Processo C‑430/05

Ntionik Anonymi Etaireia Emporias H/Y, Logismikou kai Parochis Ypiresion Michanografisis

e

Ioannis Michail Pikoulas

contra

Epitropi Kefalaiagoras

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias)

«Directiva 2001/34/CE – Artigo 21.° – Admissão de valores mobiliários à cotação oficial – Prospecto – Publicação de informações inexactas – Pessoas responsáveis – Membros do conselho de administração»

Sumário do acórdão

Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Sociedades – Directiva 2001/34 – Admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores

(Directiva 2001/34 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 21.º)

O artigo 21.° da Directiva 2001/34, relativa à admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores e à informação a publicar sobre esses valores, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de as informações que figuram no prospecto publicado para efeitos da admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores serem inexactas ou enganosas, não se opõe a que o legislador nacional preveja a aplicação de sanções administrativas não apenas contra as pessoas expressamente indicadas como responsáveis nesse prospecto mas também contra o emitente dos referidos valores mobiliários e ainda, indistintamente, contra os membros do conselho de administração desse emitente, independentemente de estes últimos terem sido designados como responsáveis no referido prospecto.

Com efeito, uma vez que a directiva não prevê expressamente um sistema de sanções aplicáveis às pessoas responsáveis pelo prospecto, os Estados‑Membros são competentes para escolher as sanções que lhes parecerem adequadas. Todavia, estão obrigados a exercer essa competência no respeito do direito comunitário e dos seus princípios gerais e, por conseguinte, no respeito do princípio da proporcionalidade.

A este respeito, um sistema de sanções civis, penais ou administrativas instituído a nível nacional relativamente às pessoas acima indicadas não contraria o objectivo da referida directiva de garantir, nomeadamente, uma informação adequada dos investidores se for proporcionado à gravidade da infracção que consiste em fornecer informações inexactas ou enganosas no referido prospecto.

(cf. n.os 50, 52‑53, 55‑56, disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

5 de Julho de 2007 (*)

«Directiva 2001/34/CE – Artigo 21.° – Admissão de valores mobiliários à cotação oficial – Prospecto – Publicação de informações inexactas – Pessoas responsáveis – Membros do conselho de administração»

No processoC‑430/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias (Grécia), por decisão de 31 de Agosto de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Dezembro de 2005, no processo

Ntionik Anonymi Etaireia Emporias H/Y, Logismikou kai Paroxis Ypiresion Michanografisis,

Ioannis Michail Pikoulas

contra

Epitropi Kefalaiagoras,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, R. Schintgen, A. Tizzano, A. Borg Barthet e M. Ilešič (relator), juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Janeiro de 2007,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Ntionik Anonymi Etaireia Emporias H/Y, Logismikou kai Paroxis Ypiresion Michanografisis, por G. Krimizis e M. Grigoriou Tou Nikolaou, dikigoroi,

–        em representação do Governo grego, por K. Georgiadis e M. Papida, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo português, por L. Fernandes e A. Seiça Neves, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Maidani e G. Zavvos, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 8 de Março de 2007,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 21.° da Directiva 2001/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Maio de 2001, relativa à admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores e à informação a publicar sobre esses valores (JO L 184, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de recursos interpostos perante o Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado) pela Ntionik Anonymi Etaireia Emporias H/Y, Logismikou kai Paroxis Ypiresion Michanografisis (a seguir «Ntionik AE»), sociedade de direito grego, e por I. M. Pikoulas, membro do conselho de administração desta sociedade, contra a Epitropi Kefalaiagoras (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a seguir «CMVM»), a respeito das coimas que esta última lhes aplicou em virtude das inexactidões de determinadas informações contidas num prospecto publicado por ocasião do aumento de capital da referida sociedade.

 Quadro jurídico

 Directiva 2001/34

3        A Directiva 2001/34 codifica as seguintes quatro directivas:

–        a Directiva 79/279/CEE do Conselho, de 5 de Março de 1979, relativa à coordenação das condições de admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores (JO L 66, p. 21; EE 06 F2 p. 77);

–        a Directiva 80/390/CEE do Conselho, de 17 de Março de 1980, relativa à coordenação das condições de conteúdo, de controlo e de difusão do prospecto a ser publicado para a admissão à cotação oficial de valores mobiliários numa bolsa de valores (JO L 100, p. 1; EE 06 F2 p. 103);

–        a Directiva 82/121/CEE do Conselho, de 15 de Fevereiro de 1982, relativa à informação periódica a publicar pelas sociedades cujas acções são admitidas à cotação oficial de uma bolsa de valores (JO L 48, p. 26; EE 06 F2 p. 133); e

–        a Directiva 88/627/CEE do Conselho, de 12 de Dezembro de 1988, relativa às informações a publicar por ocasião da aquisição ou alienação de uma participação importante numa sociedade cotada na bolsa (JO L 348, p. 62).

4        O quinto, décimo primeiro e trigésimo primeiro considerandos da Directiva 2001/34 têm a seguinte redacção:

«(5)      Numa primeira fase, é conveniente que a coordenação dos termos de admissão de valores mobiliários à cotação oficial seja suficientemente flexível para permitir ter em conta as diferenças actualmente existentes entre as estruturas dos mercados de valores mobiliários dos Estados‑Membros, bem como para permitir que os Estados‑Membros tenham em conta as situações especiais perante as quais serão confrontados.

[…]

(11)      É conveniente eliminar estas divergências [entre as garantias exigidas pela maior parte dos Estados‑Membros no que respeita tanto ao conteúdo e à apresentação do prospecto como à eficácia, às modalidades e ao momento do controlo da informação prestada] coordenando as regulamentações sem necessariamente as uniformizar na sua totalidade, a fim de tornar o mais possível equivalentes as garantias exigidas por cada Estado‑Membro, de modo a assegurar uma informação adequada e tão objectiva quanto possível dos possuidores actuais e potenciais desses valores mobiliários.

[…]

(31)      Uma política de informação adequada dos investidores no sector dos valores mobiliários é susceptível de melhorar a sua protecção, de reforçar a sua confiança nos mercados desses valores e de assegurar assim o seu bom funcionamento.»

5        O artigo 20.° desta directiva enuncia:

«Os Estados‑Membros assegurarão que a admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores, que se situe ou funcione no seu território, esteja subordinada à publicação de uma nota informativa, a seguir denominada ‘prospecto’, de acordo com o capítulo I do título V.»

6        O artigo 21.° da referida directiva dispõe:

«1.      O prospecto deve conter as informações que, de acordo com as características do emitente e dos valores mobiliários cuja admissão à cotação oficial é requerida, são necessárias para que os investidores e os seus consultores financeiros possam ter um conhecimento profundo do património, da situação financeira, dos resultados e perspectivas do emitente, bem como dos direitos ligados a esses valores mobiliários.

2.      Os Estados‑Membros assegurarão que a obrigação referida no n.° 1 incumba aos responsáveis pelos prospectos mencionados nos esquemas A e B, pontos 1.1, que figuram no anexo I.»

7        O artigo 22.°, n.° 1, da mesma directiva prevê:

«Sem prejuízo da obrigação estabelecida no artigo 21.°, os Estados‑Membros assegurarão que, sob reserva das faculdades de excepção previstas nos artigos 23.° e 24.°, o prospecto contenha, com base numa apresentação que permita uma análise e compreensão tão fáceis quanto possível, pelo menos as informações previstas pelos esquemas A, B, ou C do anexo I, conforme se trate, respectivamente, de acções, obrigações ou certificados representativos de acções.»

8        O artigo 23.° da Directiva 2001/34 enuncia:

«Sem prejuízo do n.° 1 do artigo 39.°, os Estados‑Membros podem autorizar as autoridades competentes encarregadas do controlo do prospecto, em conformidade com a presente directiva, a preverem a dispensa parcial ou total da obrigação de publicar o prospecto nos casos seguintes:

1)      Quando os valores mobiliários, cuja admissão à cotação oficial é requerida, são:

a) Valores que foram objecto de uma emissão pública […]

[...]»

9        O artigo 64.° desta directiva prevê:

«Sem prejuízo do n.° 2 do artigo 49.°, em caso de nova emissão pública de acções de uma mesma categoria que aquelas já admitidas à cotação oficial, a sociedade é obrigada, sempre que não haja admissão automática destas novas acções, a solicitar a sua admissão à cotação, seja, o mais tardar, no prazo de um ano depois da sua emissão, seja no momento em que se tornem livremente negociáveis.»

10      O artigo 100.° da referida directiva dispõe:

«Qualquer facto novo que seja significativo e que possa influenciar a avaliação dos valores mobiliários e que ocorra entre o momento em que o conteúdo do prospecto está estabelecido e o momento em que a cotação oficial se torna efectiva, deve ser objecto de um suplemento ao prospecto, controlado nas mesmas condições que este e publicado segundo as modalidades que forem fixadas pelas autoridades competentes.»

11      O anexo I da Directiva 2001/34 comporta uma série de disposições relativas aos esquemas de prospectos para a admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores. Os esquemas A e B respeitam, respectivamente, à admissão de acções e à admissão de obrigações. Inserido no capítulo 1 desses esquemas A e B, intitulado «Informações relativas aos responsáveis do prospecto e à revisão de contas», o ponto 1.1 impõe que se mencionem as seguintes informações:

«Nome e funções das pessoas singulares ou firma e sede das pessoas colectivas que assumem a responsabilidade do prospecto ou, se for caso disso, de partes deste, especificando neste caso as respectivas partes.»

 Directiva 2003/71/CE

12      O artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa ao prospecto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e que altera a Directiva 2001/34 (JO L 345, p. 64), dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no n.° 2 do artigo 8.°, o prospecto deve conter todas as informações que, em função das características específicas do emitente e dos valores mobiliários que são objecto de oferta ao público ou de admissão à negociação num mercado regulamentado, sejam necessárias para que os investidores possam efectuar uma avaliação informada do activo e do passivo, da situação financeira e dos resultados e perspectivas do emitente e de um eventual garante e dos direitos inerentes a esses valores mobiliários. Esta informação deve ser apresentada de uma forma que facilite a sua análise e compreensão.»

13      O artigo 6.° desta directiva, intitulado «Responsabilidade inerente ao prospecto», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que a responsabilidade pela informação prestada num prospecto incumba, pelo menos, ao emitente ou aos seus órgãos de administração, direcção ou fiscalização, ao oferente, à pessoa que solicita a admissão à negociação num mercado regulamentado ou ao garante, consoante o caso. O prospecto deve identificar claramente as pessoas responsáveis, com a indicação dos respectivos nomes e funções ou, no caso das pessoas colectivas, das respectivas denominações e sede estatutária, devendo conter declarações efectuadas pelos mesmos que atestem que, tanto quanto é do seu conhecimento, a informação constante do prospecto est[á] de acordo com os factos e que não existem omissões susceptíveis de alterar o seu alcance.

2.      Os Estados‑Membros devem assegurar que as suas disposições legislativas, regulamentares e administrativas em matéria de responsabilidade civil sejam aplicáveis às pessoas responsáveis pela informação fornecida num prospecto.

No entanto, os Estados‑Membros devem garantir que ninguém possa ser tido por civilmente responsável meramente com base no sumário, ou em qualquer tradução deste, salvo se o mesmo contiver menções enganosas, inexactas ou incoerentes quando lido em conjunto com as outras partes do prospecto.»

14      O artigo 25.° da referida directiva, intitulado «Sanções», enuncia:

«1.      Sem prejuízo do direito de imporem sanções penais ou do regime de responsabilidade civil neles vigente, os Estados‑Membros devem assegurar, em conformidade com o seu direito nacional, que possam ser tomadas medidas administrativas adequadas ou impostas sanções administrativas contra as pessoas responsáveis, em caso de incumprimento das disposições aprovadas em execução da presente directiva. Os Estados‑Membros devem assegurar que estas medidas sejam efectivas, proporcionadas e dissuasivas.

2.      Os Estados‑Membros devem atribuir à autoridade competente a faculdade de divulgar ao público qualquer medida ou sanção que tenha sido imposta em caso de incumprimento às disposições aprovadas ao abrigo da presente directiva, excepto se essa divulgação puder afectar seriamente os mercados financeiros ou provocar danos desproporcionados às partes envolvidas.»

 Direito nacional

 Lei 1969/1991

15      O artigo 72.°, n.° 2, da Lei 1969/1991 (FEK A’ 167), na redacção dada pelo artigo 96.°, n.° 1, da Lei 2533/1997 (FEK A’ 228, a seguir «Lei 1969/1991»), dispõe:

«A [CMVM] aplicará uma coima até quinhentos milhões (500 000 000) GRD às pessoas singulares ou colectivas que publiquem ou difundam por qualquer meio informações inexactas ou enganosas relativas a valores mobiliários que estejam em vias de ser ou já tenham sido admitidos à cotação numa bolsa oficial e que, pela sua natureza, sejam aptas a influenciar o preço ou as transacções desses valores mobiliários. […] A presente disposição aplica‑se igualmente aos membros do conselho de administração das sociedades que peçam a admissão das suas acções à cotação oficial numa bolsa autorizada, quando as informações inexactas ou enganosas estejam contidas no prospecto exigido para admissão na bolsa ou sejam publicadas ou propagadas por qualquer meio.»

16      O artigo 76.°, n.° 10, da Lei 1969/1991 dispõe:

«Sem prejuízo das disposições penais aplicáveis, a [CMVM] tem competência para aplicar coimas até ao montante de cem milhões (100 000 000) GRD e, em caso de reincidência, até duzentos milhões (200 000 000) GRD, a pessoas singulares ou colectivas que violem as disposições legais sobre o mercado de capitais ou as decisões regulamentares do Ministro da Economia Nacional ou da [CMVM].»

 Decreto presidencial 348/1985

17      Resulta do artigo 1.° do Decreto presidencial 348/1985 (FEK A’ 125), na redacção dada pela Lei 2651/1998 (FEK A’ 248, a seguir «Decreto presidencial 348/1985»), que o mesmo tem como objectivo a adequação da legislação relativa às bolsas de valores às disposições da Directiva 80/390, na redacção dada pela Directiva 94/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 1994 (JO L 135, p. 1).

18      Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, do referido decreto, este diz respeito aos valores mobiliários relativamente aos quais seja apresentado um pedido de admissão à cotação na Bolsa de Valores de Atenas.

19      O artigo 3.°, alínea a), do Decreto presidencial 348/1985 precisa que por «valores mobiliários» se deve entender, nomeadamente, as acções.

20      O artigo 4.°, n.° 1, deste decreto prevê que a publicação do prospecto previamente aprovado pela CMVM da Bolsa de Valores de Atenas constitui um pressuposto da admissão dos valores mobiliários à cotação oficial nessa bolsa.

21      O artigo 5.° do Decreto presidencial 348/1985 dispõe:

«1.      O prospecto deve indicar os elementos necessários, de acordo com as características do emitente e dos valores mobiliários cuja admissão à cotização oficial na bolsa é pedida, para que aqueles que realizam investimentos e os seus consultores possam avaliar o património, a situação económico‑financeira, os resultados e as perspectivas do emitente, bem como os direitos que estão incorporados nesses valores mobiliários.

2.      As obrigações enumeradas no n.° 1 ficam a cargo dos responsáveis pelo prospecto referidos no ponto 1.1 dos anexos A e B.»

22      O artigo 24.° deste decreto prevê:

«Qualquer facto novo que possa influenciar a avaliação dos valores mobiliários que ocorra entre o momento em que é elaborado o prospecto e aquele em que a transacção oficial dos valores em bolsa se torne efectiva deve ser objecto de um suplemento ao prospecto, submetido às mesmas condições do prospecto e publicado em conformidade com o artigo 21.° do presente decreto presidencial.»

23      Nos termos do artigo 26.° do mesmo decreto:

«O presente decreto tem três anexos (A, B, C) que dele fazem parte integrante e que são os seguintes: Anexo A – Esquema de prospecto para a admissão de acções à cotação oficial na Bolsa de Valores de Atenas – Capítulo 1. Informações relativas aos responsáveis pelo prospecto e à revisão de contas. 1.1. Nomes e qualidades em que intervêm as pessoas singulares ou denominações e sedes das pessoas colectivas que assumem a responsabilidade pelo prospecto ou, eventualmente, por algumas partes dele e neste caso, indicação dessas partes. […]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

24      A Ntionik AE, sociedade cujas acções estão admitidas à cotação oficial do mercado paralelo da Bolsa de Valores de Atenas, procedeu, entre 20 de Fevereiro e 20 de Março de 2001, a um aumento do seu capital social. Para esse efeito, a Ntionik AE requereu ao conselho de administração da Bolsa de Valores de Atenas a aprovação desse aumento de capital social e do prospecto elaborado para esse fim.

25      Esse prospecto continha informação relativa à evolução recente e às perspectivas da Ntionik AE relativamente ao exercício de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2000, então em curso, assim como avaliações respeitantes ao desenvolvimento das vendas e dos resultados dessa sociedade durante esse exercício.

26      O capítulo 4 do referido prospecto, relativo às informações sobre a sua redacção e aos revisores de contas da sociedade, designa o presidente do conselho de administração e o administrador‑delegado da Ntionik AE como responsáveis pela redacção e a exactidão das informações contidas nesse prospecto.

27      O conselho de administração da Bolsa de Valores de Atenas aprovou, por decisão de 8 de Fevereiro de 2001, o aumento de capital da Ntionik AE e o prospecto elaborado para esse efeito.

28      Antes de esse prospecto ter sido aprovado, a Ntionik AE tinha elaborado uma síntese das contas anuais referentes ao exercício financeiro de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2000, que foi publicada na imprensa em 28 de Fevereiro de 2001.

29      Ao proceder posteriormente à verificação das previsões que tinham sido expostas no referido prospecto, a direcção de supervisão e controlo da CMVM verificou que existiam importantes divergências entre os elementos de apreciação relativos aos resultados do exercício de 2000 contidos nesse prospecto e os resultados do mesmo exercício tal como figuravam na síntese das contas anuais publicada na imprensa em 28 de Fevereiro de 2001.

30      Após ter obtido certas explicações da Ntionik AE, a CMVM, por considerar que a sociedade tinha provavelmente violado as disposições da Lei 1969/1991 e do artigo 24.° do Decreto presidencial 348/1985, convidou‑a a pronunciar‑se sobre o assunto. Este convite foi igualmente dirigido a I. M. Pikoulas, membro do conselho de administração da Ntionik AE, que não tinha sido, porém, designado no prospecto controvertido como responsável pela exactidão das informações contidas no mesmo.

31      Por decisões de 27 de Junho de 2002, a CMVM aplicou uma coima global de 90 000 euros à Ntionik AE, por violação do artigo 24.° do Decreto presidencial 348/1985 e do artigo 72.°, n.° 2, da Lei 1969/1991, e uma coima de 60 000 euros a cada um dos membros do conselho de administração, por violação do artigo 72.°, n.° 2, da Lei 1969/1991.

32      Nestas decisões, a CMVM declarou que o prospecto controvertido continha informações inexactas e enganadoras quanto aos resultados do exercício de 2000, em particular, no que respeita aos lucros antes de impostos e encargos financeiros, em relação aos quais assinalava a existência de divergências que ultrapassavam os 40%.

33      A CMVM também considerou que, aquando da publicação desse prospecto, a Ntionik AE e os membros do seu conselho de administração já sabiam que a estimativa dos resultados para o exercício de 2000, contida no referido prospecto, divergia de forma significativa dos resultados efectivamente atingidos.

34      A CMVM observou igualmente que as medidas tomadas pela Ntionik AE, a saber, a publicação da síntese das contas anuais em Fevereiro de 2001 e a informação fornecida aos potenciais investidores, por intermédio da Panellinios Syllogos Ependyton Chrimatistiriou Athinon (Associação pan‑helénica dos investidores da Bolsa de Valores de Atenas), e aos seus accionistas, não estavam em conformidade com o artigo 24.° do Decreto presidencial 348/1985, que prevê a publicação de um suplemento ao prospecto, em caso de verificação de factos novos que possam influenciar a avaliação dos valores mobiliários.

35      A Ntionik AE e I. M. Pikoulas interpuseram recursos para o Symvoulio tis Epikrateias destinados à anulação das decisões da CMVM de 27 de Junho de 2002.

36      Nestas condições, o Symvoulio tis Epikrateias decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«À luz […] do artigo 21.° da Directiva [2001/34], no caso de as informações que figuram no prospecto serem inexactas ou enganosas, o legislador nacional pode prever a aplicação de sanções administrativas não apenas contra as pessoas expressamente indicadas como responsáveis nesse prospecto mas também contra o emitente dos valores mobiliários que vão ser admitidos à cotação oficial e ainda, indistintamente, contra os membros do seu conselho de administração, independentemente de estes terem sido ou não designados como responsáveis na acepção acima referida?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

37      O Governo italiano alega que o aumento de capital da Ntionik AE não estava sujeito à elaboração e à apresentação de um prospecto e que, por conseguinte, os factos no processo principal não se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 2001/34.

38      Assim, uma vez que não está claramente estabelecido se as normas alegadamente violadas são exclusivamente nacionais ou, pelo contrário, de origem comunitária, o Governo italiano considera que a questão prejudicial é hipotética e deve ser julgada inadmissível.

39      A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 23.° da Directiva 2001/34, os Estados‑Membros podem autorizar as autoridades competentes encarregadas do controlo dos prospectos, em conformidade com a referida directiva, a preverem a dispensa parcial ou total da obrigação de publicar o prospecto em determinados casos precisos. Entre estes casos, figura a hipótese prevista no artigo 23.°, n.° 1, alínea a), desta directiva, evocada na audiência pela Comissão. O referido artigo 23.° confere, contudo, aos Estados‑Membros uma margem de apreciação relativamente à aplicação dessa dispensa.

40      Neste contexto, o artigo 64.° da Directiva 2001/34 prevê, no entanto, que, sempre que não haja admissão automática de acções de uma mesma categoria novamente emitidas à cotação, o emitente é obrigado requerê‑la.

41      No caso vertente, não resulta, porém, das circunstâncias do processo principal, conforme foram apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a Ntionik AE se encontrava numa das situações de dispensa de publicação do prospecto previstas no artigo 23.° da Directiva 2001/34.

42      Além disso, a Ntionik AE confirmou na audiência que as acções emitidas no âmbito do aumento de capital não tinham sido automaticamente admitidas à cotação, na acepção do artigo 64.° da Directiva 2001/34, que a aquisição das acções estava aberta ao público, sem prejuízo dos direitos de preferência dos accionistas existentes, e que o ponto 1.1 do esquema A da referida directiva era, consequentemente, aplicável.

43      Assim, há que julgar improcedente a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Governo italiano.

 Quanto ao mérito

44      A título liminar, há que observar que resulta do quinto, décimo primeiro e trigésimo primeiro considerandos da Directiva 2001/34 que a mesma tem por objectivo, nomeadamente, garantir uma informação adequada dos investidores no sector dos valores mobiliários a fim de melhorar a sua protecção, reforçar a sua confiança nos mercados desses valores e assegurar assim o funcionamento destes, sem que, porém, as legislações nacionais sejam necessariamente objecto de uma harmonização completa.

45      Consequentemente, como sublinhou a advogada‑geral no n.° 32 das suas conclusões, a Directiva 2001/34 não tem por objectivo atingir um elevado grau de harmonização das legislações nacionais no sector em causa.

46      Por conseguinte, os Estados‑Membros têm a liberdade de estabelecer requisitos suplementares ou mais estritos para a admissão de valores mobiliários à cotação, desde que esse regime esteja em conformidade com os objectivos da referida directiva.

47      Daqui decorre que o legislador nacional pode instituir um regime de responsabilidade relativamente às pessoas expressamente indicadas no prospecto publicado para efeitos dessa admissão e a outras categorias de pessoas, mesmo no caso de estas últimas não estarem expressamente indicadas no prospecto, desde que esse regime esteja em conformidade com os objectivos da Directiva 2001/34.

48      Neste contexto, há que recordar que o artigo 21.°, n.° 1, desta directiva prevê que o prospecto deve conter as informações que são necessárias para que os investidores possam ter um conhecimento profundo do património, da situação financeira, dos resultados e perspectivas do emitente, bem como dos direitos ligados aos valores mobiliários cuja admissão à cotação é requerida.

49      O n.° 2 do mesmo artigo precisa que os Estados‑Membros devem assegurar que essa obrigação incumbe às pessoas mencionadas no ponto 1.1 dos esquemas A e B que constam do anexo I da referida directiva. Estes esquemas prevêem unicamente a referência a pessoas singulares ou colectivas que assumem a responsabilidade do prospecto ou de uma parte do mesmo.

50      Tendo em conta o objectivo da Directiva 2001/34 de garantir, nomeadamente, uma informação adequada dos investidores, a identificação das pessoas responsáveis pelas informações do prospecto necessárias aos investidores, como está prevista no artigo 21.°, em conjugação com os esquemas A e B do anexo I desta directiva, não pode ser considerada taxativa, no sentido de que a responsabilidade quanto à exactidão das informações contidas nesse prospecto só possa incumbir às pessoas singulares ou colectivas nele mencionadas, independentemente da realidade económica e organizacional da emissão.

51      Com efeito, não se pode excluir que o prospecto publicado para efeitos da admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores não mencione a identidade de determinadas pessoas, singulares ou colectivas, responsáveis pela gestão do emitente ou capazes de elaborar e de avaliar os dados relativos ao património, à situação financeira, aos resultados e às perspectivas desse emitente, bem como de determinar os direitos associados aos referidos valores. Por conseguinte, não se pode obstar à vontade das autoridades competentes de prever a responsabilidade dessas pessoas pelas informações inexactas ou enganosas contidas no referido prospecto.

52      Há que acrescentar que a Directiva 2001/34 não prevê expressamente um sistema de sanções aplicáveis às pessoas responsáveis pelo prospecto. Com efeito, a obrigação de os Estados‑Membros preverem sanções administrativas contra os emitentes e outras pessoas responsáveis pelo prospecto só foi estabelecida pelo artigo 25.° da Directiva 2003/71, sendo esta última posterior aos factos no processo principal e, por conseguinte, não aplicável a este.

53      Nestas condições, convém recordar que, não existindo harmonização da legislação comunitária no domínio das sanções aplicáveis em caso de inobservância das condições previstas por um regime instituído por essa legislação, os Estados‑Membros são competentes para escolher as sanções que lhes parecem adequadas. Todavia, estão obrigados a exercer essa competência no respeito do direito comunitário e dos seus princípios gerais e, por conseguinte, no respeito do princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, acórdãos de 21 de Setembro de 1989, Comissão/Grécia, 68/88, Colect., p. 2965, n.° 23; de 16 de Dezembro de 1992, Comissão/Grécia, C‑210/91, Colect., p. I‑6735, n.° 19; e de 26 de Outubro de 1995, Siesse, C‑36/94, Colect., p. I‑3573, n.° 21).

54      Em particular, as medidas administrativas ou repressivas não devem ultrapassar o âmbito do que for estritamente necessário aos objectivos prosseguidos e uma sanção não deve ser de tal forma desproporcionada em relação à gravidade da infracção que se torne um entrave às liberdades consagradas no Tratado CE (acórdão de 16 de Dezembro de 1992, Comissão/Grécia, já referido, n.° 20). Compete, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz das considerações precedentes, se as sanções previstas pela legislação nacional aplicável são proporcionadas.

55      Quanto à obrigação de fornecer informações adequadas e reais aos investidores enunciada na Directiva 2001/34, há que observar que um sistema de sanções civis, penais ou administrativas instituído a nível nacional relativamente às pessoas expressamente indicadas no prospecto, ao emitente e aos membros do seu conselho de administração, independentemente de estes últimos terem sido ou não designados como responsáveis nesse prospecto, não contraria o objectivo da referida directiva se for proporcionado à gravidade da infracção que consiste em fornecer informações inexactas ou enganosas no referido prospecto.

56      Tendo em conta as considerações expostas, há que responder à questão prejudicial que o artigo 21.° da Directiva 2001/34 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de as informações que figuram no prospecto publicado para efeitos da admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores serem inexactas ou enganosas, não se opõe a que o legislador nacional preveja a aplicação de sanções administrativas não apenas contra as pessoas expressamente indicadas como responsáveis nesse prospecto mas também contra o emitente dos referidos valores e ainda, indistintamente, contra os membros do conselho de administração desse emitente, independentemente de estes últimos terem sido designados como responsáveis no referido prospecto.

 Quanto às despesas

57      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 21.° da Directiva 2001/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Maio de 2001, relativa à admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores e à informação a publicar sobre esses valores, deve ser interpretado no sentido de que, no caso de as informações que figuram no prospecto publicado para efeitos da admissão de valores mobiliários à cotação oficial de uma bolsa de valores serem inexactas ou enganosas, não se opõe a que o legislador nacional preveja a aplicação de sanções administrativas não apenas contra as pessoas expressamente indicadas como responsáveis nesse prospecto mas também contra o emitente dos referidos valores mobiliários e ainda, indistintamente, contra os membros do conselho de administração desse emitente, independentemente de estes últimos terem sido designados como responsáveis no referido prospecto.

Assinaturas


* Língua do processo: grego.