Conclusões do Advogado-Geral

Conclusões do Advogado-Geral

1. Através da presente acção, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que o Luxemburgo, ao não ter adoptado as medidas necessárias para dar cumprimento à Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água (2), e, de qualquer modo, ao não as ter comunicado à Comissão, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva (3) .

2. Em primeiro lugar, a Comissão alega que a correcta transposição da Directiva 2000/60 exige que seja adoptada uma «legislação‑quadro» a nível nacional. É ponto assente que isso não sucedeu. A título subsidiário, a Comissão identifica (na sua réplica) um número de disposições específicas da directiva que, segundo alega, o Luxemburgo não transpôs.

3. Pelo contrário, o Luxemburgo considera que uma directiva‑quadro não exige necessariamente a adopção formal de medidas legislativas, regulamentares ou administrativas específicas para que seja correctamente transposta para a ordem jurídica interna. O importante é que os objectivos materiais prosseguidos pela directiva sejam atingidos dentro dos diversos prazos que a directiva define. Na sua contestação, o Luxemburgo também alegou pela primeira vez que, de qualquer modo, a sua legislação nacional existente respeita largamente os requisitos da directiva.

Quadro jurídico

Tratado CE

4. Nos termos do artigo 249.° CE, uma directiva «vincula o Estado‑Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios».

5. O artigo 174.°, n.° 1, CE atribui à Comunidade poderes para adoptar uma política no domínio do ambiente que contribuirá para a prossecução dos objectivos de preservação, protecção e melhoria da qualidade do ambiente, de protecção da saúde das pessoas, de utilização prudente e racional dos recursos naturais e de promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente.

6. O artigo 175.°, n.° 1, CE dispõe que o Conselho, deliberando nos termos do processo de co‑decisão previsto no artigo 251.° CE, adoptará as acções a empreender pela Comunidade para realizar os objectivos previstos no artigo 174.°

Directiva 2000/60

7. A Directiva 2000/60 foi adoptada com base no artigo 175.°, n.° 1, CE.

8. O nono considerando do seu preâmbulo dispõe que «[é] necessário desenvolver uma política comunitária integrada no domínio das águas». O décimo oitavo considerando explica que essa política «exige um enquadramento legal transparente, eficaz e coerente. A Comunidade deve definir princípios comuns e um enquadramento global para as suas acções. A presente directiva permitirá estabelecer esse enquadramento e irá coordenar, integrar e, a mais longo prazo, permitir o desenvolvimento dos princípios e estruturas globais necessários para a protecção e a utilização sustentável da água na Comunidade, segundo o princípio da subsidiariedade».

9. O artigo 1.° prevê que a directiva tem por objectivo estabelecer «um enquadramento [comunitário] para a protecção das águas de superfície interiores, das águas de transição, das águas costeiras e das águas subterrâneas».

10. O artigo 2.° define 41 conceitos relevantes para efeitos da directiva. Alguns referem‑se aos padrões normais de qualidade da água que os Estados‑Membros estão obrigados a atingir nos termos da directiva, em especial do artigo 4.° A título exemplificativo, o artigo 2.°, n.° 22, define «[b]om estado ecológico» como o estado alcançado por uma massa de águas de superfície, classificado como «bom» nos termos do anexo V da directiva. O artigo 2.°, n.° 23, prevê que «[b]om potencial ecológico» é o estado alcançado por uma massa de água fortemente modificada ou por uma massa de água artificial, nos termos do anexo V, que estabelece as condições detalhadas de análises, classificação e monitorização da qualidade do estado das massas das águas referidas na directiva. O artigo 2.°, n.° 24, define «[b]om estado químico das águas de superfície» como o estado químico necessário para alcançar os objectivos ambientais para as águas de superfície fixados na alínea a) do n.° 1 do artigo 4.°, ou seja, o estado químico alcançado por uma massa de águas de superfície em que as concentrações de poluentes não ultrapassam as normas de qualidade ambiental definidas no anexo IX e no n.° 7 do artigo 16.°, ou noutros actos legislativos comunitários relevantes que estabeleçam normas de qualidade ambiental a nível comunitário. De igual modo, o artigo 2.°, n.° 25, prevê que «[b]om estado químico das águas subterrâneas» é o estado químico de uma massa de água subterrânea que preencha todas as condições definidas no quadro 2.3.2 do anexo V.

11. Naquilo que é aqui relevante, o artigo 3.° (intitulado «Coordenação das disposições administrativas a aplicar nas regiões hidrográficas») dispõe:

«1. Os Estados‑Membros identificarão as bacias hidrográficas que se encontram no seu território e, para efeitos da presente directiva, incluirão cada uma delas numa região hidrográfica. [...]

2. Os Estados‑Membros tomarão as disposições administrativas adequadas, incluindo a designação das autoridades competentes adequadas, para a aplicação das regras da presente directiva em cada região hidrográfica existente no seu território.

3. Os Estados‑Membros garantirão que uma bacia hidrográfica que abranja o território de mais de um Estado‑Membro seja incluída numa região hidrográfica internacional. A pedido dos Estados‑Membros interessados, a Comissão actuará para facilitar essa inclusão numa região hidrográfica internacional.

Cada Estado‑Membro tomará as disposições administrativas adequadas, incluindo a designação das autoridades competentes adequadas, para a aplicação das regras da presente directiva na parte de qualquer região hidrográfica situada no seu território.

4. Os Estados‑Membros assegurarão que os requisitos previstos na presente directiva para a realização dos objectivos ambientais fixados no artigo 4.°, e em especial todos os programas de medidas, sejam coordenados para a totalidade da região hidrográfica. Para as regiões hidrográficas internacionais, os Estados‑Membros envolvidos assegurarão conjuntamente a referida coordenação, podendo para o efeito utilizar estruturas já existentes decorrentes de acordos internacionais. A pedido dos Estados‑Membros envolvidos, a Comissão actuará para facilitar o estabelecimento dos programas de medidas.

[…]

6. Para efeitos da presente directiva, os Estados‑Membros podem designar um organismo nacional ou internacional já existente como autoridade competente.

7. Os Estados‑Membros designarão a autoridade competente até à data prevista no artigo 24.°

8. Os Estados‑Membros fornecerão à Comissão, o mais tardar seis meses após a data prevista no artigo 24.°, uma lista das suas autoridades competentes e das autoridades competentes dos organismos internacionais em que participem. Para cada autoridade competente serão fornecidas as informações que constam do anexo I.

9. Os Estados‑Membros informarão a Comissão de qualquer alteração das informações fornecidas nos termos do n.° 8, no prazo de três meses a contar da data de entrada em vigor dessa alteração.»

12. O artigo 4.° estabelece os objectivos ambientais que os Estados‑Membros estão obrigados a atingir para garantir a operacionalidade dos programas de medidas especificados nos planos de gestão de bacias hidrográficas para as águas de superfície, para as águas subterrâneas e para as zonas protegidas. No essencial, exige‑se que os Estados‑Membros adoptem medidas destinadas a evitar a deterioração de águas específicas e de áreas protegidas e a protegê‑las e melhorá‑las até aos níveis de qualidade definidos pelas disposições da directiva, em especial no artigo 2.° O artigo 4.° também prevê que, em geral, os níveis e os objectivos definidos na directiva devem ser atingidos, o mais tardar, quinze anos após a sua entrada em vigor.

13. No que se refere às águas utilizadas para «captação» de água para consumo humano, o artigo 7.°, n.° 1, exige que os Estados‑Membros identifiquem, dentro de cada região hidrográfica, todas as massas de água relevantes.

14. O artigo 7.°, n.° 2, prevê que «[e]m relação a cada massa de água identificada nos termos do n.° 1, para além do cumprimento dos objectivos do artigo 4.°, segundo os requisitos da presente directiva aplicáveis às massas de águas de superfície, incluindo os padrões de qualidade estabelecidos a nível comunitário nos termos do artigo 16.°, os Estados‑Membros devem garantir que, de acordo com o regime de tratamento de águas aplicado e nos termos da legislação comunitária, as águas resultantes preencham os requisitos da Directiva 80/778/CEE, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 98/83/CE».

15. O artigo 7.°, n.° 3, exige que os Estados‑Membros garantam a necessária protecção das massas de água identificadas nos termos do artigo 7.°, n.° 1, e dá então a possibilidade de criarem, se o entenderem, zonas de protecção dessas massas de água.

16. O artigo 14.°, intitulado «Informação e consulta do público» dispõe o seguinte:

«1. Os Estados‑Membros incentivarão a participação activa de todas as partes interessadas na execução da presente directiva, especialmente na elaboração, revisão e actualização dos planos de gestão de bacia hidrográfica. Os Estados‑Membros garantirão, em relação a cada região hidrográfica, que sejam publicados e facultados ao público, incluindo os utilizadores, para eventual apresentação de observações:

a) Um calendário e um programa de trabalhos para a elaboração do plano, incluindo uma lista das medidas de consulta a tomar, pelo menos três anos antes do início do período a que se refere o plano de gestão;

b) Uma síntese intercalar das questões significativas relativas à gestão da água detectadas na bacia hidrográfica, pelo menos dois anos antes do início do período a que se refere o plano de gestão;

c) Projectos do plano de gestão de bacia hidrográfica, pelo menos um ano antes do início do período a que se refere o plano de gestão.

Mediante pedido, será facultado acesso aos documentos de apoio e à informação utilizada para o desenvolvimento do projecto de plano de gestão de bacia hidrográfica.

2. Os Estados‑Membros devem prever um período de, pelo menos, seis meses para a apresentação de observações escritas sobre esses documentos, a fim de possibilitar a participação activa e a consulta.

3. Os n. os  1 e 2 são também aplicáveis às versões actualizadas dos planos de gestão de bacia hidrográfica.»

17. Os artigos 16.° e 17.° da directiva têm por destinatárias as instituições comunitárias. Exigem, respectivamente, ao Parlamento Europeu e ao Conselho, mediante proposta da Comissão, que adoptem medidas específicas contra a poluição da água por poluentes ou grupos de poluentes e para prevenir e controlar a poluição das águas subterrâneas. Nos termos do artigo 18.°, a Comissão publicará um relatório sobre a execução da directiva o mais tardar doze anos a contar da data da sua entrada em vigor e, posteriormente, de seis em seis anos.

18. O artigo 23.° dispõe: «Os Estados‑Membros fixarão as sanções a aplicar em caso de infracção às disposições nacionais adoptadas nos termos da presente directiva. Essas sanções devem ser eficazes, proporcionadas e dissuasivas.»

19. O artigo 24.° prevê:

«1. Os Estados‑Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva o mais tardar em 22 de Dezembro de 2003. Do facto informarão imediatamente a Comissão.

[…]

2. Os Estados‑Membros comunicarão à Comissão o texto das principais disposições de direito interno que adoptarem nas matérias reguladas pela presente directiva. A Comissão dará conhecimento delas aos restantes Estados‑Membros.»

Disposições nacionais

20. O Luxemburgo rege‑se pelas disposições da Lei de 29 de Julho de 1993 relativa à protecção e à gestão das águas de superfície e subterrâneas, tanto públicas como privadas («Lei de 1993») (4) .

21. No artigo 2.° declara‑se que a Lei de 1993 se destina a combater a poluição das águas e a garantir a regeneração das águas a fim de cumprir, em especial, os requisitos associados:

– à protecção da saúde humana e dos animais, bem como ao equilíbrio ecológico;

– à vida biológica do meio aquático e, em especial, à fauna piscícola;

– ao fornecimento de água para consumo humano e para utilizações industriais;

– à conservação das águas;

– às águas balneares, os desportos aquáticos e às actividades de lazer relacionadas;

– à protecção da paisagem e,

– à agricultura, à indústria, ao transporte e a todas as outras actividades humanas de interesse geral.

22. O artigo 3.° define doze conceitos para efeitos da Lei de 1993.

23. Os artigos 18.° e 19.° referem‑se à protecção das águas destinadas ao consumo humano e à criação de zonas de protecção dessas águas. O artigo 18.° define diferentes zonas de protecção baseadas na sua proximidade aos pontos de captação e aos poderes que as autoridades públicas gozam relativamente a essas zonas. Estes incluem o poder de expropriar as zonas imediatamente adjacentes ao ponto de captação de água potável e o poder de regular qualquer actividade ou u tilização da zona de salvaguarda declarada que possa afectar a qualidade da água. O artigo 19.° especifica o processo de declaração de zonas de salvaguarda, que inclui uma fase de informação e de consulta ao público.

Antecedentes

Processo pré‑contencioso

24. Como o Luxemburgo não notificou as medidas adoptadas para transpor a Directiva 2000/60 até ao final do prazo (ou seja, 22 de Dezembro de 2003) fixado no artigo 24.°, a Comissão, por carta de 26 de Janeiro de 2004, convidou o Luxemburgo a apresentar as suas observações nos termos do artigo 226.° CE (5) .

25. Por carta de 14 de Abril de 2004, o Luxemburgo respondeu que a versão provisória da lei destinada a transpor a Directiva 2000/60 seria votada no Parlamento nacional no final de 2004 ou no início de 2005. Informou igualmente a Comissão de que seria criada, até Maio de 2004, uma autoridade administrativa centralizada para a gestão da água.

26. Por carta de 9 de Julho de 2004, a Comissão formulou um lacónico parecer fundamentado, nos termos do artigo 226.° CE, em que convidava o Luxemburgo a adoptar as medidas necessárias num prazo de dois meses.

27. O Luxemburgo respondeu em 27 de Setembro de 2004. Indicou que tencionava aproveitar a necessidade de transpor a «Directiva‑Quadro» 2000/60 para a legislação nacional para levar a cabo uma «revisão fundamental» da sua legislação reguladora da qualidade da água. Informou a Comissão, inter alia , de que a versão preliminar da lei para a transposição da directiva estava a ser elaborada e que uma nova autoridade gestora a nível central tinha sido criada através da Lei de 28 de Maio de 2004 e estava a funcionar desde o final de Junho de 2004.

28. A Comissão considerou que aquela resposta era insuficiente e intentou a presente acção.

Processo no Tribunal de Justiça

29. Na petição, a Comissão alega que o Luxemburgo, ao não ter adoptado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 2000/60 e, de qualquer modo, ao não as ter notificado, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força daquela directiva.

30. Na contestação, o Luxemburgo suscita, inter alia , dois novos fundamentos. Em primeiro lugar, declarou que tinha informado correctamente a Comissão, em 24 de Agosto de 2004, do nome e morada da autoridade competente para cada região hidrográfica do Luxemburgo e tinha assim cumprido o disposto no artigo 3.° da Directiva 2000/60.

31. Em segundo lugar, o Luxemburgo alegou que a legislação nacional existente, designadamente a Lei de 1993 (identificada neste momento pela primeira vez), atribuía às autoridades nacionais poderes suficientes para garantir o cumprimento dos objectivos operacionais da Directiva 2000/60.

32. Na réplica, a Comissão reconheceu que não tinha sido avisada, devido a uma falta de coordenação dos seus serviços, da carta de 24 de Agosto de 2004. Aceitou que as medidas notificadas naquela carta se reconduziam à correcta transposição do artigo 3.° da Directiva 2000/60.

33. A Comissão também aceitou que o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 2000/60 foi correctamente transposto através dos artigos 18.° e 19.° da Lei de 1993.

34. A Comissão ajustou consequentemente o objecto da sua petição original (6) e reformulou o pedido na sua réplica. Pediu ao Tribunal que declare que o Luxemburgo, ao não ter adoptado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 2000/60/CE, com excepção do artigo 3.°, n. os  1, 2, 3, 5, 6, e 7, e do artigo 7, n.° 3 e, de qualquer modo, ao não as ter comunicado à Comissão, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva.

35. A Comissão baseia o seu argumento principal no facto de a transposição da Directiva 2000/60 exigir uma legislação‑quadro específica.

36. A Comissão também considerou que a Lei de 1993 não constituía uma transposição integral da Directiva 2000/60. A título exemplificativo, a Comissão examinou a Lei de 1993 à luz de determinadas disposições da Directiva 2000/60. Na audiência, a Comissão procurou alargar a sua análise através do exame da compatibilidade da Lei de 1993 com outras disposições da Directiva 2000/60 que não as que foram identificadas na sua réplica, com o objectivo de atingir a mesma conclusão.

37. Na sequência das alegações do Luxemburgo, a Comissão aceitou que o Luxemburgo cumpria agora as obrigações substantivas decorrentes do artigo 7.°, n.° 1.

Apreciação

Fundamento relativo à não notificação das medidas de transposição

38. É conveniente analisar este fundamento em primeiro lugar.

39. Segundo o artigo 24.° da Directiva 2000/60, os Estados‑Membros tinham de informar a Comissão das medidas adoptadas para transpor a directiva até 22 de Dezembro de 2003.

40. Segundo jurisprudência constante, a questão de saber se um Estado‑Membro não cumpriu as suas obrigações deve ser apreciada em função da situação como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (7), ou seja, no presente caso em 8 de Setembro de 2004.

41. Resulta das alegações apresentadas ao Tribunal que a única informação dada pelo Luxemburgo à Comissão dentro do prazo foi a carta de 24 de Agosto de 2004. A resposta formal do Luxemburgo ao parecer fundamentado é de 27 de Setembro de 2004.

42. A carta de 24 de Agosto de 2004 foi enviada antes do termo do prazo de dois meses fixado pela Comissão no parecer fundamentado de 9 de Julho de 2004. A Comissão aceitou, de qualquer modo, que revelava a correcta transposição das obrigações decorrentes da maioria dos números do artigo 3.° da directiva. Consequentemente, a Comissão retirou a sua alegação relativa à não comunicação, por parte do Luxemburgo, das medidas de transposição adoptadas nos termos do artigo 3.° da Directiva 2000/60. Não é assim necessário examinar com mais profundidade este aspecto.

43. É facto assente que o Luxemburgo sugeriu inicialmente, na sua contestação, que a Lei de 1993 constituía uma correcta transposição da directiva. Resulta claramente da jurisprudência acima referida que essa referência tardia não pode sanar o anterior incumprimento relativo à comunicação das informações necessárias até à data fixada no parecer fundamentado.

44. A acção da Comissão é consequentemente procedente sob este aspecto.

Fundamento relativa à não adopção das medidas necessárias para transpor a Directiva 2000/60

45. Através de uma observação preliminar, devo esclarecer que o facto de a Comissão ter apresentado novos argumentos e alterado o pedido na sua réplica não afecta a admissibilidade da acção da Comissão no presente processo. Como o Tribunal já declarou em circunstâncias muito semelhantes, a Comissão pode clarificar o pedido para tomar em conta informações fornecidas por um Estado‑Membro na sua contestação (8) ; e não pode, consequentemente, ser criticada por analisar pela primeira vez na sua réplica os argumentos baseados na Lei de 1993.

Argumentos das partes

46. A primeira alegação da Comissão é a de que resulta dos objectivos estabelecidos no artigo 1.° que a Directiva 2000/60 exige aos Estados‑Membros que adoptem, em primeiro lugar, uma legislação‑quadro para transporem para o ordenamento jurídico interno as principais obrigações decorrentes da directiva. Essa legislação‑quadro forneceria assim uma base jurídica satisfatória para a aprovação, subsequente, de medidas mais específicas necessárias para atingir os objectivos prosseguidos pelas outras disposições da directiva. Devia, portanto, ter sido adoptada e notificada à Comissão uma legislação‑quadro até ao termo do prazo fixado no artigo 24.° da directiva.

47. A posição subsidiária da Comissão, como resulta da sua réplica, baseia‑se no facto de as disposições da Lei de 1993 de modo algum transporem completamente a Directiva 2000/60. A título exemplificativo, a Comissão alega que os artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 4, 7.°, n. os  1 e 2, e 14.° da directiva foram incorrectamente transpostos. Na audiência, a Comissão procurou acrescentar os artigos 4.°, 8.°, 11.°, 13.° e 23.° a essa lista.

48. Pelo seu lado, o Luxemburgo aceita que adoptar a legislação‑quadro para transpor a Directiva 2000/06 pode ser importante para efeitos internos. Contudo, discorda essencialmente do entendimento da Comissão segundo o qual a directiva impõe a obrigação jurídica específica de adoptar essa legislação‑quadro. A Directiva 2000/60 não constitui uma medida de harmonização na acepção do artigo 95.° CE. Trata‑se de uma directiva que estabelece «um quadro de acção comunitária no domínio da política da água» (9) . O objectivo principal da Directiva 2000/60 não é obrigar os Estados‑Membros a criarem uma legislação‑quadro nacional formal equivalente através da harmonização da ordem jurídica nacional, mas sim exigir‑lhes que adoptem medidas para atingirem determinados objectivos materiais ambientais estabelecidos no artigo 4.°

49. O Luxemburgo responde ao argumento subsidiário da Comissão alegando que a Lei nacional de 1993 existente permite que as autoridades nacionais adoptem todas as medidas necessárias para atingirem os objectivos operacionais da Directiva 2000/60 até ao final dos prazos especificados.

– A correcta transposição da Directiva 2000/60 exige que seja adoptada uma legislação‑quadro?

50. A Directiva 2000/60 é uma directiva invulgar. Não procura a harmonização das legislações nacionais. Pelo contrário, tem como objectivo final estabelecer um quadro de acção comunitária no domínio da política da água. Analisando‑a com mais atenção, revela‑se que, para tal, a directiva contém três diferentes classes de disposições.

51. Em primeiro lugar, contém disposições que impõem obrigações às próprias instituições comunitárias. Por exemplo, os artigos 16.° e 17.° impõem às instituições comunitárias a adopção de medidas nas áreas da poluição da água e das águas subterrâneas.

52. Em segundo lugar, contém disposições que impõem obrigações aos Estados‑Membros relativamente à Comissão e à Comunidade. São disso exemplos as obrigações de informação nos termos do artigo 3.°, n.° 1, e do artigo 24.°, n.° 2.

53. Em terceiro lugar, contém disposições que parecem impor obrigações aos Estados‑Membros relativamente aos particulares, com ou sem efeito directo. Assim, por exemplo, o artigo 4.°, que estabelece os objectivos ambientais prosseguidos pela directiva, exige que os Estados‑Membros aprovem as medidas necessárias para atingir esses objectivos. O artigo 14.° obriga os Estados‑Membros a garantirem a participação activa de todas as partes interessadas na execução da directiva.

54. Além disso, existem prazos diferentes para a transposição destas disposições (10) .

55. O facto de as disposições da directiva estarem longe de ser homogéneas tem por seu lado implicações na forma como podem ou devem ser transpostas a nível nacional (algumas, efectivamente, não necessitam de transposição). Como foi já reconhecido pelo Tribunal, «a prática legislativa comunitária demonstra que podem existir grandes diferenças quanto aos tipos de obrigações que as directivas impõem aos Estados‑Membros e, portanto, quanto aos resultados que devem ser alcançados. Assim, determinadas directivas exigem que as medidas legislativas sejam adoptadas ao nível nacional e que o seu cumprimento esteja sujeito a um controlo jurisdicional ou administrativo. Outras directivas exigem que os Estados‑Membros adoptem as medidas necessárias para garantir que determinados objectivos formulados de maneira geral e não quantificáveis sejam atingidos, embora deixando aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação quanto à natureza das medidas a tomar. Por conseguinte, uma vez que um incumprimento apenas pode ser declarado se existir, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, uma situação contrária ao direito comunitário objectivamente imputável ao Estado‑Membro em causa, a declaração do incumprimento em questão depende do tipo de obrigações impostas pelas disposições da [directiva em causa]» (11) . A Directiva 2000/60 parece conter exemplos de todos os diferentes tipos de disposições identificadas nesta citação.

56. O Tribunal também já declarou que quando uma disposição de uma directiva apenas diz respeito às relações entre os Estados‑Membros e a Comissão, não exige, em princípio, transposição para a ordem jurídica nacional. Nessas situações cabe no entanto à Comissão demonstrar que se exige a adopção de uma medida específica de transposição (12) .

57. Ao longo do processo no Tribunal, a Comissão insistiu que, por força dos objectivos estabelecidos no artigo 1.°, o Luxemburgo devia ter adoptado uma «legislação‑quadro» de forma a transpor correctamente a directiva para a legislação nacional. A Comissão, em resposta às questões formuladas por vários membros do Tribunal de Justiça na audiência, declinou identificar que disposição(ões) precisa(s) da directiva impõem essa obrigação ou podem ser interpretadas no sentido de poderem ser transpostas apenas através dessa técnica.

58. O artigo 249.° CE indica claramente que os Estados‑Membros podem optar pela forma e pelos métodos de transposição de directivas que melhor garantam o resultado que devem atingir. Obviamente sujeitos ao princípio da eficácia, os Estados‑Membros possuem assim uma larga margem de discricionariedade quanto à forma de transpor uma directiva (13) .

59. Acresce que o Tribunal tem repetidamente declarado que «nem sempre é exigida a reprodução formal das disposições de uma directiva numa norma legal expressa e específica, podendo o contexto jurídico geral ser suficiente para a execução de uma directiva, em função do conteúdo desta. Em especial, a existência de princípios gerais de direito constitucional ou administrativo pode tornar supérflua a transposição através de medidas legislativas ou regulamentares específicas, com a condição, porém, de que esses princípios garantam efectivamente a plena aplicação da directiva pela Administração nacional e de que, caso a disposição em causa da directiva vise criar direitos a favor dos particulares, a situação jurídica decorrente desses princípios seja suficientemente precisa e clara e que os seus beneficiários fiquem em condições de tomar conhecimento da plenitude dos seus direitos e, sendo esse o caso, de os invocarem nos órgãos jurisdicionais nacionais» (14) .

60. É igualmente jurisprudência assente que, nos processos intentados nos termos do artigo 226.° CE, cabe à Comissão demonstrar que o Estado‑Membro não cumpriu a sua obrigação, apresentando as informações necessárias ao Tribunal; e que ao fazê‑lo, a Comissão não se pode basear numa qualquer presunção (15) . No presente processo, cabe à Comissão provar que a legislação‑quadro era a única forma de transpor eficazmente a Directiva 2000/60 para a legislação nacional.

61. Sou de opinião que a Comissão não conseguiu fazer essa prova. Não obstante ter feito referências gerais aos objectivos fixados no artigo 1.° e às medidas de transposição adoptadas noutros Estados‑Membros, não apresentou qualquer argumento convincente no sentido de que a Directiva 2000/60 exige a adopção de uma legislação‑quadro a nível nacional para que seja integralmente eficaz, com exclusão de qualquer outra forma de transposição.

62. De igual modo, da redacção da Directiva 2000/60 em geral e dos artigos 1.° e 24.° em especial não resulta a existência de uma tal obrigação. A própria Comissão aceitou na audiência que o artigo 1.° da directiva não necessita de transposição. Como refere o Luxemburgo, o artigo 24.° apenas exige que os Estados‑Membros adoptem as medidas «necessárias» para que a directiva produza efeitos, independentemente de essas medidas revestirem uma natureza legislativa, regulamentar ou administrativa. Essa disposição não pode ser entendida no sentido de impor de forma rígida a adopção de uma legislação‑quadro.

63. Acrescento que, atendendo à diversidade da natureza das disposições da Directiva 2000/60, parece‑me pouco claro de que forma e por que motivo a legislação‑quadro a nível nacional constitui uma forma correcta de transpor essas disposições da Directiva 2000/60 que impõem obrigações às próprias instituições comunitárias ou se referem às relações entre os Estados‑Membros e a Comissão.

64. Por último, acrescento que a Comissão aceitou – em diversas fases do processo no Tribunal – que: a) a carta do Luxemburgo de 24 de Agosto de 2004 revelava uma correcta transposição da maioria dos números do artigo 3.°; b) o Luxemburgo respeitou o artigo 7.°, n.° 1 (16) ; c) os artigos 18.° e 19.° da Lei de 1993 transpõem correctamente o artigo 7.°, n.° 3; e que d) o artigo 1.° não exige a sua transposição para a legislação nacional (tendo a Comissão, consequentemente, retirado as respectivas partes da sua petição originária). Intelectualmente, é difícil conciliar este facto com a alegação de que «só uma legislação‑quadro serve».

65. Assim, concluo que a Comissão não conseguiu provar a sua acusação segundo a qual era necessária uma legislação‑quadro a nível nacional para transpor a Directiva 2000/60.

– Compatibilidade da Lei de 1993 com a Directiva 2000/60

66. No entanto, o Tribunal também tem que analisar os pedidos subsidiários da Comissão relativos à questão de saber se a Lei de 1993 transpôs ou não correctamente disposições específicas da Directiva 2000/60. Relembro que, num processo recente muito semelhante, o Estado‑Membro demandado só alegou na sua contestação que a directiva em causa já tinha sido transposta através de legislação interna existente. O Tribunal rejeitou a sugestão da Comissão de que uma referência tardia para as disposições alegadamente transpostas não podia sanar o alegado desrespeito do Estado‑Membro no que toca à sua obrigação de transpor a directiva. Pelo contrário, o Tribunal declarou que «na medida em que as disposições de direito interno invocadas pelo [Estado‑Membro demandado] estavam em vigor à data da expiração do prazo fixado no parecer fundamentado, elas devem ser levadas em conta pelo Tribunal de Justiça para apreciar a existência do incumprimento» (17) . Consequentemente, para determinar se a não transposição estava provada, o Tribunal comparou as disposições da directiva em causa com as medidas nacionais através das quais o Estado‑Membro demandado considerou que tinha transposto a directiva (18) .

67. De igual modo, no presente processo só uma comparação entre as disposições da Lei de 1993 e os requisitos da directiva pode revelar se o Luxemburgo cumpriu ou não a sua obrigação de transpor a Directiva 2000/60.

68. Dito isto, sou de opinião que o Tribunal deve limitar a sua análise às disposições da directiva identificadas pela Comissão na sua réplica (designadamente os artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 4, 7.°, n. os  1 (19) e 2, e 14.°) e não deve considerar as restantes disposições da directiva invocadas pela Comissão na audiência.

69. Isto porque só relativamente às disposições identificadas na réplica é que a Comissão, como exigido pela jurisprudência (20), forneceu informações suficientes susceptíveis de permitir ao Tribunal determinar se se verificou ou não a alegada não transposição da Directiva 2000/60. Acresce que o Luxemburgo não foi devidamente notificado, ou não teve oportunidade de se pronunciar, sobre as alegações da Comissão relativas às disposições da directiva que apenas foram invocadas na audiência. Sou de opinião que a análise dessas alegações pelo Tribunal representa uma violação dos direitos de defesa do Luxemburgo na qualidade de demandado e uma violação da ratio subjacente ao processo previsto no artigo 226.° CE (21) .

70. Na réplica, a Comissão teve a oportunidade de efectuar uma análise completa da forma como a Lei de 1993 transpôs ou não a directiva. Fez apenas uma utilização parcial dessa oportunidade.

71. Atendendo a este enquadramento, examinarei em seguida a compatibilidade da Lei de 1993 com as obrigações decorrentes dos artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 4, 7.°, n.° 2, e 14.° da Directiva 2000/60.

– Artigo 1.°

72. A Comissão sustenta que os objectivos gerais estabelecidos no artigo 1.° da Directiva 2000/60 são mais amplos do que os que são prosseguidos pela Lei de 1993, que estão limitados a combater a poluição da água e a regenerar os recursos de água. No entanto, na sua resposta a uma questão do Tribunal na audiência, a Comissão aceitou que o artigo 1.° da Directiva 2000/60 não necessitava de ser transposto para a legislação nacional. Concluo, portanto, que a Comissão retirou a sua acusação relativa ao artigo 1.° Contudo, caso o Tribunal entenda ser necessário examinar a questão mais aprofundadamente, observo apenas que o artigo 2.° da Lei de 1993, que descreve o seu objectivo (à semelhança do artigo 1.° da Directiva 2000/60), está redigido em termos bastante gerais e não quantificáveis (22) . Pode assim, em princípio, englobar todos os princípios estabelecidos no artigo 1.° da Directiva 2000/60 (23) . De qualquer modo, a acusação da Comissão relativa ao artigo 1.° é improcedente.

– Artigo 2.°

73. A Comissão alega que a Lei de 1993 contém apenas algumas das definições constantes do artigo 2.° da Directiva 2000/60. A Comissão refere, em especial, os conceitos de «bacia hidrográfica», «bom potencial ecológico» e «bom estado químico», nenhum destes figurando na Lei de 1993.

74. O Luxemburgo não sugere que a Lei de 1993 inclui aquelas definições. Na audiência, pareceu que a sua defesa consiste no facto de os conceitos definidos no artigo 2.° serem relevantes apenas para efeitos da definição do conteúdo das obrigações operacionais que a directiva impõe aos Estados‑Membros. Consequentemente, não necessitam de per si de serem transpostos.

75. Não aceito este entendimento. O artigo 2.° não pode ser interpretado isoladamente. Algumas das definições do artigo 2.° estabelecem níveis precisos de qualidade da água (24) que os Estados‑Membros têm de atingir até ao termo dos prazos estabelecidos, em especial no artigo 4.° (regra geral, quinze anos depois da entrada em vigor da directiva) (25) . O artigo 2.°, conjugado com o artigo 4.°, impõe assim obrigações precisas aos Estados‑Membros – obrigações que discutivelmente (apesar de esta questão não ter de ser decidida nesta sede) também podem conceder direitos aos particulares – que têm de ser cumpridas dentro de um prazo específico.

76. O Tribunal tem repetidamente declarado que «simples práticas administrativas, por natureza modificáveis ao critério da administração e desprovidas de publicidade adequada, não podem ser consideradas como constituindo execução válida das obrigações impostas pelo Tratado» (26) e que «as disposições de uma directiva devem ser aplicadas com uma obrigatoriedade incontestável, com a especificidade, a precisão e a clareza necessárias para que seja satisfeita a exigência da segurança jurídica, a fim de que, no caso de a directiva se destinar a criar direitos a favor dos particulares, estes tenham a possibilidade de conhecer todos os seus direitos» (27) .

77. Contrariamente à posição defendida pelo Luxemburgo, os prazos para atingir os níveis estabelecidos no artigo 4.° são diferentes do prazo geral do artigo 24.° para a adopção das medidas necessárias para transpor a Directiva 2000/60. Ao não incluir as definições dos padrões constantes do artigo 2.° ou os prazos dentro dos quais esses padrões tinham de ser atingidos, como estabelecido no artigo 4.° (e, assim, ao não cumprir as obrigações decorrentes do artigo 2.° conjugado com o artigo 4.°, que vinculam as autoridades nacionais competentes), a Lei de 1993 não cumpre os requisitos da Directiva 2000/60.

– Artigo 3.°, n.° 4

78. A Comissão considera que nenhuma disposição da Lei de 1993 transpõe correctamente o artigo 3.°, n.° 4, da Directiva 2000/60, que exige que os Estados‑Membros coordenem todas as medidas relevantes para todas as regiões hidrográficas identificadas.

79. O Luxemburgo aceita que existe uma obrigação de coordenação nos termos do artigo 3.°, n.° 4. Alega, no entanto, que não existem regiões hidrográficas nacionais no Luxemburgo. As duas únicas regiões hidrográficas que existem no território do Luxemburgo para efeitos da Directiva 2000/60 são regiões hidrográficas internacionais, designadamente as regiões hidrográficas do Reno e Mosela e a região hidrográfica do Mosa. Um comité de coordenação ad hoc , em que todos os Estados‑Membros interessados estão representados, foi especialmente criado no âmbito da Comissão Internacional para a Protecção do Reno (CIPR) com a tarefa específica de dar execução à obrigação de coordenação decorrente da Directiva 2000/60. Relativamente ao Mosa, a Comissão Internacional para a Protecção do Mosa foi especificamente criada, inter alia , para garantir a coordenação exigida pela Directiva 2000/60. O Luxemburgo juntou à sua tréplica os textos do comunicado da conferência de ministros da CIPR de 29 de Janeiro de 2001 e do acordo internacional relativo ao Mosa de 3 de Dezembro de 2002. Os dois textos referem o facto de as medidas de coordenação exigidas pela Directiva 2000/60 deverem ser adoptadas no âmbito daqueles órgãos internacionais (28) .

80. Concordo com o Luxemburgo quando afirma que as obrigações decorrentes do artigo 3.°, n.° 4, variam consoante a região hidrográfica em causa seja nacional ou internacional para efeitos da directiva. No caso de regiões hidrográficas internacionais, o artigo 3.°, n.° 4, dispõe que «os Estados‑Membros envolvidos assegurarão conjuntamente a referida coordenação, podendo para o efeito utilizar estruturas já existentes decorrentes de acordos internacionais». O artigo 3.°, n.° 6, prevê ainda que os Estados‑Membros podem designar um organismo nacional ou internacional já existente como autoridade competente.

81. A Comissão não contestou a alegação do Luxemburgo de que as duas únicas regiões hidrográficas no Luxemburgo que importam, para efeitos da directiva, são internacionais e não regiões hidrográficas nacionais.

82. Dos documentos juntos pelo Luxemburgo à tréplica, resulta que todos os Estados‑Membros interessados atribuíram a dois órgãos internacionais, como alega o Luxemburgo, a tarefa de garantir a coordenação das medidas relativas à transposição da Directiva 2000/60 relativamente a estas regiões hidrográficas internacionais. Assim, o Luxemburgo, como membro desses órgãos internacionais, cumpriu as suas obrigações, nos termos do artigo 3.°, n.° 4, da Directiva 2000/60, no que se refere às regiões hidrográficas internacionais existentes no seu território.

83. Consequentemente, concluo que a alegação da Comissão relativa ao artigo 3.°, n.° 4, não é procedente.

– Artigo 7.°, n.° 2

84. Segundo a Comissão, nenhuma disposição da Lei de 1993 transpõe, ainda que parcialmente, as obrigações decorrentes do artigo 7.°, n.° 2, que impõe aos Estados‑Membros a obrigação de atingirem níveis específicos de qualidade das massas de água para consumo humano (29) .

85. O Luxemburgo não contestou este ponto.

86. À semelhança do artigo 2.°, conjugado com o artigo 4.°, o artigo 7.°, n.° 2, contém uma obrigação clara e precisa que pode (discutivelmente) atribuir direitos aos particulares. Na sequência da jurisprudência acima referida (30), o Luxemburgo devia ter transposto aquela disposição, através de medidas vinculativas, para a ordem jurídica nacional até ao final do prazo fixado no artigo 24.° Na medida em que a Lei de 1993 não contém qualquer disposição equivalente ao artigo 7.°, n.° 2, e que não foi adoptada qualquer outra medida de transposição, o Luxemburgo não cumpriu a sua obrigação de transpor do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 2000/60.

– Artigo 14.°

87. Por último, a Comissão alega que a obrigação de organizar processos de informação e consulta do público destinados a «[incentivar] a participação activa de todas as partes interessadas na execução da […] directiva, especialmente na elaboração, revisão e actualização dos planos de gestão de bacia hidrográfica» previstos no artigo 14.° da Directiva 2000/60 não está reflectida na Lei de 1993.

88. O Luxemburgo não sugere que a Lei de 1993 contém uma disposição semelhante à do artigo 14.° da directiva. Alega, no entanto, que resulta do artigo 14.°, n.° 1, conjugado com o artigo 13.° da Directiva 2000/60 que o prazo para cumprir as obrigações de informar o público nos termos do artigo 14.° ainda não terminou.

89. O Luxemburgo declara, acertadamente, que, nos termos do artigo 13.°, n.° 6, os planos de gestão de bacia hidrográfica têm de ser publicados o mais tardar nove anos a contar da data de entrada em vigor da directiva; e que, nos termos do artigo 14.°, n.° 1, o público deve ser informado e deve ser‑lhe dada a oportunidade de apresentar observações, dependendo das medidas, entre um e três anos antes do início do período a que o plano se refere. No entanto, é igualmente claro que o artigo 14.° procura atribuir aos particulares e às partes interessadas um direito de se envolverem activamente na execução da directiva, «especialmente na elaboração, revisão e actualização dos planos de gestão de bacia hidrográfica».

90. Quando estejam em causa direitos de particulares, os Estados‑Membros têm não só de cumprir as obrigações gerais relativas à implementação de directivas como estabelecido pela jurisprudência acima referida (31), como se exige igualmente que a situação jurídica a nível nacional resultante da transposição seja «suficientemente precisa e clara e que os seus beneficiários fiquem em condições de tomar conhecimento da plenitude dos seus direitos e, sendo esse o caso, de os invocarem nos órgãos jurisdicionais nacionais» (32) .

91. Considero portanto que, no presente processo, as medidas nacionais de transposição tinham de ser susceptíveis de tornar o prazo do artigo 13.°, n.° 6, juridicamente vinculativo para as autoridades nacionais competentes e permitir que os particulares determinem o âmbito exacto dos seus direitos nos termos dos procedimentos previstos no artigo 14.°, n.° 1.

92. A inexistência de medidas de transposição obviamente que não satisfaz essas condições. Contrariamente ao que alega o Luxemburgo, o facto de os planos de gestão da bacia hidrográfica e de os respectivos processos de informação apenas serem publicados e discutidos com o público num momento indefinido do futuro não desobriga o Estado‑Membro de estabelecer medidas claras, precisas e vinculativas que garantam o cumprimento dessas obrigações. Perante a inexistência de disposições específicas noutro sentido, era aplicável o prazo geral do artigo 24.°

93. Concluo, portanto, que ao não ter adoptado as medidas nacionais necessárias para transpor o artigo 14.° da Directiva 2000/60, o Luxemburgo não cumpriu as suas obrigações decorrentes da Directiva 2000/60.

Despesas

94. Por força do disposto no n.° 3 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes. É o que acontece no presente processo, em que o pedido da Comissão é apenas parcialmente procedente. Considero, portanto, que cada parte deve suportar as suas próprias despesas.

Conclusão

95. À luz do exposto, sou de opinião que o Tribunal deve:

1) Declarar que

– o Luxemburgo, ao não ter comunicado à Comissão as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais de transposição da Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água, com excepção do seu artigo 3.°, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 24.° daquela directiva;

– o Luxemburgo, ao não ter adoptado, dentro do prazo fixado, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais necessárias ao cumprimento dos artigos 2.°, 7.°, n.° 2, e 14.° da Directiva 2000/60, não cumpriu as suas obrigações nos termos do artigo 24.° daquela directiva.

2) Julgar a acção improcedente quanto ao restante.

3) Condenar cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas.

(1) .

(2)  – De 23 de Outubro de 2000, JO L 327, p. 1.

(3)  – O objecto da acção da Comissão foi posteriormente alterado no decurso do processo. V. n. os  32 a 34 e 37, infra .

(4)  – Mém. 1993, 1302.

(5)  – Esta carta foi redigida em termos gerais, e apenas informava o Estado‑Membro de que o prazo para transpor diversas directivas (enumeradas num anexo a partir de uma impressão computorizada) havia expirado, indicando que não tinha havido notificação das medidas de transposição, pelo que prima facie o Estado‑Membro em causa tinha violado as obrigações decorrentes de várias directivas, e convidava‑o a apresentar observações.

(6)  – E assim a formulação da sua «petitum».

(7)  – V., entre outros, acórdão de 9 de Setembro de 2004, Comissão/França (C‑113/03, Colect., p. I‑0000, n.° 13 e jurisprudência aí referida).

(8)  – V. acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2005, Comissão/Itália (C‑456/03, Colect., p. I‑5335, n. os  33 e 34). V., ainda, n. os  66 a 70, infra .

(9)  – O Luxemburgo refere‑se à versão francesa do título da Directiva 2000/60, que é ligeiramente diferente do inglês. A tradução proposta é a minha tradução literal da versão francesa.

(10)  – V., por exemplo, os artigos 4.°, n.° 1, alíneas a), ii) e iii), b), ii), e c), 8.°, n.° 2, 10.°, n.° 2, 11.°, n. os  7 e 8, 13.°, n.° 6, e 16.°, n.° 4.

(11)  – Acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2002, Comissão/França (C‑60/01, Colect., p. I‑5676, n. os  25 a 29).

(12)  – Acórdãos de 20 de Novembro de 2003, Comissão/França (C‑296/01, Colect., p. I‑13909, n.° 92), e de 24 de Junho de 2003, Comissão/Portugal (C‑72/02, Colect., p. I‑6597, n. os  19 e 20).

(13)  – V., entre outros, acórdãos de 7 de Maio de 2002, Comissão/Suécia (C‑478/99, Colect., p. I‑4147, n.° 15), e de 26 de Junho de 2003, Comissão/França (C‑233/00, Colect., p. I‑6625, n.° 75).

(14)  – Acórdão Comissão/Itália, já referido na nota 8, n.° 51 e jurisprudência aí referida.

(15)  – V., entre outros, acórdão de 29 de Abril de 2004, Comissão/Áustria (C‑194/01, Colect., p. I‑4579, n.° 24 e jurisprudência aí referida, e n.° 74).

(16)  – V. n.° 37, supra .

(17)  – Acórdão Comissão/Itália, já referido na nota 8, n.° 48 e jurisprudência aí referida. V., também, n.° 45, supra .

(18)  – Ibidem , n.° 49.

(19)  – A acusação relativa ao artigo 7.°, n.° 1, foi subsequentemente retirada na audiência; v. n.° 37, supra .

(20)  – V. nota 15, supra .

(21)  – Em meu entender, não se trata de um caso no qual se pode dizer precisamente que a Comissão, pretende, ao invocar aqueles artigos complementares da directiva na audiência, procura «clarificar» o pedido para se poder tomar em conta informações fornecidas por um Estado‑Membro na sua contestação. Da mesma forma, não se trata da apresentação de um novo fundamento no decurso da instância para se poder tomar em conta elementos de direito ou de facto que surgiram durante o processo, como permitido pelo artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.

(22)  – V. n.° 21, supra .

(23)  – Neste sentido, a referência no artigo 2.° da Lei de 1993 aos requisitos decorrentes de «todas as outras actividades humanas de interesse geral» é, em meu entender, abrangente.

(24)  – V. n.° 10, supra .

(25)  – V. artigo 4.°, n.° 1, alíneas a), ii) e iii), b), ii), e c).

(26)  – Acórdão de 13 de Março de 1997, Comissão/França (C‑197/96, Colect., p. I‑1489, n.° 14 e jurisprudência aí referida).

(27)  – Acórdão de 8 de Julho de 1999, Comissão/França (C‑354/98, Colect., p. I‑4927, n.° 11 e jurisprudência aí referida).

(28)  – Relativamente à CIPR, v. p. 13 da tréplica pelo Luxemburgo (no anexo I) e os artigos 1.°, 2.° e 5.° do acordo internacional sobre o Mosa.

(29)  – No que se refere aos pedidos da Comissão relativos ao artigo 7.°, n. os  1 e 3, v., igualmente, n. os  33 e 37, supra .

(30)  – V. nota 27, supra .

(31)  – V. notas 26 e 27, supra .

(32)  – V., entre outros, Comissão/Itália, já referido na nota 8, n.° 51 e jurisprudência aí referida.