CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

L. A. GEELHOED

apresentadas em 28 de Setembro de 2006 1(1)

Processo C‑295/05

Asociación Nacional de Empresas Forestales (ASEMFO)

contra

Transformación Agraria SA

e

Administración del Estado

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo (Espanha) – Secção do contencioso administrativo]

«Tribunal Supremo (Espanha) – Interpretação do artigo 86.°, n.° 1, CE e das Directivas 93/37/CEE, 97/53/CE, 2001/78/CE e 2004/18/CE, relativas à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços – Compatibilidade de uma regulamentação nacional que atribui a uma empresa pública um regime jurídico que lhe permite realizar obras públicas sem sujeição aos processos de adjudicação dos contratos públicos previstos»





I –    Introdução

1.     O presente processo tem por objecto a compatibilidade com o direito comunitário, mais especificamente com as directivas comunitárias em matéria de contratação pública (2) e com os artigos 12.°, 43.°, 46.° e 86.°, n.° 1, CE, de um regime legal nacional relativo a uma empresa pública constituída sob a forma de sociedade privada que é, de acordo com esse regime legal, um «meio próprio», ou seja, um serviço de execução próprio do organismo público competente, mas que, além disso, também pode executar actividades para outros organismos públicos diferentes daquele a que está subordinado, enquanto serviço executivo, assim como para empresas e organizações particulares. Além disso, os organismos públicos competentes podem confiar a esta pessoa jurídica outras prestações para além das previstas na descrição legal das suas funções.

2.     Estas questões foram suscitadas na sequência de uma denúncia apresentada pela Asociación Nacional de Empresas Forestales (a seguir «ASEMFO») contra a Empresa de Transformación Agraria SA (a seguir «TRAGSA»), na qual a ASEMFO acusava a TRAGSA de violar a legislação espanhola de protecção da concorrência, pelo facto de não seguir os procedimentos previstos na legislação espanhola relativa aos processos de adjudicação, o que constitui um abuso de posição dominante nos mercados das obras, serviços e projectos no domínio da silvicultura. Finalmente, o Tribunal Supremo espanhol decidiu, no âmbito da sua apreciação do recurso de cassação interposto pela ASEMFO do acórdão da Sala de lo Contencioso‑Administrativo da Audiencia Nacional, submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais sobre esta matéria.

II – Quadro jurídico

A –    Legislação e regulamentação nacionais

3.     Para uma boa compreensão das implicações práticas e jurídicas das questões submetidas ao Tribunal de Justiça, é necessária uma síntese mais extensa do que o normal da legislação e da regulamentação nacional – em si mesma volumosa e complexa – aplicável à TRAGSA.

4.     Nos termos do Real Decreto n.° 379/1977, de 21 de Janeiro de 1977, que aprovou a sua criação como empresa pública, a TRAGSA foi constituída em 24 de Maio de 1977 (3). Esta pessoa jurídica é legalmente regida, em parte pelo regime geral que vigora para as sociedades de direito privado, e em parte pelas regras jurídicas gerais que vigoram para as empresas públicas. O seu objecto social foi originalmente descrito no artigo 2.° do referido Real Decreto, e em seguida ampliado sucessivamente pelos Decretos reais n.° 424/1984, de 8 de Fevereiro de 1984 e n.° 1422/1985 de 17 de Julho de 1985. As suas principais actividades abrangem actualmente a realização de todo o tipo de trabalhos e instalações, serviços e estudos e a preparação de planos e projectos no domínio da agricultura e da silvicultura, a protecção e melhoria do ambiente físico, da aquicultura e da pesca e a protecção da natureza.

5.     Resulta do artigo 88.° da lei espanhola n.° 66/97, de 30 de Dezembro de 1997, relativa a medidas fiscais, administrativas e de ordem social, que a TRAGSA, nos termos do artigo 6, n.° 1, alínea a), da lei geral do orçamento, é uma empresa pública que presta serviços essenciais no domínio do desenvolvimento rural e da protecção do ambiente. Trata‑se de um «instrumento próprio e [de] um serviço técnico da administração» que realiza, directamente ou por intermédio das suas filiais, os trabalhos que lhe forem solicitados pela administração geral do Estado, pelas Comunidades Autónomas e os organismos públicos delas dependentes.

6.     Por último, o regime jurídico da TRAGSA foi estabelecido pelo Real Decreto n.° 371/1999, de 5 de Maio de 1999, que regula o regime da «Empresa de Transformação Agrária, Sociedade Anónima» (Empresa de Transformación Agraria, Sociedad Anónima; TRAGSA).

7.     A TRAGSA deve realizar os trabalhos e as actividades que lhe forem solicitados pela administração. Esta obrigação refere‑se expressamente às intervenções que lhe são confiadas enquanto organismo de execução e serviço técnico da administração nos domínios abrangidos pelo seu objecto social (artigo 3.°, n.° 2, do Real Decreto n.° 371/1999). Além disso, a TRAGSA deve dar prioridade às actividades urgentes e extraordinárias motivadas por catástrofes naturais e calamidades semelhantes (artigo 3.°, n.° 3, do referido decreto). Não pode recusar as intervenções que lhe sejam solicitadas, nem negociar os seus prazos de execução. Executa os trabalhos que lhe são solicitados de acordo com as indicações que lhe são dadas (artigo 5.°, n.° 3, do referido decreto).

8.     O Real Decreto qualifica as relações da TRAGSA com as administrações públicas central e descentralizada como relações de natureza instrumental e não contratual, pelo que estas são, para todos os efeitos, internas e caracterizam‑se pela dependência e subordinação (da TRAGSA) (artigo 3.°, n.° 6, do referido decreto).

9.     O regime financeiro a que está sujeita a TRAGSA prevê a remuneração das suas actividades de acordo com um regime de tarifação descrito no artigo 4.° do Real Decreto n.° 371/1999. As tarifas são estabelecidas por um comité interministerial, com base nas informações disponibilizadas pela TRAGSA sobre os seus custos.

10.   A TRAGSA pode recorrer a empresas privadas no âmbito do exercício das suas actividades (artigo 6.° do Real Decreto n.° 371/1999). Existem diferentes limitações a esta colaboração com os particulares. Só pode dizer respeito à transformação ou fabrico de bens móveis, os montantes pelos quais estes contratos podem ser celebrados são limitados e os princípios da adjudicação por concurso público prévio (publicação e concorrência) devem ser aplicados para efeitos da selecção dos particulares.

11.   A este respeito, refira‑se ainda que a TRAGSA também pode intervir, mesmo perante a administração, como empresa, sem estar vinculada à qualidade de «instância de execução e serviço técnico da administração». Nestes casos, as suas actividades regem‑se, nos termos do artigo 1.° do Real Decreto n.° 371/1999, pelas regras geralmente aplicáveis às sociedades comerciais.

12.   O contexto administrativo em que a TRAGSA opera sofreu uma alteração profunda no decurso dos anos oitenta do século passado, na sequência da entrada em vigor da Constituição espanhola de 1978, porque as competências em matéria de agricultura e protecção do ambiente da Administração central foram transferidas para as Comunidades Autónomas. A transferência de uma competência administrativa implicava necessariamente a transferência também dos necessários meios e instrumentos para poder exercê‑la plenamente. Por este motivo, a TRAGSA, ainda antes da entrada em vigor do Tratado CE relativamente a Espanha, foi colocada à disposição das Comunidades Autónomas, enquanto instrumento de execução, no âmbito do exercício das suas competências.

13.   Esta transferência das competências públicas, no que diz respeito à TRAGSA, da Administração central para as Comunidades Autónomas, foi realizada por meio de contratos de direito público celebrados por cada uma das Comunidades Autónomas com a TRAGSA, onde era estabelecido o regime de utilização da TRAGSA como organismo «próprio» de execução da Comunidade Autónoma em questão. A maioria das Comunidades Autónomas celebraram tais acordos com a TRAGSA, embora só quatro destas se tenham tornado accionistas da empresa.

14.   Contudo, de acordo com a legislação e a regulamentação espanhola em vigor, não é necessário que uma Comunidade Autónoma se torne accionista da TRAGSA para poder dispor dos seus serviços: ela funciona como organismo de execução «próprio» das Comunidades Autónomas, sendo, para este efeito, indiferente se estas são ou não accionistas. Tal é confirmado pela Lei n.° 66/97, segundo a qual as Comunidades Autónomas podem ser accionistas da TRAGSA, mas não estão obrigadas a sê‑lo.

15.   Para a apreciação das questões submetidas ao Tribunal de Justiça, é ainda oportuno referir algumas partes da legislação espanhola em matéria de contratação pública. Estas definem, nomeadamente, o enquadramento jurídico em que a TRAGSA operou e opera, ao abrigo do seu estatuto legal de empresa pública.

O artigo 60.° da Lei sobre os Contratos do Estado, aprovada pelo Real Decreto n.° 923/1965, de 8 de Abril de 1965, dispõe:

«Só podem ser executadas directamente pela Administração as obras em relação às quais se verifique uma das seguintes circunstâncias:

1.      Quando a Administração disponha de fábricas, estaleiros, oficinas ou serviços técnicos ou industriais aptos para a realização das obras projectadas, caso em que deverá normalmente recorrer‑se a estes meios.»

O artigo 153.° da Lei n.° 13/1995 sobre os contratos celebrados pelas Administrações Públicas, de 18 de Maio de 1995, dispõe:

«1.      A administração pode realizar obras mediante a utilização dos seus próprios serviços e dos seus próprios recursos humanos e materiais ou mediante a colaboração com empresas privadas, neste último caso na condição de o montante das obras em causa ser inferior a 681 655 208 ESP, sem IVA, quando ocorra uma das seguintes circunstâncias:

a)      Quando a administração disponha de fábricas, estaleiros, oficinas ou serviços técnicos ou industriais aptos para a realização das obras projectadas, caso em que deverá normalmente recorrer‑se a estes meios.»

O artigo 152.° do texto codificado da Lei sobre os Contratos celebrados pelas Administrações Públicas, aprovada pelo Real Decreto Legislativo n.° 2/2000 de 16 de Junho de 2000, tem o seguinte teor:

«1.      A administração pode realizar obras mediante a utilização dos seus próprios serviços e dos seus próprios recursos humanos e materiais ou mediante a colaboração com empresas privadas, neste último caso na condição de o montante das obras em causa ser inferior a 5 923 624 ESP, o equivalente a 5 000 000 de direitos de saque especiais, com exclusão do IVA, quando ocorra uma das seguintes circunstâncias:

a)      Quando a administração disponha de fábricas, estaleiros, oficinas ou serviços técnicos ou industriais aptos para a realização das obras projectadas, caso em que deverá normalmente recorrer‑se a estes meios.»

O artigo 194.° da referida lei dispõe:

«1.      A administração pode fabricar bens móveis mediante a utilização dos seus próprios serviços e dos seus próprios recursos humanos e materiais ou mediante a colaboração com empresas privadas, neste último caso na condição de o montante das operações em causa ser inferior aos máximos previstos no n.° 2 do artigo 177.°, quando ocorra uma das seguintes circunstâncias:

a)      Quando a administração disponha de fábricas, estaleiros, oficinas ou serviços técnicos ou industriais aptos para a realização das obras projectadas, caso em que deverá normalmente recorrer‑se a este modo de execução.»

16.   Conforme explica o órgão jurisdicional de reenvio, a legislação referida no número anterior enumera as diferentes condições em que é permitida a execução directa de obras pela administração, incluindo a de dispor de meios próprios, como é o caso da TRAGSA, no exercício das suas actividades. Esta condição não está sujeita a requisitos ou circunstâncias adicionais como, por exemplo, motivos de urgência ou de interesse público. Estes constituem uma condição autónoma: «quando se trate da execução de obras consideradas urgentes de acordo com o disposto na presente lei» (4). Por conseguinte, basta que a administração disponha de serviços próprios, como a TRAGSA e as suas filiais, para se lhes poder confiar todo o tipo de trabalhos ou actividades, sem qualquer requisito complementar, tendo como única restrição o limite quantitativo aplicável no caso de a TRAGSA recorrer a empresas privadas para a execução dos trabalhos que lhe são solicitados. Trata‑se, aqui, de uma faculdade e não de uma obrigação da administração em causa.

17.   Por último, importa ainda recordar que a TRAGSA é ela própria uma entidade adjudicante. Tal resulta do artigo 88.°, n.° 7, da Lei n.° 66/97, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 53/2002.

B –    Alguns dados adicionais sobre a estrutura e as actividades da TRAGSA

18.   Nas suas observações escritas, a Comissão forneceu alguns dados adicionais sobre a estrutura e as actividades da TRAGSA, tratando‑se, assim, de mais um auxílio para a compreensão do enquadramento legislativo e administrativo acima reproduzido, que pode ser importante para a apreciação e resposta às questões submetidas ao Tribunal de Justiça.

19.   Actualmente, a maior parte das acções da TRAGSA – mais de 99% – são ainda directa ou indirectamente detidas pelo Estado espanhol. Quatro Comunidades Autónomas detêm uma participação quase simbólica, no conjunto inferior a 1%, no capital social da TRAGSA.

20.   Ao longo do tempo, as actividades da TRAGSA diversificaram‑se consideravelmente. Para além das actividades mais tradicionais, como a concepção e a construção de infra‑estruturas e outras obras necessárias para a modernização da produção agrícola e da pecuária, tornaram‑se cada vez mais importantes as tecnologias que promovem a utilização mais eficiente da água e as actividades de protecção do ambiente físico e natural, assim como do património histórico e cultural no meio rural. A estas acrescem ainda as actividades de promoção florestal e a protecção dos recursos da pesca e da aquicultura.

21.   A TRAGSA é financiada pelas remunerações que recebe pelas suas actividades. O seu volume de negócios ascendeu, no exercício de 2004, a EUR 674 milhões, os seus lucros, após a dedução do imposto sobre as sociedades, ascendeu a EUR 22,24 milhões.

22.   Mais de metade do volume de negócios da TRAGSA e das suas filiais (5) é proveniente das actividades que realiza para as Comunidades Autónomas. O que é lógico, porque a maior parte das competências públicas que estas exercem situam‑se nos domínios de actuação da referida empresa. Cerca de 30% do volume de negócios é proveniente da Administração Central espanhola, cerca de 5% dos outros organismos públicos, incluindo municípios, e 2% a 3,5% de particulares e empresas.

23.   A Comissão considera ainda que não é possível determinar, a partir dos números disponíveis, qual a parte do volume total de negócios representada pelas actividades da TRAGSA na sua qualidade de «organismo de execução próprio e serviço técnico» da Administração.

24.   Tendo em vista uma análise mais profunda das questões colocadas pelo Tribunal Supremo parece‑me útil formular, desde já, partindo das considerações que antecedem, os seguintes pontos de reflexão:

Na sua qualidade de organismo de execução ao serviço – sobretudo – das Comunidades Autónomas, a TRAGSA está, enquanto pessoa colectiva, sob o controlo quase total do Estado espanhol, que detém mais de 99% do capital social;

Enquanto organismo de execução autónomo, a TRAGSA, relativamente às solicitações da Administração Central e das Comunidades Autónomas, está totalmente subordinada às ordens e instruções destas administrações, no âmbito do exercício das respectivas competências públicas: está obrigada a aceitar as solicitações de intervenções que lhe são efectuadas, a executar estas intervenções de acordo com as especificações e prazos que lhe são estipulados e a aplicar as tarifas estabelecidas por regulamento;

Nos termos da legislação espanhola em matéria de contratação pública, não se pode excluir que a Administração central e as Comunidades Autónomas confiem à TRAGSA intervenções não relacionadas com o exercício de competências, tarefas e responsabilidades públicas, mas pura e simplesmente porque ela está à sua disposição, enquanto serviço técnico, sendo que, de resto, tais intervenções também poderiam ser executadas por particulares em condições normais de mercado (6);

O conjunto de normas legais e administrativas que regulam a actuação da TRAGSA permite‑lhe, de forma expressa e implícita, exercer outras actividades para além das que exerce enquanto organismo de execução da Administração Central e das Comunidades Autónomas. Contudo, não é possível determinar, com precisão, a sua amplitude a partir dos elementos disponíveis, uma vez que a TRAGSA executa uma parte destas actividades através das suas filiais.

III – Matéria de facto, tramitação do processo e questões prejudiciais

25.   Em 23 de Fevereiro de 1996, a ASEMFO apresentou uma denúncia na Autoridade espanhola para a Concorrência. Nesta denúncia, a TRAGSA foi acusada de abusar da sua posição dominante no mercado espanhol de obras, serviços e projectos no domínio da silvicultura, nomeadamente porque as entidades públicas que solicitam a sua intervenção não respeitam os procedimentos de adjudicação previstos na Lei 13/1995 de Contratos de las Administraciones Publicas de 18 de Maio de 1995, acima referida no n.° 15.

Segundo a ASEMFO, o estatuto da TRAGSA permite‑lhe executar uma grande diversidade de trabalhos, mediante solicitação directa das administrações central e descentralizada, sem concurso público prévio. Tal compromete o funcionamento da concorrência nos respectivos mercados de serviços e de obras no domínio da agricultura e da silvicultura em Espanha.

26.   Por decisão de 16 de Outubro de 1997, a Autoridade para a concorrência arquivou a denúncia. No caso em apreço, a TRAGSA terá intervindo como «meio próprio», ou seja como um serviço de execução próprio da administração, sem competências autónomas próprias para tomar decisões, obrigado a executar as actividades que lhe eram solicitadas. Por conseguinte, tratava‑se de relações entre a entidade que solicita a intervenção e a que a executa, internas à própria administração. A intervenção da TRAGSA não tem, portanto, qualquer relação com o mercado e com o direito da concorrência que vigora para as empresas públicas e privadas.

27.   A ASEMFO interpôs recurso desta decisão no Tribunal de Defensa de Competencia. Por decisão de 30 de Março de 1998, este órgão jurisdicional negou provimento ao recurso com base nos mesmos argumentos invocados pela Autoridade para a Concorrência. Salientou que as actividades da TRAGSA, realizadas por solicitação da administração competente, devem ser consideradas obras executadas pela mesma administração. Só no caso de a TRAGSA, enquanto empresa pública, actuar de forma autónoma poderia haver uma violação do direito da concorrência.

28.   Em seguida, a ASEMFO interpôs recurso para a Sala de lo Contencioso‑Administrativo da Audiencia Nacional, que confirmou a decisão do Tribunal de Defensa de Competência por acórdão de 26 de Setembro de 2001.

29.   Finalmente, a ASEMFO interpôs recurso de cassação para o Tribunal Supremo, alegando que a TRAGSA, na qualidade de empresa pública, não pode ser qualificada como um «meio próprio», ou seja, um serviço próprio de execução da Administração, ao qual não são aplicáveis as regras do direito comunitário em matéria de contratação pública e que o regime legal que rege a TRAGSA, conforme previsto, em especial, no artigo 88.° da Lei n.° 66/1997, não é compatível com o direito comunitário.

30.   O Tribunal Supremo teve algumas dúvidas sobre a compatibilidade do regime legal da TRAGSA com o direito comunitário.

31.   Por conseguinte, considerou oportuno submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1)      Nos termos do artigo 86.°, n.° 1, do Tratado da União Europeia, um Estado‑Membro da União pode atribuir ex lege a uma empresa pública um regime jurídico que lhe permite realizar obras públicas sem sujeição ao regime geral da contratação administrativa mediante concurso, quando não ocorram circunstâncias especiais de emergência ou interesse público, tanto abaixo como acima do valor económico estabelecido pelas directivas europeias a este respeito?

2)      Esse regime jurídico é compatível com as Directivas 93/36/CEE do Conselho e 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, e com as Directivas 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997, e 2001/78[/CE], da Comissão, que altera as anteriores – regulamentação recentemente alterada pela Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004?

3)      O acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 8 de Maio de 2003 (Reino de Espanha/Comissão, C‑349/97) é aplicável em todos os casos à TRAGSA e às sua filiais, tendo em conta a restante jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de contratação pública, e considerando que a Administração encarrega a TRAGSA de um elevado número de obras que não são sujeitas ao regime da livre concorrência, e que esta circunstância pode causar uma distorção significativa do mercado relevante?

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

32.   A ASEMFO, a TRAGSA, o Governo espanhol, o Governo lituano e a Comissão apresentaram observações escritas. Na audiência do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 2006, o Governo espanhol e a Comissão esclareceram as suas posições.

IV – Apreciação

A –    Observações prévias

33.   A TRAGSA, o Governo espanhol e a Comissão questionaram, com diferentes níveis de firmeza, a admissibilidade das questões prejudiciais submetidas à apreciação do Tribunal de Justiça.

34.   Entendo que as dúvidas relativas à relevância das questões prejudiciais para a resolução do processo principal e à sua necessidade face à jurisprudência já existente do Tribunal de Justiça só podem ser devidamente apreciadas, dada a complexidade do contexto jurídico e factual ao nível nacional, depois de analisado o mérito dessas questões.

35.   Por conseguinte, só me debruçarei sobre a admissibilidade das questões prejudiciais no final das presentes conclusões.

36.   Em todas as observações escritas e também na audiência foi feita uma análise extensa da jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a aplicabilidade do direito comunitário em matéria de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas e de fornecimento (7), assim como em matéria de atribuição de concessões públicas (8), nos casos em que o organismo territorial em questão, enquanto entidade que solicita a intervenção, exerce um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços sobre a entidade que executa a intervenção, e em que, ao mesmo tempo, esta última exerce a maior parte das suas actividades para o organismo ou organismos que a controlam (9).

37.   Conforme bem referido pela Comissão na audiência, esta jurisprudência foi produzida em casos em que as administrações que solicitavam a intervenção, mediante contratos a título oneroso, confiavam determinados fornecimentos de bens e/ou serviços a pessoas colectivas que, em maior ou menor medida, estavam sujeitas ao seu controlo e cujas actividades eram, na sua maior parte ou numa parte importante, destinadas a essas administrações.

38.   Contudo, as relações jurídicas e de facto subjacentes às questões prejudiciais em apreço diferem em dois aspectos das relativas à jurisprudência acima referida na nota 7:

A Administração central espanhola e as Comunidades Autónomas intervêm como organismos que solicitam a intervenção da TRAGSA em sentido estritamente hierárquico, sendo que a TRAGSA não pode recusar as tarefas que lhe são confiadas pelas autoridades competentes, está totalmente vinculada às instruções e especificações destas autoridades e recebe pelas suas actividades uma remuneração fixada e calculada por regulamento. Ou seja, embora tenha uma personalidade jurídica em parte de direito privado, e em parte de direito público, a TRAGSA deve ser caracterizada como um serviço de execução próprio da Administração central espanhola e das Comunidades Autónomas. O elemento contratual entre o organismo que solicita a intervenção e a pessoa colectiva que a executa, que estava sempre presente nos casos que estiveram na origem da jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça acima referida, está aqui totalmente ausente (10).

Embora a TRAGSA realize actualmente a maior parte das suas actividades para as Comunidades Autónomas, a presunção de que é controlada por estes organismos territoriais é, no mínimo, problemática. O seu estatuto de direito público, conforme resulta da síntese acima exposta (11), é total ou quase totalmente determinado pelo legislador central espanhol, ao passo que apenas quatro das dezassete Comunidades Autónomas detêm acções da TRAGSA de montante simbólico, representando no seu conjunto menos de 1% de todo o capital social. Pode‑se depreender destas observações que a TRAGSA, enquanto organismo de execução, está de facto ao serviço das Comunidades Autónomas, mas não se pode concluir, sem mais, que seja controlada por elas.

39.   Decorre destas diferenças, que as respostas às questões prejudiciais submetidas não podem ser inferidas, sem mais, da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida, ainda que, naturalmente, esta possa constituir um auxílio importante, por analogia, para a descoberta da solução jurídica pretendida.

40.   Em seguida, analisarei, em traços gerais, as eventuais questões de direito comunitário que se podem suscitar num contexto jurídico‑organizativo, como o que está na origem do processo principal.

41.   Posteriormente, recorrendo tanto quanto possível à jurisprudência do Tribunal de Justiça já referida nas notas 7 e 8, procurarei determinar o sentido da resposta às questões submetidas.

42.   A relevância do artigo 86.°, n.° 1, CE no contexto destas questões será objecto de uma análise separada.

43.   Por último, debruçar‑me‑ei brevemente sobre a questão da admissibilidade.

B –    O contexto jurídico‑organizativo

44.   Conforme acima referido no n.° 38 das presentes conclusões, a TRAGSA deve ser caracterizada como um «meio próprio», ou seja como um serviço de execução próprio da Administração central espanhola e, eventualmente, das Comunidades Autónomas, que, tanto pelo seu estatuto legal, como pela sua titularidade – mais de 99% das acções da TRAGSA são directa ou indirectamente detidas pela Administração central espanhola –, deve ser considerada uma entidade totalmente controlada pela Administração central espanhola.

45.   A grande maioria das suas actividades – conforme se pode depreender da descrição legal das suas funções – referem‑se a tarefas relacionadas com a melhoria das estrutura agrícola e florestal em Espanha, assim como das pescas e da aquicultura. A estas actividades também se juntaram, ao longo dos anos, actividades de protecção do ambiente e de preservação do património natural e cultural rural.

46.   Para além destas actividades «normais», a TRAGSA exerce ainda uma função de reserva que pode ser activada em circunstâncias extraordinárias, tais como inundações e catástrofes naturais semelhantes. Por vezes, a intervenção da TRAGSA também é solicitada no âmbito da execução de determinadas partes da política agrícola comum, conforme resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 2003, Espanha/Comissão (C‑349/97) (12).

47.   A grande maioria destas actividades devem ser qualificadas como actividades materiais realizadas no âmbito do exercício de funções públicas relativas ao desenvolvimento da estrutura agrícola em sentido lato, assim como à qualidade do meio rural.

48.   A natureza destas actividades e dos objectivos públicos que elas prosseguem implicam que elas podem ser exercidas tanto pelos serviços próprios da administração, como por pessoas colectivas mais ou menos autónomas controladas pelo poder público, como por pessoas colectivas privadas, mediante solicitação da administração responsável.

49.   Em princípio, os Estados‑Membros podem escolher livremente o modo de execução das actividades abrangidas pela sua responsabilidade pública; contudo, na sua jurisprudência acima referida, o Tribunal de Justiça considerou que a atribuição de funções públicas e de concessões a pessoas colectivas «próprias», sem o funcionamento prévio das regras da concorrência, só é admissível em condições estritas.

50.   Conforme resulta do n.° 48 do acórdão Stadt Halle, o Tribunal de Justiça considera que, nos casos em que uma autoridade pública, que seja igualmente uma entidade adjudicante, tem a possibilidade de desempenhar as tarefas de interesse público que lhe incumbem pelos seus próprios meios, administrativos, técnicos e outros, sem ser obrigada a recorrer a entidades externas, as normas comunitárias em matéria de contratos públicos não se aplicam. Com efeito, nestes casos, não está em questão um contrato a título oneroso celebrado com uma pessoa colectiva juridicamente distinta da entidade adjudicantes.

51.   Esta situação parece também verificar‑se, em todo o caso, na relação entre a Administração central espanhola e a TRAGSA. A questão de saber se o mesmo também se passa na relação entre as Comunidades Autónomas e a TRAGSA, o que o Governo espanhol e a TRAGSA parecem considerar evidente, constitui uma das questões que exigem, pelo menos, uma análise mais aprofundada. Com efeito, pode a TRAGSA ser considerada, sem mais, um meio técnico ou administrativo «próprio» das Comunidades Autónomas, atendendo a que estas não podem exercer sobre este «meio» quaisquer poderes de controlo descritos na legislação nacional, nem podem fazer valer tais poderes com base na participação que detêm neste «meio» (13)?

52.   Independentemente da resposta que seja dada esta questão, a mesma deverá ser apreciada à luz do direito comunitário primário, em especial, dos artigos 12.° CE, 43.° CE e 49.° CE. É o que resulta, em meu entender, dos recentes acórdãos Coname e Parking Brixen (14).

53.   Contudo, antes de avançar para a resposta à questão de saber se as Comunidades Autónomas espanholas, enquanto entidades que solicitam a intervenção da TRAGSA, exercem efectivamente um controlo sobre esta pessoa colectiva, será necessário analisar a eventual relevância desta resposta à luz dos artigos 12.° CE, 43.° CE, 49.° CE e, eventualmente, do artigo 86.° CE.

54.   Conforme já resulta das considerações antecedentes constantes do n.° 47, na sua grande maioria, as actividades materiais realizadas pela TRAGSA por solicitação da Administração central espanhola não dizem respeito a actividades relacionadas com o exercício da autoridade pública do Estado espanhol. O facto de estas actividades prosseguirem objectivos de políticas e responsabilidades públicas não as distingue, em princípio, das actividades realizadas por particulares a cargo da administração, tais como a realização de obras de infra‑estruturas.

55.   Decorre deste facto que não é aplicável a estas actividades o artigo 45.°, primeira frase, CE, em conjugação com o artigo 55.° CE (15). Por conseguinte, na medida em que não lhe seja aplicável o direito comunitário secundário em matéria de contratação pública, a intervenção da TRAGSA deve ser apreciada à luz dos artigos 43.° CE, 49.° CE e, eventualmente, 86.° CE (16).

56.   Ora, será que o facto de as Comunidades Autónomas espanholas poderem «confiar» uma parte bastante considerável das actividades efectivas relativas à melhoria da estrutura agrícola em sentido lato a um organismo de execução da Administração central espanhola pode ter consequências reais ou potenciais para a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de serviços dentro da Comunidade (17)?

57.   A resposta a esta questão deve ser, sem mais, afirmativa, porque este regime leva a que uma grande parte das actividades em causa, que também poderiam ser confiadas a particulares, sejam deste modo entregues à TRAGSA, enquanto organismo de execução da Administração central. Deste modo, o mercado reduz‑se, nesta medida, para os eventuais particulares interessados provenientes de outros Estados‑Membros da Comunidade.

58.   O facto de se tratar aqui de solicitações efectuadas por um organismo – a Comunidade Autónoma – a um serviço executivo (a TRAGSA) de outro organismo – a Administração central espanhola –, de que está ausente todo e qualquer elemento de um contrato a título oneroso, não afecta o facto de esta estrutura administrativa ter as mesmas consequências económicas que uma outra em que um organismo solicita intervenções, ao abrigo de contratos a título oneroso, a uma pessoa colectiva controlada pelo outro organismo.

59.   Nas duas construções, os pedidos de fornecimento de mercadorias, serviços e obras públicas são subtraídos ao regime da concorrência, com todas as consequências potenciais e reais para a livre circulação de mercadorias e de serviços e para a liberdade de estabelecimento no mercado comum. Devem, por conseguinte, tanto quanto possível, ser apreciadas à luz dos mesmos critérios.

60.   O mesmo é válido para o critério segundo o qual o organismo que solicita a intervenção deve controlar a pessoa colectiva ou o serviço a quem solicita a intervenção, independentemente de o fazer ou não ao abrigo de um contrato a título oneroso.

61.   Nas suas exposições escritas e orais, a TRAGSA e o Governo espanhol sublinharam sobretudo a natureza da TRAGSA enquanto «meio próprio» ao serviço da Administração central espanhola e das Comunidades Autónomas. Tal não impede que a TRAGSA seja mais do que um serviço de execução do Estado espanhol e das Comunidades Autónomas. Ela opera também como entidade adjudicatária em relação a municípios e outros organismos públicos e privados. Nesta qualidade, ela opera em concorrência com outros operadores de mercado para obter a adjudicação dos contratos.

62.   A quota‑parte representada por estes contratos no seu volume total de negócios é variável. Dos dados apresentados pela Comissão, no n.° 34 das suas observações escritas, pode‑se depreender que oscila entre 7% e 8,5%. A TRAGSA refere no n.° 96 das suas observações escritas números um pouco diferentes, que não coincidem com os da Comissão, porque apresenta separadamente os dados referentes a duas filiais. De qualquer forma, os dados apresentados pela Comissão e os apresentados pela TRAGSA situam‑se, em termos globais, na mesma ordem de grandeza.

63.   É questionável que estes números permitam, sem mais, concluir que a TRAGSA exerce a maior parte das suas actividades para a instância que a controla, conforme sustentam o Governo espanhol e a própria TRAGSA.

64.   Em primeiro lugar, não é possível concluir, sem mais, com base em dados quantitativos relativos a um número limitado de anos, que a parte representada pelas actividades realizadas em condições de concorrência para outros organismos públicos e privados diferentes do Estado espanhol e das Comunidades Autónomas continuará a ser inferior a 10% do volume total de negócios. De qualquer forma, as normas legais e administrativas aplicáveis à TRAGSA não prevêem qualquer disposição que limite a amplitude destas actividades.

65.   Em segundo lugar, mantém‑se, naturalmente, a questão de saber qual a entidade que controla a TRAGSA. Na hipótese de esta ser apenas a Administração central espanhola, dificilmente se poderá sustentar, com base nas intervenções que esta solicita, cerca de 30% do volume de negócios da TRAGSA, que esta última exerce a maior parte das suas actividades para a entidade que a controla.

66.   Contudo, existe ainda uma questão jurídica complexa relevante associada ao carácter híbrido da TRAGSA enquanto pessoa colectiva.

67.   Se uma pessoa colectiva realiza a maior parte das suas actividades como serviço de execução «próprio» de um ou mais organismos públicos e executa uma parte mais reduzida das suas actividades em condições de concorrência para outros organismos públicos e clientes particulares, coloca‑se a questão de saber em que qualidade fornece estas últimas prestações.

68.   Deve a TRAGSA, em relação a esta parte mais reduzida, ser considerada uma pessoa colectiva, com um estatuto especial, é certo, mas que, de resto, concorre em igualdade de circunstâncias com outros particulares interessados na adjudicação de contratos de «outros» organismos públicos e particulares?

69.   Ou continua a TRAGSA a ser um serviço de execução dos organismos públicos para os quais realiza a maior parte das suas actividades, que realiza trabalhos adicionais no mercado com a sua capacidade residual, apropriando‑se, deste modo, do espaço ainda disponível do mercado das actividades no domínio das infra‑estruturas agrícolas e da protecção do ambiente?

70.   Esta questão impõe‑se ainda com mais força, porque o estatuto legal da TRAGSA não parece prever uma separação jurídica e contabilística clara entre as duas qualidades em que ela pode intervir. De qualquer forma, o estatuto não prevê qualquer garantia inequívoca contra eventuais distorções da concorrência, que podem surgir no mercado disponível, devido ao carácter híbrido da TRAGSA.

71.   Assim, poderia verificar‑se uma situação em que aos particulares interessados no tipo de trabalhos que a TRAGSA executa, a quem já é fechada a porta sempre que aquela empresa intervém por solicitação da Administração central espanhola e das Comunidades Autónomas, também fosse negado o acesso aos segmentos de mercado ainda disponíveis (dos outros organismos públicos e privados), porque a TRAGSA, enquanto concorrente, assume uma posição de partida mais favorável, que pode decorrer do facto de, no imenso mercado fechado da Administração central e das Comunidades Autónomas ser, se não o único, pelo menos um interessado privilegiado.

72.   O segundo critério Teckal, que implica que a pessoa colectiva, concessionário ou serviço executivo autónomo em questão realiza a maior parte das suas actividades para o organismo público que o controla, não basta, por conseguinte, em si mesmo, para impedir os entraves reais ou potenciais à livre circulação de mercadorias e serviços e à liberdade de estabelecimento, ou uma eventual distorção da concorrência. Voltarei a este aspecto mais adiante.

73.   Por último, coloca‑se ainda uma questão relacionada com as disposições dos artigos 152.° e 194.° do texto codificado da lei em matéria de adjudicações (18).

74.   Nos termos destas disposições, a Administração pode executar trabalhos ou fabricar mercadorias com os seus serviços e recursos materiais e humanos próprios. Se a Administração possuir os meios humanos e materiais adequados para o efeito, deverá normalmente recorrer a esses meios. Se escolher esta modalidade de execução, também poderá recorrer para o efeito a empresas privadas, sem concurso público prévio, se os custos dos trabalhos forem inferiores a 5 923 624 EUR.

75.   Estas disposições não prevêem a condição de que a execução dos trabalhos ou a produção das mercadorias em causa se deva realizar no quadro da descrição legal das funções dos serviços e organismos responsáveis pela execução em causa.

76.   Naturalmente, a interpretação e a aplicação desta legislação nacional incumbe ao órgão jurisdicional nacional competente. Contudo, tal não impede que os textos em questão pareçam criar competências, ou obrigações para as autoridades administrativas em Espanha, eventualmente conflituantes com o direito comunitário (19).

77.   De facto, as disposições em questão da legislação espanhola parecem permitir que os diferentes organismos administrativos em Espanha possam ou, em princípio, devam (20), utilizar livremente as capacidades de que os respectivos serviços executivos dispõem, para efeitos de execução de obras ou prestação de serviços para fins diferentes dos previstos com funções legais destes serviços executivos.

78.   Quando se trate de trabalhos, serviços ou mercadorias, cujos custos de realização ou de produção sejam inferiores a um limite máximo estabelecido por lei, poder‑se‑á, além disso, recorrer ainda a empresas privadas para os serviços em questão.

79.   Sem que seja necessária, para o efeito, uma interpretação mais aprofundada da legislação nacional em questão, pode‑se afirmar que esta permite uma protecção excessiva, ou mesmo o encerramento de segmentos do mercado nacional da contratação pública. A medida em que tal se poderá verificar depende da capacidade que os serviços executivos em questão têm ao seu dispor. Mediante o aumento da capacidade destes serviços executivos, a melhoria qualitativa dos seus equipamentos e das competências dos seus recursos humanos, as administrações em causa poderão, com relativa facilidade, colocar segmentos extensos do mercado da contratação pública sob o domínio exclusivo dos seus serviços executivos.

80.   O risco é ainda maior, tendo em conta o facto de que, na execução de tais trabalhos, é também possível recorrer a empresas privadas, sem concurso público prévio, desde que os custos associados não ultrapassem um determinado limite máximo.

81.   O facto de a TRAGSA estar proibida, nos termos do artigo 88.°, n.° 5, da Lei n.° 66/97, de se candidatar a concursos públicos da Administração central espanhola e das Comunidades Autónomas, não elimina o risco de que a aplicação dos referidos artigos 152.° e 194.° da legislação espanhola aqui referida implica. Com efeito, estas disposições visam precisamente assegurar que os contratos da administração não sejam adjudicados por concurso público quando podem ser executados pelos seus serviços executivos.

82.   Em suma, a legislação espanhola aqui examinada suscita questões sérias sobre a sua compatibilidade com as directivas comunitárias em matéria de contratação pública, uma vez que incita a administração a subtrair os contratos públicos aos procedimentos de adjudicação pública, ainda que tal não se justifique, de forma alguma, por um interesse público. Além disso, cria uma posição privilegiada dos próprios serviços executivos, a quem podem ser confiadas intervenções sem qualquer relação com as tarefas que lhes são atribuídas por lei ou por estatuto. Embora, de jure, constituam meios próprios da administração, estes serviços são, de facto, colocados na posição de operadores de mercado privilegiados. Impõe‑se forçosamente a questão de saber se tal construção é compatível com o princípio consagrado no artigo 86.°, n.° 1, CE, que proíbe tais formas de tratamento desigual (21).

83.   Por último, coloca‑se ainda a questão, mais adaptada ao contexto legal e factual subjacente às questões prejudiciais em apreço, de saber se a simples possibilidade de poder ser confiada à TRAGSA, nos termos do artigo 152.° da legislação espanhola aqui referida, a realização de trabalhos e serviços não previstos na descrição legal das suas funções tem consequências para a resposta à questão de saber se esta empresa pública pode ainda cumprir o segundo critério Teckal, ou seja, realizar a maior parte dos seus serviços para o organismo público que a controla.

C –    A resposta às questões

A primeira e a segunda questões

84.   Conforme acima referido nos n.os 38 e 44 das presentes conclusões, no contexto legal e factual do litígio principal não está em causa uma situação em que o organismo público adjudicante confia, ao abrigo de um contrato a título oneroso, uma intervenção a uma pessoa colectiva autónoma, sobre a qual exerce um controlo «análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços». No caso em apreço, a TRAGSA, embora possua uma personalidade jurídica distinta, deve ser considerada «um serviço próprio». Tal decorre de forma inequívoca da legislação espanhola em questão.

85.   No acórdão Stadt Halle (22), o Tribunal de Justiça concluiu expressamente que uma autoridade pública, que seja uma entidade adjudicante, tem a possibilidade de desempenhar as tarefas de interesse público que lhe incumbem pelos seus próprios meios, administrativos, técnicos e outros, sem ser obrigada a recorrer a entidades externas que não pertençam aos seus serviços. Nesse caso, não está em questão um contrato a título oneroso celebrado com uma entidade juridicamente distinta da entidade adjudicante. Assim, não há que aplicar as disposições comunitárias em matéria de contratos públicos.

86.   A meu ver, decorre do estatuto legal aplicável à TRAGSA que esta deve ser considerada um «meio próprio» ou um serviço de execução, pelo menos, da Administração central espanhola. Por conseguinte, na medida em que a TRAGSA execute intervenções previstas na descrição legal das suas funções, que lhe são solicitadas pela Administração central espanhola, não lhe são aplicáveis as normas comunitárias em matéria de contratação pública.

87.   Deduzo dos acórdãos do Tribunal de Justiça nos processos Coname (23) e Parking Brixen (24) que, se a relação entre um organismo público que solicita uma intervenção e um serviço executivo ou pessoa colectiva não for regulada pelas normas comunitárias em matéria de contratação pública, continuam a ser‑lhe aplicáveis as disposições gerais do Tratado, mais especificamente as disposições respeitantes às liberdades fundamentais em matéria de circulação e as respeitantes à concorrência.

88.   Com efeito, as normas comunitárias em matéria de contratação pública não se aplicam se um organismo público realizar as tarefas de interesse geral que lhe incumbem através dos seus próprios serviços administrativos, técnicos e outros, sem recorrer a organismos externos, se o organismo em questão exercer um controlo sobre estes serviços análogo ao que exerce sobre os seus outros serviços internos e se os serviços em questão, além disso, realizarem a maior parte das suas actividades para o organismo público que os controla, mas estas duas condições – os denominados Critérios Teckal – são uma excepção. Devem, por conseguinte, ser objecto de interpretação estrita, cabendo o ónus da prova de que se encontram efectivamente reunidas as circunstâncias excepcionais que justificam a derrogação a quem delas pretenda prevalecer‑se (25).

89.   Destas considerações um tanto parafraseadas do acórdão Parking Brixen, decorre que também relativamente à TRAGSA se deverá analisar se esta pode invocar os denominados critérios Teckal. Esta apreciação incumbe ao órgão jurisdicional nacional, que deverá, para o efeito, examinar o contexto legal e factual em que opera a TRAGSA. O Tribunal de Justiça pode, neste contexto, fornecer‑lhe os necessários elementos que o poderão auxiliar na resolução do litígio.

90.   Numa segunda análise, parece não haver dúvidas de que a relação entre, por um lado, a Administração central espanhola e as Comunidades Autónomas e, por outro, a TRAGSA cumpre o primeiro critério Teckal:

Todas as acções da TRAGSA se encontram directa ou indirectamente na posse do Estado espanhol e das Comunidades Autónomas, embora apenas quatro Comunidades Autónomas detenham participações de montante simbólico;

Além disso, o enquadramento legal em que a TRAGSA opera, enquanto serviço de execução da política estrutural agrícola em sentido lato da Administração central espanhola e das Comunidades Autónomas, não permite outra conclusão que não seja a de que, nessa qualidade, esta opera como um «meio próprio» dos organismos públicos em questão. Remeto, a este propósito, em especial, para a descrição do enquadramento legal nos n.os 4 a 9 das presentes conclusões.

91.   Na sua jurisprudência mais recente, o Tribunal de Justiça desenvolveu o primeiro critério Teckal no sentido de que, no exercício do controlo «análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços», deve tratar‑se «de uma possibilidade de influência determinante quer sobre os objectivos estratégicos quer sobre as decisões importantes desta sociedade» (26).

92.   Este critério assim desenvolvido é aplicável não só à relação entre um organismo público e o seu serviço executivo «próprio», mas também no caso de diferentes organismos públicos, organizados ou não numa associação de cooperação, terem um serviço executivo comum (27).

93.   De facto, não é inusual que vários organismos públicos criem uma associação para a execução de determinadas tarefas públicas, como o tratamento de águas residuais, a qual é responsável pela gestão de um serviço de execução comum. Se este serviço de execução comum for organizado sob a forma de uma pessoa colectiva distinta, as partes em causa poderão exercer uma «influência determinante quer sobre os objectivos estratégicos quer sobre as decisões importantes desta sociedade» enquanto accionistas e através da representação nos órgãos de direcção da pessoa colectiva (28).

94.   Se o organismo de execução for organizado como um «meio próprio» dos organismos públicos associados, o controlo deve ser concebido, por analogia com os requisitos estabelecidos para o controlo de uma pessoa colectiva autónoma «comum» destinada à execução de tarefas públicas, de forma a garantir que todos os organismos públicos envolvidos possam exercer uma «influência quer sobre os objectivos estratégicos quer sobre as decisões importantes desta sociedade».

95.   Com efeito, se os organismos públicos participantes não puderem exercer qualquer influência sobre a estratégia e a gestão de um serviço comum enquanto meio próprio, também não poderão ser responsabilizados pela actuação deste serviço. O que é igualmente aplicável à sua responsabilidade pela aplicação correcta do direito comunitário.

96.   De resto, a Comissão também não está errada quando afirma que as estruturas em que vários organismos públicos utilizam um serviço executivo que, em termos de poderes de controlo, está organizado como «meio próprio» de apenas um deles, são susceptíveis de abusos. Podem levar a que os organismos públicos, para efeitos de execução de obras e de prestação de serviços, que de outra forma teriam sujeitado a concurso público, recorram – ou sejam convidados a recorrer – ao serviço executivo «próprio» já existente de um outro organismo público. Conforme já referido acima, nos n.os 57 a 59, daí pode resultar que extensos segmentos do mercado possam ser subtraídos à aplicação do direito comunitário primário e secundário em matéria de contratação pública.

97.   O que me leva à conclusão provisória de que, nos casos em que um serviço executivo intervém como «meio próprio» de diferentes organismos públicos, a influência real de todos os organismos públicos que solicitam intervenções, quer sobre os objectivos estratégicos quer sobre as decisões importantes deste «meio próprio», deve ser assegurada no estatuto legal aplicável. Além disso, devem ser descritas com precisão as responsabilidades públicas no âmbito das quais os organismos públicos em questão podem solicitar intervenções ao serviço executivo comum enquanto «meio próprio».

Deste modo poderá limitar‑se, tanto quanto possível, o risco de abuso referido no número anterior (29).

98.   Resulta do estatuto legal da TRAGSA, acima reproduzido nos n.os 4 a 9, que este é integral ou quase integralmente regido pela legislação e regulamentação da Administração central espanhola. O regime de tarifas aplicável às actividades realizadas pela TRAGSA por solicitação da Administração central e das Comunidades Autónomas também é fixado pela Administração central e sob a sua responsabilidade. Não se verifica qualquer influência directa das Comunidades Autónomas. Com efeito, tal como salientaram a TRAGSA e o Governo espanhol, as Comunidades Autónomas podem exercer a sua influência através das suas solicitações de intervenções, mas tal controlo sobre a organização e a execução de diferentes trabalhos e projectos – que é inerente a toda a solicitação de trabalhos feita por um organismo público a um serviço próprio ou a uma pessoa colectiva externa – não é o controlo a que se refere o Tribunal de Justiça, quando fala de uma «influência determinante quer sobre os objectivos estratégicos quer sobre as decisões importantes», neste caso, do serviço de execução «próprio».

99.   Recorde‑se, a título supletivo, que a falta de influência das Comunidades Autónomas na redacção e adopção do estatuto legal da TRAGSA não pode, de forma alguma, ser compensada pela influência que esta poderia ter enquanto accionista da pessoa colectiva, tendo em conta o facto de que apenas uma pequena minoria das Comunidades Autónomas possui uma participação na TRAGSA, ainda por cima de valor simbólico.

100. O facto de o enquadramento legal que regula a intervenção da TRAGSA não fornecer uma descrição taxativa clara das matérias no âmbito das quais as Comunidades Autónomas podem solicitar intervenções da TRAGSA – neste contexto, é relevante a legislação geral em matéria de adjudicação de contratos públicos em Espanha, acima analisada nos n.os 73 a 83 – é indicativa de que a TRAGSA não pode ser considerada um serviço de execução comum destinado à realização de trabalhos e serviços de interesse público descritos de forma taxativa. Os riscos de abuso que esta estrutura aberta apresenta já foram acima descritos.

101. Concluo, por conseguinte, que, ao operar sob um regime legal como o vigente, a TRAGSA não pode ser considerada um «meio próprio» das Comunidades Autónomas, porque não pode exercer qualquer controlo sobre as decisões estratégicas e outras decisões importantes desta pessoa jurídica.

102. Uma vez que a TRAGSA não pode ser considerada um meio próprio das Comunidades Autónomas, forçoso é concluir que as Comunidades Autónomas erram ao solicitar intervenções da TRAGSA sem aplicar o procedimento de adjudicação por concurso público.

103. A situação é, em princípio, diferente no caso das intervenções confiadas pela Administração central espanhola à TRAGSA, uma vez que esta pode, de facto, ser considerada um meio próprio da Administração central.

104. Resulta da análise do enquadramento legal da actuação da TRAGSA, contida nos n.os 61 a 65 das presentes conclusões, que este enquadramento legal também não cumpre os requisitos contidos no segundo critério Teckal.

105. No acórdão Carbotermo (30), o Tribunal de Justiça concluiu que o requisito de que a pessoa colectiva, sobre a qual deve ser exercido um controlo análogo ao que o organismo público exerce sobre os seus próprios serviços, deve realizar o essencial da sua actividade para o organismo público ou os organismos públicos que a controlam, tem por finalidade, mais especificamente, evitar que seja falseado o jogo da concorrência.

106. Só se a pessoa colectiva controlada realizar a maior parte das suas actividades exclusivamente para o organismo público (ou organismos públicos) que a controlam, é que se poderá justificar a não aplicação das disposições imperativas das directivas em matéria de contratação pública, que se destinam à protecção da concorrência porque, nesta situação, deixa de haver concorrência.

107. Tal implica que só se poderá considerar que a pessoa colectiva em questão realiza a maior parte das suas actividades para o organismo público que a controla, na acepção do acórdão Teckal, quando as actividades desta empresa se dirijam principalmente a este organismo e qualquer outra actividade seja marginal.

108. Ora, nos n.os 61 a 65, supra, afirmei que as actividades da TRAGSA para outros organismos públicos diferentes da Administração central espanhola e das Comunidades Autónomas e para particulares situou‑se, nos últimos três anos, entre 7 e 8,5% do seu volume total de negócios e que o seu estatuto legal não estabelece quaisquer limitações à amplitude destas actividades.

109. Se, além disso, for aceite a minha tese acima exposta de que as Comunidades Autónomas não podem ser consideradas, em relação à TRAGSA, organismos públicos que a controlam, é forçoso concluir que não é cumprido o requisito de a maior parte das actividades ser realizada para o organismo público que a controla, uma vez que as actividades para as Comunidades Autónomas ascendem a mais de 50% do volume total de negócios da TRAGSA.

110. O requisito de que a maior parte das actividades seja realizada para o organismo público que a controla é uma condição necessária para impedir o falseamento da concorrência no mercado comum, tal como salientou o Tribunal de Justiça ainda no acórdão Cabotermo (31). Contudo, não é uma condição suficiente.

111. Se, de facto, a TRAGSA realizasse a maior parte das suas actividades para o organismo público ou os organismos públicos que a controlam, continuaria a existir a possibilidade de que esta, com as suas restantes actividades pudesse perturbar seriamente a concorrência em determinados segmentos do mercado. Com efeito, conforme já referi acima nos n.os 66 a 72, enquanto estas actividades não forem mantidas completamente separadas na organização deste serviço executivo, tanto em termos financeiros e contabilísticos, como em termos de recursos materiais e humanos, das suas actividades enquanto serviço de execução de um ou mais organismos públicos, esta poderá utilizar os benefícios de que goza com base no seu estatuto público na concorrência com outros operadores nos segmentos de mercado ainda abertos.

112. Este carácter híbrido da TRAGSA, em parte um serviço de execução interno que opera para o organismo público ou organismos públicos que a controlam, em parte uma pessoa colectiva que entra em concorrência pela adjudicação de contratos de outros organismos públicos, tais como os municípios, e de particulares e empresas, impõe um exame mais aprofundado à luz do artigo 86.°, n.° 1, CE.

113. De acordo com esta disposição, no que respeita às empresas públicas e às empresas, os Estados‑Membros não tomarão nem manterão qualquer medida contrária ao disposto no Tratado, designadamente ao disposto nos artigos 12.° e 81.° a 89.°, inclusive.

114. Ora, se um serviço de execução interno «próprio» de um organismo público aparece em segmentos de mercado abertos, sem que sejam adoptadas medidas eficazes e transparentes para impedir a utilização no âmbito da concorrência dentro destes segmentos de eventuais benefícios materiais financeiros de que este serviço goza pelo facto de, em relação à maior parte das suas actividades, intervir como organismo de execução de um organismo público, não se cumprem, neste caso, os requisitos explícitos estabelecidos no artigo 86.°, n.° 1, CE.

115. Tal incumprimento viola, mais especificamente, os artigos 43.° CE e 49.° CE, porque os serviços de execução próprios que realizam trabalhos adicionais nos mercados nacionais abertos podem dificultar o acesso de potenciais interessados provenientes de outros Estados‑Membros (32).

116. Os riscos que, à luz da proibição de auxílios de Estado, decorrem da falta de transparência nas relações financeiras e contabilísticas entre, por um lado, o Estado ou outros organismos públicos e, por outro, empresas públicas, levaram, no passado, à adopção pela Comissão de regras com base no artigo 86.°, n.° 3, CE (33).

Estes riscos, no contexto jurídico e factual subjacente ao processo principal, são, pelo menos, da mesma ordem de importância. A falta de qualquer garantia expressa no regime legal aplicável à TRAGSA contra formas manifestas ou dissimuladas de financiamento cruzado entre as actividades deste organismo, enquanto serviço de execução próprio da administração e enquanto operador de mercado nos segmentos de mercado abertos, é contrária ao artigo 86.°, n.° 1, CE, em conjugação com os artigos 87.° CE e 88.° CE.

117. Nos n.os 78 a 83, supra, analisei, de forma exaustiva, os riscos que a aplicação de disposições como os artigos 152.° e 194.° da legislação geral espanhola em matéria de contratação pública pode implicar para o bom funcionamento do direito comunitário em matéria de contratação pública, assim como para as liberdades fundamentais em matéria de circulação e as relações de concorrência no mercado comum.

118. Estes riscos residem no facto de, no caso de os serviços de execução, enquanto «meios próprios» ou pessoas jurídicas autónomas totalmente controladas pelos organismos públicos que solicitam intervenções, poderem receber solicitações de intervenções das administrações por eles responsáveis para a prestação de serviços, a execução de obras ou a produção de bens, não abrangidos pelas suas competências legais, administrativas ou de direito privado ou pelo seu domínio de acção descritos no seu regime estatutário, pela simples razão de se encontrarem à sua disposição, o efeito útil das directivas comunitárias em matéria de contratação pública poder esvaziar‑se em grande medida ou, quando estas não se aplicam, poderem surgir sérios obstáculos à circulação de mercadorias e de serviços e à liberdade de estabelecimento e as relações de concorrência entre estes serviços de execução ou pessoas colectivas controladas pelo poder público e as empresas privadas nos mercados em questão poderem ser seriamente falseadas. Apenas se admite uma excepção no caso de exigências imperativas de interesse público justificarem a solicitação directa de uma intervenção a um organismo de execução próprio, ainda que esta não esteja incluída nas suas tarefas legais ou estatutárias. Pode‑se pensar, por exemplo, no caso de catástrofes naturais e circunstâncias extraordinárias semelhantes, que poderão exigir a disponibilidade imediata de todos os meios de que dispõe uma administração.

119. Ora, o Tribunal de Justiça tentou evitar estas consequências, precisamente com o segundo critério Teckal. Para que este critério seja eficaz, deverá ser interpretado no sentido de que também proíbe a solicitação aos serviços de execução «próprios» ou a pessoas colectivas controladas pelo poder público intervenções não abrangidas pelas suas competências legais, administrativas ou estatutárias.

120. De resto, o órgão jurisdicional de reenvio questionou, a meu ver correctamente, a compatibilidade de disposições como os artigos 152.° e 194.° da legislação espanhola em matéria de contratação pública em vigor com o direito comunitário da concorrência.

121. Tais disposições criam incontestavelmente uma posição privilegiada para os próprios serviços de execução ou pessoas colectivas controladas pelo poder público – que intervêm como operadores no mercado fora do âmbito das suas competências legais, administrativas ou de direito privado – na adjudicação dos contratos públicos e, por este motivo, conflituam com o disposto no artigo 86.°, n.° 1, CE.

A terceira questão

122. Com a sua terceira questão, o Tribunal Supremo pretende claramente saber se o acórdão Espanha/Comissão (34) tem consequências para a apreciação da posição legal da TRAGSA na adjudicação dos contratos públicos.

123. Neste acórdão, o Tribunal de Justiça concluiu que uma organização como a TRAGSA que, não obstante a sua autonomia financeira e contabilística, é totalmente controlada pelo Estado espanhol, deve ser considerada um serviço próprio da administração espanhola na acepção do artigo 3.°, n.° 5, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 154/75.

124. Conforme observou correctamente a Comissão, este entendimento do Tribunal de Justiça refere‑se às actividades que a TRAGSA realizou por solicitação do Estado espanhol, no âmbito da elaboração do cadastro olivícola.

125. Quanto à afirmação do Governo espanhol de que, para a elaboração deste cadastro, a TRAGSA, enquanto pessoa colectiva autónoma, tinha recebido uma solicitação de intervenção secreta em virtude das exigências de confidencialidade que uma tal actividade deve satisfazer, o Tribunal de Justiça afirmou que a TRAGSA devia ser considerada um organismo de execução próprio que faz parte da administração central. É‑lhe aplicável, em princípio, a jurisprudência desenvolvida nos processos Teckal (35) e ARGE (36). No entender do Tribunal de Justiça, isto é confirmado pelo artigo 88.°, n.° 4, da Lei n.° 66/97 de 30 de Dezembro de 1997 (37), onde é estabelecido que incumbe à TRAGSA, como meio instrumental e serviço técnico da Administração espanhola, efectuar, a título exclusivo, por si própria ou através das suas filiais, os trabalhos que lhe sejam confiados pela Administração Geral do Estado, pelas Comunidades Autónomas e pelos organismos públicos delas dependentes (38).

126. A este respeito importa assinalar que no acórdão Espanha/Comissão estava em discussão, em primeiro lugar, a questão de saber se o Reino de Espanha podia confiar à TRAGSA a elaboração do cadastro olivícola sem concurso público.

127. Neste processo, o Tribunal de Justiça não necessitou de examinar questões como as que estão em causa no presente processo. Por conseguinte, a única conclusão a retirar deste acórdão era a de que a TRAGSA, enquanto serviço de execução no domínio da política estrutural agrícola em sentido lato, deve ser considerada um meio próprio da Administração central espanhola. O que está de acordo com a minha conclusão acima referida no n.° 103 das presentes conclusões.

D –     A admissibilidade

128. Na análise das duas primeiras questões apresentadas pelo Tribunal Supremo, foi chamada a atenção para o facto de que tanto o regime legal com base no qual a TRAGSA opera como «meio próprio» ao serviço, nomeadamente, das Comunidades Autónomas, como a competência desta pessoa jurídica para realizar actividades também para outros organismos públicos diferentes da administração central e das Comunidades Autónomas, e para particulares e empresas privadas, e o regime dos artigos 152.° e 194.° da legislação espanhola aplicável são susceptíveis de crítica face à sua incompatibilidade com os critérios que o Tribunal de Justiça formulou no n.° 50 do acórdão Teckal.

129. Esta incompatibilidade tem consequências jurídicas, no que se refere à aplicabilidade das directivas comunitárias em matéria de contratação pública, prestação de serviços e execução de obras. Além disso, pode levar à violação dos artigos 43.° CE, 49.° CE e 86.° CE.

130. A crítica acima apresentada de forma expressa também resulta implicitamente da decisão de reenvio, onde é formulada como uma dúvida.

131. Isso é particularmente evidente nas considerações do Tribunal Supremo no ponto «Quarto» da sua decisão de reenvio.

132. Parece‑me não haver dúvidas de que a resposta a dar pelo Tribunal de Justiça às questões prejudiciais, à luz da dúvida formulada, poderá fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio elementos sobre esta matéria que sirvam de fundamento à decisão a proferir no processo principal.

133. A argumentação da TRAGSA e do Governo espanhol de que as questões jurídicas apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, na sua decisão de reenvio, não são «novas» nem pertinentes num processo de cassação e que, por conseguinte, são inadmissíveis devido à sua natureza hipotética, não me convencem de forma alguma.

134. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça procura ser extremamente reservado na apreciação que faz da função e da utilidade das questões que lhe são submetidas para a resolução do processo principal pelo órgão jurisdicional nacional. O Tribunal de Justiça só pode considerar inadmissíveis as questões que tenham um carácter manifestamente hipotético (39).

135. Da descrição do processo, tal como ele se desenrolou nas diferentes instâncias administrativas e jurisdicionais em Espanha, resulta que, naquele contexto, o estatuto legal em que se baseia a intervenção da TRAGSA foi sempre considerado compatível com os princípios do direito nacional em matéria de concorrência. O facto de o Tribunal Supremo também referir os princípios do direito comunitário em matéria de contratação pública e de concorrência é uma iniciativa que, em si mesma, não torna, de forma alguma, hipotéticas as questões daí decorrentes.

136. A questão de saber se o Tribunal Supremo podia, no processo que lhe foi submetido, tomar esta iniciativa face ao direito espanhol é uma questão a que o mesmo Tribunal, enquanto órgão jurisdicional nacional supremo no caso em apreço pode e deve, por excelência, responder (40).

137. Também não partilho do entendimento da Comissão de que a fundamentação de facto e de direito da decisão de reenvio é demasiado sumária. Conforme demonstrado, supra, a decisão de reenvio contém elementos suficientes para uma análise mais do que sumária das questões submetidas.

138. Concluo, pois, que as questões do Tribunal Supremo são admissíveis.

V –    Conclusões

139. Tendo em conta as minhas conclusões, supra, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunal Supremo da seguinte forma:

–       Em princípio, as directivas comunitárias relativas à adjudicação dos contratos públicos de fornecimento, dos contratos públicos de serviços e dos contratos de empreitada de obras públicas não se aplicam a uma pessoa colectiva de direito privado como a TRAGSA que, por força do seu estatuto legal, deva ser considerada um «meio próprio» da administração que executa as intervenções que lhe são solicitadas pelos organismos públicos competentes para o efeito, sem ser ao abrigo de contratos a título oneroso.

–       Para o efeito, deve ser assegurado, nos termos das normas nacionais em questão, que os organismos nacionais competentes controlam a pessoa colectiva em causa, no sentido de que exercem uma influência determinante, quer sobre os seus objectivos estratégicos, quer sobre as suas decisões importantes e, ao mesmo tempo, a pessoa colectiva deve realizar a maior parte das suas actividades para os organismos públicos que a controlam, no sentido de que todas as outras actividades devem permanecer marginais.

–       A condição de que os organismos públicos competentes possam exercer uma influência determinante, quer sobre as decisões estratégicas quer sobre as decisões importantes da pessoa colectiva, não é cumprida se os serviços públicos que utilizam a pessoa colectiva enquanto serviço de execução não tiverem uma influência directa no conteúdo do estatuto legal aplicável a esta pessoa colectiva, nem nas tarifas que estas podem cobrar pelas suas actividades e ainda se, enquanto accionistas dessa pessoa colectiva, não puderem exercer uma influência determinante sobre as suas decisões.

–       A condição de que a pessoa colectiva realize a maior parte das suas actividades para os organismos públicos que a controlam não é satisfeita se o estatuto legal não limitar a amplitude das outras actividades no sentido de que estas permaneçam marginais.

–       Decorre do artigo 86.°, n.° 1, CE que uma pessoa colectiva que, em relação à maior parte das suas actividades, funciona como um serviço de execução dos organismos públicos competentes para o efeito, deve separar, de forma transparente, tanto em termos de organização, como em termos financeiros e contabilísticos, as actividades que realiza para outros organismos públicos e para particulares, das suas actividades enquanto meio próprio do organismo público competente.

–       Resulta da mesma disposição do Tratado que as administrações nacionais não podem confiar intervenções a uma pessoa colectiva que intervém como serviço de execução próprio para efeitos de fornecimento de mercadorias e serviços ou da execução de obras, quando estas solicitações de intervenção não tenham qualquer relação com as suas responsabilidades públicas ou quando a sua execução não se enquadre na descrição legal estatuária das funções da pessoa colectiva em questão. Só é permitida a excepção a esta regra no caso de existir uma justificação objectiva para tal solicitação de intervenção, como no caso de catástrofes naturais ou de circunstâncias extraordinárias semelhantes.

–       O órgão jurisdicional nacional deverá, no contexto jurídico e factual do processo principal, verificar se são cumpridas estas condições.


1 – Língua original: neerlandês.


2 – O órgão jurisdicional de reenvio limita‑se, na sua segunda questão prejudicial, a referir as Directivas 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1) e 93/37/CEE, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), conforme posteriormente alteradas e actualmente contidas na Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114). Contudo, pode‑se depreender da descrição das actividades da TRAGSA na legislação e na regulamentação espanhola que estas actividades também podem abranger a realização de serviços, como o abastecimento de água. Por conseguinte, não se pode excluir, de antemão, a aplicabilidade aos factos do processo principal da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), e da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações(JO L 199, p. 84), actualmente substituída pela Directiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO L 134, p. 1). Por uma questão de brevidade, nas presentes conclusões, aludirei sempre, em termos gerais, às «Directivas em matéria de contratação pública».


3 – A Comissão refere na nota de rodapé 3 das suas observações escritas que uma anterior Lei sobre a reforma e o desenvolvimento da agricultura, de 1973, previa expressamente a criação de uma empresa para a reforma do sector agrícola como instrumento político do Estado no domínio do desenvolvimento agrícola. A criação da TRAGSA decorre do desejo de atribuir personalidade jurídica ao parque de máquinas do Instituto Nacional de Reforma e Desenvolvimento Agrícola (Instituto Nacional de Reforma y Desarrollo Agrario ‑ IRYDA), conforme resulta do preâmbulo do Real Decreto n.° 379/1977, que se refere ao objectivo de realizar: «[…] através da intervenção de uma empresa sob a forma de pessoa colectiva de direito privado os trabalhos actualmente da responsabilidade do parque de máquinas do IRYDA, e que não podem ser confiados a empresas privadas, pela especialização que requerem, pela sua dispersão no espaço e no tempo, pela necessidade de realizar programas de trabalhos urgentes ou pelo facto de se tratar de trabalhos pouco ou nada lucrativos, quando o Governo, nos casos de furacões ou calamidades semelhantes, solicita a intervenção urgente do IRYDA para acorrer às vitimas […]»


4 – O artigo 152.°, n.° 1, alínea d), do texto codificado de 2000, actualmente em vigor.


5 – A Comissão refere ainda que a TRAGSA possui algumas filiais estrangeiras. Contudo, na audiência, a TRAGSA informou que estas empresas ou já foram liquidadas ou as suas actividades já cessaram total ou parcialmente.


6 –      A TRAGSA e o Governo espanhol observaram que a participação da TRAGSA está legalmente excluída dos concursos públicos da Administração Central e das Comunidades Autónomas. A TRAGSA só pode candidatar‑se a concursos públicos de outras entidades públicas diferentes da Administração Central e das Comunidades Autónomas.


7 – Trata‑se, em especial, dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1999, Teckal (C‑107/98, Colect., p. I‑8121); de 11 de Janeiro de 2005, Stadt Halle (C‑26/03, Colect., p. I‑1); de 10 de Novembro de 2005, Comissão/Áustria (C‑29/04, Colect., p. I‑9705); e de 11 de Maio de 2006, Carbotermo (C‑340/04, Colect., p. I‑4137).


8 – Neste contexto, são pertinentes, nomeadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Julho de 2005, Coname (C‑231/03, Colect., p. I‑7287); de 13 de Outubro de 2005, Parking Brixen (C‑458/03, Colect., p. I‑8612); e de 6 de Abril de 2006, ANAV (C‑410/04, Colect., p. I‑3303).


9 – No acórdão Stad Halle, n.° 48, referido na nota 7, o Tribunal de Justiça confirmou expressamente que às solicitações de trabalho de um organismo público aos seus próprios meios, administrativos, técnicos e outros, não há que aplicar as disposições comunitárias em matéria de contratos públicos.


10 –      V. a nota anterior.


11 –      V., em especial, os n.os 4 a 9 e 13 das presentes conclusões.


12 – Colect., p. I‑3851.


13 – Na audiência, a Comissão debruçou‑se demoradamente sobre esta questão, também à luz da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça nos acórdãos Parking Brixen, referido na nota 8, e Carbotermo, referido na nota 7.


14 – Embora se tratasse aí da atribuição de concessões por organismos públicos, não regulada no direito comunitário secundário, o princípio confirmado nestes acórdãos de que, se uma relação jurídica não for regulada pelo direito comunitário secundário, pode em todo o caso ser apreciada à luz do direito comunitário primário, também se aplica, mutatis mutandis, ao caso em apreço.


15 – Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, esta excepção é interpretada de forma estrita, no sentido de que se limita às actividades e interesses relacionados com o exercício da autoridade pública. Neste sentido, o acórdão de 21 de Junho de 1974, Reyners (2/74, Colect., p. 325), posteriormente confirmado, nomeadamente, no acórdão de 31 de Maio de 2001, Comissão/Itália (C‑283/99, Colect., p. I‑4363, n.° 20).


16 – V., a este respeito, os acórdãos Coname, Parking Brixen e ANAV, referidos na nota 8.


17 – Pode‑se depreender da síntese acima apresentada da legislação espanhola pertinente, nomeadamente no n.° 13, supra, que a utilização da TRAGSA como organismo de execução «próprio» pelas Comunidades Autónomas é facultativa. Se assim for, a qualificação da TRAGSA como «meio próprio» das Comunidades Autónomas torna‑se ainda mais problemática, porque a livre escolha de utilização de um organismo de execução de outro organismo de direito público em detrimento de um concurso público, é incompatível, enquanto tal, com as normas comunitárias em matéria de contratação pública. Cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se existe esta liberdade de escolha.


18 – Referido no n.° 15 das presentes conclusões.


19 – Na sua decisão de reenvio, pp. 12 e 13, o Tribunal Supremo expõe, de forma inequívoca, as suas dúvidas a este respeito. «Também parece estar em contradição com os princípios gerais do direito comunitário o facto de, com base em sucessivas leis em matéria de contratação administrativa, a Administração assumir directamente a execução de trabalhos públicos, através de uma empresa de direito público juridicamente qualificada como meio próprio, tendo como consequência que as condições do mercado em questão são claramente falseadas.»


20 – Resulta do teor dos artigos 152.° e 194.° da Lei espanhola em matéria de contratos das Administrações Públicas que o legislador espanhol presume, pelo menos, que as entidades adjudicatárias farão uso da capacidade residual dos seus serviços executivos: «… em todo o caso, esta modalidade de execução deve ser normalmente utilizada.» A interpretação desta passagem incumbe, naturalmente, ao órgão jurisdicional de reenvio.


21 – V. ainda, a este respeito, os n.os 117‑122 das presentes conclusões.


22 – Referido na nota 7, n.° 48.


23 – Referido na nota 8, n.° 16.


24 – Referido na nota 8, n.os 61 e 62.


25 – Nomeadamente, os acórdãos Stadt Halle, referido na nota 7, n.° 46, e Parking Brixen, referido na nota 8, n.os 63 e 65.


26 – V. os acórdãos Parking Brixen, referido na nota 8, n.° 65, e Carbotermo, referido na nota 7, n.° 36.


27 – No acórdão Coname, já referido na nota 8, tratava‑se de uma pessoa jurídica comum a vários organismos públicos (Padania), tal como no acórdão Carbotermo, já referido na nota 7. O facto de, para o efeito, serem estabelecidos tanto requisitos quantitativos como qualitativos, resulta tanto do acórdão Coname, já referido, onde uma participação de 0,97% foi considerada uma justificação objectiva insuficiente, como do acórdão Carbotermo, onde as competências de controlo dos organismos públicos fiscalizadores dos conselhos de administração das pessoas colectivas em questão foram consideradas insuficientes para terem «uma possibilidade de influência determinante quer sobre os objectivos estratégicos quer sobre as decisões importantes desta sociedade.»


28 – A existência de uma influência determinante sobre a TRAGSA também não se pode depreender dos contratos de direito público celebrados entre as Comunidades Autónomas e a TRAGSA, acima referidos no n.° 13 das presentes conclusões e cujo texto foi junto pela Comissão em anexo às suas observações escritas. Contudo, sobre esta matéria a interpretação do órgão jurisdicional nacional deverá dar uma resposta definitiva.


29 –      A necessidade de uma descrição rigorosa e exaustiva das tarefas e competências de um organismo de execução comum, também é relevante para o segundo critério Teckal. V. a seguir, os n.os 112‑116 e 117‑121.


30 – Referido na nota 7, n.os 58 a 63.


31 – Referido na nota 7.


32 – No acórdão Coname, referido na nota 8, o Tribunal de Justiça referiu, ainda que num contexto factual ligeiramente diferente, que a falta da necessária transparência pode constituir um entrave à livre circulação de serviços e de estabelecimento.


33 – V. Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados‑Membros e as empresas públicas, JO L 195, p. 35, posteriormente completada e alterada por diversas vezes.


34 – Referido na nota 12.


35 – Já referido.


36 – Acórdão de 7 de Dezembro de 2000, ARGE (C‑94/99, Colect., p. I‑11037, n.° 40).


37 – Cujo conteúdo é resumido no n.° 5.


38 – Acórdão Espanha/Comissão, já referido na nota 12, n.os 204‑206.


39 – V. nomeadamente, os acórdãos de 18 de Dezembro de 1981, Foglio Novello (244/80, Colect., p. 3045, n.° 18); 12 de Março de 1998, Djabala (C‑314/96, Colect., p. I‑1049, n.° 18); e 30 de Setembro de 2003, Inspire Art (C‑167/01, Colect., p. I‑10155, n.os 44 e 45).


40 – As questões prejudiciais só poderão ser consideradas inadmissíveis se, no exame dos factos do processo principal e do direito nacional aplicável, for manifesto que a decisão do Tribunal de Justiça sobre as questões que lhe foram submetidas não poderá contribuir para a resolução do litígio. V. nomeadamente, os acórdãos de 16 de Setembro de 1982, Vlaeminck (C‑132/81, Colect., p. 2966, n.os 13 e 14) e, mais recentemente, de 18 de Março de 2004, Siemens e ARGE Telecom (C‑314/01, Colect., p. I‑2549, n.° 37).