CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 15 de Fevereiro de 2007 1(1)

Processo C‑178/05

Comissão das Comunidades Europeias

contra

República Helénica

«Directiva 69/335/CEE – Impostos indirectos – Reuniões de capitais – Transferência da sede estatutária de uma sociedade – Isenção do imposto sobre as entradas de capital das cooperativas agrícolas, bem como das compropriedades de navios, dos consórcios marítimos e das companhias de navegação»





I –    Introdução

1.     Na presente acção por incumprimento, a Comissão acusa a República Helénica de não ter transposto adequadamente a Directiva 69/335/CEE, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (2) (a seguir «imposto sobre as entradas de capital»).

2.     Por um lado, na opinião da Comissão, as disposições gregas que disciplinam a tributação da transferência da sede das sociedades de capitais para a Grécia violam o disposto na directiva.

3.     Por outro, a Comissão entende que as disposições gregas, segundo as quais as cooperativas agrícolas e as suas associações e consórcios, bem como as compropriedades de navios, os consórcios marítimos e as companhias de navegação de qualquer tipo, estão isentos do imposto sobre as sociedades, são incompatíveis com a Directiva 69/335.

II – Quadro jurídico

A –    Directiva 69/335

4.     A finalidade inicial da directiva está especificada no segundo considerando:

«Considerando que os impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, actualmente em vigor nos Estados‑Membros, designadamente o imposto a que estão sujeitas as entradas de capitais nas sociedades e o imposto de selo sobre os títulos, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais, devendo, consequentemente, ser eliminadas por via de harmonização.»

5.     Os segundo e terceiro considerandos da Directiva modificativa 85/303 (3) referem a ampliação da finalidade da directiva e as suas razões:

«Considerando que os efeitos económicos do imposto sobre as entradas de capital são desfavoráveis ao reagrupamento e ao desenvolvimento das empresas; que esses efeitos são especialmente negativos na actual conjuntura, a qual exige de forma imperativa que seja dada prioridade ao relançamento dos investimentos;

Considerando que a melhor solução para atingir tais objectivos consistiria na eliminação do imposto sobre as entradas de capital [...]»

6.     O quinto considerando da Directiva modificativa 85/303 refere‑se à situação da Grécia após a sua adesão à União Europeia:

«Considerando que, em 1 de Julho de 1984, não existia na Grécia imposto sobre as entradas de capital; que, por este motivo, convém prever a faculdade de introduzir tal imposto neste país, bem como a faculdade de isentar desse imposto certas operações.»

Em consequência, a directiva prevê regulamentações especiais para a Grécia.

7.     O artigo 1.º da Directiva 69/335 regula as modalidades de cobrança do imposto sobre as entradas de capital basicamente do seguinte modo:

«Os Estados‑Membros cobrarão um imposto sobre as entradas de capital nas sociedades, harmonizado nos termos dos artigos 2.º a 9.º, a seguir denominado ‘imposto sobre as entradas de capital.»

8.     As sociedades sujeitas ao imposto são especificadas no artigo 3.º, n.º 1:

«Para efeitos do disposto na presente directiva, por sociedade de capitais entende‑se:

a)      […]

b)      toda e qualquer sociedade, associação ou pessoa colectiva cujas partes representativas do capital social ou do activo sejam susceptíveis de serem negociadas em bolsa;

c)      toda e qualquer sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos, cujos membros tenham o direito de ceder sem autorização prévia as respectivas partes sociais a terceiros e apenas sejam responsáveis pelas dívidas da sociedade, associação ou pessoa colectiva até ao limite da respectiva participação.»

9.     O artigo 3.º, n.º 2, amplia o âmbito de aplicação da directiva, através de uma ficção jurídica, a determinadas sociedades que não são sociedades de capitais, permitindo no entanto aos Estados‑Membros um diferente tratamento fiscal destas sociedades:

«2. Para a aplicação da presente directiva, é equiparada às sociedades de capitais toda e qualquer outra sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos. Um Estado‑Membro pode não a considerar como tal, para efeitos de cobrança do imposto sobre as entradas de capital.»

10.   O artigo 4.º determina quais as operações que os Estados‑Membros podem submeter ao imposto sobre as entradas de capital:

«1. Estão sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital as seguintes operações:

a)      a constituição de uma sociedade de capitais;

[…]

g)      A transferência de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro da sede de direcção efectiva de uma sociedade, associação ou pessoa colectiva que seja considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, como sociedade de capitais no Estado‑Membro referido em último lugar, e não o era no outro Estado‑Membro;

h)      A transferência de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro da sede estatutária de uma sociedade, associação ou pessoa colectiva, cuja sede de direcção efectiva se encontre num país terceiro e que seja considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, como sociedade de capitais no Estado‑Membro referido em último lugar, e não o era no outro Estado‑Membro.

2. […]

Todavia, a República Helénica determinará quais as operações, de entre as acima referidas, que ficam sujeitas ao imposto sobre as entradas de capitais.

3. Não se considera constituição, na acepção da alínea a) do n.º 1, qualquer alteração do acto constitutivo ou dos estatutos de uma sociedade de capitais, designadamente:

[…]

b)      A transferência de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro da sede de direcção efectiva ou da sede estatutária de uma sociedade, associação ou pessoa colectiva considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, como sociedade de capitais em ambos os Estados‑Membros referidos;

[…]»

11.   O artigo 7.º, n.os 1 e 2, estabelece que:

«1. Os Estados‑Membros isentarão do imposto sobre as entradas de capital as operações, com excepção das referidas no artigo 9.º, que, em 1 de Julho de 1984, estivessem isentas ou fossem tributadas a uma taxa igual ou inferior a 0,50%.

[…]

A República Helénica determinará quais as operações que ficam isentas do imposto sobre as entradas de capital.

2. Os Estados‑Membros podem isentar do imposto sobre as entradas de capital todas as operações, com excepção das referidas no n.º 1, ou submetê‑las a uma taxa única que não ultrapasse 1%.»

12.   Além disso, o artigo 8.º permite a isenção do imposto sobre as entradas de capital relativamente às seguintes sociedades de capital:

«Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 7.º, os Estados‑Membros podem isentar do imposto sobre as entradas de capital as operações referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 4.º, relativamente às:

–       sociedades de capitais que prestem serviços de utilidade pública, como sejam as empresas de transporte público, as empresas portuárias ou de fornecimento de água, gás ou electricidade, nos casos em que o Estado ou outras colectividades territoriais detenham, pelo menos, metade do capital social;

–       sociedades de capitais que, de harmonia com os respectivos estatutos e na prática, prossigam única e directamente objectivos culturais, de beneficência, de assistência ou de educação.»

13.   A este propósito, os pressupostos para que os Estados‑Membros possam divergir das modalidades de cobrança do imposto sobre as entradas de capital estão assim definidos no artigo 9.º:

«Certas categorias de operações ou de sociedades de capitais podem ser objecto de isenção, de redução ou de majoração de taxas, por razões de equidade fiscal ou de ordem social, ou com o fim de permitir a um Estado‑Membro enfrentar situações especiais. O Estado‑Membro que tencione tomar essa medida deve informar a Comissão em tempo útil e para efeitos da aplicação do artigo 102.º do Tratado.»

B –    Direito Nacional

14.   Na Grécia, a Lei n.º 1676/86 transpôs a Directiva 69/335. De acordo com o artigo 17.º desta lei, estão sujeitos ao imposto sobre as entradas de capital as sociedades comerciais, os consórcios industriais, as cooperativas de qualquer nível e todas as outras sociedades, pessoas colectivas ou associações que prossigam um fim lucrativo.

15.   As operações sujeitas a imposto, como por exemplo a constituição de uma sociedade de capitais, a transformação de uma sociedade numa sociedade de capitais ou o aumento de capital de uma sociedade, são referidas no artigo 18.º No seu n.º 2, alíneas c) e d), esta disposição equipara a tais operações a transferência da sede de direcção efectiva de uma pessoa colectiva, na acepção do artigo 17.º, de um Estado‑Membro para a Grécia, quando esta pessoa colectiva não esteja sujeita ao imposto no seu Estado‑Membro de origem. O mesmo sucede com a transferência da sede estatutária de uma pessoa colectiva, cuja sede de direcção efectiva se encontre num Estado terceiro, de um Estado‑Membro para a Grécia.

16.   O artigo 18.º, n.º 4, esclarece, porém, que a transferência da sede de direcção efectiva ou da sede estatutária de uma pessoa colectiva, na acepção do artigo 17.º, não constitui uma reunião de capitais nem, portanto, uma operação sujeita a imposto, quando a pessoa colectiva está sujeita a imposto no seu Estado‑Membro de origem.

17.   O artigo 22.º, n.º 1, da lei grega isenta, na alínea a), as cooperativas agrícolas de qualquer nível, inclusivamente todo o tipo de associações e consórcios por elas formados, isentando ainda, na alínea b), as compropriedades de navios, os consórcios marítimos e as companhias de navegação de qualquer tipo do imposto sobre as entradas de capital.

18.   As cooperativas agrícolas são objecto da Lei n.º 2810/2000, que regula nomeadamente a constituição, estrutura e organização das cooperativas agrícolas.

III – Tramitação processual e pedidos das partes

19.   Após regular tramitação da fase pré‑contenciosa, a Comissão intentou em 19 de Abril de 2005 a presente acção, na qual pede:

–       a declaração de que a República Helénica, tendo adoptado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação de um imposto sobre a transferência da sede estatutária ou da sede de direcção efectiva, bem como à isenção deste mesmo imposto em benefício de todas as cooperativas agrícolas de qualquer nível, das uniões ou consórcios de qualquer natureza destas cooperativas, das compropriedades de navios, dos consórcios marítimos e das companhias de navegação de qualquer tipo, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 69/335/CEE.

–       a condenação da República Helénica nas despesas.

20.   A República Helénica pede:

–       que a acção seja julgada improcedente.

21.   O Reino de Espanha, que foi admitido a intervir por despacho de 19 de Setembro de 2005, pede:

–       que a acção seja julgada improcedente e a Comissão seja condenada nas despesas,

–       subsidiariamente, para o caso de o Tribunal de Justiça declarar verificado o incumprimento, que sejam limitados para o futuro os efeitos do acórdão no tempo.

IV – Apreciação

A –    Admissibilidade

22.   A Grécia não alegou expressamente a inadmissibilidade da acção. Pode, contudo, entender‑se que a objecção do Governo grego de que a Lei n.º 1676/86, que transpôs a directiva para o direito nacional, incluindo as disposições em litígio, fora transmitida à Comissão já em Setembro de 1986, enquanto projecto de lei, levanta dúvidas quanto à admissibilidade. Entre a notificação do projecto de lei e a notificação para cumprir da Comissão, esta datada de 1 de Abril de 2004, decorreram portanto quase 18 anos. Até ao início do procedimento pré‑contencioso que antecedeu a presente acção, nunca a Comissão acusou o Governo grego de uma possível violação das suas obrigações decorrentes da directiva.

23.   O artigo 226.º CE não estabelece, contudo, qualquer prazo para a propositura da acção. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a admissibilidade de uma acção por incumprimento não depende de a Comissão ter respeitado determinado prazo para dar início ao procedimento pré‑contencioso ou para intentar a acção, pois nesta matéria ela dispoõe de um poder discricionário que não está sujeito à fiscalização do Tribunal de Justiça (4).

24.   Só pode suceder algo diferente quando a muito longa duração do procedimento pré‑contencioso dificulta ao Estado‑Membro a contestação dos argumentos da Comissão e, portanto, afecta o direito de defesa do Estado‑Membro (5). Se isto deve ser também válido no caso de o procedimento pré‑contencioso não ter tido, em si mesmo, uma duração excessiva, mas a acção de incumprimento ter sido intentada muito depois da adopção das medidas controvertidas, é algo que não é aqui necessário determinar. Isto porque o Estado‑Membro tem sempre que provar os efeitos negativos sobre o seu direito de defesa (6) e, no presente caso, o Governo grego não alegou que a propositura tardia da acção de incumprimento tenha produzido efeitos sobre a organização da sua defesa.

25.   Além disso, o Governo grego alegou, sem a este respeito impugnar a admissibilidade da acção, que a falta da reacção da Comissão à notificação das disposições aqui controvertidas o impediu de dar início ao procedimento previsto no artigo 9.º da Directiva 69/335.

26.   De acordo com o artigo 9.º da directiva, podem estabelecer‑se excepções à cobrança do imposto sobre as entradas de capital se se verificarem determinadas condições. Nesta matéria, o Estado‑Membro tem de, por sua própria iniciativa e atempadamente, submeter a questão à Comissão. O facto de uma abstenção da Comissão provocar num Estado‑Membro a impressão de que não é necessário o procedimento previsto no artigo 9.º não pode, contudo, levar à inadmissibilidade da acção por incumprimento. Isto porque a acção por incumprimento não tem por finalidade fazer valer direitos da Comissão que esta poderia possivelmente perder, ao impedir a invocação por um Estado‑Membro de uma cláusula de excepção. A acção por incumprimento tem, diferentemente, por finalidade a declaração objectiva de uma violação do direito comunitário (7). De resto, o Estado‑Membro tem, tanto durante como após uma acção por incumprimento, ainda a possibilidade, de acordo com o procedimento previsto no artigo 9.º da directiva, de fazer valer uma excepção com a cooperação da Comissão.

27.   A acção é, portanto, admissível.

B –    Apreciação

28.   Na opinião da Comissão, as disposições gregas violam a Directiva 69/335 sob três diferentes aspectos. Por um lado, está em causa a questão do elemento de referência para a tributação da transferência da sede (ponto 1), por outro, está em causa a isenção de determinadas empresas do imposto sobre as entradas de capital, nomeadamente as cooperativas agrícolas [ponto 2a)] e as compropriedades de navios, os consórcios marítimos e as companhias de navegação [ponto 2b)].

1.      Elemento de referência invocado para a tributação da transferência da sede estatutária ou da sede de direcção efectiva

29.   A Comissão sustenta que a República Helénica não transpôs correctamente o artigo 4.º, n.º 1, alíneas g) e h), e n.º 3, alínea b), da Directiva 69/335. Estas disposições definem os pressupostos para a cobrança do imposto sobre as entradas de capital pela transferência da sede estatutária ou da sede de direcção efectiva (a seguir «transferência da sede») de um Estado‑Membro para outro.

30.   Segundo a Comissão, a Directiva 69/335 estabelece, como critério decisivo para a tributação da transferência da sede, o de saber se, no Estado de origem, a sociedade é considerada uma sociedade de capitais. Para o Governo grego, pelo contrário, a cobrança do imposto sobre as entradas de capital pela transferência da sede depende da questão de saber se a sociedade em causa foi tributada, no seu Estado de origem, em imposto sobre as entradas de capital (caso em que a transferência da sede não é tributada) ou se ela não foi tributada em sede do referido imposto (caso em que a transferência da sede é tributada).

31.   Na sua contestação, o Governo grego criticou o entendimento que a Comissão fez da disposição grega e acentuou que, segundo o direito grego, não interessa saber se, no Estado de origem, o imposto sobre as entradas de capital foi cobrado, mas antes saber se, no Estado de origem, a sociedade está em princípio sujeita a esse imposto (8). Se uma sociedade não estiver sujeita ao imposto no Estado de origem, a transferência da sua sede para a Grécia é tributada, enquanto, pelo contrário, se estiver sujeita ao imposto nesse Estado, a transferência da sua sede não é tributada. Na opinião do Governo grego, este critério corresponde às prescrições da directiva. No entender da Comissão, porém, o critério da sujeição ao imposto sobre as entradas de capital não é compatível com a directiva.

32.   Deve, portanto, seguidamente averiguar‑se se o critério da sujeição ao imposto utilizado na disposição grega corresponde a uma correcta transposição da directiva. Para isso, há que interpretar o artigo 4.º da Directiva 69/335.

33.   Nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea g), está sujeita ao imposto sobre as entradas de capital a transferência de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro da sede de direcção efectiva de uma sociedade, associação ou pessoa colectiva que seja considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, como sociedade de capitais no Estado‑Membro de acolhimento, mesmo que assim não seja considerada no Estado de origem. No artigo 4.º, n.º 1, alínea h), encontra‑se uma regra paralela para a transferência de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro da sede estatutária de uma sociedade, associação ou pessoa colectiva, cuja sede de direcção efectiva se encontre num país terceiro.

34.   O artigo 4.º, n.º 3, alínea b), da Directiva 69/335 determina que a seguinte operação, entre outras, não se considera constituição de uma sociedade de capitais para o efeito de a sujeitar ao imposto sobre as entradas de capital: a transferência de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro da sede de direcção efectiva ou da sede estatuária de uma sociedade, associação ou pessoa colectiva considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, como sociedade de capitais em ambos os Estados‑Membros referidos.

35.   Deve notar‑se, desde logo, que o critério da sujeição ao imposto utilizado no direito grego não está em sintonia com a letra da Directiva 69/335. O Governo grego alega, todavia, que este critério leva a resultados semelhantes aos obtidos através do critério utilizado na directiva. Para examinar este argumento de defesa, é necessário analisar quando é que uma transferência da sede está sujeita, nos termos da directiva, a imposto sobre as entradas de capital. Numa segunda fase, há que examinar se o critério utilizado no direito grego leva, em todos os casos, a um resultado semelhante.

36.   De acordo com a letra do artigo 4.º, n.º 1, alíneas g) e h), a transferência da sede está sujeita ao imposto sobre as entradas de capital quando, no Estado de acolhimento, a sociedade em causa é considerada uma sociedade de capitais para efeitos de cobrança do imposto sobre as entradas de capital, mas não é considerada uma sociedade de capitais no Estado de origem. Condição de aplicação desta norma é, portanto, uma divergência na qualificação como sociedade de capitais. Assim, o artigo 4.º da directiva remete para o artigo 3.º, n.º 2, adoptando também a sua terminologia. Na sua primeira frase, o artigo 3.º, n.º 2 estabelece que, para aplicação desta directiva, é equiparada às sociedades de capitais toda e qualquer outra sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos. A segunda frase desta disposição permite que os Estados‑Membros não considerem estas sociedades equiparadas sociedades de capitais para efeitos de cobrança do imposto sobre as entradas de capital. Dado que, deste modo, pode haver uma divergência na qualificação destas sociedades equiparadas como sociedade de capitais, a transferência da sua sede é regulada no artigo 4.º, n.º 1.

37.   Quanto às sociedades abrangidas pelo artigo 3.º, n.º 1, da Directiva 69/335, não é, em princípio, possível uma divergência na qualificação como sociedade de capitais. Com efeito, o n.º 1 define as sociedades de capitais de forma exaustiva e vinculativa para todos os Estados‑Membros. Nessa disposição, por um lado, são expressamente enumeradas tais sociedades e, por outro, referidos os requisitos cujo preenchimento implica a existência de sociedades de capitais na acepção da directiva. Por conseguinte, não é possível que, num Estado‑Membro, estas sociedades não sejam consideradas sociedades de capitais para efeitos de cobrança do imposto sobre as entradas de capital. Nos termos do artigo 4.º, n.º 3, alínea b), a transferência da sede das sociedades abrangidas pelo artigo 3.º, n.º 1 nunca constitui uma operação tributável dado que, de acordo com o disposto na directiva, estas sociedades devem necessariamente ser consideradas sociedades de capitais quer no Estado de origem quer no Estado de acolhimento.

38.   Há que concordar com o Governo grego em que o critério da directiva e o critério da «sujeição ao imposto» utilizado no direito grego podem levar, em determinados casos, ao mesmo resultado. Se uma sociedade não é considerada sociedade de capitais no Estado de origem, a transferência da sua sede está, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alíneas g) e h), sujeita ao imposto sobre as entradas de capital. Como uma sociedade que no seu Estado de origem não é considerada sociedade de capitais também não está aí sujeita ao imposto sobre as entradas de capital, o critério grego não leva, neste caso, a um resultado divergente.

39.   Outra é, contudo, a situação quando o Estado de origem isenta todas as operações do imposto sobre as entradas de capital nos termos do artigo 7.º, n.º 2, da Directiva 69/335, assim suprimindo este imposto.

40.   Se, neste caso, a tributação da transferência da sede deve ser regulada nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alíneas g) e h) (com a consequência de que está sujeita a imposto sobre as entradas de capital) ou do artigo 4.º, n.º 3, alínea b) (com a consequência de que não está sujeita a imposto sobre as entradas de capital), é decidido atendendo também a se, no Estado de origem, uma sociedade é «considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, como sociedade de capitais» (9).

41.   Por um lado, é possível argumentar que num Estado onde foi eliminado o imposto sobre as entradas de capital, uma sociedade também já não é considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, uma sociedade de capitais, precisamente porque já não é cobrado qualquer imposto sobre as entradas de capital. Segundo este ponto de vista, seria aplicável o artigo 4.º, n.º 1, com a consequência de que a transferência da sede seria tributável.

42.   Todavia, esta solução não convence. Com efeito, parte do princípio de que a classificação como sociedade de capitais deve ser efectuada nos termos do direito nacional. Ora, isto não é correcto. Pelo contrário, a própria directiva estabelece de forma exaustiva, no artigo 3.º, quais as sociedades que devem ser consideradas sociedades de capitais para efeitos de cobrança do imposto sobre as entradas de capital. A qualificação à luz do direito nacional só é relevante atendendo à opção de excluir determinadas sociedades, que não são sociedades de capitais, da equiparação geral a sociedades de capitais nos termos do artigo 3.º, n.º 2. Mesmo que um Estado‑Membro tenha eliminado o imposto sobre as entradas de capital nos termos do artigo 7.º, n.º 2, a questão de saber quais as sociedades a classificar como sociedades de capitais é resolvida atendendo apenas ao artigo 3.º da directiva. De acordo com o entendimento aqui defendido, a tributação da transferência da sede é regulada, em princípio, pelo artigo 4.º, n.º 3, isto é, não está sujeita a imposto sobre as entradas de capital.

43.   O entendimento aqui defendido é confirmado também pelo acórdão do Tribunal de Justiça no processo Senior Engineering (10). Com efeito, para determinar o Estado competente para cobrar o imposto, o Tribunal de Justiça apenas atendeu à questão de saber se neste foi efectuada uma operação tributável na acepção da directiva. Pelo contrário, é irrelevante se o Estado em causa eliminou o imposto sobre as entradas de capital, em conformidade com o artigo 7.º, n.º 2. Concretizando esta ideia, o Tribunal de Justiça indicou que a Directiva 69/335 não pode ser interpretada no sentido de que permite que um Estado‑Membro aproveite, para aumentar as suas receitas fiscais, a moderação fiscal de outro Estado‑Membro (11).

44.   Portanto, também no caso em apreço apenas é decisivo se uma sociedade, de acordo com o disposto no artigo 3.º da directiva, deve ser considerada uma sociedade de capitais sujeita a imposto sobre as entradas de capital. Esta qualificação não é afectada pelo facto de um Estado‑Membro já não cobrar imposto sobre as entradas de capital.

45.   De resto, esta interpretação da Directiva 69/335 também corresponde ao seu objectivo, o qual, desde que foi alterada, consiste na eliminação do imposto sobre as entradas de capital (12). Se, de acordo com este objectivo, um Estado‑Membro eliminar o imposto sobre as entradas de capital, as disposições relativas à transferência da sede não devem ser interpretadas de modo a que esta decisão seja invalidada pela tributação no Estado de acolhimento. Acresce que esta interpretação garante, da melhor maneira possível, a realização das liberdades fundamentais, neste caso da liberdade de estabelecimento, dado que torna mais fácil a transferência da sede para outro Estado‑Membro.

46.   Em resumo, deve, assim, concluir‑se que a eliminação do imposto sobre as entradas de capital, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, pelo Estado de origem não implica que a transferência da sede de uma sociedade definida na directiva como sociedade de capitais esteja sujeita ao imposto sobre as entradas de capital.

47.   Se se aplicasse o critério do direito grego – sujeição a imposto da sociedade em causa no Estado de origem – chegar‑se‑ia, no caso em análise, pelo contrário, a um resultado diferente. Se, de acordo com o direito do Estado de origem, uma sociedade de capitais deixasse de estar sujeita ao imposto sobre as entradas de capital relativamente a todas as operações, ela seria considerada, de acordo com o direito grego – como o Governo grego admitiu no presente processo perante o Tribunal de Justiça – não sujeita ao imposto sobre as entradas de capital. De acordo com o critério utilizado no direito grego, em tal caso, a transferência de sede estaria, diferentemente do que sucederia com a utilização do critério da qualificação como sociedade de capitais, sempre sujeita ao imposto sobre as entradas de capital.

48.   O critério utilizado no direito grego não leva, portanto, em todos os casos, contrariamente ao afirmado pelo Governo grego, a um resultado idêntico ao critério, utilizado na directiva, da qualificação como sociedade de capitais. Ao ter optado pelo critério da sujeição ao imposto, a República Helénica não transpôs, portanto, correctamente a directiva.

49.   O Reino de Espanha, interveniente no presente processo, remete para a sua legislação, semelhante à do direito grego. Afirma que o sistema dos direitos espanhol e grego é necessário para evitar a fraude e a evasão fiscais.

50.   De acordo com jurisprudência assente, não é permitida uma invocação fraudulenta ou abusiva do direito comunitário. Isto significa que a aplicação de uma regulamentação comunitária não pode alargar‑se ao ponto de abranger práticas abusivas de operadores económicos, isto é, operações que não sejam realizadas no âmbito de transacções comerciais normais, mas apenas com o objectivo de obter, abusivamente, benefícios previstos em disposições do direito comunitário (13). A utilização das possibilidades formais conferidas pelo direito comunitário não pode, contudo, por si só, fundamentar a suspeita de abuso (14).

51.   O artigo 4.º da Directiva 69/335 permite que uma sociedade de capitais que no seu Estado de origem não estava sujeita a imposto sobre as entradas de capital transfira a sua sede para outro Estado‑Membro sem que esta transferência esteja sujeita ao referido imposto. Esta vantagem, conferida às sociedades pela directiva, não pode de forma geral ser suprimida pelo Estado‑Membro.

52.   Só quando se verifiquem determinadas circunstâncias que tornem abusiva a invocação desta regulamentação comunitária pode um Estado‑Membro recusar a invocação da disposição da directiva. A regulamentação grega não se limita, porém, a contrariar o abuso em determinados casos, antes sujeitando em geral ao imposto sobre as entradas de capital a transferência de sede de sociedades que não estavam legalmente sujeitas, no Estado de origem, ao imposto sobre as entradas de capital. Deste modo, a regulamentação grega excede, sem dúvida, o que é necessário para combater a evasão fiscal. Mesmo considerando a intenção de evitar a evasão fiscal, as disposições gregas não constituem, portanto, uma transposição adequada da Directiva 69/335.

2.      Isenção do imposto sobre as entradas de capital prevista para determinados tipos de sociedades

a)      Isenção das cooperativas agrícolas

53.   De acordo com o direito grego, as cooperativas agrícolas de qualquer nível, bem como as suas associações e consórcios, estão isentas do imposto sobre as entradas de capital. Esta exclusão não é, na opinião da Comissão, compatível com a Directiva 69/335.

54.   O artigo 1.º da Directiva 69/335 dispõe que os Estados‑Membros cobrarão um imposto sobre as entradas de capital nas sociedades, harmonizado nos termos da directiva. Há pois que averiguar se as cooperativas agrícolas de direito grego são sociedades de capitais, com a consequência de que lhes deve, em princípio, ser cobrado imposto sobre as entradas de capital. Se as cooperativas agrícolas forem sociedades de capitais na acepção da directiva, haverá seguidamente que averiguar se e em que medida a directiva permite excepções à cobrança do imposto sobre as entradas de capital.

55.   O artigo 3.º, n.º 1, alínea a), classifica como sociedades de capitais determinadas formas societárias das ordens jurídicas dos Estados‑Membros, enquanto o artigo 3.º, n.º 1, alíneas b) e c), refere características cuja presença faz com que uma sociedade, associação ou pessoa colectiva também seja considerada uma sociedade de capitais na acepção da directiva. As cooperativas agrícolas de direito grego não constam da enumeração feita na alínea a), nem possuem as características que, de acordo com as alíneas b) e c), são pressuposto da qualificação como sociedade de capitais.

56.   De acordo com a alínea b), uma sociedade será, portanto, uma sociedade de capitais se as partes representativas do seu capital social ou do seu activo forem susceptíveis de ser negociadas em bolsa. Como a própria Comissão afirmou, as participações nas cooperativas agrícolas não são susceptíveis de ser negociadas em bolsa.

57.   De acordo com a alínea c), constitui uma sociedade de capitais na acepção da directiva toda e qualquer sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos, cujos membros tenham o direito de ceder sem autorização prévia as respectivas partes sociais a terceiros e apenas sejam responsáveis pelas dívidas da sociedade, associação ou pessoa colectiva até ao limite da respectiva participação. A Comissão afirma que o direito grego prevê que as partes sociais de uma cooperativa agrícola só podem ser cedidas quando tal estiver previsto nos estatutos da cooperativa e quando o conselho de administração da cooperativa concordar com tal cedência. As partes sociais de uma cooperativa agrícola de direito grego não podem, portanto, ser cedidas a terceiros sem autorização prévia. Pode deixar‑se de lado a questão de saber se as cooperativas agrícolas preenchem o segundo critério referido na alínea c), que consiste na responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade apenas até ao limite da respectiva participação. Isto porque, para que uma sociedade seja, nos termos da alínea c), considerada sociedade de capitais deve preencher ambos os critérios aí referidos. Como as cooperativas agrícolas de direito grego não cumprem, desde logo, o primeiro critério, não são, consequentemente, sociedades de capitais na acepção da alínea c).

58.   O artigo 3.º, n.º 2, equipara, contudo, às sociedades de capitais, para efeitos da aplicação da Directiva 69/335, toda e qualquer outra sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos. O Tribunal de Justiça já declarou que esta disposição tem por objectivo evitar que a escolha de uma determinada forma jurídica possa ter como consequência um tratamento fiscal diferente de actividades que, do ponto de vista económico, são equivalentes (15).

59.   Nos termos do n.º 2, para serem sociedades de capitais as cooperativas agrícolas de direito grego deviam, portanto, prosseguir fins lucrativos.

60.   A este respeito, a Comissão afirma, com razão, que o critério do fim lucrativo deve ser compreendido de uma forma ampla. Nem só quando o seu objectivo é a obtenção de rendimento de um capital prossegue uma sociedade, na acepção do artigo 3.º, n.º 2, primeiro período, da directiva, fins lucrativos. Também prossegue um fim lucrativo quando, como é o caso de uma cooperativa agrícola, o resultado económico da sua actividade leva à atribuição de vantagens directas aos seus sócios e ao reforço económico da sociedade enquanto comunidade solidária, ainda que isto não resulte no pagamento directo de um rendimento do capital. O Governo grego admitiu, de resto, que pelo menos uma categoria de cooperativas agrícolas, as «cooperativas de camponeses» (16), prossegue um fim lucrativo na acepção da directiva e é, portanto, equiparável a uma sociedade de capitais.

61.   O artigo 3.º, n.º 2, segundo período, da Directiva 69/335 proporciona, contudo, a possibilidade de um Estado‑Membro não considerar como sociedades de capitais para efeitos de imposto sobre as entradas de capital as sociedades, associações ou pessoas colectivas que, nos termos do primeiro período, são equiparadas às sociedades de capitais. Há consequentemente que averiguar se a isenção das cooperativas agrícolas está coberta pela possibilidade excepcional conferida por esta disposição.

62.   Para isto, há que determinar o que se entende pela formulação «pode não a considerar como tal, para efeitos de cobrança do imposto sobre as entradas de capital».

63.   A partir da letra desta formulação, são possíveis várias interpretações.

64.   Por um lado, pode por ela entender‑se que o Estado‑Membro só pode recusar a equiparação, ao abrigo do referido segundo período, se o fizer de forma global, isto é, se isentar todas as formas de sociedade equiparáveis às sociedades de capitais ou se não isentar nenhuma delas. Este entendimento não corresponde, porém, ao sentido e finalidade da Directiva 69/335. Isto porque um dos objectivos desta directiva é, desde a Directiva modificativa 85/303 (17), a eliminação do imposto sobre as entradas de capital. No âmbito do artigo 3.º, n.º 2, a necessidade de excluir globalmente todas as sociedades, associações ou pessoas colectivas equiparadas ou, então, nenhuma delas, constituiria um obstáculo muito sério para a eliminação do imposto sobre as entradas de capital. Pelo contrário, a possibilidade de seguir outra via facilitaria a eliminação do imposto sobre as entradas de capital. O artigo 3.º, n.º 2, não deve, portanto, ser entendido no sentido de que só podem ser isentas deste imposto todas as sociedades equiparadas no seu conjunto (18).

65.   Por outro lado, pode entender‑se o artigo 3.º, n.º 2, segundo período, no sentido de que os Estados‑Membros são inteiramente livres de excluir da equiparação sociedades ou grupos de sociedades em particular. O objectivo da directiva é, contudo, no que respeita ao imposto sobre as entradas de capital, o de equiparar, em princípio, todas as sociedades de capitais, bem como as formas societárias que lhe sejam equiparáveis. De acordo com o artigo 8.º da directiva, as isenções sectoriais só são permitidas em determinados domínios. A possibilidade de os Estados‑Membros, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, procederem a isenções em amplos sectores não corresponde à sistemática da directiva. De resto, a possibilidade de exceptuar determinados ramos produtivos do imposto sobre as entradas de capital faria correr o risco de uma contradição com a proibição de auxílios constante do artigo 87.º CE. O artigo 3.º, n.º 2, segundo período, não deve portanto ser entendido no sentido de que possam ser ilimitadamente isentas do imposto sobre as entradas de capital determinadas sociedades ou sectores económicos.

66.   A possibilidade excepcional prevista no artigo 3.º, n.º 2, segundo período, deve pelo contrário ser compreendida no sentido de que um Estado‑Membro só pode excluir da aplicação da directiva formas de sociedade que no n.º 1 são equiparadas às sociedades de capitais, isto é, formas jurídicas autónomas.

67.   Neste sentido vai também o acórdão Amro Andeelen Fonds, no qual o Tribunal de Justiça declarou que, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, «certas reuniões de capitais» podiam ser excluídas da cobrança do imposto sobre as entradas de capital (19). Este entendimento da norma favorece em especial o objectivo, prosseguido pela directiva, de eliminação do imposto sobre as entradas de capital, uma vez que os Estados‑Membros podem avançar sucessivamente e, portanto, passo a passo.

68.   De acordo com o direito grego, nem todas as cooperativas estão actualmente isentas do imposto sobre as entradas de capital, mas apenas as cooperativas agrícolas. Prima facie, parece que com isto é excluído do imposto sobre as entradas de capital um sector económico. Com efeito, as cooperativas agrícolas regem‑se, no direito grego, por uma lei própria que regula a sua estrutura, constituição e organização.

69.   A própria Comissão admitiu que as cooperativas agrícolas estão sujeitas a um regime jurídico especial. As cooperativas agrícolas constituem, portanto, uma forma de sociedade autónoma que, de acordo com o artigo 3.º, n.º 2, segundo período, pode ser excluída do imposto sobre as entradas de capital. No presente caso, é apenas por coincidência que uma forma societária autónoma corresponde a um sector económico em particular. Nesta matéria, resta apenas esclarecer que um Estado‑Membro, para contornar a proibição de exclusões sectoriais, não pode criar para cada sector económico uma correspondente forma de sociedade autónoma, para depois a isentar efectivamente do imposto sobre as entradas de capital. No presente processo, porém, a Comissão não apresentou qualquer indício de que, nesta matéria, o direito grego tenha sido configurado de forma abusiva.

70.   Se as cooperativas agrícolas podem efectivamente ser isentas do imposto sobre as entradas de capital, essa isenção deve então ser igualmente aplicável às associações e uniões de cooperativas agrícolas.

71.   A República Helénica podia consequentemente excluir, através do artigo 22.º, n.º 1, alínea a), da Lei grega n.º 1676/86, as cooperativas agrícolas e as suas uniões e consórcios da equiparação às sociedades de capitais e, portanto, isentá‑las do imposto sobre as entradas de capital. Neste ponto não existe qualquer violação do disposto na Directiva 69/335.

b)      Isenção das companhias de navegação

72.   Há, finalmente, que averiguar a compatibilidade com a Directiva 69/335 da isenção do imposto sobre as entradas de capital relativamente às compropriedades de navios, aos consórcios marítimos e às companhias de navegação.

73.   De acordo com a Directiva 69/335, estão em princípio sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, todas as sociedades de capitais e, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, as sociedades equiparadas às sociedades de capitais, isto é, as sociedades, associações ou pessoas colectivas que prossigam um fim lucrativo. As compropriedades de navios, os consórcios marítimos e as companhias de navegação de qualquer espécie são sociedades de capitais, na acepção do artigo 3.º, n.º 1, ou, pelo menos, uma vez que prosseguem um fim lucrativo, sociedades equiparadas na acepção do artigo 3.º, n.º 2, com a consequência de que estão em princípio sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital.

74.   A exclusão das sociedades de capital, na acepção do artigo 3.º, n.º 1, da Directiva 69/335, do imposto sobre as entradas de capital só é possível no âmbito dos estritos pressupostos dos artigos 8.º e 9.º da directiva. Tais pressupostos não se verificam, porém, no presente caso. Isto porque, por um lado, a navegação não faz parte dos ramos económicos relativamente aos quais o artigo 8.º prevê a possibilidade de exclusão sectorial. Por outro lado, também os pressupostos da disposição excepcional do artigo 9.º não se verificam. O Estado‑Membro que tencione tomar uma medida ao abrigo desse artigo deve informar a Comissão em tempo útil, para efeitos da aplicação do artigo 97.º CE. A Grécia não respeitou, porém, este procedimento, relativamente às exclusões controvertidas. Como a Grécia não respeitou o procedimento previsto no artigo 9.º, não há, no presente caso, que apreciar se, no âmbito do artigo 9.º, a exclusão sectorial podia em geral ser admissível.

75.   A exclusão das compropriedades de navios, dos consórcios marítimos e das companhias de navegação de qualquer tipo não pode também, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Directiva 69/335, ser lícita, uma vez que, nos termos da sua letra, estes apenas prevêem a possibilidade de a Grécia excluir do imposto sobre as entradas de capital determinadas operações. No presente caso, porém, as disposições gregas excluem do imposto sobre as entradas de capital não apenas determinadas operações mas ainda sociedades de um determinado sector económico.

76.   O facto de as companhias de navegação desde sempre estarem, como afirmou o Governo grego, isentas de imposto sobre as entradas de capital de modo algum constitui, de resto, uma justificação para a exclusão das mesmas do referido imposto. Isto porque tal possibilidade de exclusão não está prevista na Directiva 69/335.

77.   Uma outra possibilidade de exclusão do imposto sobre as entradas de capital está prevista na Directiva 69/335 apenas para as sociedades que, na acepção do artigo 3.º, n.º 2, são equiparadas às sociedades de capitais.

78.   Como, neste caso, estamos perante uma disposição excepcional, recai sobre o Estado‑Membro que invoca a disposição excepcional o ónus de invocar e provar os seus pressupostos. A Grécia devia portanto ter alegado que as compropriedades de navios, os consórcios marítimos e as companhias de navegação excluídos do imposto sobre as entradas de capital não são sociedades de capitais na acepção do artigo 3.º, n.º 1, antes constituindo apenas sociedades equiparadas, na acepção do artigo 3.º, n.º 2, assim obtendo uma outra possibilidade de exclusão. Se as sociedades excluídas fossem sociedades equiparadas, estas poderiam então, como atrás foi referido, ser excluídas do imposto sobre as entradas de capital se constituíssem uma forma de sociedade autónoma. Uma vez, porém, que o Governo grego nada alegou a este respeito, não se pode no presente caso justificar a isenção do imposto sobre as entradas de capital ao abrigo do artigo 3.º, n.º 2, segundo período.

79.   A isenção de imposto concedida pelo Governo grego às compropriedades de navios, aos consórcios marítimos e às companhias de navegação viola, portanto, a Directiva 69/335.

80.   Esta conclusão também não se opõe à Comunicação C(2004) 43 da Comissão, relativa a orientações comunitárias sobre auxílios estatais aos transportes marítimos (20). Nesta, a Comissão qualifica as vantagens fiscais adoptadas por cada um dos Estados‑Membros como medidas que constituem um meio para reforçar a competitividade da frota comunitária relativamente aos navios registados em Estados terceiros (21).

81.   Desta comunicação da Comissão nada, contudo, se pode retirar relativamente à admissibilidade das isenções de imposto no âmbito da Directiva 69/335. Por um lado, a comunicação prossegue uma finalidade legislativa diferente: destina‑se apenas a estabelecer os parâmetros no âmbito dos quais serão aprovados pela Comissão auxílios estatais aos transportes marítimos, em conformidade com as disposições e procedimentos da Comunidade nesta matéria, nos termos do n.º 3, alínea c), do artigo 87.º e/ou do artigo 86.º, n.º 2, CE (22). Por outro, situa‑se, na hierarquia das normas, como uma simples comunicação, numa posição inferior à da Directiva 69/335, não podendo, portanto, determinar o seu âmbito de aplicação e o seu conteúdo.

82.   Diferente conclusão não resulta também do artigo 80.º, n.º 2, CE, que o Governo grego invoca. O artigo 80.º, n.º 2, CE, constitui uma base jurídica autónoma para as disposições relativas aos transportes marítimos. O Governo grego é de opinião que a Directiva 69/335 não é, portanto, aplicável aos transportes marítimos. Mas seria necessária uma legislação especial para este sector, baseada no artigo 80.º, n.º 2, CE. Esta argumentação não convence, porém. Do artigo 80.º, n.º 2, CE, não se pode retirar que, em sectores transversais, se possa, caso a caso, adoptar uma legislação especial para os transportes marítimos.

C –    Limitação dos efeitos do acórdão no tempo

83.   Nas suas alegações de intervenção, o Reino de Espanha pediu que os efeitos do acórdão fossem limitados no tempo. Como fundamentação indicou, em primeiro lugar, que entre a notificação da lei grega controvertida à Comissão e a propositura da acção de incumprimento passaram 18 anos, durante os quais a Grécia esteve de boa fé, e, em segundo lugar, que o pagamento das restituições de imposto tornadas possíveis pelo acórdão representam, provavelmente, um grave inconveniente económico para a Grécia. Nas observações que apresentou sobre as referidas alegações, o Governo grego aderiu a esta posição do Reino de Espanha no sentido da limitação dos efeitos do acórdão no tempo.

84.   A limitação dos efeitos do acórdão no tempo está explicitamente prevista, no artigo 231.º, n.º 2, CE, apenas para o recurso de anulação. Além disso, o Tribunal de Justiça admitiu, com base no princípio geral da segurança jurídica, a limitação que tem por alvo, em casos excepcionais, os efeitos do acórdão no tempo num processo de decisão prejudicial. Também em processos por incumprimento teve o Tribunal em conta uma limitação temporal dos efeitos do acórdão (23). Na medida em que de um acórdão proferido num processo por incumprimento resultam, devido à interpretação do direito comunitário que nele se contém, efeitos importantes para além dos da simples declaração de incumprimento, podem existir motivos, em determinadas circunstâncias, para limitar no tempo os efeitos de um tal acórdão.

85.   No presente caso, não se verificam, contudo, os pressupostos gerais para tal limitação. De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, essa limitação é apenas excepcionalmente possível quando estão preenchidos dois pressupostos (24): em primeiro lugar, tem de existir um risco de repercussões económicas graves, devidas em especial ao grande número de relações jurídicas constituídas de boa fé com base na regulamentação considerada validamente em vigor, e em segundo lugar os particulares e as autoridades nacionais têm de ter sido levados a um comportamento não conforme com a regulamentação comunitária em virtude de uma incerteza objectiva e importante quanto ao alcance das disposições comunitárias, incerteza para a qual tenham eventualmente contribuído os próprios comportamentos adoptados por outros Estados‑Membros ou pela Comissão.

86.   No presente caso, contudo, não se verifica o primeiro destes requisitos. A República Helénica não indicou fundamentadamente que repercussões económicas graves podia ter para si o acórdão que decidirá a acção. A este respeito, limitou‑se a aderir às alegações do Governo espanhol. Este, por seu lado, referiu‑se apenas de uma forma global a inconvenientes económicos graves para a Grécia. De resto, o Governo espanhol não alegou sofrer prejuízos económicos próprios.

V –    Quanto às despesas

87.   Nos termos do artigo 69.º, n.º 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que a Comissão formulou um pedido nesse sentido e que a República Helénica foi vencida em dois dos três pedidos da acção, de valor essencialmente idêntico, a República Helénica deverá ser condenada em dois terços das despesas. Uma vez que a República Helénica não formulou qualquer pedido relativo a despesas, as partes deverão suportar, quanto ao mais, as suas próprias despesas, nos termos do artigo 69.º, n.º 5, do Regulamento de Processo.

88.   Nos termos do artigo 69.º, n.º 4, do Regulamento de Processo, o Reino de Espanha deverá suportar as despesas para ele resultantes da sua intervenção.

VI – Conclusão

89.   Nestes termos, proponho ao Tribunal de Justiça que decida:

«1)      Com a adopção de uma legislação que prevê a cobrança de um imposto pela transferência da sede estatutária ou da sede de direcção efectiva e a isenção do imposto sobre as entradas de capital a favor das compropriedades de navios, dos consórcios marítimos e das companhias de navegação de qualquer tipo, a República Helénica não cumpriu as obrigações que para ela resultam da Directiva 69/335/CE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais.

2)      Quanto ao mais, a acção é julgada improcedente.

3)      A República Helénica é condenada em dois terços das despesas do processo. No restante, as partes suportarão as respectivas despesas.

4)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.»


1 – Língua original: alemão.


2 – Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969 (JO L 249, p. 25; EE 09 F1 p. 22), na redacção da Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985, que altera a Directiva 69/335/CEE relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO L 156, p. 23; EE 09 F1 p. 171; a seguir «Directiva 69/335»).


3 – Referida na nota 2.


4 – V., nomeadamente, acórdão de 10 de Maio de 1995, Comissão/Alemanha (C‑422/92, Colect., p. I‑1097, n.º 18) relativo à propositura da acção mais de 6 anos após a entrada em vigor da regulamentação em causa; acórdão de 16 de Maio de 1991, Comissão/Países Baixos (C‑96/89, Colect., p. I‑2461, n.º 15); e acórdão de 1 de Junho de 1994, Comissão/Alemanha (C‑317/92, Colect., p. I‑2039, n.º 4).


5 – Acórdão Comissão/Países Baixos (já referido na nota 4, n.º 16).


6 – V. acórdãos Comissão/Países Baixos (já referido na nota 4, n.os 14 a 16); de 21 de Janeiro de 1999, Comissão/Bélgica (C‑207/97, Colect., p. I‑275, n.os 24 e segs.); e de 8 de Dezembro de 2005, Comissão/Luxemburgo (C‑33/04, Colect., p. I‑10629, n.º 76).


7 – V., por todos, acórdão de 4 de Maio de 2006, Comissão/Reino Unido (C‑508/03, Colect., p. I‑3969, n.º 67).


8 – O facto de o Governo grego só ter estabelecido esta diferenciação na contestação é irrelevante, uma vez que um Estado‑Membro não está impedido de apresentar argumentos essenciais apenas após receber um parecer fundamentado – v. acórdão de 16 de Setembro de 1999, Comissão/Espanha (C‑414/97, Colect., p. I‑5585, n.º 19).


9 – As disposições relativas à transferência da sede não foram alteradas pelo artigo 7.º, n.º 2, introduzido pela Directiva modificativa 85/303 (já referida na nota 2).


10 – Acórdão de 12 de Janeiro de 2006, Senior Engineering Investments (C‑494/03, Colect., p. I‑525, n.º 43).


11 – Ibidem, n.º 43.


12 – V. terceiro considerando da Directiva modificativa 85/303 (referida na nota 2). Inicialmente, a Directiva 69/335 tinha por objectivo, de acordo com os seus segundo e sexto considerandos, a eliminação das discriminações e das duplas tributações.


13 – V. acórdãos de 9 de Março de 1999, Centros (C‑212/97, Colect., p. I‑1459, n.º 24 e jurisprudência aí referida); de 6 de Abril de 2006, Agip Petroli (C‑456/04, Colect., p. I‑3395, n.º 20); de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax e o. (C‑255/02, Colect., p. I‑1609, n.os 68 e 69); e de 12 de Setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, Colect., p. I‑7995, n.º 35); v., a este respeito, também as minhas conclusões de 8 de Fevereiro de 2007 no processo Kofoed (C‑321/05, ainda não publicadas na Colectânea, n.os 57 e segs.).


14 – V., neste sentido, acórdãos Centros (referido na nota 13, n.º 27) e Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (referido na nota 13, n.os 36 e segs.).


15 – Acórdão de 12 de Novembro de 1987, Amro Aandelen Fonds (112/86, Colect., p. 4453, n.º 10).


16 – Em grego: «γεωργικοί συνεταιρισμοί».


17 – Referida na nota 2.


18 – Este entendimento resulta claramente da versão francesa, na qual, a respeito das sociedades a excluir, é utilizado o singular: «Toutefois, un État membre peut ne pas la considérer comme telle pour la perception du droit d’apport». Na versão grega é, pelo contrário, utilizado, como na versão alemã, o plural: «Εν τούτοις, ένα Κράτος μέλος δύναται να μη τις θεωρεί ως κεφαλαιουχικές εταιρίες για την είσπραξη του φόρου εισφοράς».


19 – Acórdão Amro Aandelen Fonds (já referido na nota 15, n.º 12).


20 – JO 2004, C 13, pp. 3 a 12.


21 – Comunicação da Comissão (referida na nota 20, p. 6).


22 – Ibidem, p. 5.


23 – V. acórdãos de 19 de Março de 2002, Comissão/Grécia (C‑426/98, Colect., p. I‑2793, n.os 40 e segs.), e de 24 de Setembro de 1998, Comissão/França (C‑35/97, Colect., p. I‑5325, n.os 49 e segs.), e, tendo apenas hipoteticamente em conta a possibilidade de limitação no tempo dos efeitos do acórdão num processo por incumprimento, acórdão de 12 de Setembro de 2000, Comissão/Reino Unido (C‑359/97, Colect., p. I‑6355, n.º 92).


24 – V., para além dos acórdãos indicados na nota 23, também acórdãos de 15 de Março de 2005, Bidar (C‑209/03, Colect., p. I‑2119, n.º 69), e de 20 de Setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, Colect., p. I‑6193, n.º 53).