Processo C‑141/05
Reino de Espanha
contra
Conselho da União Europeia
«Pesca – Regulamento (CE) n.° 27/2005 – Repartição das quotas de captura entre os Estados‑Membros – Acto de adesão do Reino de Espanha – Fim do período transitório – Exigência de estabilidade relativa – Princípio da não discriminação – Novas possibilidades de pesca – Admissibilidade»
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 8 de Novembro de 2007
Sumário do acórdão
1. Processo – Intervenção – Excepção de inadmissibilidade não suscitada pelo recorrido
(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 40.°, quarto parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 93.°, n.° 4)
2. Direito comunitário – Princípios – Igualdade de tratamento – Discriminação em razão da nacionalidade
(Acto de adesão de 1985; Regulamento n.° 27/2005 do Conselho)
3. Adesão de novos Estados‑Membros às Comunidades – Espanha – Pesca
(Acto de adesão de 1985, artigos 156.° a 164.°; Regulamento n.° 27/2005 do Conselho)
4. Pesca – Conservação dos recursos do mar – Regime de quotas de pesca
(Regulamento n.° 2371/2002 do Conselho, artigo 20.°)
1. Nos termos do artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar‑se a sustentar os pedidos de uma das partes. Além disso, nos termos do artigo 93.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, o interveniente aceita o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção. Assim, não tem legitimidade para suscitar uma questão prévia de inadmissibilidade não formulada pela parte recorrida.
(cf. n.os 27, 28)
2. Ao não tratar, no Regulamento n.° 27/2005, que fixa, para 2005, em relação a determinadas populações de peixes ou grupos de populações de peixes, as possibilidades de pesca e as condições associadas aplicáveis nas águas comunitárias e, para os navios de pesca comunitários, nas águas em que são necessárias limitações das capturas, o Reino de Espanha do mesmo modo que os Estados‑Membros que participaram na repartição inicial das quotas de pesca, antes da adesão do referido Estado‑Membro à Comunidade, ou nas repartições posteriores, no decurso do período transitório, o Conselho não agiu de modo discriminatório em relação a este Estado.
Com efeito, importa distinguir o conceito de acesso às águas do de acesso aos recursos. Se, após o termo do período transitório, o Reino de Espanha pode de novo aceder às águas do mar do Norte e do mar Báltico, daí não resulta que os navios espanhóis possam aceder aos recursos desses dois mares nas mesmas proporções que os navios dos Estados‑Membros que participaram na repartição inicial ou em repartições posteriores.
(cf. n.os 47, 51)
3. Ao não atribuir ao Reino de Espanha determinadas quotas de pesca no mar do Norte e no mar Báltico através do Regulamento n.° 27/2005, que fixa, para 2005, em relação a determinadas populações de peixes ou grupos de populações de peixes, as possibilidades de pesca e as condições associadas aplicáveis nas águas comunitárias e, para os navios de pesca comunitários, nas águas em que são necessárias limitações das capturas, o Conselho não violou o acto de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa. Os artigos 156.° a 164.° do referido acto só definem o regime aplicável ao sector da pesca para o período transitório. Estes artigos não podem, portanto, em princípio, servir de fundamento a reivindicações relativas a um período que teve início numa data posterior ao seu termo. Assim, no termo do período transitório aplica-se o acervo comunitário que compreende a chave de repartição fixada pela regulamentação existente no momento da adesão do Reino de Espanha.
(cf. n.os 59, 61, 63)
4. A exigência de estabilidade relativa da repartição das possibilidades de pesca entre os Estados‑Membros, imposta pelo artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2371/2002, relativo à conservação e à exploração sustentável dos recursos haliêuticos no âmbito da Política Comum das Pescas, deve entender‑se como significando a manutenção de uma percentagem fixa para cada Estado‑Membro, continuando a aplicar-se a chave de repartição inicialmente fixada enquanto não for adoptado um regulamento modificativo. Na medida em que a aplicação do princípio da estabilidade relativa às possibilidades de pesca existentes acarreta a manutenção de uma chave de repartição já fixada entre os Estados‑Membros, o estabelecimento de uma primeira chave de repartição entre Estados‑Membros implica a atribuição de novas possibilidades de pesca e uma repartição que tenha em conta o interesse de cada um deles. O conceito de interesse pode abranger a necessidade de preservar a estabilidade relativa das actividades de pesca, mas não está limitado a esta necessidade. Assim, quando uma primeira chave de repartição é fixada por Estado‑Membro, nomeadamente após os Estados‑Membros terem exercido o seu direito de pesca numa zona e em relação a espécies para as quais a Comunidade dispõe de uma quota global, o Conselho decide, tendo em consideração o interesse de cada um deles, em conformidade com o disposto no artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002. Uma vez que, por definição, nenhuma chave de repartição pode ser mantida em tal caso, não há lugar a aplicar as disposições do artigo 20.°, n.° 1, deste regulamento.
(cf. n.os 85‑88)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
8 de Novembro de 2007 (*)
«Pesca – Regulamento (CE) n.° 27/2005 – Repartição das quotas de captura entre os Estados‑Membros – Acto de adesão do Reino de Espanha – Fim do período transitório – Exigência de estabilidade relativa – Princípio da não discriminação – Novas possibilidades de pesca – Admissibilidade»
No processo C‑141/05,
que tem por objecto um recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE, entrado em 29 de Março de 2005,
Reino de Espanha, representado por E. Braquehais Conesa e M. A. Sampol Pucurull, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrente,
contra
Conselho da União Europeia, representado por F. Florindo Gijón e A. de Gregorio Merino, na qualidade de agentes,
recorrido,
apoiado por:
Comissão das Comunidades Europeias, representada por F. Jimeno Fernández e T. van Rijn, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
interveniente,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: A. Rosas, presidente de secção, U. Lõhmus, J. N. Cunha Rodrigues, A. Ó Caoimh e P. Lindh (relatora), juízes,
advogado‑geral: Y. Bot,
secretário: J. Swedenborg, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 6 de Junho de 2007,
vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 Através da sua petição, o Reino de Espanha pede a anulação do Regulamento (CE) n.° 27/2005 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2004, que fixa, para 2005, em relação a determinadas populações de peixes ou grupos de populações de peixes, as possibilidades de pesca e as condições associadas aplicáveis nas águas comunitárias e, para os navios de pesca comunitários, nas águas em que são necessárias limitações das capturas (JO 2005, L 12, p. 1), na medida em que este regulamento não lhe atribui determinadas quotas nas águas comunitárias do mar do Norte e do mar Báltico.
Quadro jurídico
Acto relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados
2 Os artigos 156.° a 166.° do Acto relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados (JO 1985, L 302, p. 23, a seguir «acto de adesão») regulamentam em especial o acesso dos navios espanhóis às águas comunitárias e aos seus recursos. Resulta do disposto no referido artigo 166.° que o regime assim definido é aplicável durante um período de tempo com termo em 31 de Dezembro de 2002 (a seguir «período transitório»).
Regulamentos (CEE) n.os 170/83 e 172/83
3 Com o Regulamento (CEE) n.° 170/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983, que institui um regime comunitário de conservação e de gestão dos recursos da pesca (JO L 24, p. 1; EE 04 F2 p. 56), o legislador estabeleceu as regras de repartição do volume global das capturas entre os Estados‑Membros. O objectivo do Conselho da União Europeia era, nomeadamente, contribuir para uma estabilidade relativa das actividades de pesca. O quinto a sétimo considerandos deste regulamento apresentam o conceito de estabilidade relativa como tendo por objectivo preservar as necessidades especiais das regiões cujas populações locais estão particularmente dependentes da pesca e das indústrias conexas, tendo em conta a situação biológica momentânea das unidades populacionais (stocks).
4 Através do Regulamento (CEE) n.° 172/83 do Conselho, de 25 de Janeiro de 1983, que estabelece, para determinadas unidades populacionais ou grupos de unidades populacionais de peixes que se encontram na zona de pesca da Comunidade, os totais admissíveis das capturas para 1982, a parte dessas capturas disponível para a Comunidade, a repartição dessa parte entre os Estados‑Membros e as condições em que os totais admissíveis das capturas podem ser pescados (JO L 24, p. 30), procedeu‑se pela primeira vez à repartição dos recursos disponíveis nas águas comunitárias (a seguir «repartição inicial»).
5 Para permitir uma repartição equitativa dos recursos disponíveis, resulta do quarto considerando do Regulamento n.° 172/83 que o Conselho teve particularmente em conta as actividades de pesca tradicionais, as necessidades específicas das regiões particularmente dependentes da pesca e das indústrias conexas e a perda de potencialidades de pesca nas águas de países terceiros.
6 O período de referência tomado em consideração para esta repartição foi o que decorreu entre 1973 e 1978 (a seguir «período de referência inicial»).
Regulamento (CEE) n.° 3760/92
7 O Regulamento (CEE) n.° 3760/92 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1992, que institui um regime comunitário da pesca e da aquicultura (JO L 389, p. 1), revogou o Regulamento n.° 170/83. Contém uma definição do conceito de estabilidade relativa, que retoma no essencial a que consta do Regulamento n.° 170/83, e regras relativas à repartição das capturas enunciadas, em particular, no seu artigo 8.°, n.° 4.
8 Esta disposição prevê na alínea iii):
«[...] sempre que a Comunidade fixar novas oportunidades de pesca para uma pescaria ou grupo de pescarias até então inexistentes no âmbito da política comum da pesca, [o Conselho determinará] o método de repartição das mesmas, tendo em conta os interesses de todos os Estados‑Membros».
Regulamento (CE) n.° 2371/2002
9 O Regulamento n.° 3760/92 foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.° 2371/2002 do Conselho, de 20 de Dezembro de 2002, relativo à conservação e à exploração sustentável dos recursos haliêuticos no âmbito da Política Comum das Pescas (JO L 358, p. 59). O artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2371/2002 dispõe que os navios de pesca comunitários têm direitos de acesso iguais às águas e aos recursos em todas as águas comunitárias definidas nesse artigo, sob reserva das medidas adoptadas para garantir a conservação e a sustentabilidade das espécies.
10 Sob a epígrafe «Repartição das possibilidades de pesca», o artigo 20.°, n.° 1, desse regulamento determina que o Conselho decide das limitações das capturas e/ou do esforço de pesca, da repartição das possibilidades de pesca entre os Estados‑Membros e das condições associadas a essas limitações. As possibilidades de pesca devem ser repartidas pelos Estados‑Membros de forma a assegurar a cada um uma estabilidade relativa das actividades de pesca para cada unidade populacional ou pescaria.
11 O princípio da estabilidade relativa é definido no décimo sexto a décimo oitavo considerandos do referido regulamento, os quais fazem referência, nomeadamente, à situação biológica temporária das unidades populacionais e às necessidades específicas das regiões em que as populações locais estão particularmente dependentes da pesca e actividades conexas.
12 O artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002 dispõe que, sempre que a Comunidade fixe novas possibilidades de pesca, o Conselho deve decidir da chave de repartição destas últimas, atendendo aos interesses de cada Estado‑Membro.
Regulamento n.° 27/2005
13 Em 22 de Dezembro de 2004, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 27/2005, objecto do presente recurso, baseando‑se, nomeadamente, nas disposições do artigo 20.° do Regulamento n.° 2371/2002.
Antecedentes do litígio e tramitação processual
14 Considerando que tinha direito, a partir do fim do período transitório, a participar na repartição das espécies sujeitas a limitações de captura no mar do Norte e no mar Báltico, o Reino de Espanha apresentou um pedido ao Conselho no sentido de obter quotas de pesca nestes dois mares.
15 Este Estado‑Membro sustentou que as quotas repartidas após a sua adesão à Comunidade, na zona a que a frota espanhola não teve acesso durante aquele período, deviam ser revistas tendo em conta, por um lado, a incapacidade estritamente legal em que se tinha encontrado de participar nessa repartição e, por outro, as capturas da referida frota no mar do Norte durante o período de referência inicial.
16 O Conselho indeferiu o pedido do Reino de Espanha.
17 Na sequência deste indeferimento, o Reino de Espanha interpôs dois primeiros recursos no Tribunal de Justiça relativos às repartições referentes ao ano de 2003 (processos que deram origem ao acórdão de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, C‑87/03 e C‑100/03, Colect., p. I‑2915), dois recursos relativos às repartições referentes ao ano de 2004 [processos que deram origem ao despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 2006, Espanha/Conselho (C‑133/04, não publicado na Colectânea), proferido na sequência da desistência do Reino de Espanha do seu recurso, e ao acórdão de 19 de Abril de 2007, Espanha/Conselho (C‑134/04, não publicado na Colectânea)] e o presente recurso, referente ao ano de 2005.
18 O Reino de Espanha considera que, uma vez que não lhe foram concedidas pelo Regulamento n.° 27/2005 determinadas quotas de pesca no mar do Norte e no mar Báltico, a frota espanhola se encontra na prática, e apesar do termo do período transitório, na impossibilidade de pescar a maior parte das espécies sujeitas a quotas nesses dois mares. Em apoio do seu recurso, o Reino de Espanha invoca três fundamentos. O primeiro é relativo à violação do princípio da não discriminação, o segundo a uma violação do acto de adesão e o terceiro à violação do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002.
19 No âmbito do seu terceiro fundamento, o Reino de Espanha expôs, no n.° 27 da sua petição, que estavam abrangidas as seguintes espécies, a saber: a galeota (zonas IIa, IV), o tamboril (zonas IIa, IV), a solha dos mares do Norte e a solha (zonas IIa, IV), o areeiro (zonas IIa, IV), o solhão (zonas IIa, IV), o lagostim (zonas IIa, IV), o verdinho (zonas IIa, IV), o camarão (zonas IIa, IIIa, IV), o pregado comum e o pregado (zonas IIa, IV), a raia (zonas IIa, IV), o cação galhudo (zonas IIa, IV) e o carapau (zonas IIa, IV).
20 Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2005, foi admitida a intervenção da Comissão das Comunidades Europeias em apoio dos pedidos do Conselho no âmbito do presente recurso.
21 Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2005, a instância foi suspensa, no presente processo, até à prolação do acórdão de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, já referido, pelo qual o Tribunal decidiu quanto aos dois primeiros recursos.
22 Na sequência deste acórdão, o Reino de Espanha foi questionado sobre se mantinha o presente recurso. Por carta de 27 de Abril de 2006, respondeu afirmativamente.
23 Nesta carta, este Estado‑Membro sustentou, baseando‑se no referido acórdão, que constituem novas possibilidades de pesca as espécies que deram origem a uma repartição sob a forma de quotas pela primeira vez, segundo o mesmo, no Regulamento n.° 27/2005, a saber:
– a bolota, zona IV (águas norueguesas);
– o tamboril, zonas IIa (águas comunitárias) e IV (águas comunitárias);
– o verdinho, zona IV (águas norueguesas);
– a maruca‑comum, zona IV (águas norueguesas);
– o lagostim, zona IV (águas norueguesas).
24 Segundo o Reino de Espanha, o Conselho violou as suas obrigações resultantes do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002, ao não lhe atribuir nenhuma quota para estas espécies.
Quanto à admissibilidade do recurso
25 No seu pedido de intervenção, a Comissão alega a inadmissibilidade do recurso do Reino de Espanha pelo facto de, pela sua carta de 27 de Abril de 2006, este ter modificado o objecto do seu recurso ao concentrar‑se unicamente no terceiro fundamento invocado e ao referir‑se a espécies que foram objecto de repartição, pela primeira vez, pelo Regulamento n.° 27/2005, adoptado no mês de Dezembro de 2004, e que não foram mencionadas na sua petição inicial. Além disso, mesmo que o recurso inicial tivesse sido mantido, deixaria, em qualquer caso, de ter objecto na sequência do acórdão de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, já referido.
26 No entanto, importa observar que o Conselho, recorrido em apoio do qual a Comissão foi autorizada a intervir, não suscitou qualquer questão prévia de inadmissibilidade em relação ao recurso do Reino de Espanha.
27 Ora, nos termos do artigo 40.°, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar‑se a sustentar as conclusões de uma das partes. Além disso, nos termos do artigo 93.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, o interveniente aceita o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção.
28 Daqui se conclui que a Comissão, como interveniente, não tinha legitimidade para suscitar a questão prévia de inadmissibilidade (v. acórdão de 30 de Janeiro de 2002, Itália/Comissão, C‑107/99, Colect., p. I‑1091, n.° 29).
29 Todavia, há que analisar oficiosamente, nos termos do artigo 92.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o Reino de Espanha modificou o objecto do litígio no decurso da instância, de forma contrária às disposições do artigo 38.° do Regulamento de Processo, e se o recurso ficou sem objecto na sequência da prolação do acórdão de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, já referido.
30 Quanto ao primeiro ponto, cumpre observar que, por carta de 27 de Abril de 2006 em resposta à pergunta do Tribunal de Justiça no sentido de saber se, tendo em conta o referido acórdão, mantinha o seu recurso, o Reino de Espanha respondeu afirmativamente. Além disso, confirmou o sentido da sua resposta na audiência no Tribunal de Justiça.
31 É verdade que, nesta carta, o Reino da Espanha menciona a importância que há que conceder, na sequência do referido acórdão, ao exame da questão de saber se determinadas espécies de peixes constituem novas possibilidades de pesca, na acepção do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002, o qual é objecto do terceiro fundamento invocado na petição. Há que verificar então, eventualmente, no âmbito da análise deste fundamento, se a menção destas espécies entra no objecto do recurso inicial ou se constitui uma ampliação inadmissível deste.
32 Quanto à questão de saber se o presente recurso deixou de ter objecto na sequência do acórdão de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, já referido, há que observar que o regulamento cuja anulação parcial o Reino de Espanha pede no litígio que deu origem a este acórdão é diferente do que é contestado no presente processo. Com efeito, o regulamento visado no referido acórdão era o Regulamento (CE) n.° 2341/2002 do Conselho, de 20 de Dezembro de 2002, que fixa, para 2003, em relação a determinadas unidades populacionais de peixes ou grupos de unidades populacionais de peixes, as possibilidades de pesca e as respectivas condições aplicáveis nas águas comunitárias e, para os navios de pesca comunitários, nas águas em que são necessárias limitações de capturas (JO L 356, p. 12), enquanto o regulamento impugnado no presente recurso é o Regulamento n.° 27/2005, que fixa as possibilidades de pesca para o ano de 2005. Estes processos têm, por consequência, objectos diferentes.
33 Assim, o presente litígio deve ser julgado admissível.
Quanto ao mérito
Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da não discriminação
Argumentos das partes
34 O Reino de Espanha alega que, a partir do termo do período transitório, os navios espanhóis deviam beneficiar da igualdade de acesso não apenas às águas comunitárias, que não lhes é contestada, mas também aos seus recursos, o que implica a atribuição de quotas de pesca no mar do Norte e no mar Báltico. Ora, o Regulamento n.° 27/2005 não atribuiu praticamente qualquer quota ao Reino de Espanha nestes dois mares. Este regulamento não respeita as condições de igualdade de tratamento e cria uma discriminação em relação aos pescadores espanhóis.
35 Não há qualquer razão objectiva que justifique esta discriminação. Deve respeitar‑se a regra geral da plena aplicabilidade de todo o direito comunitário aos novos Estados‑Membros a partir da sua adesão. As derrogações a esta regra, previstas num acto de adesão, são temporárias e devem ser interpretadas de forma estrita.
36 Segundo este Estado‑Membro, os conceitos de acesso às águas e aos recursos estão intrinsecamente ligados. O Regulamento n.° 27/2005 não faz qualquer distinção entre ambos e incumbe, por isso, ao Conselho adoptar as medidas apropriadas com vista a modificar a chave de repartição.
37 Na prática, a falta de acesso aos recursos esvazia de sentido o direito de acesso às águas. As espécies sujeitas a quotas são as únicas que possuem valor económico. Além disso, a obrigação, na falta de quotas, de lançar ao mar as capturas pertencentes a estas espécies, ainda que mortas, causa um prejuízo biológico. Por último, não dispondo de praticamente qualquer quota nestes dois mares, o Reino de Espanha está impossibilitado de proceder às trocas de possibilidades de pesca previstas no artigo 20.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2371/2002.
38 O Reino de Espanha alega que a sua situação é diferente da dos Estados‑Membros que não obtiveram quotas por força do Regulamento n.° 27/2005. Com efeito, os navios destes últimos não têm necessariamente interesse em pescar nas águas em questão, contrariamente aos do Reino de Espanha, Estado‑Membro cujas populações dependem da pesca, nomeadamente na Galiza e nas províncias bascas. O Reino de Espanha defende que, na ausência de disposições transitórias, participou na primeira repartição de quotas após a sua adesão à Comunidade em 1986, tendo‑lhe, consequentemente, sido atribuídas quotas em 2003.
39 Segundo o Conselho, o Regulamento n.° 27/2005 não cria uma discriminação em relação ao Reino de Espanha. Com efeito, este último é tratado do mesmo modo que os Estados‑Membros que não beneficiaram de quotas pelo facto de não exercerem actividades de pesca cuja estabilidade o Conselho poderia ter decidido preservar, representando os referidos Estados cerca de metade dos Estados‑Membros. O Conselho observa que o Governo espanhol não faz a distinção que se impõe entre o conceito de acesso às águas comunitárias e o de acesso aos seus recursos.
Apreciação do Tribunal de Justiça
40 O respeito do princípio da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, excepto se esse tratamento for objectivamente justificado (v., nomeadamente, acórdãos de 17 de Outubro de 1995, Fishermen’s Organisations e o., C‑44/94, Colect., p. I‑3115, n.° 46; de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, já referido, n.° 48; e de 19 de Abril de 2007, Espanha/Conselho, já referido, n.° 28).
41 Coloca‑se, pois, a questão de saber se a situação do Reino de Espanha é comparável à dos Estados‑Membros que obtiveram quotas de pesca nas águas do mar do Norte e do mar Báltico por força do Regulamento n.° 27/2005.
42 Como recordou no n.° 50 do acórdão de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, já referido, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de examinar a questão da eventual discriminação dos Estados‑Membros que não obtiveram determinadas quotas de pesca posteriormente à sua adesão à Comunidade.
43 Resulta do n.° 41 do acórdão de 13 de Outubro de 1992, Portugal e Espanha/Conselho (C‑63/90 e 67/90, Colect., p. I‑5073), que a República Portuguesa alegou que a frota portuguesa exercera actividades de pesca nas águas da Gronelândia nos anos de 1973 a 1977, isto é, durante uma parte do período de referência inicial, e sublinhou que as quantidades pescadas pela frota portuguesa eram comparáveis às capturadas pela frota alemã e nitidamente superiores às capturadas pela frota do Reino Unido.
44 O Tribunal considerou, no entanto, que a situação da República Portuguesa não era comparável à dos outros Estados‑Membros beneficiários de repartições. Entendeu que, na medida em que o acto de adesão não modificou a situação existente em matéria de repartição dos recursos externos, continua a aplicar‑se o acervo comunitário e, por conseguinte, os novos Estados‑Membros não podem invocar circunstâncias anteriores à adesão, nomeadamente as suas actividades de pesca durante o período de referência, para afastar a aplicação das disposições em causa. A partir da sua adesão, encontram‑se na mesma situação que os Estados‑Membros excluídos das repartições por força do princípio da estabilidade relativa das actividades de pesca, concretizada, no que se refere aos acordos concluídos antes da adesão, na repartição efectuada em 1983 (v. acórdãos, já referidos, Portugal e Espanha/Conselho, n.os 43 e 44; de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, n.° 52; e de 19 de Abril de 2007, Espanha/Conselho, n.º 32).
45 Este raciocínio é transponível para o caso ora em apreço. Dele decorre que o Reino de Espanha não se encontra numa situação comparável à dos Estados‑Membros que beneficiaram de quotas aquando da repartição inicial e que, consequentemente, não pode invocar as actividades de pesca dos navios espanhóis entre 1973 e 1976 no mar do Norte, durante o período de referência inicial. A sua situação é, pelo contrário, comparável à dos Estados‑Membros cujos navios não obtiveram tais quotas, quer esses Estados‑Membros tenham ou não exercido uma actividade de pesca nas águas do mar do Norte e/ou do mar Báltico durante esse período (v. acórdãos, já referidos, de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, n.° 53, e de 19 de Abril de 2007, Espanha/Conselho, n.° 33).
46 O fim do período transitório em nada altera esta situação.
47 Com efeito, o Conselho alegou, com razão, que importa distinguir o conceito de acesso às águas do de acesso aos recursos. Se, após o termo do período transitório, o Reino de Espanha pode de novo aceder às águas do mar do Norte e do mar Báltico, daí não resulta que os navios espanhóis possam aceder aos recursos desses dois mares nas mesmas proporções que os navios dos Estados‑Membros que participaram na repartição inicial ou em repartições posteriores (v. acórdãos, já referidos, de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, n.° 55, e de 19 de Abril de 2007, Espanha/Conselho, n.° 35).
48 O Conselho considerou que, uma vez que os navios espanhóis não pescaram nas águas do mar do Norte e do mar Báltico durante mais de vinte anos, a não atribuição de quotas não pode violar o princípio da estabilidade relativa das actividades de pesca das populações em causa. Daqui resulta que o Conselho pôde igualmente considerar que o Reino de Espanha não estava numa situação equivalente à dos Estados‑Membros cujos navios tinham pescado recentemente, no decurso do período de referência pertinente, em tais águas (v. acórdãos, já referidos, de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, n.° 56, e de 19 de Abril de 2007, Espanha/Conselho, n.° 36).
49 É necessário acrescentar que a impossibilidade de participar nas novas repartições de quotas de pesca, na qual o Reino de Espanha se encontrou durante o período transitório, devido a uma proibição legal meramente temporária de aceder às águas do mar do Norte e do mar Báltico, em nada altera esta conclusão. Daí não decorre que o Conselho devesse ter alterado a chave de repartição no final deste período, a fim de ter em conta os interesses do Reino de Espanha. Com efeito, ao contrário do que este Estado‑Membro defendeu no decorrer da fase escrita do processo e na audiência, não está de forma alguma demonstrado que, na ausência de proibição de acesso aos dois mares referidos durante o período transitório, este Estado‑Membro tivesse obtido determinadas quotas relativas às espécies que foram objecto de uma nova repartição no decurso do referido período.
50 Além disso, os restantes argumentos apresentados pelo Reino de Espanha e recordados no n.° 37 do presente acórdão não são susceptíveis de alterar a conclusão constante do n.° 47 deste. Assim, o facto de as espécies sujeitas a quotas terem mais valor que as outras espécies não pode ter por consequência que devam ser atribuídas certas quotas a um Estado‑Membro. Não se provou o alegado risco de natureza ecológica. A impossibilidade de se efectuarem determinadas trocas de quotas decorre da falta de atribuição destas últimas. Efectivamente, o artigo 20.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2371/2002 prevê simplesmente a possibilidade de troca das quotas que os Estados‑Membros possuem. Por conseguinte, não cria um direito à obtenção de quotas.
51 Por conseguinte, ao não tratar, no Regulamento n.° 27/2005, o Reino de Espanha do mesmo modo que os Estados‑Membros que participaram na repartição inicial das quotas de pesca, antes da adesão do referido Estado‑Membro à Comunidade, ou nas repartições posteriores, no decurso do período transitório, o Conselho não agiu de modo discriminatório em relação a este Estado.
52 Em face das considerações que precedem, há que julgar improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da não discriminação.
Quanto ao fundamento relativo à violação do acto de adesão
Argumentos das partes
53 O Governo espanhol considera que, ao não atribuir ao Reino de Espanha uma parte das quotas de pesca que foram objecto de repartição relativamente à zona das águas comunitárias do mar do Norte e do mar Báltico, após a adesão deste Estado‑Membro à Comunidade, o Regulamento n.° 27/2005 prorroga o período transitório além do que prevê o acto de adesão e viola, por consequência, as disposições deste.
54 O Reino de Espanha considera que o facto de alargar as derrogações previstas no acto de adesão para além do período transitório fixado neste acto equivale a ignorar a sua natureza excepcional, transitória e limitada.
55 Este Estado‑Membro acrescenta que, embora o Tribunal de Justiça já tenha examinado a existência de uma violação do acto de adesão no acórdão de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, já referido, o processo ora em apreço é, todavia, diferente na medida em que, contrariamente ao regulamento examinado nesse acórdão, o Regulamento n.° 27/2005 se refere, nomeadamente, a quotas atribuídas pela primeira vez em 2005, as quais constituem novas possibilidades de pesca.
56 O Conselho sustenta, por seu lado, que as disposições do acto de adesão deixaram de ser aplicáveis no termo do período transitório e não podem, portanto, constituir um critério para determinar a legalidade das medidas adoptadas pelo Conselho.
57 Por outro lado, o acto de adesão não exige nem prevê uma revisão do sistema de repartição das quotas.
58 O Conselho acrescenta que os artigos 156.° a 164.° do acto de adesão, que são disposições transitórias, não regulam a forma como o Conselho deve proceder para a repartição de novas possibilidades de pesca em 2005, isto é, vários anos após estas disposições terem deixado de ser aplicáveis.
Apreciação do Tribunal de Justiça
59 Há que recordar, como o Conselho alega, que os artigos 156.° a 164.° do acto de adesão só definem o regime aplicável ao sector da pesca para o período transitório. Estes artigos não podem, portanto, em princípio, servir de fundamento a reivindicações relativas a um período que teve início numa data posterior ao termo daquele (v. acórdãos, já referidos, de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, n.° 64, e de 19 de Abril de 2007, Espanha/Conselho, n.° 44).
60 Além disso, não resulta do acto de adesão que o Conselho tivesse obrigação de alterar, no futuro, a chave de repartição das possibilidades de pesca adoptada após a adesão do Reino de Espanha, no decurso do período transitório.
61 Mesmo que o regime aplicável durante o período transitório seja por definição temporário, daí não resulta que todas as restrições que prevê cessem automaticamente quando o referido período termine, se estas resultam também do acervo comunitário aplicável ao Estado‑Membro. Ora, como consta do n.° 29 do acórdão de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, já referido, o acervo comunitário compreende a chave de repartição fixada pela regulamentação existente no momento da adesão do Reino de Espanha. Esta chave de repartição mantém‑se, em princípio, em vigor enquanto não for modificada por um acto do Conselho.
62 Quanto às repartições de quotas efectuadas no decurso do período transitório, as mesmas não se regem pelo acto de adesão, mas pelos regulamentos que fixam as quotas em causa e pelo princípio da estabilidade relativa (v. acórdãos, já referidos, de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, n.° 66, e de 19 de Abril de 2007, Espanha/Conselho, n.° 47). Quanto às repartições efectuadas pela primeira vez pelo Regulamento n.° 27/2005, estas também não estão sujeitas às disposições do acto de adesão.
63 Assim, ao não atribuir ao Reino de Espanha determinadas quotas de pesca no mar do Norte e no mar Báltico através do Regulamento n.° 27/2005, o Conselho não violou o acto de adesão.
64 Em consequência, o fundamento relativo à violação do acto de adesão deve ser julgado improcedente.
Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002
Argumentos das partes
65 O Reino de Espanha considera que as cinco espécies mencionadas na sua carta de 27 de Abril de 2006 e referidas no n.° 23 do presente acórdão constituem novas possibilidades de pesca. Ao não lhe atribuir nenhuma quota para estas espécies, o Conselho não tomou em consideração os interesses deste Estado‑Membro e, por conseguinte, violou as disposições do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002.
66 O Conselho reconhece que as espécies que foram objecto de uma primeira repartição nos termos do Regulamento n.° 27/2005 constituem novas possibilidades de pesca. Todavia, das cinco espécies mencionadas pelas autoridades espanholas, apenas as espécies seguintes, que foram repartidas em zonas específicas pela primeira vez em 2005, constituem, nesta data, novas possibilidades de pesca:
– a bolota, zona IV (águas norueguesas);
– o tamboril, zona IV (águas norueguesas);
– a maruca‑comum, zona IV (águas norueguesas);
– o lagostim, zona IV (águas norueguesas).
67 Pelo contrário, o tamboril, zona IIa (águas comunitárias) e zona IV (águas comunitárias), mencionado no n.° 23 do presente acórdão, foi objecto de uma primeira repartição em 1998. O verdinho, zona IV (águas norueguesas), mencionado no referido n.° 23, já deu lugar a uma repartição anteriormente a 2002. O Reino de Espanha menciona, assim, de forma errada estas espécies como constituindo novas possibilidades de pesca.
68 No que diz respeito às quatro novas possibilidades de pesca que identificou, o Conselho alega que teve em consideração o interesse de todos os Estados‑Membros, incluindo o do Reino de Espanha. No entanto, não resulta da tomada em consideração destas novas possibilidades que todos os Estados‑Membros devam beneficiar da atribuição de quotas. O Conselho determinou um período de referência relativo aos anos de 1999 a 2003. Uma vez que os navios espanhóis não pescaram as espécies em causa na zona em questão no decorrer deste período, embora tivessem essa possibilidade, nenhuma quota foi atribuída a este Estado‑Membro. O Conselho conclui que não excedeu a margem de apreciação de que dispõe e que não violou, por isso, o artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002.
69 Na sua réplica, o Reino de Espanha reconhece que cometeu um erro quanto à identificação das espécies que constituem novas possibilidades de pesca e admite que apenas as quatro espécies mencionadas pelo Conselho para zonas específicas correspondem ao conceito em causa. Em contrapartida, sustenta que, em relação a estas quatro espécies, o Conselho violou o referido artigo 20.°, n.° 2.
70 A Comissão, por sua parte, considera que, uma vez que as quatro espécies mencionadas pelo Conselho entram na categoria «outras espécies» para a qual foi atribuída uma quota global à Comunidade, por força de regulamentos anteriores a 2005, as mesmas não constituem novas possibilidades de pesca. Este conceito apenas se aplica às espécies de que a Comunidade dispõe em consequência do acesso a novas águas ou a novas espécies.
71 A Comissão acrescenta que, se o Tribunal de Justiça não subscrever a sua interpretação do conceito de «novas possibilidades de pesca» e entender que as quatro espécies mencionadas pelo Conselho são abrangidas por este conceito, há que considerar que, de qualquer modo, o Conselho não excedeu os limites do seu poder de apreciação e não violou, por isso, o artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002.
Apreciação do Tribunal de Justiça
– Observações preliminares
72 O Reino de Espanha, o Conselho e a Comissão estão de acordo em que apenas as quatro espécies mencionadas pelo Conselho e referidas no n.° 66 do presente acórdão foram objecto de uma primeira repartição por força do Regulamento n.° 27/2005 e são visadas pelo terceiro fundamento do presente recurso.
73 Coloca‑se, todavia, um problema quanto à admissibilidade deste fundamento.
74 Com efeito, como foi indicado no n.° 31 do presente acórdão, importa verificar se, ao mencionar estas quatro espécies, o Reino de Espanha não modificou o objecto do litígio de forma contrária às disposições do artigo 38.° do Regulamento de Processo.
75 Importa observar que, das quatro espécies consideradas, o tamboril é mencionado no n.° 27 da petição do Reino de Espanha no que se refere à zona IV, sem que se especifique se se trata de águas comunitárias, de águas norueguesas ou do conjunto destas águas. Na sua carta de 27 de Abril de 2006, o Governo espanhol menciona o tamboril, zona IV (águas comunitárias), mas rectifica esta menção na réplica e alega que se referia às águas norueguesas.
76 Tendo em consideração a referência genérica à zona IV na petição, há que considerar que eram visadas todas as águas desta zona e, por conseguinte, que o terceiro fundamento, no que respeita ao tamboril, zona IV (águas norueguesas), é admissível.
77 Pelo contrário, quanto às outras três espécies, a bolota e a maruca‑comum não constam do n.° 27 da petição e o lagostim não é mencionado em relação à zona IV. Há que considerar, por conseguinte, que a petição não visava a bolota nem a maruca‑comum, visando apenas o lagostim para a zona III. A referência a estas três espécies para a zona IV (águas norueguesas) na carta de 27 de Abril de 2006 e na réplica constitui uma ampliação do objecto do litígio, que deve ser julgada inadmissível. O facto de estas espécies constarem do Anexo I do Regulamento n.° 27/2005, objecto do presente litígio, não é suficiente, uma vez que o Reino de Espanha solicita unicamente a anulação do regulamento na medida em que o mesmo não atribui determinadas quotas à frota espanhola e que precisou no referido n.° 27 as únicas espécies visadas pelo seu terceiro fundamento.
– Quanto ao fundamento
78 O Reino de Espanha alega que a repartição do tamboril na zona IV (águas norueguesas), operada pelo Regulamento n.° 27/2005, constitui uma nova possibilidade de pesca e que o Conselho não teve em conta os seus interesses ao não lhe atribuir nenhuma quota para esta espécie, violando as disposições do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002.
79 Há que examinar se a repartição do tamboril na zona IV (águas norueguesas) constitui uma nova possibilidade de pesca, na acepção do artigo 20.°, n.° 2, e, sendo esse caso, se o Conselho acautelou os interesses do Reino de Espanha.
80 Quanto ao primeiro ponto, é pacífico que a repartição efectuada pelo Regulamento n.° 27/2005 constitui a primeira repartição de quotas quanto a esta espécie entre os Estados‑Membros.
81 Segundo a Comissão, o tamboril na zona IV (águas norueguesas) não constitui, todavia, uma nova possibilidade de pesca, mas sim uma possibilidade de pesca já existente, uma vez que não se trata de uma espécie explorada pela primeira vez por força da política comunitária, em conformidade com o artigo 8.°, n.° 4, alínea iii), do Regulamento n.° 3760/92. Ora, o artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002 substituiu este artigo 8.°, n.° 4, alínea iii), e deve ser interpretado à luz deste último. Daqui resulta que esta espécie deve dar lugar a uma repartição segundo o princípio da estabilidade relativa mencionado no artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2371/2002 e não tendo em conta, em conformidade com o referido artigo 20.°, n.° 2, o interesse dos Estados‑Membros.
82 Todavia, cumpre observar que o Regulamento n.° 2371/2002 apresenta diferenças relativamente ao Regulamento n.° 3760/92.
83 Assim, o Regulamento n.° 2371/2002 precisa o conceito de «possibilidades de pesca», que define no seu artigo 3.°, alínea q), como um direito de pesca quantificado. Quanto ao artigo 20.°, n.° 2, deste regulamento, o seu texto difere do do referido artigo 8.°, n.° 4, alínea iii), e prevê simplesmente que, sempre que a Comunidade fixe novas possibilidades de pesca, o Conselho deve decidir quanto à atribuição destas últimas, atendendo aos interesses de cada Estado‑Membro.
84 Há, pois, que interpretar o conceito de «novas possibilidades de pesca» tendo em conta a economia e o objectivo do artigo 20.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 2371/2002, entendido à luz da jurisprudência (v. acórdãos de 16 de Junho de 1987, Romkes, 46/86, Colect., p. 2671; de 13 de Outubro de 1992, Espanha/Conselho, C‑70/90, Colect., p. I‑5159; Espanha/Conselho, C‑71/90, Colect., p. I‑5175; Espanha/Conselho, C‑73/90, Colect., p. I‑5191; e de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, já referido).
85 Resulta assim do exame destes dois números do referido artigo 20.° que o primeiro trata das possibilidades de pesca existentes, enquanto o segundo trata das novas possibilidades de pesca. As possibilidades de pesca existentes são repartidas entre os Estados‑Membros em aplicação do princípio da estabilidade relativa.
86 O Tribunal já decidiu que a exigência de estabilidade relativa deve entender‑se como significando a manutenção de uma percentagem fixa para cada Estado‑Membro e que a chave de repartição inicialmente fixada continuará a aplicar‑se enquanto não for adoptado um regulamento modificativo (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, Romkes, n.° 17, e de 30 de Março de 2006, Espanha/Conselho, n.° 27).
87 Na medida em que a aplicação do princípio da estabilidade relativa às possibilidades de pesca existentes acarreta a manutenção de uma chave de repartição já fixada entre os Estados‑Membros, há que considerar que o estabelecimento de uma primeira chave de repartição entre Estados‑Membros implica a atribuição de novas possibilidades de pesca e uma repartição que tenha em conta o interesse de cada um deles. O conceito de interesse pode abranger a necessidade de preservar a estabilidade relativa das actividades de pesca, mas não está limitado a esta necessidade.
88 Assim, contrariamente ao ponto de vista expresso pela Comissão, quando uma primeira chave de repartição é fixada por Estado‑Membro, nomeadamente após os Estados‑Membros terem exercido o seu direito de pesca numa zona e em relação a espécies para as quais a Comunidade dispõe de uma quota global, o Conselho decide, tendo em consideração o interesse de cada um deles, em conformidade com o disposto no artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002. Uma vez que, por definição, nenhuma chave de repartição pode ser mantida em tal caso, não há lugar a aplicar as disposições do artigo 20.°, n.° 1, deste regulamento.
89 Importa acrescentar que a interpretação defendida pela Comissão conduziria a uma situação paradoxal na qual o direito de acesso dos Estados‑Membros às novas águas e a novas espécies poderia nunca ser qualificado de novas possibilidades de pesca e, por conseguinte, nunca permitir a tomada em consideração dos interesses destes Estados, na acepção do artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2371/2002. O mesmo sucederia sempre que, como no caso em apreço, o novo direito de acesso assumisse, num primeiro momento, a forma de uma quota global a favor da Comunidade antes de, num segundo tempo, ser atribuído aos Estados‑Membros de forma individual. Ora, não resulta do Regulamento n.° 2371/2002 que o legislador tenha pretendido limitar desta forma a tomada em consideração do interesse dos Estados‑Membros.
90 Em face do exposto, há que considerar que a primeira atribuição aos Estados‑Membros do tamboril na zona IV (águas norueguesas), baseada no estabelecimento de uma primeira chave de repartição para esta espécie nas águas em questão, constitui uma nova possibilidade de pesca.
91 É necessário, por esse motivo, analisar se o Conselho teve devidamente em consideração os interesses do Reino de Espanha.
92 Tratando‑se de um regulamento em matéria de pesca, no quadro da política agrícola comum, resulta de jurisprudência assente que o legislador comunitário dispõe neste domínio de um amplo poder de apreciação que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 34.° CE a 37.° CE lhe atribuem (v., nomeadamente, acórdão de 23 de Março de 2006, Unitymark e North Sea Fishermen’s Organisation, C‑535/03, Colect., p. I‑2689, n.° 55).
93 Contudo, há que verificar se o legislador comunitário não excedeu os limites do seu poder de apreciação.
94 O Reino de Espanha alega que, durante o período de referência escolhido pelo Conselho, isto é, de 1999 a 2003, as disposições dos artigos 156.° a 164.° do acto de adesão lhe proibiam o acesso às águas em questão. Ao decidir atribuir quotas apenas aos Estados‑Membros cujas frotas pescaram as espécies em causa durante este período, nomeadamente o tamboril, e ao não atribuir nenhuma quota ao Reino de Espanha apesar de a ausência dos navios espanhóis da zona em questão se ter ficado a dever a uma proibição estritamente legal, o Conselho não teve em conta os seus interesses.
95 Contudo, como o Conselho alegou na contestação e na tréplica, há que observar que os artigos 156.° a 164.° do acto de adesão dizem apenas respeito ao acesso às águas comunitárias e não ao acesso às águas norueguesas e que, por conseguinte, o argumento do Reino de Espanha não é relevante.
96 Na audiência, o Reino de Espanha tentou avançar outros argumentos para demonstrar a impossibilidade de os navios espanhóis pescarem nas águas norueguesas. Em primeiro lugar, alegou nem sempre ser fácil identificar, no interior de uma dada zona, as águas nas quais os navios exercem a sua actividade e, em seguida, afirmou não lhe ter sido atribuída nenhuma quota nas águas norueguesas.
97 Estes argumentos não são todavia determinantes, uma vez que o tamboril, que não estava sujeito a qualquer quota específica por Estado‑Membro, podia ser livremente pescado pelas diferentes frotas dos Estados‑Membros, sem prejuízo de uma quota global aplicável à Comunidade relativa a diversas espécies das quais fazia parte.
98 Há que observar que a falta de atribuição, ao Reino de Espanha ou a outro Estado‑Membro, de quotas para o tamboril não implica que o Conselho não tenha tomado em consideração os interesses destes Estados‑Membros.
99 Quanto à escolha do período de referência, o Tribunal de Justiça já decidiu que o Conselho dispõe de uma certa flexibilidade (v., neste sentido, acórdão de 25 de Outubro de 2001, Itália/Conselho, C‑120/99, Colect., p. I‑7997, n.° 42). O período de cinco anos, que decorreu de 1999 a 2003, constitui um período de referência recente e suficientemente longo que não parece criticável.
100 Ao atribuir quotas para o tamboril apenas aos Estados‑Membros cujos navios pescaram esta espécie ao longo deste período e ao não conceder qualquer quota ao Reino de Espanha pelo facto de os navios espanhóis não terem praticado esta pesca apesar de disporem do direito de acesso à zona em questão, o Conselho não excedeu os limites do seu poder de apreciação.
101 Por conseguinte, há que julgar improcedente o terceiro fundamento.
102 Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados foi acolhido, deve ser negado provimento ao recurso do Reino de Espanha.
Quanto às despesas
103 Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação do Reino de Espanha e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas. Nos termos do n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo, a Comissão suportará as suas próprias despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:
1) É negado provimento ao recurso.
2) O Reino de Espanha é condenado nas despesas.
3) A Comissão das Comunidades Europeias suportará as suas próprias despesas.
Assinaturas
* Língua do processo: espanhol.