Processo C‑382/05

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Italiana

«Incumprimento de Estado – Contratos públicos de serviços – Directiva 92/50/CEE – Convenções relativas ao tratamento de resíduos urbanos – Qualificação – Contrato de direito público – Concessão de serviços – Medidas de publicidade»

Sumário do acórdão

Aproximação das legislações – Processos de adjudicação de contratos públicos de serviços – Directiva 92/50 – Âmbito de aplicação


Um Estado‑Membro não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, alterada pela Directiva 2001/78, nomeadamente dos seus artigos 11.°, 15.° e 17.°, quando uma entidade adjudicante inicia o procedimento com vista à celebração de convenções para a utilização da fracção remanescente dos resíduos urbanos, após recolha selectiva, produzida nas comunas de uma região do referido Estado‑Membro e celebra essas convenções sem ter aplicado os procedimentos previstos pela mesma directiva e, em particular, sem ter mandado publicar o anúncio de concurso adequado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

Efectivamente, as referidas convenções que prevêem designadamente o pagamento, pela entidade adjudicante ao operador, de uma tarifa cujo montante é fixado em euros por tonelada de resíduos transferida pelas comunas em causa para o referido operador não instituem um modo de remuneração que corresponda ao direito de explorar os serviços em causa nem que implique a assunção, pelo operador, do risco ligado à exploração. Estas convenções devem por isso ser consideradas contratos públicos de serviços submetidos à Directiva 92/50 e não concessões de serviços por ela não abrangidas, dado que a sua adjudicação só pode ocorrer no respeito das disposições da referida directiva.

(cf. n.os 32, 34, 37, 45, 46, disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

18 de Julho de 2007 (*)

«Incumprimento de Estado – Contratos públicos de serviços – Directiva 92/50/CEE – Convenções relativas ao tratamento de resíduos urbanos – Qualificação – Contrato de direito público – Concessão de serviços – Medidas de publicidade»

No processo C‑382/05,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 20 de Outubro de 2005,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Aresu e X. Lewis, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Italiana, representada por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. Fiengo, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A Timmermans, presidente de secção, P. Kūris, K. Schiemann (relator), L. Bay Larsen e C. Toader, juízes,

advogado‑geral: J. Mazák,

secretário: J. Swedenborg, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Março de 2007,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Através da sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, devido ao facto de a Presidenza del Consiglio dei Ministri – Dipartimento per la protezione civile – Ufficio del Commissario delegato per l’emergenza rifiuti e la tutela delle acque in Sicilia (Presidência do Conselho de Ministros, Departamento da Protecção Civil, Serviço do Comissário Delegado para as situações de emergência ligadas aos resíduos e à protecção das águas na Sicília) ter encetado o procedimento com vista à celebração de convenções para a utilização da fracção remanescente dos resíduos urbanos, após recolha selectiva, produzida nas comunas da Região da Sicília e de ter celebrado essas convenções sem ter aplicado os procedimentos previstos pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), conforme alterada pela Directiva 2001/78/CE da Comissão, de 13 de Setembro de 2001 (JO L 285, p. 1, a seguir «Directiva 92/50»), e, em particular, sem ter mandado publicar o anúncio de concurso adequado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta directiva, nomeadamente, dos seus artigos 11.°, 15.° e 17.°

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

2        O artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50 estabelece:

«a)      Os contratos públicos de serviços são contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante […]»

3        O artigo 8.° dessa directiva dispõe:

«Os contratos que tenham por objecto serviços enumerados no anexo I A serão celebrados de acordo com o disposto nos títulos III a VI.»

4        O artigo 15.°, n.° 2, que está inserido no título V da Directiva 92/50, prevê:

«As entidades adjudicantes que pretendam adjudicar um contrato público de serviços através de um concurso público, de um concurso limitado ou, nas condições definidas no artigo 11.°, de um procedimento por negociação darão a conhecer a sua intenção através de um anúncio.»

5        Nos termos do artigo 17.° da Directiva 92/50,

«1.      Os anúncios devem ser elaborados em conformidade com os modelos que constam dos anexos III e IV especificando as informações aí exigidas […]

[…]

4.      Os anúncios referidos nos n.os 2 e 3 do artigo 15.° serão publicados por extenso no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e no banco de dados TED, nas respectivas línguas originais. Um resumo dos elementos importantes de cada anúncio será publicado nas outras línguas oficiais das Comunidades, apenas fazendo fé o texto da língua original.

[…]»

6        O anexo I A da Directiva 92/50, intitulado «Serviços na acepção do artigo 8.°», prevê designadamente a categoria 16, denominada «Esgotos e eliminação de resíduos; serviços de saneamento e afins», a que corresponde o número de referência CCP 94.

7        O anexo III da referida directiva contém nomeadamente modelos de «anúncio de pré‑informação» e de «anúncio de concurso».

 Legislação nacional

8        O artigo 4.° do Despacho n.° 2983 do Presidente do Conselho de Ministros, de 31 de Maio de 1999 (GURI n.° 132, de 8 de Junho de 1999), conforme alterado pelo Despacho n.° 3190, de 22 de Março de 2002 (a seguir, «Despacho n.° 2983/99»), dispõe:

«O Comissário Delegado, presidente da Região da Sicília, após audição do Ministério do Ambiente e da Protecção do Território, celebra convenções com duração máxima de 20 anos para a utilização da fracção remanescente dos resíduos urbanos, após recolha selectiva, produzida nas comunas da Região da Sicília [...]. Para esse efeito, o Comissário Delegado, presidente da Região da Sicília, designa os operadores industriais com base em procedimentos públicos transparentes, em derrogação dos processos de concurso comunitários [...]»

9        Os termos «em derrogação dos processos de concurso comunitários» que figuram nessa disposição foram suprimidos pelo Despacho n.° 3334 do Presidente do Conselho de Ministros, de 23 de Janeiro de 2004 (GURI n.° 26, de 2 de Fevereiro de 2004).

 Antecedentes do litígio e fase pré‑contenciosa

10      Pelo Despacho n.° 670, de 5 de Agosto de 2002, o presidente da Região da Sicília, agindo na sua qualidade de Commissario Delegato per l’emergenza rifiuti e la tutela delle acque in Sicilia (Comissário Delegado para as situações de urgência ligadas aos resíduos e à protecção das águas na Sicília, a seguir, «Comissário Delegado») e com fundamento no artigo 4.° do Despacho n.° 2983/99, aprovou um documento intitulado «Anúncio público relativo à celebração de convenções para a utilização da fracção remanescente dos resíduos urbanos, após recolha selectiva, produzida na Região da Sicília» (a seguir, «anúncio controvertido»). O anúncio controvertido tem três anexos. O anexo A estabelece «linhas directrizes para a utilização da fracção remanescente dos resíduos urbanos, após recolha selectiva produzida nas comunas da Região da Sicília». O anexo B intitulado «Plano financeiro recapitulativo» e o anexo C prevê uma convenção‑tipo a celebrar com os operadores escolhidos (a seguir, «convenção‑tipo»).

11      Em 7 de Agosto de 2002, foi enviado ao Serviço de Publicações um anúncio relativo às convenções supramencionadas, elaborado com base no modelo de anúncio intitulado «anúncio de pré‑informação» que figura no anexo III da Directiva 92/50. Esse anúncio deu lugar a uma publicação, em 16 de Agosto de 2002, no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO S 158, versão electrónica).

12      O anúncio controvertido foi publicado em 9 de Agosto na Gazzetta ufficiale della Regione Siciliana.

13      Tendo‑lhe sido apresentada uma denúncia respeitante a esse procedimento, a Comissão enviou uma carta de pedido de informações às autoridades italianas em 15 de Novembro de 2002, carta a que estas responderam por correio de 2 de Maio de 2003.

14      Em 17 de Junho de 2003, foram celebradas pelo Comissário Delegado quatro convenções, decalcadas, no essencial, na convenção‑tipo, respectivamente, com a Tifeo Energia Ambiente Soc. coop. arl, a Palermo Energia Ambiente Soc. coop. arl, a Sicil Power SpA e a Platani Energia Ambiente Soc. coop. arl (a seguir «convenções controvertidas»).

15      Em 17 de Outubro de 2003, a Comissão, em conformidade com o disposto no artigo 226.° CE, dirigiu uma notificação para cumprir à República Italiana censurando esse Estado‑Membro pela violação da Directiva 92/50, em particular dos seus artigos 11.°, 15.° e 17.° Não ficando satisfeita com a resposta de 1 de Abril de 2004 a essa notificação para cumprir, a Comissão enviou, em 9 de Julho de 2004, um parecer fundamentado à República Italiana, convidando‑a a pôr termo ao incumprimento censurado no prazo de dois meses.

16      Na sua resposta de 24 de Setembro de 2004 a esse parecer fundamentado, as autoridades italianas contestaram esse incumprimento.

17      Não ficando satisfeita com a referida resposta, a Comissão decidiu propor a presente acção.

 Quanto à acção

 Argumentação das partes

18      A Comissão sustenta que as convenções controvertidas constituem contratos públicos de serviços na acepção do artigo 1.° da Directiva 92/50 e que não foram celebradas no respeito das exigências de publicidade decorrentes dessa directiva. Alega, em particular, que o anúncio publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias não foi feito por meio do formulário de anúncio de concurso previsto no anexo III dessa directiva com vista à atribuição de contratos de direito público, mas utilizando o formulário denominado «de pré‑informação» que figura nesse mesmo anexo. Por outro lado, os prestadores de serviços não nacionais teriam sido objecto de discriminação em relação aos operadores nacionais que beneficiaram de um aviso de concurso detalhado publicado na Gazetta ufficiale della Regione Siciliana.

19      Segundo a Comissão, as convenções controvertidas não podem ser qualificadas de concessões de serviços não abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 92/50, como sustenta a República Italiana. Com efeito, a remuneração dos operadores não consiste num direito destes de explorarem a sua própria prestação recebendo as receitas do utente, assumindo também os riscos ligados a essa exploração.

20      Por um lado, a remuneração do operador consiste concretamente numa tarifa directamente paga a este último pelo Comissário Delegado, taxa cujo montante é fixado pelas convenções controvertidas em euros por tonelada de resíduos transferida pelas comunas para o operador. Quanto aos rendimentos que o operador pode tirar da venda de energia eléctrica produzida aquando do tratamento térmico dos resíduos, não constituem um elemento da remuneração desse operador.

21      Por outro lado, o operador não suporta o risco ligado à exploração uma vez que, nomeadamente, as convenções controvertidas lhe garantem a transferência de uma quantidade anual mínima de resíduos prevendo também a adaptação anual do montante da tarifa com vista a ter em conta a evolução dos custos que suporta. Além disso, as convenções prevêem uma adaptação da referida tarifa na hipótese de a quantidade anual efectiva de resíduos transferida ser inferior a 95% ou superior a 115% da quantidade mínima garantida, isto a fim de garantir o equilíbrio económico e financeiro do operador.

22      O Governo italiano sustenta, inversamente, que as convenções controvertidas constituem, como resulta, nomeadamente, da jurisprudência nacional, concessões de serviços não abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 92/50.

23      Em primeiro lugar, tais convenções delegam um serviço de interesse geral cuja continuidade o operador tem a obrigação de assegurar.

24      Em segundo lugar, os serviços em causa são prestados directamente aos utilizadores, isto é, a colectividade dos habitantes das comunas que produzem os resíduos, que, devendo pagar às comunas uma taxa que cobre tanto a eliminação como o tratamento dos resíduos, suportam in fine o custo da tarifa paga ao operador e remuneram, portanto, esses serviços. O Comissário Delegado desempenha apenas um papel de intermediário.

25      Em terceiro lugar, a obrigação de tratar os resíduos com produção de energia e, portanto, a venda desta fazem realmente parte do objecto das convenções controvertidas. É, de resto, clássico que a remuneração de uma concessão provenha não só do preço pago pelo utente, mas também de outras actividades conexas com o serviço prestado.

26      Em quarto lugar, e tendo em conta a importância financeira dos investimentos efectuados pelo operador, cerca de mil milhões de euros, e a longa duração das convenções controvertidas, isto é, 20 anos, os lucros a realizar pelo operador têm um carácter aleatório, tanto mais que uma parte deles provém da venda da energia produzida.

27      Em quinto lugar, a responsabilidade da organização e da gestão dos serviços assim delegados é exclusivamente do operador, limitando‑se a administração a um simples papel de fiscalização.

28      Quanto às concessões de serviços, a transparência exigida pode ser assegurada por todos os meios adequados, entre os quais a publicação, como no caso concreto, de anúncios nos quotidianos nacionais especializados.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

29      Como resulta de jurisprudência constante, as concessões de serviços são excluídas do âmbito de aplicação da Directiva 92/50 (v., nomeadamente, acórdãos de 21 de Julho de 2005, Coname, C‑231/03, Colect., p. I‑7287, n.° 9, e de 13 de Outubro de 2005, Parking Brixen, C‑458/03, Colect., p. I‑8585, n.° 42).

30      Tendo o Governo italiano, em diversas ocasiões, insistido no facto de resultar da jurisprudência nacional que as convenções como as convenções controvertidas devem ser qualificadas de concessões de serviços, deve recordar‑se, a título preliminar, que a definição de um contrato público de serviços faz parte do domínio do direito comunitário, embora a qualificação das convenções controvertidas em direito italiano não seja pertinente para efeitos de julgar se estas são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 92/50 (v., neste sentido, acórdãos de 20 de Outubro de 2005, Comissão/França, C‑264/03, Colect., p. I‑8831, n.° 36, e de 18 de Janeiro de 2007, Auroux e o., C‑220/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 40).

31      A questão de saber se as convenções controvertidas devem ou não ser qualificadas de concessões de serviços deve, por isso, apreciar‑se exclusivamente à luz do direito comunitário.

32      A esse propósito, deve, por um lado, reconhecer‑se que as referidas convenções prevêem o pagamento, pelo Comissário Delegado ao operador, de uma tarifa cujo montante é fixado em euros por tonelada de resíduos transferida pelas comunas em causa para o referido operador.

33      Ora, como o Tribunal de Justiça julgou anteriormente, decorre da definição que figura no artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50 que um contrato público de serviços na acepção dessa directiva implica uma contrapartida que é paga directamente pela entidade adjudicante ao prestador de serviços (acórdão Parking Brixen, já referido, n.° 39). Assim, uma tarifa do tipo da prevista pelas convenções controvertidas é susceptível de caracterizar um contrato a título oneroso na acepção do referido artigo 1.°, alínea a), e, portanto, um contrato de direito público (v., quanto ao pagamento de uma quantia fixa por recipiente de lixo ou por contentor paga por uma cidade a uma sociedade encarregada em exclusividade da recolha e do tratamento de resíduos, acórdão de 10 de Novembro de 2005, Comissão/Áustria, C‑29/04, Colect., n.° I‑9705, n.os 8 e 32).

34      Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se está em presença de uma concessão de serviços quando o modo de remuneração acordado se prende com o direito do prestador de explorar a sua própria prestação e implica que este assuma o risco ligado à exploração dos serviços em questão (v. acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Telaustria e Telefonadress, C‑324/98, Colect., p. I‑10745, n.° 58, e despacho de 30 de Maio de 2002, Buchhändler‑Vereinigung, C‑358/00, Colect., p. I‑4685, n.os 27 e 28, bem como acórdão Parking Brixen, já referido, n.° 40).

35      Ora, deve‑se reconhecer, a esse propósito, que o modo de remuneração previsto pelas convenções controvertidas não se prende com o direito de explorar os serviços em causa, nem implica a assunção, pelo operador, do risco ligado à exploração.

36      Com efeito, não só o referido operador é, no essencial, remunerado pelo Comissário Delegado por meio de uma tarifa fixa por tonelada de resíduos que é para ele transferida, como foi lembrado no n.° 32 do presente acórdão, mas também é claro que, por força das convenções controvertidas, o Comissário Delegado se compromete, por um lado, a que todas as comunas interessadas transfiram a integralidade da sua fracção remanescente de resíduos para o operador e, por outro, a que uma quantidade anual mínima de resíduos seja transferida para este. As referidas convenções prevêem, além disso, a adaptação do montante da tarifa na hipótese de a quantidade anual efectiva de resíduos transferida ser inferior a 95% ou superior a 115% dessa quantidade mínima garantida, a fim de garantir o equilíbrio financeiro e económico do operador. Prevêem da mesma forma que o montante da tarifa seja objecto de uma revalorização anual que varia em função da evolução dos custos relativos ao pessoal, às matérias consumíveis e aos trabalhos de manutenção, bem como de um indicador financeiro. Essas convenções prevêem, além disso, uma renegociação da tarifa quando, em razão de uma alteração do quadro legislativo, o operador deva fazer face, com vista a uma adequação em conformidade, a investimentos que excedam um certo nível.

37      Tendo em conta o que precede, as convenções controvertidas devem ser consideradas contratos públicos de serviços submetidos à Directiva 92/50 e não concessões de serviços por ela não abrangidas.

38      Nenhum dos argumentos invocados pelo Governo italiano para contestar tal qualificação é convincente.

39      Em primeiro lugar, quanto à circunstância de os operadores estarem em condições de, além da cobrança da tarifa acordada, beneficiar de receitas financeiras ligadas à revenda da electricidade produzida por ocasião do tratamento dos resíduos, deve recordar‑se que o artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50, que define o conceito de contrato público, fala de um «contrato a título oneroso» e que o carácter oneroso de um contrato se refere à contraprestação paga ao prestador em razão da prestação de serviços prevista pela entidade adjudicante (v., neste sentido, acórdão Auroux e o., já referido, n.° 45).

40      Na ocorrência, é manifesto que a contraprestação obtida pelo operador em razão da prestação de serviços prevista pelo Comissário Delegado, isto é, o tratamento dos resíduos transferidos com recuperação de energia, consiste, no essencial, no pagamento do montante da tarifa pelo Comissário Delegado.

41      Mesmo pressupondo que o produto da venda de electricidade possa igualmente analisar‑se como uma contrapartida dos serviços previstos pelo Comissário Delegado, em razão nomeadamente do facto de este se comprometer nas convenções controvertidas a facilitar essa venda a terceiros, a simples circunstância de o operador estar, assim, em condições de, além da remuneração recebida a título oneroso do referido Comissário Delegado, auferir acessoriamente de certas receitas de terceiros em contrapartida da sua prestação de serviços não pode ser suficiente para privar as convenções controvertidas da sua qualificação de contrato de direito público (v., por analogia, acórdão Auroux, já referido, n.° 45).

42      Em seguida, a longa duração das convenções controvertidas e a circunstância de a sua execução ser acompanhada de investimentos iniciais importantes a cargo do operador também não são determinantes para efeitos da qualificação dessas convenções, já que tais características podem ser encontradas tanto nos contratos de direito público como nas concessões de serviços.

43      O mesmo se pode dizer quanto ao facto de o tratamento de resíduos ser do interesse geral. A esse propósito, deve, de resto, recordar‑se que, como decorre do anexo I A da Directiva 92/50, figuram entre os «(s)erviços na acepção do artigo 8.°» aos quais a referida directiva pode ser aplicada, a categoria dos «(e)sgotos e eliminação de resíduos; serviços de saneamento e afins», em relação aos quais o Tribunal de justiça julgou anteriormente no sentido de que essa categoria engloba, nomeadamente, os serviços de recolha e de tratamento de resíduos (v. neste sentido, acórdão Comissão/Áustria, já referido, n.° 32).

44      Finalmente, também não é determinante para efeitos de qualificar um contrato de direito público ou de concessão de serviços, a circunstância de as prestações efectuadas pelo operador serem, tal sendo o caso, de molde a exigir da parte deste uma importante autonomia de execução.

45      Uma vez que as convenções controvertidas são constitutivas de contratos públicos de serviços na acepção do artigo 1.°, alínea a), da Directiva 92/50, a sua adjudicação só podia ocorrer no respeito das disposições da referida directiva, nomeadamente dos seus artigos 11.°, 15.° e 17.° Ora, por força destas disposições, incumbia nomeadamente à entidade adjudicante em causa publicar um anúncio de concurso em conformidade com o modelo previsto no anexo III da referida directiva, o que essa entidade não fez.

46      Assim, a acção da Comissão deve ser julgada procedente e há que declarar que, devido ao facto de a Presidenza del Consiglio dei Ministri – Dipartimento per la protezione civile – Ufficio del Commissario delegato per l’emergenza rifiuti e la tutela delle acque in Sicilia ter iniciado o procedimento com vista à celebração de convenções para a utilização da fracção remanescente dos resíduos urbanos, após recolha selectiva, produzida nas comunas da Região da Sicília e de ter celebrado essas convenções sem ter aplicado os procedimentos previstos pela Directiva 92/50 e, em particular, sem ter mandado publicar o anúncio de concurso adequado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva, e nomeadamente, dos seus artigos 11.°, 15.° e 17.°

 Quanto às despesas

47      Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão concluído pela condenação da República Italiana e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      Devido ao facto de a Presidenza del Consiglio dei Ministri – Dipartimento per la protezione civile – Ufficio del Commissario delegato per l’emergenza rifiuti e la tutela delle acque in Sicilia ter iniciado o procedimento com vista à celebração de convenções para a utilização da fracção remanescente dos resíduos urbanos, após recolha selectiva, produzida nas comunas da Região da Sicília e de ter celebrado essas convenções sem ter aplicado os procedimentos previstos pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, conforme alterada pela Directiva 2001/78/CE da Comissão, de 13 de Setembro de 2001, e, em particular, sem ter mandado publicar o anúncio de concurso adequado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva, nomeadamente, dos seus artigos 11.°, 15.° e 17.°

2)      A República Italiana é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.