ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
15 de Dezembro de 2009 ( *1 )
«Incumprimento de Estado — Importação de material destinado tanto a utilização civil como militar com isenção de direitos aduaneiros»
No processo C-387/05,
que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.o CE, entrada em 21 de Outubro de 2005,
Comissão Europeia, representada por G. Wilms, L. Visaggio e C. Cattabriga, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. De Bellis, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandada,
apoiada por:
Reino da Dinamarca, representado por J. Bering Liisberg, na qualidade de agente,
República Helénica, representada por E.-M. Mamouna, A. Samoni-Rantou e K. Boskovits, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
República Portuguesa, representada por C. Guerra Santos, L. Inez Fernandes e J. Gomes, na qualidade de agentes,
República da Finlândia, representada por A. Guimares-Purokoski, na qualidade de agente,
intervenientes,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),
composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, E. Levits e C. Toader, presidentes de secção, C. W. A. Timmermans, A. Borg Barthet (relator), M. Ilešič, J. Malenovský e U. Lõhmus, juízes,
advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
secretário: M. Ferreira, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 25 de Novembro de 2008,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 10 de Fevereiro de 2009,
profere o presente
Acórdão
1 |
Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede que o Tribunal de Justiça declare que, tendo unilateralmente isentado de direitos aduaneiros a importação de material susceptível de ser utilizado para fins tanto civis como militares, durante o período decorrente de 1 de Janeiro de 1999 a 31 de Dezembro de 2002, e tendo-se recusado a calcular e a pagar os recursos próprios não cobrados em razão dessa isenção, bem como os juros de mora exigíveis por não ter posto à disposição da Comissão estes recursos próprios no prazo devido, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força, por um lado, do artigo 26.o CE, do artigo 20.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «Código Aduaneiro Comunitário»), e, consequentemente, da pauta aduaneira comum e, por outro, dos artigos 2.o, 9.o, 10.o e 17.o, n.o 1, do Regulamento (CEE, Euratom) n.o 1552/89 do Conselho, de 29 de Maio de 1989, relativo à aplicação da Decisão 88/376/CEE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (JO L 155, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (Euratom, CE) n.o 1355/96 do Conselho, de 8 de Julho de 1996 (JO L 175, p. 3, a seguir «Regulamento n.o 1552/89»), e por força dos mesmos artigos do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1150/2000 do Conselho, de 22 de Maio de 2000, relativo à aplicação da Decisão 94/728/CE, Euratom relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (JO L 130, p. 1). |
Quadro jurídico
Regulamentação comunitária
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O artigo 2.o, n.o 1, das Decisões 88/376/CEE, Euratom do Conselho, de 24 de Junho de 1988, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades (JO L 185, p. 24), e 94/728/CE, Euratom do Conselho, de 31 de Outubro de 1994, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO L 293, p. 9), prevê: «Constituem recursos próprios inscritos no orçamento das Comunidades as receitas provenientes: […]
[…]» |
3 |
O artigo 20.o do Código Aduaneiro Comunitário dispõe: «1. Os direitos legalmente devidos em caso de constituição de uma dívida aduaneira serão baseados na Pauta Aduaneira das Comunidades Europeias. […] 3. A Pauta Aduaneira das Comunidades Europeias compreende:
[…]» |
4 |
O artigo 217.o, n.o 1, do Código Aduaneiro Comunitário enuncia: «O montante de direitos de importação ou de direitos de exportação resultante de uma dívida aduaneira, a seguir designado ‘montante de direitos’, deverá ser calculado pelas autoridades aduaneiras logo que estas disponham dos elementos necessários e deverá ser objecto de uma inscrição efectuada por essas autoridades nos registos contabilísticos ou em qualquer outro suporte equivalente (registo de liquidação). […]» |
5 |
No âmbito da colocação à disposição da Comissão dos recursos próprios das Comunidades, o Conselho da União Europeia adoptou o Regulamento n.o 1552/89, aplicável no período em causa no presente processo até 30 de Maio de 2000. Este regulamento foi substituído, a partir de 31 de Maio de 2000, pelo Regulamento n.o 1150/2000 que procede à codificação do Regulamento n.o 1552/89, sem modificar o seu conteúdo. |
6 |
O artigo 2.o do Regulamento n.o 1552/89 prevê: «1. Para efeitos da aplicação do presente regulamento, um direito das Comunidades sobre os recursos próprios referidos no n.o 1, alíneas a) e b), do artigo 2.o da Decisão 94/728/CE, Euratom considera-se apurado assim que se encontrem preenchidas as condições previstas na regulamentação aduaneira no que se refere ao registo de liquidação do montante do direito e à sua comunicação ao devedor. 1A. A data a considerar para o apuramento referido no n.o 1 é a data do registo de liquidação previsto na regulamentação aduaneira. […]» |
7 |
O artigo 9.o, n.o 1, deste regulamento dispõe: «Segundo as regras definidas no artigo 10.o, cada Estado-Membro inscreverá os recursos próprios a crédito da conta aberta para o efeito em nome da Comissão junto do Tesouro ou do organismo por ele designado. A manutenção desta conta está isenta de encargos.» |
8 |
Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, do referido regulamento: «Após dedução de 10% a título de despesas de cobrança nos termos do n.o 3 do artigo 2.o da Decisão 88/376/CEE, Euratom, o lançamento dos recursos próprios referidos no n.o 1, alíneas a) e b), do artigo 2.o dessa decisão efectuar-se-á o mais tardar no primeiro dia útil seguinte ao dia 19 do segundo mês após aquele em que o direito tiver sido apurado nos termos do artigo 2.o […]» |
9 |
O artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1552/89 dispõe: «Os Estados-Membros devem tomar todas as medidas necessárias para que os montantes correspondentes aos direitos apurados nos termos do artigo 2.o sejam colocados à disposição da Comissão nas condições fixadas pelo presente regulamento.» |
10 |
Nos termos do artigo 22.o do Regulamento n.o 1150/2000: «O Regulamento (CEE, Euratom) n.o 1552/89 é revogado. As referências feitas ao regulamento revogado devem entender-se como feitas ao presente regulamento e ser lidas de acordo com o quadro de correspondência que consta da parte A do anexo.» |
11 |
Assim, à parte a circunstância de os Regulamentos n.os 1552/89 e 1150/2000 remeterem, designadamente, um, para a Decisão 88/376 e, o outro, para a Decisão 94/728, os artigos 2.o e 9.o a 11.o dos dois regulamentos são, no essencial, idênticos. |
12 |
A taxa de 10% referida no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1150/2000 foi aumentada para 25% pela Decisão 2000/597/CE, Euratom do Conselho, de 29 de Setembro de 2000, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO L 253, p. 42). |
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O primeiro considerando da referida decisão enuncia: «O Conselho Europeu, reunido em Berlim, em 24 e 25 de Março de 1999, concluiu, nomeadamente, que o sistema de recursos próprios das Comunidades deve ser equitativo e transparente, apresentar uma boa relação custos/benefícios, ser simples e basear-se em critérios que exprimam o melhor possível a capacidade contributiva de cada Estado-Membro.» |
14 |
O Regulamento (CE) n.o 150/2003 do Conselho, de 21 de Janeiro de 2003, que suspende os direitos de importação relativos a determinado armamento e equipamento militar (JO L 25, p. 1), adoptado com base no artigo 26.o CE, enuncia, no seu quinto considerando: «A fim de ter em consideração a protecção da confidencialidade militar dos Estados-Membros, é necessário definir procedimentos administrativos específicos para a concessão do benefício da suspensão de direitos. Uma declaração emitida pela autoridade competente do Estado-Membro a cujas Forças Armadas se destinam o armamento ou o equipamento militar constituiria uma adequada garantia de que estão preenchidas essas condições. Essa declaração poderia também ser utilizada como declaração aduaneira, como o exige o código aduaneiro e deveria assumir a forma de um certificado. É conveniente especificar a forma que deverá apresentar esse certificado e permitir também a utilização de meios informáticos para a declaração.» |
15 |
O artigo 1.o deste regulamento prevê: «O presente regulamento determina as condições para a suspensão autónoma de direitos aduaneiros sobre determinado armamento e equipamento militar importados de países terceiros pelas autoridades encarregadas da defesa militar dos Estados-Membros, ou em seu nome.» |
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O artigo 3.o, n.o 2, do mesmo regulamento enuncia: «Sem prejuízo do n.o 1, por razões de confidencialidade militar, o certificado e as mercadorias importadas poderão ser submetidos a outras autoridades designadas pelo Estado de importação para o efeito. Nesses casos, a autoridade competente do Estado-Membro que emite o certificado deverá enviar às autoridades aduaneiras do seu Estado-Membro todos os anos, até 31 de Janeiro e até 31 de Julho, um relatório de síntese sobre essas importações. O relatório deverá abranger o período de seis meses imediatamente anterior ao mês em que o relatório deve ser apresentado e deverá incluir o número e a data de emissão dos certificados, a data da importação, e o valor total e o peso bruto dos produtos importados com os certificados.» |
17 |
Em conformidade com o seu artigo 8.o, o Regulamento n.o 150/2003 é aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2003. |
Procedimento pré-contencioso
18 |
A Comissão tinha instaurado o procedimento de incumprimento contra a República Italiana, tendo, designadamente, emitido um parecer fundamentado em 25 de Julho de 1985, no qual invocava uma violação do artigo 28.o do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 26.o CE) e da regulamentação aduaneira comunitária no que respeita à importação de material não especificamente militar. Este procedimento foi, a seguir, suspenso. |
19 |
Não havendo acordo sobre a Proposta de Regulamento (CEE) do Conselho que suspende temporariamente os direitos de importação relativos a determinado equipamento militar (JO 1988, C 265, p. 9), a Comissão decidiu, a seguir, prosseguir com o referido procedimento. Enviou à República Italiana uma notificação para cumprir, com data de 31 de Janeiro de 2002, convidando-a a comunicar-lhe as suas observações a respeito da violação do artigo 26.o CE e da regulamentação aduaneira comunitária. |
20 |
Na mesma data, a Comissão enviou igualmente à República Italiana uma segunda notificação para cumprir, que dizia mais especificamente respeito às consequências financeiras da infracção em causa. Convidou este Estado-Membro a calcular o montante dos recursos próprios não pagos à Comunidade, relativamente aos exercícios orçamentais a partir de Janeiro de 1999, a pôr estes recursos à sua disposição e a pagar os juros de mora devidos, nos termos do artigo 11.o do Regulamento n.o 1150/2000. |
21 |
No entanto, a República Italiana não deu resposta a estas duas notificações. |
22 |
O Regulamento n.o 150/2003 entrou em vigor com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2003. |
23 |
Por carta de 24 de Março de 2003, a Comissão reiterou o seu pedido inicial relativo às importações anteriores a 1 de Janeiro de 2003, dado que o período posterior a esta data estava abrangido pelo Regulamento n.o 150/2003. A República Italiana também não deu resposta a esta carta. |
24 |
Por conseguinte, a Comissão decidiu emitir um parecer fundamentado, por carta de 11 de Julho de 2003, convidando a República Italiana a tomar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento num prazo de dois meses a contar da sua recepção. |
25 |
A República Italiana respondeu ao parecer fundamentado, por carta de 26 de Fevereiro de 2004, na qual invocou o artigo 296.o, n.o 1, alínea b), CE, para justificar a isenção de direitos aduaneiros aplicada até 31 de Dezembro de 2002. Para este fim, sublinha que o Regulamento n.o 150/2003 reconheceu a pertinência das importações de material não especificamente militar no interesse da segurança dos Estados-Membros, autorizando, no seu artigo 2.o, n.o 2, a suspensão dos direitos aduaneiros para este tipo de material. |
26 |
Tendo em conta os elementos assim fornecidos pela República Italiana, a Comissão, considerando que este Estado-Membro não tinha dado cumprimento ao parecer fundamentado, propôs a presente acção. |
27 |
Por despacho de 5 de Maio de 2006, o presidente do Tribunal de Justiça admitiu a intervenção do Reino da Dinamarca, da República Helénica, da República Portuguesa e da República da Finlândia, em apoio dos pedidos da República Italiana. |
Quanto à acção
Quanto à admissibilidade
28 |
A República Italiana alega que, no parecer fundamentado, a Comissão não exigiu, no que respeita à isenção de direitos aduaneiros relativa às importações de produtos não destinados a fins especificamente militares, a prova da inexistência da alteração das condições de concorrência no mercado, ao passo que, na sua petição, exige tal prova. |
29 |
No entanto, há que assinalar que as acusações formuladas pela Comissão no seu parecer fundamentado e na sua petição são idênticas. Quanto à afirmação da Comissão relativa à falta de prova da inexistência da alteração da concorrência no mercado relativo aos produtos mencionados, a mesma tem por único fim refutar a justificação avançada pela República Italiana com base no artigo 296.o, n.o 1, alínea b), CE e não constitui, portanto, um fundamento novo. A questão prévia de inadmissibilidade suscitada por este Estado-Membro deve, consequentemente, ser julgada improcedente. |
Quanto ao mérito
Argumentos das partes
30 |
A Comissão alega que a República Italiana invoca sem razão o artigo 296.o CE, para recusar o pagamento dos direitos aduaneiros correspondentes às importações em causa, uma vez que a cobrança destes não ameaça os interesses essenciais da segurança deste Estado-Membro. |
31 |
A Comissão considera que as medidas que criam derrogações ou excepções, como, designadamente, o artigo 296.o CE, devem ser interpretadas de modo estrito. Assim, o Estado-Membro em causa, que reivindica a aplicação deste artigo, deve demonstrar que preenche todos os requisitos nele previstos, quando pretende derrogar o artigo 20.o do Código Aduaneiro Comunitário, do qual consta o princípio geral da cobrança dos direitos, tal como previsto no artigo 26.o CE. |
32 |
Consequentemente, a Comissão alega que cabe à República Italiana fazer a prova concreta e circunstanciada de que a cobrança dos direitos aduaneiros de importação em causa no presente processo ameaça os interesses essenciais da segurança deste Estado-Membro. |
33 |
Com efeito, medidas que privam a Comunidade de recursos que lhe deveriam ter sido pagos a título de recursos próprios, para serem consagrados ao financiamento geral de despesas militares, não podem, pelo menos sem justificação complementar, ser consideradas necessárias à protecção dos interesses essenciais da segurança dos Estados-Membros. |
34 |
A Comissão considera que o Regulamento n.o 150/2003 se aplica a partir de 1 de Janeiro de 2003 e que não lhe foi atribuído efeito retroactivo. Por outro lado, a base jurídica deste regulamento é o artigo 26.o CE, relativo à fixação dos direitos aduaneiros, e não o artigo 296.o CE, que, mesmo no quadro da nova regulamentação, não poderia fundamentar a suspensão dos direitos aduaneiros prevista pelo referido regulamento. |
35 |
Por outro lado, relativamente ao material não especificamente militar, o artigo 296.o, n.o 1, alínea b), CE fixa um requisito suplementar para que um Estado-Membro possa derrogar uma obrigação que lhe é imposta pelo Tratado, a saber, que a medida nacional não seja susceptível de alterar as condições da concorrência no mercado comum. No caso em apreço, não foi apresentado nenhum elemento que permita provar que este requisito está preenchido. |
36 |
A este respeito, a Comissão sublinha que não cobrança dos direitos aduaneiros em questão pela República Italiana origina uma desigualdade entre os Estados-Membros em relação às suas contribuições respectivas para o orçamento comunitário. Com efeito, esta falta de cobrança origina uma diminuição dos recursos próprios tradicionais comunitários que apenas pode ser compensada por um aumento do recurso dito «PNB» (produto nacional bruto), que é repartido por todos os Estados-Membros. |
37 |
Em relação à prova de que a isenção dos direitos aduaneiros em causa é necessária à protecção dos interesses essenciais da segurança do Estado-Membro em questão, a República Italiana considera que não há que apresentá-la, uma vez que o próprio legislador comunitário forneceu essa prova ao adoptar o Regulamento n.o 150/2003. |
38 |
A República Italiana contesta a tese da Comissão segundo a qual, por força do artigo 26.o CE, apenas o Conselho é competente para decidir sobre a eventual isenção ou suspensão dos direitos aduaneiros sobre uma dada mercadoria e, consequentemente, uma isenção decidida a nível nacional constitui uma derrogação ilegal desta disposição. |
39 |
A República Italiana afirma que, ao adoptar o Regulamento n.o 150/2003, o próprio legislador comunitário considerou que a isenção de direitos aduaneiros permitia proteger melhor os interesses essenciais da segurança dos Estados-Membros. Segundo a República Italiana, isso prova que os requisitos previstos no artigo 296.o, n.o 1, alínea b), CE estavam preenchidos no que respeita à isenção aplicada unilateralmente por si até 31 de Dezembro de 2002. |
40 |
Dado que a relação entre a falta de cobrança dos direitos aduaneiros e a protecção dos interesses essenciais da segurança dos Estados-Membros foi aceite pelo Regulamento n.o 150/2003, a República Italiana não vê por que razão deveriam ser apresentadas outras provas para demonstrar que a cobrança destes direitos constitui uma ameaça para os interesses essenciais da sua segurança. |
41 |
Por último, a República Italiana afirma, a título subsidiário, que o pedido da Comissão relativo ao pagamento dos recursos próprios não efectuado em razão da isenção dos direitos aduaneiros em causa no presente processo deve ser julgado improcedente, pelo menos, no que respeita ao período anterior à recepção da notificação para cumprir complementar de 31 de Janeiro de 2002. Alega que, atendendo à inércia da Comissão durante o longo período que decorreu entre a notificação do parecer fundamentado de 25 de Julho de 1985 e o envio da notificação para cumprir complementar de 31 de Janeiro de 2002, foi levada a supor que esta instituição tinha implicitamente aceite esta isenção. Por conseguinte, à luz dos princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica, importa limitar a obrigação de restituição dos recursos próprios em questão. |
Apreciação do Tribunal
42 |
O Código Aduaneiro Comunitário prevê a cobrança dos direitos aduaneiros sobre a importação de material de uso militar, como o que está em causa, proveniente de países terceiros. Nenhuma disposição da regulamentação aduaneira comunitária previa, para o período das importações controvertidas, isto é, para o período decorrente de 1 de Janeiro de 1999 a 31 de Dezembro de 2002, uma isenção específica de direitos aduaneiros sobre a importação deste tipo de material. Consequentemente, também não existia, para este período, a isenção expressa da obrigação de pagar às autoridades competentes os devidos direitos, acrescidos, sendo caso disso, de juros de mora. |
43 |
Além disso, pode deduzir-se da adopção do Regulamento n.o 150/2003, que prevê a suspensão dos direitos aduaneiros relativos a determinado armamento e equipamento militar a partir de 1 de Janeiro de 2003, que o legislador comunitário partiu da hipótese de que a obrigação de pagar os referidos direitos aduaneiros existia antes desta data. |
44 |
A República Italiana em nenhum momento negou a existência das importações controvertidas durante o período considerado. Limitou-se a contestar o direito da Comunidade aos recursos próprios em causa, alegando ao mesmo tempo que, nos termos do artigo 296.o CE, a obrigação de pagar direitos aduaneiros sobre o material de armamento importado de países terceiros causa um grave prejuízo aos interesses essenciais da sua segurança. |
45 |
Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ainda que caiba aos Estados-Membros adoptar as medidas adequadas para garantir a sua segurança interna e externa, daqui não resulta, no entanto, que tais medidas escapem totalmente à aplicação do direito comunitário (v. acórdãos de 26 de Outubro de 1999, Sirdar, C-273/97, Colect., p. I-7403, n.o 15, e de 11 de Janeiro de 2000, Kreil, C-285/98, Colect., p. I-69, n.o 15). Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça já declarou, o Tratado só prevê derrogações expressas aplicáveis em caso de situações susceptíveis de pôr em causa a segurança pública nos artigos 30.o CE, 39.o CE, 46.o CE, 58.o CE, 64.o CE, 296.o CE e 297.o CE, os quais se referem a situações excepcionais bem delimitadas. Daí não poderá deduzir-se que existe uma reserva geral, inerente ao Tratado, que exclua do âmbito de aplicação do direito comunitário todas as medidas tomadas por razões de segurança pública. Reconhecer a existência de tal reserva, para além das condições específicas estabelecidas nas disposições do Tratado, seria correr o risco de pôr em causa o carácter obrigatório e a aplicação uniforme do direito comunitário (v. acórdão de 11 de Março de 2003, Dory, C-186/01, Colect., p. I-2479, n.o 31 e jurisprudência referida). |
46 |
Além disso, as derrogações previstas nos artigos 296.o CE e 297.o CE, como é jurisprudência constante quanto às derrogações das liberdades fundamentais (v., designadamente, acórdãos de 31 de Janeiro de 2006, Comissão/Espanha, C-503/03, Colect., p. I-1097, n.o 45, de 18 de Julho de 2007, Comissão/Alemanha, C-490/04, Colect., p. I-6095, n.o 86, e de 11 de Setembro de 2008, Comissão/Alemanha, C-141/07, Colect., p. I-6935, n.o 50), devem ser interpretadas de forma estrita. |
47 |
No que respeita, mais concretamente, ao artigo 296.o CE, há que assinalar que, embora este artigo faça referência a medidas que um Estado-Membro pode considerar necessárias à protecção dos interesses essenciais da sua própria segurança ou a informações cuja divulgação considere contrária a estes interesses, o mesmo não pode ser interpretado de modo a conferir aos Estados-Membros o poder de derrogar disposições do Tratado através da mera invocação dos referidos interesses. |
48 |
Além disso, no domínio do imposto sobre o valor acrescentado, o Tribunal de Justiça, no acórdão de 16 de Setembro de 1999, Comissão/Espanha (C-414/97, Colect., p. I-5585), declarou o incumprimento em causa, por o Reino de Espanha não ter demonstrado que a isenção do referido imposto sobre as importações e as aquisições de armamento, de munições e de material para uso exclusivamente militar, isenção prevista pela lei espanhola, era justificada, ao abrigo do artigo 296.o, n.o 1, alínea b), CE, pela necessidade de proteger os interesses essenciais da segurança deste Estado-Membro. |
49 |
Consequentemente, é ao Estado-Membro que invoca o benefício do artigo 296.o CE que cabe fazer a prova da necessidade de recorrer à derrogação prevista neste artigo com o fim de proteger os interesses essenciais da sua segurança. |
50 |
À luz destas considerações, não se pode admitir que um Estado-Membro invoque o encarecimento do material militar em razão da aplicação de direitos aduaneiros sobre as importações desse material proveniente de países terceiros, para, em detrimento dos outros Estados-Membros que, pela sua parte, cobram e pagam os direitos aduaneiros relativos a tais importações, tentar subtrair-se ao cumprimento das obrigações que lhe impõe a solidariedade financeira em relação ao orçamento comunitário. |
51 |
No que respeita ao argumento segundo o qual os procedimentos aduaneiros comunitários não são adequados para garantir a segurança da República Italiana, atendendo às exigências de confidencialidade contidas nos acordos celebrados com os Estados exportadores, há que assinalar, como observa correctamente a Comissão, que a aplicação do regime aduaneiro comunitário implica a intervenção de agentes, comunitários e nacionais, que estão vinculados, se necessário, por uma obrigação de confidencialidade, em caso de tratamento de dados sensíveis, de forma a proteger os interesses essenciais da segurança dos Estados-Membros. |
52 |
Por outro lado, as declarações que os Estados-Membros devem completar e enviar à Comissão de forma periódica não pressupõem que se atinja um nível de precisão tal que cause prejuízo aos interesses dos referidos Estados, tanto em matéria de segurança como de confidencialidade. |
53 |
Nestas condições, em conformidade com o artigo 10.o CE relativo à obrigação imposta aos Estados-Membros de facilitar à Comissão o cumprimento da sua missão que consiste em velar pelo respeito do Tratado, estes são obrigados a pôr à disposição desta instituição os documentos necessários à verificação da regularidade da transferência dos recursos próprios da Comunidade. No entanto, esta obrigação não obsta, como assinalou o advogado-geral no n.o 168 das suas conclusões, a que os Estados-Membros, casuística e excepcionalmente, com base no artigo 296.o CE, possam restringir a determinados elementos de um documento a informação transmitida, ou recusá-la completamente. |
54 |
Atendendo às considerações precedentes, a República Italiana não demonstrou que os pressupostos necessários para a aplicação do artigo 296.o CE estivessem reunidos. |
55 |
As considerações precedentes, relativas à inaplicabilidade do artigo 296.o CE no contexto da importação de material militar, aplicam-se, por maioria de razão, à importação de material destinado tanto a utilização civil como militar, independentemente de este último ter sido importado exclusivamente ou não para fins militares. |
56 |
Quanto ao pedido da República Italiana no sentido de uma limitação dos efeitos do presente acórdão, no que respeita à obrigação relativa ao pagamento dos recursos próprios não efectuado em razão da isenção dos direitos aduaneiros em causa no presente processo, no que respeita ao período anterior à recepção da notificação para cumprir complementar de 31 de Janeiro de 2002, há que assinalar que este pedido foi motivado pela pretensa confiança legítima criada, a este Estado-Membro, pela inacção prolongada da Comissão e pela adopção do Regulamento n.o 150/2003. |
57 |
A este respeito, há que lembrar que só a título excepcional é que o Tribunal de Justiça pode, por força do princípio geral da segurança jurídica inerente à ordem jurídica comunitária, ser levado a limitar a possibilidade de qualquer interessado invocar, para pôr em causa relações jurídicas estabelecidas de boa fé, uma disposição que o Tribunal interpretou (v., designadamente, acórdão de 23 de Maio de 2000, Buchner e o., C-104/98, Colect., p. I-3625, n.o 39). |
58 |
Com efeito, o Tribunal de Justiça só recorreu a essa solução em circunstâncias bem precisas, quando existia um risco de repercussões económicas graves devidas, em especial, ao número elevado de relações jurídicas constituídas de boa fé, com base na regulamentação considerada validamente em vigor, e quando se verificava que os particulares e as autoridades nacionais tinham sido incitados a um comportamento não conforme com a regulamentação comunitária, em virtude de uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das disposições comunitárias, incerteza para a qual tinham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adoptados por outros Estados-Membros ou pela Comissão (acórdão de 12 de Setembro de 2000, Comissão/Reino Unido, C-359/97, Colect., p. I-6355, n.o 91). |
59 |
Mesmo supondo que os acórdãos proferidos nos termos do artigo 226.o CE tenham os mesmos efeitos que os proferidos nos termos do artigo 234.o CE e que, portanto, considerações de segurança jurídica possam tornar necessária, a título excepcional, a limitação dos seus efeitos no tempo (v. acórdãos de 7 de Junho de 2007, Comissão/Grécia, C-178/05, Colect., p. I-4185, n.o 67; de 12 de Fevereiro de 2009, Comissão/Polónia, C-475/07, n.o 61; e de 26 de Março de 2009, Comissão/Grécia, C-559/07, n.o 78), importa recordar que, no caso em apreço, a Comissão não abandonou, em nenhuma fase do processo, a sua posição de princípio. Com efeito, na sua declaração formulada quando das negociações relativas ao Regulamento n.o 150/2003, a Comissão exprimiu a sua vontade firme de não renunciar à cobrança dos direitos aduaneiros que deviam ter sido pagos relativamente aos períodos anteriores à entrada em vigor deste regulamento e reservou-se o direito de tomar as iniciativas necessárias a este respeito. |
60 |
O pedido da República Italiana relativo à limitação no tempo dos efeitos do presente acórdão deve, consequentemente, ser julgado improcedente. |
61 |
Resulta do exposto que, tendo isentado de direitos aduaneiros a importação de material susceptível de ser utilizado para fins tanto civis como militares, durante o período decorrente de 1 de Janeiro de 1999 a 31 de Dezembro de 2002, e tendo-se recusado a calcular, a apurar e a pôr à disposição da Comissão os recursos próprios não cobrados em razão dessa isenção, bem como os juros de mora exigíveis por não ter posto à disposição da Comissão estes recursos próprios no prazo devido, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força, por um lado, do artigo 26.o CE, do artigo 20.o do Código Aduaneiro Comunitário e, consequentemente, da Pauta Aduaneira Comum e, por outro, dos artigos 2.o, 9.o, 10.o e 17.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1552/89 e por força dos mesmos artigos do Regulamento n.o 1150/2000. |
Quanto às despesas
62 |
Por força do artigo 69.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Italiana e tendo esta sido vencida nos seus fundamentos, há que condená-la nas despesas. |
63 |
Em conformidade com o disposto no n.o 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, o Reino da Dinamarca, a República Helénica, a República Portuguesa e a República da Finlândia, que intervieram no processo, devem suportar as suas próprias despesas. |
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: italiano.