o./Parlamento, T-17/00 R, Colect., p. II-2085, n.o 90).

51

O artigo 8.o do protocolo tem por função proteger os membros do Parlamento contra as restrições, diferentes das judiciais, da sua liberdade de deslocação.

52

Uma vez que não foi alegado que os riscos de prejuízo para o exercício, por A. N. Mote, das suas funções de parlamentar consistiam em restrições de natureza diversa das resultantes do exercício da acção penal pelas autoridades judiciárias do seu Estado de origem, há que concluir que o Parlamento não cometeu nenhum erro de direito quando decidiu levantar a imunidade de A. N. Mote sem se pronunciar sobre o privilégio que lhe tinha sido concedido enquanto membro do Parlamento, nem decidir que o artigo 8.o tinha sido violado no caso vertente.

53

Resulta do exposto que este fundamento é improcedente.

Quanto à expressão de uma opinião pela Comissão dos Assuntos Jurídicos sobre a oportunidade da acção penal exercida em violação do Regimento do Parlamento e quanto à não tomada em consideração justa e completa dos factos e argumentos

Argumentos das partes

54

O fundamento invocado pelo recorrente divide-se em duas vertentes.

— Quanto à primeira vertente, relativa à violação do Regimento do Parlamento e à expressão de uma opinião sobre a oportunidade do exercício da acção penal

55

O recorrente alega que, por aplicação do artigo 7.o, n.o 7, do Regimento do Parlamento, a Comissão dos Assuntos Jurídicos não podia pronunciar-se no seu relatório sobre a oportunidade do processo penal contra ele instaurado. A violação dessa disposição afecta a regularidade da decisão impugnada. Acrescenta que a opinião expressa pelo Parlamento no mesmo relatório não contém qualquer referência às observações que aquele formulou a esse respeito.

56

O Parlamento objecta que o fundamento é manifestamente improcedente. Sublinha que a fundamentação incluída no relatório foi redigida sob a exclusiva responsabilidade do relator e que uma opinião expressa por este último não pode ser invocada para contestar a resolução aprovada pelo Parlamento. Em todo o caso, os qualificativos empregues pelo relator não se referem ao mérito do processo penal, mas sim à natureza da sua fundamentação.

— Quanto à segunda vertente, relativa à não consideração justa e completa dos factos e argumentos

57

O recorrente sustenta que nada no relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos indica que esta última, e portanto o Parlamento, tenha examinado efectiva e adequadamente os argumentos de mérito que o primeiro aduziu. Esta lacuna obsta ao direito do recorrente de conhecer as conclusões a que a Comissão dos Assuntos Jurídicos chegou, pelo que a decisão está ferida de nulidade.

58

O Parlamento entende que este fundamento é improcedente. Recorda que, de acordo com o disposto no artigo 7.o, n.o 3, do seu Regimento, A. N. Mote teve a possibilidade de se explicar perante a Comissão dos Assuntos Jurídicos, fazendo-se representar por outro membro do Parlamento, em 24 de Maio de 2005. Alega que a decisão impugnada refere expressamente essa audição no seu preâmbulo.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

— Quanto à primeira vertente do fundamento

59

A título preliminar, observe-se que, ao seguir a proposta que a Comissão dos Assuntos Jurídicos lhe fez, de levantar a imunidade de A. N. Mote, e ao referir, na decisão impugnada, o relatório daquela, sem manifestar reservas quanto ao conteúdo da fundamentação constante desse documento, o Parlamento fez sua a fundamentação do relatório. Daí resulta que há que considerar que a crítica formulada na primeira vertente do presente fundamento é dirigida contra a fundamentação da decisão impugnada.

60

O artigo 7.o, n.o 7, do Regimento do Parlamento prevê que «[a] [C]omissão [dos Assuntos Jurídicos] […] em nenhum caso poderá pronunciar-se sobre a culpabilidade ou não culpabilidade do [membro do Parlamento], nem sobre o facto de se justificar ou não processar penalmente o deputado pelas opiniões ou actos que lhe são atribuídos, ainda que o exame do pedido de levantamento da imunidade lhe proporcione um conhecimento aprofundado do assunto».

61

Há que verificar se a Comissão dos Assuntos Jurídicos, no seu relatório, tomou posição a favor da acção penal exercida e exprimiu uma opinião sobre a culpabilidade de A. N. Mote. No ponto II. 2 do relatório, o relator nota, em primeiro lugar, o carácter «circunstanciado» das acusações deduzidas contra o recorrente. Este juízo, que exprime a opinião do relator sobre o carácter suficientemente fundamentado do processo penal instaurado contra o recorrente, não pode ser equiparado a uma opinião sobre a sua culpabilidade ou sobre a oportunidade dessa acção penal. O mesmo vale, em seguida, no ponto II.3, para a constatação, puramente objectiva, pelo relator, da gravidade da infracção em causa, no Reino Unido e na maioria dos Estados-Membros. Quando afirmou, por último, no mesmo ponto, que «o processo penal parec[ia] bem encaminhado», o relator simplesmente observou que o processo estava numa fase avançada e deveria levar a um julgamento, sem formular um prognóstico sobre o resultado do processo.

62

Resulta do exposto que o artigo 7.o do Regimento do Parlamento não foi violado e que a primeira vertente deste fundamento é, por conseguinte, improcedente.

— Quanto à segunda vertente do fundamento

63

Os argumentos de mérito, que o recorrente sustenta não terem sido real ou adequadamente examinados pelo Parlamento, são os seguintes: o carácter tardio do processo penal instaurado contra ele, que tem por efeito prejudicar o bom funcionamento do Parlamento, em violação do artigo 10.o CE; a forma como as autoridades do Reino Unido trataram o pedido de levantamento da sua imunidade; a falta de clareza do pedido de levantamento da imunidade quanto à gravidade dos factos imputados e da oportunidade da instauração do processo penal; a possibilidade de o Parlamento levantar um privilégio.

64

Em primeiro lugar, quanto à não tomada em consideração do fundamento relativo ao atraso que afectou o processo penal instaurado pelas autoridades judiciárias nacionais contra A. N. Mote, esse atraso, segundo este afirma, entravou o exercício do seu mandato de deputado e, consequentemente, o funcionamento do Parlamento, provocando a violação, pelo Reino Unido, do princípio da cooperação leal, previsto no artigo 10.o CE.

65

Refira-se que, ao indicar que nada permitia duvidar das afirmações do Attorney General de que «as opiniões ou responsabilidades políticas de A. N. Mote não influenciavam de forma nenhuma o processo penal e […] o inquérito criminal [tinha sido] efectuado com a máxima celeridade possível» e que a Chichester Crown Court poderia ter apresentado um pedido de levantamento da imunidade caso tivesse «dúvidas sobre as intenções do procurador ou de qualquer outra parte (o que não é, obviamente, o caso)», o Parlamento afastou, implícita mas seguramente, o fundamento relativo ao atraso. Entendeu que na origem do exercício da acção penal não estava nenhuma intenção de entravar o exercício do mandato de deputado de A. N. Mote, baseando-se não só nas informações prestadas pelo Attorney General mas também na análise da Chichester Crown Court.

66

Acresce que não resulta dos argumentos aduzidos pelo recorrente perante a Comissão dos Assuntos Jurídicos que a duração do inquérito criminal e, por conseguinte, o atraso na chamada do recorrente ao juízos criminais sejam prova da intenção de prejudicar a sua actividade de parlamentar europeu. Com efeito, as observações de A. N. Mote respondiam às afirmações do Attorney General de que a duração do inquérito era imputável ao encobrimento de informações por parte do primeiro, nomeadamente no tocante a uma conta bancária na Ilha de Man, e à insuficiente colaboração do mesmo. A. N. Mote contestou que se tivesse recusado a cooperar com os investigadores e que tinha pretendido manter o silêncio, como os seus direitos de defesa lhe permitiam. Entendia, além disso, que os investigadores tinham dado provas de um atraso injustificável para interrogar o banco Barclays na Ilha de Man. Nenhum destes elementos é susceptível de provar qualquer intenção de prejudicar a sua actividade de parlamentar.

67

No que respeita, em segundo lugar, à atitude das autoridades do Reino Unido no tratamento do pedido de levantamento da imunidade, observe-se que o Parlamento indicou que não havia dúvida nenhuma de que o pedido tinha sido apresentado com observância de todas as formalidades. Desse modo, o Parlamento tomou em consideração os argumentos do recorrente relativos à forma como o pedido de levantamento da imunidade tinha sido tratado e deduziu daí que nenhum deles obstava ao exame desse pedido.

68

Em terceiro lugar, verifica-se que o Parlamento não tomou posição sobre os argumentos relativos à falta de clareza, inclusivamente quanto à oportunidade da instauração do processo penal, do pedido de levantamento da imunidade e à gravidade das infracções imputadas. O Parlamento absteve-se, pois, de formular qualquer juízo sobre a oportunidade da instauração do processo penal, que a apreciação dessa alegação requeria e, desse modo, deu cumprimento ao disposto no artigo 7.o, n.o 7, do seu Regimento.

69

Por último, quanto à alegação relativa à possibilidade que o Parlamento teria de levantar o privilégio instituído pelo artigo 8.o do protocolo, aquele não cometeu nenhum erro de direito, como se explicou nos n.os 44 a 52, supra, quando decidiu da imunidade de A. N. Mote sem se pronunciar sobre o privilégio que lhe foi concedido enquanto membro do Parlamento nem decidir que o artigo 8.o do protocolo tinha sido violado no caso vertente. Não tendo o Parlamento competência para levantar o privilégio previsto no artigo 8.o, não pode ser acusado de não ter levado em conta os argumentos desenvolvidos nesse sentido.

70

Resulta do exposto que não está demonstrado que a decisão impugnada não tenha levado real ou adequadamente em consideração os factos e argumentos invocados pelo recorrente.

71

Daqui se conclui que a segunda vertente do fundamento é improcedente.

Quanto à falta de fundamentação completa e adequada

Argumentos das partes

72

O recorrente sustenta que o Parlamento é obrigado a fundamentar uma decisão de levantamento da imunidade. A falta de fundamentação viola as exigências democráticas a que o Parlamento Europeu está sujeito por força do artigo 6.o UE, mas também por força do princípio da transparência das suas actividades, que consta do seu Regimento.

73

No caso vertente, o recorrente entende que o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos fornece a fundamentação da decisão impugnada, mas contesta que a mesma seja completa e adequada, porquanto nenhum dos argumentos avançados a favor da manutenção da sua imunidade foi examinado. Segundo afirma, a anterior jurisprudência do Parlamento em matéria de imunidade devia ter levado a uma fundamentação adequada, ao passo que a fundamentação fornecida não permite aos leitores da decisão compreender os motivos que levaram à sua adopção nem às partes apreciar a validade desta e, eventualmente, impugná-la.

74

O Parlamento alega que o fundamento é improcedente.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

75

Recorde-se que, nos termos do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve conter o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido. De acordo com jurisprudência assente, para que uma acção seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Ainda que o corpo da petição possa ser escorado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições atrás recordadas, devem constar da petição (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1992, Comissão/Dinamarca, C-52/90, Colect., p. I-2187, n.o 17; despachos do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Novembro de 1993, Koelman/Comissão, T-56/92, Colect., p. II-1267, n.o 21, e de 21 de Maio de 1999, Asia Motor France e o./Comissão, T-154/98, Colect., p. II-1703, n.o 49; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T-201/04, Colect., p. II-3601, n.o 94). Consequentemente, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os elementos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T-84/96, Colect., p. II-2081, n.o 34, e Microsoft/Comissão, já referido, n.o 94).

76

No caso vertente, o recorrente invoca a falta de fundamentação completa e adequada da decisão impugnada sem indicar os pontos em que, no seu entender, a fundamentação é deficiente. Na petição, o recorrente limita-se a recordar a necessidade de um organismo democrático moderno fundamentar as suas decisões de forma completa e adequada e de examinar todas as questões levantadas, bem como a importância dessa fundamentação. A. N. Mote não esclarece quais os elementos de direito e de facto que, no seu entender, careciam de desenvolvimentos complementares por parte do Parlamento. A única objecção precisa refere-se à expressão de opiniões ao arrepio do artigo 7.o, n.o 7, do Regimento do Parlamento, que é objecto da primeira vertente do segundo fundamento, julgada improcedente no presente acórdão.

77

Resulta do exposto que há que julgar inadmissível este fundamento.

Quanto ao carácter desrazoável e desproporcionado da decisão

Argumentos das partes

78

O recorrente sustenta que os argumentos que aduziu contra o levantamento da imunidade deviam ter conduzido o Parlamento a tomar uma decisão razoável e proporcionada e, portanto, a recusar o levantamento da imunidade. O recorrente remete para os argumentos constantes do articulado anexo à petição, indicando que os mesmos não são reproduzidos integralmente.

79

O recorrente alega que, na falta de um motivo que justifique a rejeição do argumento relativo ao atraso, nenhum órgão decisório podia razoavelmente levantar a imunidade e que o Parlamento devia ter recusado o levantamento do privilégio ou da imunidade.

80

Suscita a questão do poder do Parlamento de levantar um privilégio, mais do que levantar uma imunidade, dado o silêncio do seu Regimento sobre o levantamento de um privilégio.

81

O recorrente sublinha que um exame completo e pertinente dos seus argumentos não teria levado o Parlamento a levantar a sua imunidade e remete para o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos no processo Sichrowsky para sustentar que o Parlamento aplica uma presunção desse tipo na situação de fumus persecutionis.

82

O recorrente insiste no carácter tardio do processo penal instaurado contra ele, que perturba as actividades do Parlamento e infringe o princípio da cooperação leal entre as instituições comunitárias e os Estados-Membros. Explica que pretendia ter tomado conhecimento da análise do Parlamento sobre essa questão.

83

Por último, na réplica, alega que a Comissão dos Assuntos Jurídicos não examinou os pedidos de informação complementar formulados no seu articulado.

84

O Parlamento entende que o fundamento carece de base.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

85

Quanto ao fundamento relativo à não apreciação dos pedidos de informação complementar formulados no articulado, fundamento esse aduzido na fase da réplica, recorde-se que resulta das disposições conjugadas do artigo 44.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 48.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância que a petição deve indicar o objecto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos do pedido e que é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. No entanto, um fundamento que constitua uma ampliação de um fundamento deduzido anteriormente, directa ou tacitamente, na petição e que apresente um nexo estreito com este deve ser considerado admissível (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Setembro de 1990, Hanning/Parlamento, T-37/89, Colect., p. II-463, n.o 38). Solução análoga se impõe em relação a uma alegação feita em apoio de um fundamento (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Março de 2002, Joynson/Comissão, T-231/99, Colect., p. II-2085, n.o 156).

86

No caso vertente, o recorrente aduz pela primeira vez na réplica a alegação relativa à não apreciação, pela Comissão dos Assuntos Jurídicos, dos seus requerimentos ou questões destinados a obter informações mais amplas. Não se pode considerar que esta alegação, dirigida especificamente contra a instrução do pedido de levantamento da imunidade pela Comissão dos Assuntos Jurídicos e não contra a apreciação dos elementos que deviam ter sido levados em conta pelo Parlamento na adopção da decisão impugnada, constitua uma ampliação das alegações feitas na petição.

87

Por conseguinte, há que julgá-la inadmissível.

88

Quanto à alegação de que os argumentos aduzidos no articulado deviam ter levado o Parlamento a tomar uma decisão razoável e proporcionada e a recusar o levantamento da imunidade, verifica-se que esses argumentos não estão expostos na petição e que o recorrente convida a consultar esse articulado, que é apresentado em anexo. De acordo com a jurisprudência assente mencionada no n.o 75, supra, não compete ao Tribunal de Primeira Instância procurar e identificar, nos anexos, os elementos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso.

89

Por conseguinte, há que julgar inadmissível esta alegação, excepto na parte em que é dirigida ao atraso das autoridades judiciárias nacionais. Porém, como o Tribunal de Primeira Instância já apreciou este último argumento, nos n.os 64 a 66, supra, há que julgá-la improcedente.

90

Resulta de todo o exposto que há que julgar este fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente e negar provimento ao recurso.

Quanto às despesas

91

Por força do disposto no artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente sido vencido, há que condená-lo nas despesas, conforme foi pedido pelo Parlamento.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Sétima Secção)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

Ashley Neil Mote é condenado a suportar as suas próprias despesas e as do Parlamento.

 

Forwood

Šváby

Truchot

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Outubro de 2008.

O secretário

E. Coulon

O presidente

N. J. Forwood


( *1 ) Língua do processo: inglês.