CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

DÁMASO RUIZ‑JARABO COLOMER

apresentadas em 23 de Março de 2006 1(1)

Processo C‑25/05 P

August Storck KG

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno

(marcas, desenhos e modelos) (IHMI)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Marca comunitária – Marca figurativa constituída pela representação de uma embalagem de rebuçado – Falta de carácter distintivo – Recusa do registo»





I –    Introdução

1.     No presente recurso impugna‑se o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Novembro de 2004 (2), que negou provimento ao recurso de anulação interposto da decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «IHMI») (3), que recusou o registo de uma marca que representa uma embalagem de papel enrolada nas pontas (forma de papelote) de rebuçados.

2.     É suscitada a questão do seu carácter distintivo, requisito fundamental para obter o registo, inspirador de jurisprudência acerca da interpretação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento sobre a marca comunitária (4) suficientemente abundante para decidir os pedidos da parte recorrente, que alargou a discussão à aquisição dessa capacidade diferenciadora pela utilização.

3.     O litígio abrange, além disso, o processo nas Câmaras de Recurso do IHMI relativamente aos seus deveres de fundamentação e de exame oficioso dos factos, aspectos que também são abordados nestas conclusões.

II – Quadro legislativo

4.     As disposições necessárias para decidir este recurso encontram‑se no referido Regulamento n.° 40/94.

5.     Nos termos do artigo 4.°, têm acesso ao registo comunitário «os sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, algarismos, e a forma do produto ou do seu acondicionamento, desde que esses sinais sejam adequados para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas».

6.     Segundo o artigo 7.°, n.° 1, intitulado «Motivos absolutos de recusa», é recusado o registo:

«a) Dos sinais que não estejam em conformidade com o artigo 4.°;

b) De marcas desprovidas de carácter distintivo;

[…]»

7.     O n.° 2 do próprio artigo 7.° dispõe o seguinte:

«O n.° 1 é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da Comunidade.»

8.     O n.° 3 prevê que as alíneas b), c) e d) do n.° 1 não são aplicáveis «se, na sequência da utilização da marca, esta tiver adquirido um carácter distintivo para os produtos ou serviços para os quais foi pedido o registo».

9.     Sob a rubrica «Fundamentação das decisões», o artigo 73.° dispõe que «[a]s decisões do Instituto serão fundamentadas. Essas decisões só se podem basear em motivos a respeito dos quais as partes tenham podido pronunciar‑se».

10.   Sobre o exame oficioso dos factos, o artigo 74.° indica que,

«1. No decurso do processo, o Instituto procederá ao exame oficioso dos factos; contudo, num processo respeitante a motivos relativos de recusa do registo, o exame limitar‑se‑á às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes.

[…]»

III – Antecedentes do presente recurso

A –    Factos do litígio em primeira instância

11.   Em 30 de Março de 1998, a recorrente apresentou um pedido de marca comunitária no IHMI, nos termos do Regulamento n.° 40/94, que consistia na representação, em perspectiva, de uma forma de embalagem enrolada nas pontas (configuração de papelote), reproduzida a seguir:

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12.   Os produtos para os quais se pedia o registo estão incluídos na classe 30 do Acordo de Nice (5) e correspondem à descrição «rebuçados».

13.   Por decisão de 19 de Janeiro de 2001, o examinador recusou o pedido, porque o sinal não tinha carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e não o tinha adquirido através da utilização para os rebuçados de caramelo (rebuçados moles de café com leite), na acepção do artigo 7.°, n.° 3, da referida disposição.

14.   Tendo interposto recurso no IHMI, em 13 de Março de 2001, segundo o artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, a recorrente pediu a anulação da decisão do examinador.

15.   A Segunda Câmara de Recurso, por decisão de 18 de Outubro de 2002, negou provimento ao recurso pelos mesmos motivos expostos na decisão impugnada.

16.   Entendeu que a cor da embalagem tornava impossível diferenciar, na reprodução gráfica da marca pedida, os três tons que a recorrente tinha invocado, sendo, além disso, habitual nos pacotes de rebuçados e frequente no comércio.

17.   Considerou também que as provas fornecidas não demonstravam a capacidade identificadora para os rebuçados em geral e, em especial, para os rebuçados de caramelo, como consequência da sua utilização reiterada.

18.   Esgotada a via administrativa, a August Storck KG apresentou um recurso de anulação na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 26 de Maio de 2003.

B –    Acórdão recorrido

19.   Em apoio do seu pedido, a August Storck KG invocou quatro fundamentos baseados, respectivamente, na infracção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b); do artigo 7.°, n.° 3; do artigo 74.°, n.° 1, primeiro período; e do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94.

20.   Antes de analisar os fundamentos do recurso, o Tribunal de Primeira Instância delimitou o objecto da lide, uma vez que a recorrente e o IHMI tinham opiniões divergentes sobre o sinal, exprimindo a convicção de que se tratava de uma marca figurativa composta pela representação de uma forma de embalagem enrolada nas pontas (papelote) (6), de cor dourada (7), reivindicada para «rebuçados» (8).

21.   No primeiro fundamento, o tribunal a quo analisou o carácter distintivo em relação, por um lado, aos produtos e serviços para os quais se tinha pedido o registo e, por outro, à percepção do público a que se dirige (9). Logo, para apreciar se o consumidor capta a combinação da forma e da cor do embrulho como uma indicação de origem, procurou a impressão de conjunto provocada por essa composição (10), concluindo que as suas características não diferem suficientemente das formas básicas utilizadas com frequência na embalagem de doces e, portanto, não são memorizadas como referências da origem comercial.

22.   Corroborou, ainda assim, o risco de monopolização do sinal para os rebuçados que a Câmara de Recurso referia, uma vez que confirmava a sua falta de capacidade diferenciadora para essas doçarias, de acordo com o interesse geral subjacente ao fundamento de recusa absoluta do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 (11).

23.    Do conjunto das reflexões precedentes, inferiu que um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado não captaria o sinal de maneira adequada para individualizar os produtos ou para os distinguir dos dos seus concorrentes, considerando, portanto, o fundamento improcedente.

24.   Também não acolheu o segundo fundamento, baseado na violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, por não se ter demonstrado a aquisição dessa capacidade de identificação pela utilização.

25.   Para começar, recapitulou as exigências da jurisprudência para se obter essa qualidade, relativas à atribuição de uma proveniência empresarial determinada (12); à menção da parte da União Europeia em que não tinha carácter distintivo (13); e, por último, à consideração de certos factores objectivos para apreciar a referida qualidade (14).

26.   Depois, rebateu as alegações da August Storck KG apoiadas em dados sobre o volume de vendas e sobre os elevados custos em publicidade efectuados para a promoção do rebuçado «Werther’s Original» («Werther’s Echte»), uma vez que os anúncios juntos não continham qualquer indício da utilização da marca, tal como fora pedida, sendo acompanhada de sinais nominativos e figurativos, sem fornecer a proporção dos custos correspondentes a cada sinal (15). Além disso, esses custos não demonstravam o facto de, em toda a Comunidade, os clientes perceberem a embalagem como um sinal da sua origem (16).

27.   Para terminar, também não aceitou a alegação de que as sondagens juntas aos autos pela recorrente demonstravam que o conhecimento do rebuçado comercializado pela August Storck KG, enquanto título de propriedade industrial, se baseava na sua forma, já que assentava antes na sua denominação «Werther’s» (17).

28.    No terceiro fundamento, a recorrente alegava a violação do artigo 74.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 40/94, uma vez que a Câmara de Recurso devia efectuar um exame suplementar para evidenciar a utilização da marca.

29.   O Tribunal de Primeira Instância refutou estes argumentos, acrescentando que o IHMI só é obrigado a verificar os factos que conferem à marca um carácter distintivo adquirido pela utilização, no sentido do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, quando o requerente os tenha invocado; como estava demonstrado que a August Storck KG tinha fornecido ao IHMI alguns elementos para esse fim, nos quais a Câmara de Recurso tinha baseado a sua apreciação, não existia qualquer obrigação suplementar para os órgãos do IHMI. Em especial, não lhe incumbia completar a instrução dos autos com vista a suprir a falta de força probatória dos indícios que sustentavam o pedido (18).

30.   O quarto fundamento, que imputava ao IHMI a violação do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94, por não ter apreciado todos os documentos entregues pela recorrente e por ter violado o direito de audiência, também não foi acolhido pelo Tribunal de Primeira Instância.

31.   Considerou‑o improcedente, por um lado, por partir de uma premissa errada, já que a Câmara de Recurso tinha analisado esses aspectos, embora não os tivesse considerado suficientes para demonstrar o carácter distintivo da utilização da marca. Indicou, além disso, que a própria recorrente tinha junto os referidos documentos aos autos, pelo que teve ocasião de se pronunciar sobre a sua pertinência (19).

IV – Processo no Tribunal de Justiça

32.   O recurso da August Storck KG deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de Janeiro de 2005; o IHMI contestou em 15 de Abril seguinte, não se tendo considerado necessária réplica ou tréplica.

33.   A audiência, a que assistiram os representantes de ambas as partes, teve lugar em 16 de Fevereiro de 2006, conjuntamente com a do processo C‑24/05 P, em que as partes são as mesmas.

V –    Análise dos fundamentos de recurso

34.   A empresa recorrente invoca os quatro fundamentos que alegou no Tribunal de Primeira Instância, relativos à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94; do artigo 74.°, n.° 1, primeiro período; do artigo 73.°; e do artigo 7.°, n.° 3, todos do mesmo regulamento.

35.   O IHMI pediu que fosse declarada a inadmissibilidade da terceira parte do primeiro fundamento e da totalidade do segundo, pelo que importa analisar previamente estas alegações.

A –    Exame da admissibilidade de alguns dos fundamentos

1.      Quanto à inadmissibilidade da terceira parte do primeiro fundamento de recurso

36.   Com esta alegação, a August Storck KG imputa ao Tribunal de Primeira Instância um erro de apreciação do carácter distintivo do papelote, violando o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

37.   Alega a apreciação insuficiente da combinação cromática da embalagem e o estudo incompleto do comportamento do comprador, mas o IHMI considera que tais situações pertencem ao âmbito dos factos e que, logo, ficam fora do domínio do presente recurso.

38.   A leitura da petição deste recurso revela claramente que a recorrente critica os resultados da avaliação de determinados aspectos factuais. Mas o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 58.° do seu Estatuto, não pode entrar nesses aspectos nem nessas provas, salvo no caso de desvirtuação ou inexactidão material (20), pelo que só cabe sugerir que se declare a inadmissibilidade da terceira parte do primeiro fundamento.

2.      Quanto à inadmissibilidade do segundo fundamento

39.   O IHMI acusa a August Storck KG de repetir os argumentos que serviram de base a um fundamento de recurso semelhante ao invocado em primeira instância e faz apelo a uma jurisprudência constante (21) para que se considere inadmissível este fundamento.

40.   É verdade que, para sustentar a violação do artigo 74.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 40/94 no acórdão recorrido, a recorrente esgrime as mesmas alegações do processo em primeira instância; mas, além de que não lhe restava outra solução, a última frase do n.° 32 fundamenta a crítica ao Tribunal de Primeira Instância, precisamente por ter concordado com o critério do IHMI.

41.   Nestas circunstâncias, apesar da semelhança entre as teses da August Storck KG nesse órgão jurisdicional e as agora defendidas em sede de recurso no Tribunal de Justiça, era legítimo fundamentar a violação do referido artigo 74.° pelo Tribunal de Primeira Instância com explicações idênticas. Portanto, a crítica do IHMI à recorrente por não ter refutado o único comentário novo integrado no acórdão quanto a este fundamento é inoperante, já que cada parte assume a responsabilidade por escolher o alvo da sua crítica.

42.   Por conseguinte, proponho que se julgue improcedente a alegação de inadmissibilidade do IHMI quanto a este fundamento.

B –    Análise do mérito dos fundamentos de recurso

1.      Quanto às duas primeiras partes do primeiro fundamento: violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

a)      Análise da primeira parte

43.   A recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter aumentado as exigências relativas à capacidade identificadora do sinal, sujeitando‑o a diferenças substanciais face às outras embalagens, quando do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), se conclui que basta um reduzido carácter distintivo para registar uma marca comunitária.

44.   O IHMI defende que esta crítica não tem em conta a jurisprudência reiterada em matéria deste tipo de marcas, embora agora se trate da representação bidimensional (fotografia) de um sinal tridimensional.

45.   Não há dúvida de que o teor literal da norma controvertida parece apoiar o acesso ao registo de qualquer sinal que disponha de um mínimo poder distintivo.

46.   O Tribunal de Justiça declarou que, embora os critérios de apreciação do carácter distintivo dos sinais tridimensionais constituídos pela forma do produto não divirjam dos aplicáveis a outras categorias de sinais (22), não é menos verdade que, na prática, se revela mais difícil de provar do que o de uma marca nominativa ou figurativa (23).

47.   Além disso, admitiu em várias ocasiões que a percepção do consumidor médio, parâmetro determinante para ponderar a capacidade identificadora dos sinais que se pretende registar, não é necessariamente a mesma num sinal tridimensional e nos de outra índole, que não coincidem com o aspecto dos produtos a que se referem, já que esses clientes não têm por hábito presumir a origem dos bens com base na sua forma, à margem de qualquer elemento gráfico ou textual (24).

48.   Por estas razões, decidiu que uma simples divergência da norma ou dos usos do sector não é suficiente para afastar o motivo de recusa constante do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104/CEE (25), e que, pelo contrário, uma marca que acentua essa divergência e que cumpre a sua função essencial não é desprovida de carácter distintivo (26).

49.   Ora, nos n.os 56 a 58 da decisão recorrida, o Tribunal de Primeira Instância, como já fizera o IHMI, assinalou a forma que com maior probabilidade o objecto controvertido adoptaria, seguindo com clareza e exactidão as decisões a que se alude nos pontos precedentes destas conclusões, adaptando‑as ao caso concreto sem tergiversar nem aumentar os requisitos das marcas tridimensionais, pelo que a crítica da August Storck KG é infundada.

50.   Proponho, pois, ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

b)      Quanto à segunda parte do fundamento

51.   A recorrente critica a referência que o n.° 60 do acórdão recorrido faz ao risco de monopolização do papelote. Em sua opinião, introduz elementos estranhos, relativos ao interesse geral, no exame do carácter distintivo nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, contrariando a jurisprudência.

52.   O IHMI indica que a alusão a esse risco não foi feita com a intenção de justificar a recusa do registo da marca, mas sim para concordar com a Câmara de Recurso quanto à pertinência de sublinhar tal contingência, pois confirmava a análise negativa sobre a capacidade identificadora da embalagem.

53.   Neste ponto, partilho plenamente da opinião do IHMI, pois a estrutura do acórdão controvertido mostra que o raciocínio acerca da concorrência entre empresas, vinculado ao imperativo de disponibilidade, se incluiu «por acréscimo», embora esta expressão não conste no texto, de modo que o critério da recorrente é inadequado, por se ter demonstrado a falta de carácter distintivo em números anteriores da mesma decisão judicial.

54.   Portanto, sem discutir em que medida o interesse geral impregna o motivo de recusa do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 (27), tem de ser julgada improcedente.

55.   Perante o exposto relativamente ao primeiro fundamento, sugiro que se julguem improcedentes as suas primeira e segunda partes.

2.      Quanto aos segundo e terceiro fundamentos

56.   Nos n.os 55 a 58 do acórdão recorrido foram confirmadas as apreciações da Câmara de Recurso sobre o carácter «usual» da embalagem em forma de papelote ao não se destacar suficientemente de outros modelos correntes no mercado dos rebuçados.

57.   A August Storck KG considera que foi violado o princípio do exame oficioso dos factos do artigo 74.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 40/94 (segundo fundamento) e a regra de que as decisões do IHMI devem assentar em elementos abordados pelas partes, acolhida no artigo 73.°, segundo período, da mesma norma, denunciando a impossibilidade de defesa causada por essa omissão (terceiro fundamento).

58.   A recorrida, que tinha pedido a declaração de inadmissibilidade do segundo fundamento, pede, a título subsidiário, que este seja considerado improcedente, assim como o terceiro, por concordar com a decisão do Tribunal de Primeira Instância.

59.   Creio que a exegese da recorrente provém de uma compreensão errada das disposições referidas, pelas razões que passo a indicar.

60.    Em primeiro lugar, o processo no IHMI rege‑se, para os motivos absolutos de recusa, pelo princípio do inquisitório, segundo o qual compete ao órgão administrativo não só iniciar oficiosamente a tramitação, como, além disso, verificar os factos em que assenta a sua decisão, à margem das alegações das partes (28).

61.   Mas essa regra orientadora não se impõe de maneira ilimitada ao IHMI, pois encontra certos limites, como a margem de apreciação de que goza para determinar em que medida basta uma investigação objectiva do âmbito factual (29) ou a obrigação de cooperação das partes.

62.    Em segundo lugar, no correcto exercício desse poder de instrução, o IHMI não só pode, como decidiu o Tribunal de Primeira Instância no n.° 58 do acórdão recorrido, mas deve construir a sua análise sobre factos derivados da experiência prática geralmente adquirida com a comercialização de produtos de consumo geral, que qualquer cidadão conhece. De contrário, descartar‑se‑iam circunstâncias relevantes para o caso, em oposição à regra facta pro infectis haberi non possunt.

63.   Em suma, importa atribuir às Câmaras de Recurso, por razões de senso comum e de acordo com os princípios gerais comuns aos Estados‑Membros, a que se refere o artigo 79.° do regulamento sobre a marca comunitária, a faculdade de utilizar os «factos notórios» como elemento das suas pesquisas ex officio.

64.   Como é sabido, esses factos notórios não requerem qualquer prova, incumbindo o ónus da prova a quem os pretenda refutar, de acordo com o adágio res ipsa loquitur. Pelo que, ainda que se aceitasse a tese de que a recorrente não teve possibilidade de expressar a sua opinião sobre os pontos patentes na Câmara de Recurso, teve ocasião de os comentar no Tribunal de Primeira Instância, órgão que, no uso soberano do poder de apreciação do autos, não considerou suficientes os indícios, não procedendo o fundamento relativo à alegada impossibilidade de defesa, sem que haja que verificar, pelo reduzido alcance da fiscalização em sede de recurso no Tribunal de Justiça, o acerto dessas considerações.

65.   Do exposto se conclui que o tribunal a quo não violou o artigo 74.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 40/94 ao confirmar as apreciações da Câmara de Recurso assentes em factos publicamente aceites, e que a August Storck KG dispôs da possibilidade de os comentar, pelo menos no próprio tribunal a quo, não tendo sido violado, portanto, o seu direito de defesa nesse órgão jurisdicional comunitário.

66.   Logo, defendo a improcedência dos segundo e terceiro fundamentos de recurso.

3.      Quanto ao quarto fundamento

67.    Baseado num erro de direito imputado ao Tribunal de Primeira Instância por ter negado ao sinal a capacidade identificadora nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o fundamento apoia‑se em duas alegações principais, que respeitam, a primeira, ao valor atribuído a certos documentos probatórios da aquisição do carácter distintivo pela utilização e, a segunda, ao alcance territorial da utilização da marca com esse mesmo fim.

a)      Avaliação de determinados dados comerciais

68.   Para demonstrar a capacidade diferenciadora da embalagem, a recorrente juntou aos autos uma série de referências sobre o volume de vendas e sobre os custos em publicidade efectuados para apoiar a expansão e o grau de notoriedade da embalagem em forma de papelote.

69.   A crítica da August Storck KG dirige‑se contra a exigência da Câmara de Recurso, que o Tribunal de Primeira Instância aceitou, de calcular a quota de mercado dos produtos com a marca em causa a partir dos valores comerciais, o que, segundo ambos os órgãos, não se deveria fazer a partir dos valores fornecidos pela recorrente, que, por sua vez, alega que se mantém a demonstração de uma ampla difusão, através de índices de venda elevados e durante um longo período.

70.   Mas, ao impugnar a ponderação das provas levada a cabo pelo Tribunal de Primeira Instância, deveria declarar‑se a inadmissibilidade desta parte do fundamento. No entanto, entendida como uma crítica a um erro de direito provocado pela exigência de documentos que não tinham a referida capacidade indiciária, como a quota de mercado, há que matizá‑la.

71.   Segundo jurisprudência reiterada, para a apreciação do carácter distintivo da marca, podem ser tomadas em consideração a sua quota de mercado, a intensidade, a área geográfica e a duração do uso, a importância dos investimentos feitos pela empresa para a promover, a proporção dos meios interessados que identificam o produto como proveniente de uma empresa determinada graças à marca e declarações das câmaras de comércio e de indústria ou de outras associações profissionais (30).

72.   Ora, a avaliação da pertinência e do valor probatório desses dados incumbe exclusivamente ao juiz a quo, sem qualquer tipo de fiscalização em sede de recurso de decisão jurisdicional. Nos factos deste litígio, o Tribunal de Primeira Instância analisou tudo o que foi junto aos autos pela August Storck KG para justificar a capacidade identificadora obtida pela utilização do sinal, concluindo pela sua insuficiência, pelo que sugeriu, especialmente, que a quota de mercado constituía um instrumento eficaz para tal finalidade.

73.   Tendo este Tribunal de Justiça reconhecido tal parâmetro como um dos adequados para os efeitos que interessam à recorrente, não se verifica qualquer erro de direito no acórdão recorrido, estando de acordo com a referida doutrina jurisprudencial.

74.   Há que julgar, pois, a primeira parte do quarto fundamento improcedente.

b)      Alcance territorial da utilização da marca

75.   Para a recorrente, ao confirmar a apreciação da Câmara de Recurso de que se deve fazer a prova do carácter distintivo conseguido em todos os Estados‑Membros da União Europeia, o Tribunal de Primeira Instância violou o referido artigo 7.°, n.° 3. Em seu entender, essa opinião contraria o espírito do artigo 142.°‑A do referido regulamento (31), de cuja exegese teleológica resultaria a necessidade de cumprir tal condição numa «parte substancial» da superfície da Comunidade.

76.   Segundo o IHMI, não se trata da utilização do sinal numa «parte substancial», mas sim na parte da União em que a marca não satisfazia as funções típicas desse tipo de propriedade industrial, devido às suas características.

77.   A resposta a esta disputa pressupõe uma interpretação sistemática do artigo 7.° do Regulamento n.° 40/94.

78.   Assim, o n.° 1, alínea b), conjugado com o seu n.° 2, deixa entrever que, faltando a capacidade diferenciadora numa parte da Comunidade, a disposição vigora plenamente e o registo tem de ser recusado.

79.   Além disso, embora o n.° 2 não se refira ao n.° 3, não se deve entender que a exigência sobre o âmbito do carácter distintivo seja menos importante, pois seria ilógico diminuí‑la para os sinais que alegam tê‑lo adquirido pela utilização face aos que acedem ao registo pela primeira vez, sem experiência prévia no mercado. É difícil imaginar uma razão para que o legislador tenha querido consagrar tal diferença de tratamento. Na realidade, esta argumentação seria contrária ao sistema, pois, ao reduzir‑se o grau de exigência à capacidade identificadora obtida após a utilização duradoura do sinal, não faria sentido, na dúvida, tentar primeiro a sua aceitação pelo IHMI como marca comunitária.

80.   A alegação da recorrente baseada no artigo 159.°‑A do Regulamento n.° 40/94 não tem qualquer fundamento, pois essa norma reflecte uma solução política, obviamente com repercussões jurídicas, para o problema surgido com a ampliação da Comunidade sobre a vigência das marcas comunitárias registadas ou pedidas antes de 1 de Maio de 2004, destinada a alcançar a segurança jurídica necessária tanto para os seus titulares como para os de sinais apoiados pelas legislações dos novos Estados‑Membros. É o que resulta do n.° 2 do referido artigo 159.°‑A, segundo o qual «[o] registo de uma marca comunitária cujo pedido tenha sido apresentado antes da data da adesão não pode ser recusado com base em nenhum dos motivos absolutos de recusa enumerados no n.° 1 do artigo 7.°, se esses motivos apenas se tiverem tornado aplicáveis devido à adesão de um novo Estado‑Membro».

81.   Além disso, como explica oficialmente o IHMI (32), o titular, num novo Estado‑Membro, de um direito anterior a uma marca comunitária pode proibir a sua utilização no seu território quando ambas entrem em conflito, nos termos dos artigos 106.° e 107.° do Regulamento n.° 40/94, que já incluíam normas para resolver os conflitos resultantes da entrada em vigor do próprio regulamento relativamente aos sinais registados de acordo com as legislações nacionais.

82.   Assim, as directrizes hermenêuticas do referido artigo 159.°‑A trazidas à colação pela recorrente para explicar o âmbito do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94 são inadequadas e não têm pertinência.

83.   Portanto, não se podendo acolher também esta alegação, há que julgar improcedente, da mesma maneira, o quarto fundamento e, logo, negar provimento à totalidade do recurso.

VI –  Despesas

84.   Nos termos do disposto no artigo 122.°, conjugado com o artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao presente recurso por força do artigo 118.°, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Se, como recomendo, os fundamentos de recurso invocados pela recorrente forem considerados improcedentes, deve esta suportar as despesas do presente processo.

VII –  Conclusão

85.   Perante todo o exposto, sugiro ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância interposto pela August Storck KG do acórdão de 10 de Novembro de 2004, no processo T‑402/02, condenando a recorrente no pagamento das despesas.


1 – Língua original: espanhol.


2 – Acórdão da Quarta Secção do Tribunal de Primeira Instância, Storck/IHMI (T‑402/02, Colect., p. II‑0000).


3 – Decisão de 18 de Outubro de 2002 (processo R 0256/2001‑4).


4 – Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993 (JO 1994, L 11, p. 1), alterado pelo Regulamento (CE) n.° 3288/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, com vista à aplicação dos acordos concluídos no âmbito do «Uruguay Round» (JO L 349, p. 83), e, mais recentemente, pelo Regulamento (CE) n.° 422/2004 do Conselho, de 19 de Fevereiro de 2004 (JO L 70, p. 1).


5 – Relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto e modificado.


6 – N.os 21 e 22.


7 – N.os 23 a 28.


8 – N.os 29 a 38.


9 – N.os 48 a 53.


10 – N.os 54 a 58.


11 – N.° 60.


12 – Acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 1999, Windsurfing Chiemsee (C‑108/97 e C‑109/97, Colect., p. I‑2779, n.° 52), e de 18 de Junho de 2002, Philips (C‑299/99, Colect., p. I‑5475, n.os 61 e 62).


13 – Segundo os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Ford Motor/IHMI (OPTIONS) (T‑91/99, Colect., p. II‑1925, n.° 27), e de 29 de Abril de 2004, Eurocermex/IHMI (Forma de uma garrafa de cerveja) (T‑399/02, Colect., p. II‑1391, n.os 43 a 47).


14 – Acórdãos Windsurfing Chiemsee, n.os 51 e 52, e Philips, n.os 60 e 61, ambos já referidos.


15 – N.os 82 a 84.


16 – N.os 85 a 87.


17 – N.° 88.


18 – N.° 96.


19 – N.os 100 e 101.


20 – Acórdão de 19 de Setembro de 2002, DKV/IHMI (C‑104/00 P, Colect., p. I‑7561, n.° 22). Sobre o alcance da fiscalização em sede de recurso jurisdicional no Tribunal de Justiça, v. também as minhas conclusões nesse processo, n.os 58 a 60.


21 – Refere os despachos do Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 1996, CNPAAP /Conselho (C‑87/95 P, Colect., p. I‑2003, n.os 29 e segs.), e de 17 de Outubro de 1995, Turner/Comissão (C‑62/94 P, Colect., p. I‑3177, n.° 17).


22 – Acórdãos Philips, já referido, n.° 48, e de 8 de Abril de 2003, Linde e o. (C‑53/01 a C‑55/01, Colect., p. I‑3161, n.° 42).


23 – Acórdão Linde e o., já referido, n.° 48.


24 – Acórdãos de 12 de Fevereiro de 2004, Henkel (C‑218/01, Colect., p. I‑1725, n.° 52), sobre as embalagens, e de 6 de Maio de 2003, Libertel (C‑104/01, Colect., p. I‑3793, n.° 65), no que se refere a uma cor.


25 – Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1).


26 – Acórdão Henkel, já referido, n.° 49, relativamente ao artigo 3.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/104, disposição que corresponde ao artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.


27 – A recorrente alegou, com base nas minhas conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 29 de Abril de 2004, Henkel/IHMI (C‑456/01 P e C‑457/01 P, Colect., p. I‑5089, n.os 78 a 80), e nas do advogado‑geral F. G. Jacobs, apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 16 de Setembro de 2004, SAT.1/IHMI (C‑329/02, Colect., p. I‑8317, n.° 24), que o interesse geral e o imperativo de disponibilidade não estão subjacentes no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Embora mantenha a posição expressa nesse documento, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se de outra forma (n.os 25 do acórdão SAT.1/IHMI, já referido, e 45 e 46 do acórdão Henkel/IHMI, já referido).


28 – Martín Mateo, R.; Díez Sánchez, J. J. – La marca comunitaria. Derecho público, ed. Trivium, Madrid, 1996, p. 111.


29 – Von Mühlendahl, A.; Ohlgart, D. C. – Die Gemeinschaftsmarke, Verlag C. H. Beck/Verlag Stämpfli + Cie AG, Berna/Munique, 1998, p. 93, n.° 9. Também Bender, A. – «Artikel 74», in Ekey, D. L./Klippel, D. – Heidelberger Kommentar zum Markenrecht, C. F. Müller Verlag, Heidelberg, 2003, p. 1183, n.° 3.


30 – Acórdãos Windsurfing Chiemsee, n.os 51 e 52, e Philips, n.os 60 e 61, ambos já referidos.


31 – Na versão consolidada elaborada pelo IHMI, essa disposição passou a artigo 159.°‑A (http://oami.eu.int/es/mark/aspects/reg.htm).


32 – Comunicação n.° 5 do presidente do Instituto, de 16 de Outubro de 2003 (pode ser consultada em http://oami.eu.int/es/office/aspects/communications/05‑03.htm).