Processo C‑48/05
Adam Opel AG
contra
Autec AG
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Nürnberg‑Fürth)
«Reenvio prejudicial – Marca – Artigo 5.º, n.os 1, alínea a), e 2, e artigo 6.º, n.° 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104/CEE – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso, por um terceiro, de um sinal idêntico ou semelhante à marca – Marca registada para veículos automóveis e para brinquedos – Reprodução da marca, por um terceiro, em miniaturas de veículos dessa marca»
Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer apresentadas em 7 de Março de 2006
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 25 de Janeiro de 2007
Sumário do acórdão
1. Aproximação das legislações – Marcas – Directiva 89/104 – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso, por um terceiro, de um sinal idêntico para produtos idênticos
[Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.°, n.° 1, alínea a)]
2. Aproximação das legislações – Marcas – Directiva 89/104 – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso, por um terceiro, de um sinal idêntico para produtos idênticos – Uso da marca na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva – Conceito
[Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.°, n.° 1, alínea a)]
3. Aproximação das legislações – Marcas – Directiva 89/104 – Marca que goza de prestígio – Protecção alargada a produtos ou serviços que não são semelhantes (artigo 5.°, n.° 2, da directiva)
(Directiva 89/104 do Conselho, artigo 5.°, n.° 2)
4. Aproximação das legislações – Marcas – Directiva 89/104 – Limitação dos efeitos da marca
[Directiva 89/104 do Conselho, artigo 6.°, n.° 1, alínea b)]
1. O artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104 sobre as marcas deve ser interpretado no sentido de que, quando uma marca é registada simultaneamente para veículos automóveis e para brinquedos, a aposição por um terceiro, sem autorização do titular da marca, de um sinal idêntico a essa marca em miniaturas de veículos da referida marca, de modo a reproduzir fielmente esses veículos, e a comercialização das referidas miniaturas constituem um uso que o titular da marca está habilitado a proibir, se esse uso prejudicar ou for susceptível de prejudicar as funções da marca, enquanto marca registada para brinquedos. É ao órgão jurisdicional nacional que compete determinar, tendo como referência o consumidor médio de brinquedos no Estado‑Membro em causa, se é esse o caso no litígio que lhe foi submetido.
(cf. n.os 25, 37, disp. 1)
2. Excluindo a hipótese específica do uso de uma marca por um terceiro que presta serviços que têm por objecto os produtos que ostentam essa marca, o artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104 sobre as marcas deve ser interpretado no sentido de que visa o uso de um sinal idêntico à marca para produtos comercializados ou serviços prestados pelo terceiro que são idênticos àqueles para os quais a marca foi registada.
Consequentemente, tratando‑se de uma marca registada simultaneamente para veículos automóveis e para brinquedos, a aposição por um terceiro, sem autorização do titular da marca, de um sinal idêntico a essa marca em miniaturas de veículos da referida marca não constitui um uso do sinal como marca registada para veículos automóveis, na acepção do artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva.
(cf. n.os 28, 30)
3. O artigo 5.º, n.° 2, da Primeira Directiva 89/104 sobre as marcas deve ser interpretado no sentido de que, quando uma marca é registada simultaneamente para veículos automóveis – relativamente aos quais goza de prestígio – e para brinquedos, a aposição por um terceiro, sem autorização do titular da marca, de um sinal idêntico a essa marca em miniaturas de veículos da referida marca, de modo a reproduzir fielmente esses veículos, e a comercialização das referidas miniaturas constituem um uso que o titular da marca está habilitado a proibir – quando a protecção definida nesta disposição tenha sido introduzida no direito nacional –, se, sem justo motivo, esse uso tirar indevidamente partido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, enquanto marca registada para veículos automóveis, ou os prejudicar. Tratando‑se, em todo o caso, de uma apreciação de natureza factual, é ao órgão jurisdicional nacional que compete, sendo caso disso, determinar se isso se verifica no litígio que lhe foi submetido.
(cf. n.os 36, 37, disp. 1)
4. O artigo 6.º, n.° 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104 sobre as marcas deve ser interpretado no sentido de que, quando uma marca é registada nomeadamente para veículos automóveis, a aposição por um terceiro, sem autorização do titular da marca, de um sinal idêntico a essa marca em miniaturas de veículos da referida marca, de modo a reproduzir fielmente esses veículos, e a comercialização das referidas miniaturas não constituem uso de uma indicação relativa a uma característica dessas miniaturas.
(cf. n.° 45, disp. 2)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)
25 de Janeiro de 2007 (*)
«Reenvio prejudicial – Marca – Artigo 5.º, n.os 1, alínea a), e 2, e artigo 6.º, n.° 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104/CEE – Direito de o titular de uma marca se opor ao uso, por um terceiro, de um sinal idêntico ou semelhante à marca – Marca registada para veículos automóveis e para brinquedos – Reprodução da marca, por um terceiro, em miniaturas de veículos dessa marca»
No processo C‑48/05,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.º CE, apresentado pelo Landgericht Nürnberg‑Fürth (Alemanha) por decisão de 28 de Janeiro de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de Fevereiro de 2005, no processo
Adam Opel AG
contra
Autec AG,
sendo intervenientes:
Deutscher Verband der Spielwaren-Industrie eV,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),
composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Schiemann e M. Ilešič (relator), juízes,
advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,
secretário: M. Ferreira, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 2 de Fevereiro de 2006,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da Adam Opel AG, por S. Völker e A. Klett, Rechtsanwälte,
– em representação da Autec AG, por R. Prager e T. Nägele, Rechtsanwälte, bem como por D. Tergau, Patentanwalt,
– em representação da Deutscher Verband der Spielwaren-Industrie eV, por T. Nägele, Rechtsanwalt,
– em representação do Governo francês, por G. de Bergues e A. Bodard‑Hermant, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo do Reino Unido, por M. Bethell, na qualidade de agente, assistido por M. Tappin, barrister, e S. Malynicz, barrister,
– em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Braun, B. Rasmussen e W. Wils, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de Março de 2006,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 5.º, n.° 1, alínea a), e 6.º, n.° 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1, a seguir «directiva»).
Quadro jurídico
2 O artigo 5.º da directiva, intitulado «Direitos conferidos pela marca», dispõe:
«1. A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:
a) de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;
b) de um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.
2. Qualquer Estado‑Membro poderá também estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros façam uso, na vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, sempre que esta goze de prestígio no Estado‑Membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.
3. Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:
a) apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;
b) oferecer os produtos para venda ou colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;
c) importar ou exportar produtos com esse sinal;
d) utilizar o sinal nos documentos comerciais e na publicidade.
[…]
5. Os n.os 1 a 4 não afectam as disposições aplicáveis num Estado‑Membro relativas à protecção contra o uso de um sinal feito para fins diversos dos que consistem em distinguir os produtos ou serviços, desde que a utilização desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.»
3 O artigo 6.º da directiva, intitulado «Limitação dos efeitos da marca», estabelece, no seu n.° 1:
«O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial,
a) do seu próprio nome e endereço;
b) de indicações relativas à espécie, à qualidade, à quantidade, ao destino, ao valor, à proveniência geográfica, à época de produção do produto ou da prestação do serviço ou a outras características dos produtos ou serviços;
c) da marca, sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou serviço, nomeadamente sob a forma de acessórios ou peças sobressalentes, desde que esse uso seja feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
4 A Adam Opel AG (a seguir «Adam Opel»), construtora de automóveis, é titular da marca nacional figurativa a seguir reproduzida, registada na Alemanha em 10 de Abril de 1990 para, designadamente, veículos automóveis e brinquedos (a seguir «logótipo Opel»):
5 A Autec AG (a seguir «Autec») fabrica, entre outros, miniaturas telecomandadas de veículos, que comercializa sob a marca cartronic.
6 No início do ano de 2004, a Adam Opel verificou que na Alemanha se comercializava uma miniatura à escala 1:24, telecomandada, do Opel Astra V8 coupé, na grelha do qual estava aposta, à imagem do veículo original, o logótipo Opel. Este brinquedo é fabricado pela Autec.
7 A marca cartronic, acompanhada do símbolo ®, figura de forma bem visível na folha de rosto do manual de instruções de cada miniatura, bem como na parte da frente do comando à distância. Além disso, as indicações «AUTEC® AG» e «AUTEC® AG D 90441 Nürnberg» aparecem no verso do manual de instruções, figurando esta última ainda num autocolante colado por detrás do comando à distância.
8 Através de petição apresentada no Landgericht Nürnberg-Fürth, a Adam Opel pediu a condenação da Autec, designadamente, a abster‑se, na vida comercial, de apor o logótipo Opel nas miniaturas de veículos e de propor para venda, comercializar ou deter para esses efeitos, importar ou exportar miniaturas de veículos com essa marca, sob pena de condenação numa sanção pecuniária compulsória de 250 000 EUR por cada transgressão, ou, subsidiariamente, numa pena de prisão até seis meses.
9 A Adam Opel considera que a utilização do logótipo Opel em brinquedos que são miniaturas de veículos que ela fabrica e distribui constitui uma contrafacção dessa marca. Alega que a referida marca é utilizada para produtos idênticos àqueles para os quais foi registada, a saber, brinquedos. Trata‑se de uma utilização como marca, na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, dado que o público parte do princípio de que o fabricante de miniaturas de um veículo de uma dada marca as fabrica e distribui ao abrigo de uma licença concedida pelo titular da marca.
10 Baseando‑se nas decisões de diversos órgãos jurisdicionais alemães, a Autec, apoiada pela Deutscher Verband der Spielwaren-Industrie eV (Federação Alemã da Indústria do Brinquedo), responde que a aposição de uma marca protegida em miniaturas que são a réplica fiel de veículos da referida marca não constitui uma utilização da marca enquanto marca. No caso vertente, a função de origem do logótipo Opel não é afectada, pois, graças à utilização das marcas cartronic e AUTEC, resulta claramente aos olhos do público que a miniatura não provém do fabricante do veículo de que é a réplica. De resto, o público está habituado ao facto de que, há mais de 100 anos, a indústria do brinquedo reproduz fielmente, isto é, até à aposição da marca que ostentam, produtos que existem na realidade.
11 À luz do acórdão de 23 de Fevereiro de 1999, BMW (C‑63/97, Colect., p. I‑905), o Landgericht Nürnberg‑Fürth considera que a utilização do logótipo Opel pela Autec só pode ser proibido, nos termos do artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva, se se tratar de uma utilização como marca.
12 O Landgericht Nürnberg‑Fürth está inclinado a pensar que a Autec utiliza esse logótipo como marca, dado que o referido logótipo remete para o fabricante do modelo original. Por outro lado, interroga‑se sobre se tal utilização, que lhe parece simultaneamente constituir um uso descritivo na acepção do artigo 6.º, n.° 1, da directiva, pode ser autorizada ao abrigo desta disposição quando a referida marca foi registada igualmente para brinquedos.
13 Assim, por considerar que a solução do litígio que lhe foi submetido necessita da interpretação da directiva, o Landgericht Nürnberg‑Fürth decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) O uso de uma marca registada designadamente para ‘brinquedos’ constitui um uso como marca, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva […] quando o fabricante de uma miniatura de um automóvel reproduz e comercializa à escala reduzida uma cópia de um modelo realmente existente, incorporando a marca do titular?
2) Caso a resposta à primeira questão seja afirmativa:
O uso da marca da forma descrita na primeira questão é uma indicação da espécie ou da qualidade da miniatura do veículo, na acepção do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), da directiva […]?
3) Caso a resposta à segunda questão seja afirmativa:
Quais são os critérios relevantes nestes casos para determinar se o uso da marca é feito em conformidade com as práticas honestas em matéria comercial ou industrial?
Estamos especialmente perante um caso destes quando o fabricante da miniatura dum veículo coloca na embalagem e numa parte acessória necessária para a utilização do brinquedo um sinal reconhecível para o comércio como marca própria, bem como a sua denominação social e a indicação da sua sede?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
Quanto à interpretação do artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva
14 Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se, quando uma marca é registada simultaneamente para veículos automóveis e para brinquedos, a aposição por um terceiro, sem autorização do titular da marca, de um sinal idêntico a essa marca em miniaturas de veículos da referida marca, de modo a reproduzir fielmente esses veículos, e a comercialização das referidas miniaturas constituem, na acepção do artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva, um uso que o titular da marca está habilitado a proibir.
15 O artigo 5.º da directiva define os «[d]ireitos conferidos pela marca», ao passo que o seu artigo 6.º contém as regras relativas à «[l]imitação dos efeitos da marca».
16 Nos termos do artigo 5.°, n.° 1, primeira frase, da directiva, a marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. Nos termos da alínea a) do mesmo número, esse direito exclusivo habilita o titular a proibir que qualquer terceiro, sem o seu consentimento, faça uso, na vida comercial, de um sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada. O artigo 5.°, n.° 3, da directiva enumera de forma não exaustiva os tipos de uso que o titular pode proibir nos termos do n.° 1 deste artigo. Outras disposições da directiva, como o artigo 6.°, definem certas limitações dos efeitos da marca (acórdão de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club, C‑206/01, Colect., p. I‑10273, n.° 38).
17 A fim de evitar que a protecção conferida ao titular da marca varie de um Estado para outro, compete ao Tribunal de Justiça dar uma interpretação uniforme ao artigo 5.º, n.° 1, da directiva, em especial, ao conceito de «uso» que nele figura (acórdão Arsenal Football Club, já referido, n.° 45).
18 No processo principal, é um dado assente que o uso do sinal idêntico à marca em causa ocorre efectivamente na vida comercial, uma vez que se situa no contexto de uma actividade comercial que visa um proveito económico, e não no domínio privado (v., neste sentido, acórdão Arsenal Football Club, já referido, n.° 40).
19 É igualmente um dado assente que esse uso foi efectuado sem o consentimento do titular da marca em causa.
20 Além disso, na medida em que o logótipo Opel foi registado para brinquedos, estamos perante a hipótese visada no artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva, a saber, um sinal idêntico à marca em causa para produtos – brinquedos – idênticos àqueles para os quais a marca foi registada. A este respeito, deve reconhecer‑se, em particular, que o uso em causa no processo principal é feito «para produtos», na acepção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), da directiva, uma vez que consiste na aposição do sinal idêntico à marca em produtos, bem como na oferta, na comercialização ou na detenção desses produtos para estes fins, na acepção do artigo 5.°, n.° 3, alíneas a) e b), da directiva (v., neste sentido, acórdão Arsenal Football Club, já referido, n.os 40 e 41).
21 No entanto, há que recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito exclusivo previsto no artigo 5.º, n.° 1, da directiva foi concedido com o objectivo de permitir ao titular da marca proteger os seus interesses específicos como titular dessa marca, ou seja, assegurar que esta possa cumprir as suas funções próprias, e que, assim, o exercício deste direito deve ser reservado aos casos em que o uso do sinal por um terceiro prejudica ou é susceptível de prejudicar as funções da marca, nomeadamente a sua função essencial, que é garantir aos consumidores a proveniência do produto (acórdãos Arsenal Football Club, já referido, n.° 51, e de 16 de Novembro de 2004, Anheuser‑Busch, C‑245/02, Colect., p. I‑10989, n.° 59).
22 Por conseguinte, a aposição, por um terceiro, de um sinal idêntico a uma marca registada para brinquedos em miniaturas de veículos só pode ser proibida, nos termos do artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva, se prejudicar ou for susceptível de prejudicar as funções dessa marca.
23 No processo principal, caracterizado pela circunstância de a marca em causa estar registada simultaneamente para veículos automóveis e para brinquedos, o órgão jurisdicional de reenvio explicou que, na Alemanha, o consumidor médio dos produtos da indústria do brinquedo, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, está habituado a que as miniaturas se baseiem nos modelos reais e atribui mesmo muita importância à fidelidade absoluta ao original, de modo que o referido consumidor compreenderá o logótipo Opel, que figura nos produtos da Autec, como uma indicação de que se trata da reprodução em miniatura de um veículo da marca Opel.
24 Se, com estas explicações, o órgão jurisdicional de reenvio pretendeu sublinhar que o público‑alvo não apreende o sinal idêntico ao logótipo Opel, que figura nas miniaturas comercializadas pela Autec, como uma indicação de que estes produtos provêem da Adam Opel ou de uma empresa economicamente ligada a esta última, então deveria declarar que o uso em causa no processo principal não prejudica a função essencial do logótipo Opel como marca registada para brinquedos.
25 É ao órgão jurisdicional de reenvio que compete determinar, tendo como referência o consumidor médio de brinquedos na Alemanha, se a utilização em causa no processo principal prejudica as funções do logótipo Opel enquanto marca registada para brinquedos. De resto, a Adam Opel não parece ter alegado que essa utilização prejudique, para além da sua função essencial, outras funções dessa marca.
26 Por outro lado, baseando‑se no acórdão BMW, já referido, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se se verifica o uso, pela Autec, do logótipo Opel enquanto marca registada para veículos automóveis.
27 A este respeito, é verdade que o processo BMW, já referido, dizia respeito ao uso de um sinal idêntico à marca para serviços que não eram idênticos àqueles para os quais essa marca tinha sido registada, dado que a marca BMW, em causa no processo principal, não estava registada para veículos, mas para serviços de reparação de veículos. No entanto, os veículos comercializados com a marca BMW pelo titular dessa marca constituíam o próprio objecto dos serviços – a reparação de veículos – fornecidos por terceiros, de modo que era indispensável identificar a proveniência dos veículos de marca BMW, objecto dos referidos serviços. Foi tendo em consideração esse vínculo específico e indissociável entre os produtos revestidos da marca e os serviços fornecidos pelo terceiro que o Tribunal de Justiça declarou que, nas circunstâncias específicas do processo BMW, já referido, o uso, pelo terceiro, do sinal idêntico à marca para produtos comercializados, não pelo terceiro mas pelo titular da marca, estava abrangido pelo artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva.
28 Salvo esta hipótese específica do uso de uma marca por um terceiro que presta serviços que têm por objecto os produtos que ostentam essa marca, o artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva deve ser interpretado no sentido de que visa o uso de um sinal idêntico à marca para produtos comercializados ou serviços prestados pelo terceiro, que são idênticos àqueles para os quais a marca foi registada.
29 Com efeito, por um lado, a interpretação segundo a qual os produtos ou serviços visados no artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva são os comercializados ou prestados pelo terceiro resulta da própria redacção dessa disposição, em especial dos termos «uso […] para produtos ou serviços». Por outro lado, a interpretação contrária conduziria a que os termos «produtos» e «serviços», empregues no artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva, designem, sendo caso disso, os produtos ou os serviços do titular da marca, ao passo que os termos «produtos» e «serviços», empregues no artigo 6.º, n.° 1, alíneas b) e c), da directiva, visam necessariamente os que são comercializados ou prestados pelo terceiro, o que conduz assim a interpretar, contra a economia da directiva, os mesmos termos de maneira diferente, consoante figurem no artigo 5.º ou no artigo 6.º
30 Dado que, no processo principal, a Autec não vende veículos, não se verifica uso do logótipo Opel como marca registada para veículos automóveis, na acepção do artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva.
Quanto à interpretação do artigo 5.º, n.° 2, da directiva
31 Segundo jurisprudência assente, compete ao Tribunal de Justiça fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todos os elementos de interpretação do direito comunitário que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe está submetido, quer este lhes tenha feito referência ou não no enunciado das suas questões (v. acórdãos de 7 de Setembro de 2004, Trojani, C‑456/02, Colect., p. I‑7573, n.° 38, e de 15 de Setembro de 2005, Ioannidis, C‑258/04, Colect., p. I‑8275, n.° 20).
32 Atendendo às circunstâncias do processo principal, há igualmente que fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio uma interpretação do artigo 5.º, n.° 2, da directiva.
33 É verdade que, ao contrário do artigo 5.°, n.° 1, da directiva, o artigo 5.°, n.° 2, da mesma não impõe aos Estados‑Membros que introduzam nos seus direitos nacionais a protecção nele definida, mas limita‑se a conceder‑lhes a faculdade de conferirem essa protecção (acórdão de 9 de Janeiro de 2003, Davidoff, C‑292/00, Colect., p. I‑389, n.° 18). No entanto, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, parece resultar das questões submetidas pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), analisadas pelo Tribunal de Justiça no processo Davidoff, já referido, que o legislador alemão aplicou as disposições do artigo 5.º, n.° 2, da directiva.
34 Antes de mais, no processo principal, o logótipo Opel está igualmente registado para veículos automóveis, em seguida, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, trata‑se de uma marca de prestígio na Alemanha para esse tipo de produtos e, por último, um veículo automóvel e uma miniatura desse veículo não são produtos semelhantes. Por conseguinte, o uso em causa no processo principal pode igualmente ser proibido, nos termos do artigo 5.º, n.° 2, da directiva, se, sem justo motivo, esse uso tirar indevidamente partido do carácter distintivo ou do prestígio da referida marca, como marca registada para veículos automóveis, ou se os prejudicar.
35 A Adam Opel alegou, na audiência no Tribunal de Justiça, que tem interesse em que a qualidade das miniaturas de veículos da marca Opel seja boa e que estas miniaturas sejam perfeitamente actuais, dado que, caso contrário, o prestígio dessa marca, como marca registada para veículos automóveis, seria afectado.
36 Trata‑se, em todo o caso, de uma apreciação de natureza factual. É ao órgão jurisdicional de reenvio que compete, sendo caso disso, determinar se o uso em causa no processo principal constitui um uso sem justo motivo que tira indevidamente partido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, como marca registada, ou os prejudica.
37 Por conseguinte, há que responder à primeira questão que quando uma marca é registada simultaneamente para veículos automóveis – relativamente aos quais goza de prestígio – e para brinquedos, a aposição por um terceiro, sem autorização do titular da marca, de um sinal idêntico a essa marca em miniaturas de veículos da referida marca, de modo a reproduzir fielmente esses veículos, e a comercialização das referidas miniaturas:
– constituem, na acepção do artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da directiva, um uso que o titular da marca está habilitado a proibir, se esse uso prejudicar ou for susceptível de prejudicar as funções da marca, enquanto marca registada para brinquedos;
– constituem, na acepção do artigo 5.º, n.° 2, da directiva, um uso que o titular da marca está habilitado a proibir – quando a protecção definida nesta disposição tenha sido introduzida no direito nacional –, se, sem justo motivo, esse uso tirar indevidamente partido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, enquanto marca registada para veículos automóveis, ou os prejudicar.
Quanto à segunda questão
38 Embora, através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio solicite formalmente a interpretação do artigo 6.º, n.° 1, alínea a), da directiva, resulta claramente da decisão de reenvio que o referido órgão procura, na realidade, obter a interpretação da alínea b) do mesmo número.
39 Antes de mais, há que referir que o uso do logótipo Opel, em causa no processo principal, não pode ser autorizado com base no artigo 6.º, n.° 1, alínea c), da directiva. Com efeito, a aposição dessa marca nas miniaturas da Autec não tem por objectivo indicar o destino desses brinquedos.
40 Nos termos do artigo 6.º, n.° 1, alínea b), da directiva, o direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial, de indicações relativas à espécie, à qualidade, à quantidade, ao destino, ao valor, à proveniência geográfica, à época da produção do produto ou da prestação do serviço, ou a outras características dos produtos ou serviços.
41 A Adam Opel e o Governo francês alegam que a finalidade prosseguida por essa disposição é, designadamente, impedir que o titular da marca se possa opor à utilização, por um terceiro, de uma indicação descritiva de uma característica dos produtos ou dos serviços do titular da marca. Ora, o logótipo Opel de modo algum indica a espécie, a qualidade ou outras características das miniaturas. A Comissão das Comunidades Europeias partilha da mesma opinião no que respeita ao uso em causa no processo principal, mas não exclui que, noutras circunstâncias de facto, em que as miniaturas se destinem a coleccionadores, a reprodução idêntica de cada pormenor do veículo original possa eventualmente constituir uma característica essencial dessa categoria de produtos, de modo que o artigo 6.º, n.° 1, alínea b), da directiva pudesse também abarcar a cópia fiel da marca.
42 A este respeito, embora essa disposição vise, em primeiro lugar, impedir que o titular de uma marca proíba os concorrentes de utilizarem um ou mais termos descritivos que fazem parte da sua marca, com a finalidade de indicar certas características dos seus produtos (v., designadamente, acórdão de 4 de Maio de 1999, Windsurfing Chiemsee, C‑108/97 e C‑109/97, Colect., p. I‑2779, n.° 28), a sua redacção não é de forma alguma específica a uma situação dessa natureza.
43 Por conseguinte, não se pode excluir, a priori, que a referida disposição autorize um terceiro a usar uma marca, se esse uso consistir em fornecer uma indicação relativa à espécie, à qualidade ou a outras características dos produtos comercializados por esse terceiro, sob reserva de o referido uso ser feito em conformidade com as práticas honestas em matéria industrial ou comercial.
44 No entanto, a aposição de um sinal idêntico a uma marca registada designadamente para veículos automóveis, em miniaturas de veículos dessa marca, de modo a reproduzir fielmente esses veículos, não visa fornecer uma indicação relativa a uma característica das referidas miniaturas, sendo apenas um elemento da reprodução fiel dos veículos originais.
45 Por conseguinte, há que responder à segunda questão que quando uma marca é registada nomeadamente para veículos automóveis, a aposição por um terceiro, sem autorização do titular da marca, de um sinal idêntico a essa marca em miniaturas de veículos da referida marca, de modo a reproduzir fielmente esses veículos, e a comercialização das referidas miniaturas não constituem uso de uma indicação relativa a uma característica dessas miniaturas, na acepção do artigo 6.º, n.° 1, alínea b), da directiva.
Quanto à terceira questão
46 Tendo em conta a resposta dada à segunda questão, não há que responder à terceira questão prejudicial.
Quanto às despesas
47 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:
1) Quando uma marca é registada simultaneamente para veículos automóveis – relativamente aos quais goza de prestígio – e para brinquedos, a aposição por um terceiro, sem autorização do titular da marca, de um sinal idêntico a essa marca em miniaturas de veículos da referida marca, de modo a reproduzir fielmente esses veículos, e a comercialização das referidas miniaturas:
– constituem, na acepção do artigo 5.º, n.° 1, alínea a), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, um uso que o titular da marca está habilitado a proibir, se esse uso prejudicar ou for susceptível de prejudicar as funções da marca, enquanto marca registada para brinquedos;
– constituem, na acepção do artigo 5.º, n.° 2, da directiva, um uso que o titular da marca está habilitado a proibir – quando a protecção definida nesta disposição tenha sido introduzida no direito nacional –, se, sem justo motivo, esse uso tirar indevidamente partido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, enquanto marca registada para veículos automóveis, ou os prejudicar.
2) Quando uma marca é registada nomeadamente para veículos automóveis, a aposição por um terceiro, sem autorização do titular da marca, de um sinal idêntico a essa marca em miniaturas de veículos da referida marca, de modo a reproduzir fielmente esses veículos, e a comercialização das referidas miniaturas não constituem uso de uma indicação relativa a uma característica dessas miniaturas, na acepção do artigo 6.º, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104.
Assinaturas
* Língua do processo: alemão.