CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

DÁMASO RUIZ‑JARABO COLOMER

apresentadas em 9 de Fevereiro de 2006 1(1)

Processos apensos C‑7/05 a C‑9/05

Saatgut‑Treuhandverwaltungs GmbH

contra

Herdeiros do falecido Dieter Deppe

[Ulrich Deppe; Hanne‑Rose Deppe;

Thomas Deppe; Matthias Deppe;

Christine Urban (apelido de solteira: Deppe)];

Saatgut‑Treuhandverwaltungs GmbH

contra

Siegfried Hennings

e

Saatgut‑Treuhandverwaltungs GmbH

contra

Hartmut Lübbe

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha)]

«Variedades vegetais – Nível da remuneração equitativa a pagar ao titular de uma protecção comunitária»





I –    Introdução

1.     O Tribunal de Justiça já se pronunciou em várias ocasiões (2) sobre a regulamentação comunitária em matéria de variedades vegetais (3), embora os processos submetidos até à presente data respeitassem à informação que deve ser facultada ou ao direito que assiste ao titular de reclamá‑la para calcular a remuneração devida pelo uso da chamada excepção agrícola ou privilégio do agricultor.

2.     As cinco questões prejudiciais que o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal alemão) suscitou, nos termos do artigo 234.° CE, não se relacionam com as espantosas composições que um pintor maneirista plasmou nas suas telas, conseguindo criar a ilusão óptica de um retrato mediante a representação de todo o tipo de flores, frutas e hortaliças (4), mas sim à remuneração equitativa que pelo uso daquela prerrogativa se deve pagar ao titular de uma variedade protegida pelo direito comunitário.

3.     Para a apresentação do pedido de decisão prejudicial pelo alto tribunal alemão concorreram as divergências dos órgãos jurisdicionais inferiores deste país na resolução de litígios similares.

II – Quadro legislativo

4.     O «privilégio do agricultor» foi introduzido pelo Regulamento (CE) n.° 2100/94 do Conselho, de 27 de Julho de 1994, relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais (a seguir «regulamento de base») (5).

5.     O seu artigo 14.°, sob a epígrafe «Excepção ao direito comunitário de protecção das variedades vegetais», prevê no n.° 1:

«Sem prejuízo do disposto no n.° 2 do artigo 13.°, e no intuito de proteger a produção agrícola, os agricultores podem utilizar, para fins de multiplicação nas suas próprias explorações, o produto da colheita que tenham obtido por plantação, nas suas explorações, de material de propagação de uma variedade que não seja um híbrido ou uma variedade artificial, que beneficie da protecção comunitária das variedades vegetais.»

6.     O n.° 2 limita o âmbito de aplicação desta regra a algumas espécies forrageiras como, por exemplo, o grão‑de‑bico, a tremocilha ou a luzerna, a certos cereais, às batatas e a determinadas oleaginosas como a colza, a nabita ou o linho oleaginoso (6).

7.     O exercício desta excepção é regulado no n.° 3 da mesma disposição, nos seguintes termos:

«As condições para a aplicação da excepção prevista no n.° 1 e para salvaguardar os legítimos interesses do titular e do agricultor serão estabelecidas, antes da entrada em vigor do presente regulamento, nas regras de execução a que se refere o artigo 114.°, com base nos seguintes critérios:

[…]

–       o produto da colheita poderá ser processado para plantação, quer pelo próprio agricultor, quer por serviços que lhe sejam prestados, sem prejuízo das restrições que os Estados‑Membros possam estabelecer para a organização do processamento do referido produto da colheita, em particular para garantir que o produto resultante do processamento seja idêntico ao produto a processar;

–       os pequenos agricultores não serão obrigados a pagar qualquer remuneração ao titular; […]

–       os restantes agricultores devem pagar ao titular uma remuneração equitativa, que deve ser significativamente inferior ao preço da produção licenciada do material de propagação da mesma variedade na mesma área; o nível real dessa remuneração poderá variar ao longo do tempo, de acordo com o uso que for feito da excepção prevista no n.° 1 no caso da variedade em questão;

[…]»

8.     A configuração deste direito foi alterada pelo Regulamento (CE) n.° 1768/95 da Comissão, de 24 de Julho de 1995, que estabelece as regras de aplicação relativas à excepção agrícola prevista no n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento (CE) n.° 2100/94 do Conselho (a seguir «regulamento de execução») (7). O seu artigo 5.°, inserido no capítulo 3, trata desta remuneração nos seguintes termos:

«1. O nível da remuneração equitativa a pagar ao titular nos termos do n.° 3, quarto travessão, do artigo 14.° do regulamento de base pode ser objecto de contrato entre o titular e o agricultor em causa.

2. Caso não exista um contrato ou, existindo, não seja aplicável, o nível da remuneração deve ser significativamente inferior ao montante cobrado pela produção autorizada de material de propagação da categoria mais baixa, certificada oficialmente, da mesma variedade e na mesma área.

Se não existir qualquer produção autorizada de material de propagação da variedade em causa na área em que está localizada a exploração do agricultor nem um nível uniforme do supracitado montante na Comunidade, a remuneração deve ser significativamente inferior ao normalmente incluído, para o fim supramencionado, no preço a que é vendido na mesma área o material de propagação da categoria mais baixa, desde que não seja superior ao montante, acima referido, cobrado na área em que o material de propagação foi produzido.

3. O nível da remuneração será considerado sensivelmente inferior na acepção do n.° 3, quarto travessão, do artigo 14.° do regulamento de base, conforme acima referido no n.° 2, se não exceder o necessário para estabelecer ou estabilizar, enquanto factor económico determinante da extensão da utilização que é feita da derrogação, uma proporção razoavelmente equilibrada entre a utilização de material de propagação autorizado e a plantação do produto da colheita das respectivas variedades abrangidas por um direito comunitário de protecção de variedades vegetais. Tal proporção será considerada razoavelmente equilibrada na medida em que assegurar que o titular obtenha, globalmente, uma compensação legítima pela utilização total da sua variedade.»

9.     O Regulamento (CE) n.° 2605/98 (a seguir «terceiro regulamento») (8) acrescentou quatro números a esta disposição, dos quais apenas interessam aqui os n.os 4 e 5, que rezam o seguinte:

«4. Se, no caso previsto no n.° 2, o nível da remuneração for objecto de acordos entre organizações de titulares e de agricultores, com ou sem a participação de organizações de processadores, estabelecidas na Comunidade ao nível comunitário, nacional ou regional, os níveis acordados devem ser utilizados como orientações para a determinação da remuneração a pagar na área e para as espécies em causa, desde que esses níveis e as condições tenham sido notificados por escrito à Comissão por representantes autorizados das respectivas organizações e, nessa base, tenham sido publicados na Gazeta Oficial editada pelo Instituto Comunitário das Variedades Vegetais.

5. Se, no caso previsto no n.° 2, não for aplicável um acordo, dos previstos no n.° 4, a remuneração a pagar deve ser igual a 50% dos montantes cobrados pela produção autorizada de material de propagação, conforme referido no n.° 2.

Contudo, se um Estado‑Membro tiver notificado a Comissão, antes de 1 de Janeiro de 1999, da iminente conclusão de um acordo, dos previstos no n.° 4, entre as organizações em causa estabelecidas a nível nacional ou regional, a remuneração a pagar na área e para as espécies em causa será de 40% em vez dos 50% acima indicados, mas apenas no que respeita à utilização da excepção agrícola antes da aplicação desse acordo e até 1 de Abril de 1999.»

10.   Para responder às questões submetidas pelo Bundesgerichtshof, há ainda que mencionar os quinto e sexto considerandos do terceiro regulamento, nos termos dos quais:

«[…]

é adequado assegurar que os acordos sejam cumpridos enquanto orientações comunitárias respeitantes ao nível da remuneração para as respectivas áreas e espécies;» e

«em áreas ou para espécies às quais tais acordos não sejam aplicáveis, a remuneração a pagar deve ser, em princípio, igual a 50% do montante cobrado para a produção autorizada do material de propagação, modulado por uma escala móvel adequada, se essa escala tiver sido estabelecida com respeito do respectivo regime nacional de protecção das variedades vegetais;

[…]».

III – Factos e questões prejudiciais

11.   Encontram‑se pendentes no Bundesgerichtshof quatro processos que respeitam ao carácter equitativo da contrapartida a pagar pela plantação de sementes protegidas pela regulamentação europeia em matéria de variedades vegetais.

12.   A recorrente em três destes processos, uma organização de titulares de variedades vegetais protegidas constituída sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada, encarrega‑se da defesa destes direitos de protecção, em especial, exercendo os respectivos direitos à informação e ao pagamento.

13.   A referida organização reclama o pagamento da remuneração devida pelo cultivo das seguintes variedades vegetais protegidas pelo direito comunitário:

–       Cevada de Inverno da variedade «Theresa», bem como trigo de Inverno das variedades «Bandit», «Contur» e «Titmo», cultivados na campanha de comercialização de 1998/1999 por D. Deppe, recorrido inicial no processo C−7/05, falecido no decurso do processo, ficando os seus herdeiros sub‑rogados na sua posição processual.

–       Batatas da variedade «Solara», semeadas na campanha de 1999/2000 por S. Hennings, recorrido no processo C‑8/05.

–       Este tubérculo, cevada de Inverno das variedades «Theresa» e «Duet», bem como trigo da obtenção «Ritmo», cultivados nos campos de H. Lübbe, recorrido no processo C‑9/05, na campanha de 1998/1999.

14.   Os três agricultores informaram a recorrente nos processos principais da utilização dessas sementes e recusaram aderir ao acordo de cooperação em matéria agrícola e de obtenção de espécies vegetais (Kooperationsabkommen Landwirtschaft und Pflanzenzüchtung, a seguir «acordo de cooperação de 1996»), celebrado em 3 de Junho desse ano entre a associação dos agricultores alemães (Deutschen Bauernverband e.V.) e a associação federal dos titulares de espécies vegetais (Bundesverband Deutscher Pflanzenzüchter e.V.) e publicado em 16 de Agosto de 1999 na Gazeta Oficial do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais. No ano de 2000, estas associações profissionais celebraram um novo acordo de cooperação que seria válido a partir da colheita de 2001 e previa uma remuneração até ao nível máximo de 60% dos direitos de licença fixados para as sementes certificadas (a seguir «direitos C»). Nas suas actualizações sucessivas, a remuneração exigida só atinge os 45% em certos casos.

15.   Os respectivos titulares das variedades vegetais autorizaram a recorrente a reclamar judicialmente a remuneração que lhes era devida, que esta avaliou, para o exercício económico de 1998/1999, em 80% dos direitos C devidos pelos agricultores que não aderiram a qualquer acordo.

16.   Tendo os três agricultores recusado o pagamento das quantias que lhes eram reclamadas a este respeito, a Saatgut‑Treuhandverwaltung moveu‑lhes acções no Landgericht Braunschweig (tribunal de primeira instância), que em grande medida acolheu as suas pretensões.

17.   O Oberlandesgericht desta cidade, em contrapartida, negou provimento aos recursos interpostos pela ora recorrente (9), nos quais pedia o pagamento das quantias calculadas com base em 80% dos direitos C, como antes referido (10).

18.   Tendo sido interposto recurso de revista para o Bundesgerichtshof, este órgão jurisdicional, por entender que a solução do litígio depende da interpretação do direito comunitário e, em especial, do artigo 5.°, n.os 2, 4 e 5, do regulamento de execução, optou por suspender a instância e pedir ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias uma decisão prejudicial, nos termos do artigo 234.° CE, sobre as seguintes questões:

«1.      A exigência de que a remuneração pela plantação do produto da colheita, na acepção do artigo 5.°, n.° 2, do [regulamento de execução], seja ‘significativamente inferior’ ao montante cobrado pela produção autorizada de material de propagação da mesma variedade e na mesma área é igualmente cumprida se a remuneração for fixada globalmente em 80% desse montante?

2)      O artigo 5.°, n.os 4 e 5, do [regulamento de execução], fixa, em termos de valor, o nível da remuneração pela plantação do produto da colheita em caso de determinação da remuneração por lei?

Em caso de resposta afirmativa, essa fixação, enquanto expressão de um princípio geral, é igualmente aplicável às operações de plantação do produto da colheita anteriores à entrada em vigor do [terceiro regulamento]?

3)      A função orientadora de um acordo celebrado entre organizações de titulares e de agricultores, na acepção do artigo 5.°, n.° 4, do [regulamento de execução], implica que os elementos essenciais desse acordo (parâmetros de cálculo) sejam igualmente tidos em conta em caso de determinação da remuneração por lei se, no momento do respectivo cálculo, o titular da variedade não conhecer todos os parâmetros, necessários ao cálculo com base no acordo, que recaem na esfera do agricultor e não puder exigir a este que lhe comunique esses dados?

Em caso de resposta afirmativa, a validade de um acordo deste tipo, na medida em que deve preencher essa função orientadora, implica igualmente o respeito das exigências fixadas no artigo 5.°, n.° 4, do [regulamento de execução], se o acordo tiver sido celebrado antes da entrada em vigor [do terceiro regulamento]?

4)      O artigo 5.°, n.° 5, do [regulamento de execução] estabelece o limite máximo da remuneração em caso de fixação convencional e/ou legal desta última?

5)      Um acordo celebrado entre organizações profissionais pode ser utilizado como orientação, na acepção do artigo 5.°, n.° 4, do [regulamento de execução], se for superior à taxa remuneratória de 50% fixada no artigo 5.°, n.° 5, [do mesmo regulamento]?»

IV – Tramitação no Tribunal de Justiça

19.   Os três despachos de reenvio do Bundesgerichtshof, proferidos em 11 de Outubro de 2004, foram registados na Secretaria do Tribunal de Justiça em 14 de Janeiro de 2005, tendo sido apensos por despacho de 26 de Janeiro de 2005, dada a conexão objectiva existente.

20.   Apresentaram observações, dentro do prazo previsto pelo artigo 20.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, a Saatgut‑Treuhandverwaltungs GmbH, os herdeiros de D. Deppe, S. Hennings, H. Lübbe, o Governo alemão e a Comissão.

21.   Na audiência, realizada em 12 de Janeiro de 2005, compareceram os representantes das partes nos processos principais e da Comissão.

V –    Análise das questões prejudiciais

A –    Aspectos prévios

22.   A regulação do privilégio do agricultor reflecte perfeitamente o equilíbrio alcançado num debate animado por posições antitéticas. Por um lado, a visão da política agrícola da Comunidade, na qual ainda prevalecia a ideia de incrementar os frutos dessa actividade como finalidade primordial (11), visão essa que se manifesta no artigo 14.°, n.° 1, do regulamento de base, quando autoriza que os agricultores façam uso desse direito exclusivo para «[…] proteger a produção agrícola […]».

23.   Por outro lado, a dos titulares de variedades vegetais, amparados pela política industrial, de investigação e de desenvolvimento, empenhados em conseguir um quadro regulamentar adequado para incentivar as suas actividades na União. Neste contexto, não estranha que a controvérsia tenha sido acirrada ou que o compromisso alcançado tenha sido considerado aceitável (12).

24.   Suscita‑se uma interrogação sobre se, com a evolução posterior da regulamentação dos mercados agro‑pecuários, mais orientada para a livre concorrência (13), teria surgido tal privilégio; em todo o caso, há que entender o terceiro regulamento como um tímido passo nessa direcção, ao conferir maior protagonismo aos acordos entre associações de produtores e de inventores.

B –    Sobre a remuneração equitativa (primeira questão)

25.   O órgão jurisdicional a quo pretende saber se uma remuneração de 80% dos direitos C satisfaz o requisito de ser «significativamente inferior» ao montante cobrado pela produção licenciada de material de propagação, como previsto no artigo 5.°, n.° 2, do regulamento de execução.

26.   Antes de prosseguir, é conveniente esboçar brevemente o sistema vigente instaurado pelos três regulamentos. Alicerçam o regime da remuneração do titular em torno de três possibilidades: o contrato entre o titular do direito sobre a variedade vegetal e o agricultor (14); os acordos entre as organizações de uns e de outros (15); e, com carácter subsidiário relativamente às soluções precedentes, o seu nível é determinado em função de certas orientações previstas nos regulamentos (16). Estando assente que D. Deppe, S. Hennings e H. Lübbe não celebraram qualquer contrato individual com um titular nem aderiram a qualquer acordo, há que recorrer à terceira possibilidade.

27.   O artigo 14.°, n.° 3, quarto travessão, do regulamento de base impõe ao legislador comunitário, como critério para avaliar a remuneração equitativa, que se trate de uma quantia «significativamente inferior» à estipulada pela produção autorizada no âmbito dos direitos C, aspecto em que o regulamento de execução insiste, completando o preceituado no seu artigo 5.°, n.° 2, quando adverte que aquela remuneração deve ser «significativamente inferior» a este montante; ademais, o terceiro regulamento situa em 50% a quota a pagar pela utilização autorizada de sementes protegidas (17).

28.   Note‑se, igualmente, que este parâmetro se aplica à «categoria mais baixa, certificada oficialmente, da mesma variedade e na mesma área», segundo o próprio artigo 5.°, n.° 2, do regulamento de execução, para o qual remete o n.° 5 do mesmo artigo. Tratando‑se desta categoria, só pode referir‑se à que represente um menor custo para o agricultor.

29.   Depreende‑se destas premissas a necessidade de que a remuneração a pagar ao titular da protecção da variedade, por estar coberta pela excepção, se situe numa ordem de valor verdadeiramente inferior à dos direitos C.

30.   Não parece, pois, adequado um valor de 80%, apesar de, como aponta a Comissão nas suas observações, ser necessário distinguir as situações consoante tenham surgido antes ou depois da entrada em vigor do terceiro regulamento. Havendo disposições concretas aplicáveis a estas últimas, resulta pertinente examiná‑las em primeiro lugar.

31.   O artigo 5.°, n.° 5, do regulamento de execução introduziu a validade limitada no tempo, em certas circunstâncias, de uma remuneração equivalente a 40% dos direitos C. Transcorrido um breve prazo (18), regem de novo os 50% do n.° 4. O nono considerando do referido regulamento explica esta disposição pelo desígnio de incentivar os acordos entre as organizações de titulares e de agricultores mediante a fixação de um nível ainda mais baixo do que o normal.

32.   Há que daqui extrair duas consequências: por um lado, que se preferem as soluções pactuadas e que, para alcançá‑las, se pressiona uma das partes; por outro, que a remuneração que corresponde à compensação legítima a receber pelo titular da variedade, na falta de consenso, oscila em torno dos 50%, embora se sugira que o interesse de um dos contratantes a possa aumentar ligeiramente no marco das negociações. É nesta linha que há que entender o acordo celebrado em 2000 pelas organizações profissionais de agricultores e de titulares, que previa uma remuneração até um limite máximo de 60% destes direitos.

33.   No tocante à aplicação da excepção antes da vigência do terceiro regulamento, o seu regime está circunscrito ao disposto nos artigos 14.° do regulamento de base e 5.°, n.os 1 a 3, do regulamento de execução. Segundo esta última norma, a remuneração só é considerada significativamente inferior se não exceder o valor necessário para estabelecer ou estabilizar una relação suficientemente equilibrada entre o uso do material de propagação autorizado e a plantação do produto da colheita e assegura ao titular uma compensação legítima pela utilização da sua variedade.

34.   Em meu entender, há ainda que ponderar outras circunstâncias. Assim, uma redução de 20%, embora se considere generosa no mundo dos negócios, perde importância no quadro da excepção de que beneficia o agricultor, o qual, realmente, cultiva a semente com o seu próprio trabalho e esforço, enriquecendo‑a com as qualidades das suas terras (19). Além disso, quem semeia não exerce qualquer influência noutro dos elementos do cálculo do preço final, os direitos C, pois que não participa na celebração dos contratos de autorização de produção de material de propagação, dependendo, em última instância, de causas exógenas a quantia que deverá ser paga ao titular, o qual, este sim, sobre aquela exerce uma grande influência.

35.   Os recorridos nos processos principais invocaram as distorções da concorrência ocasionadas pela posição monopolista da Saatgut‑Treuhandverwaltung GmbH no mercado, ao que acresce que os parâmetros acolhidos nos regulamentos para apreciar o carácter equitativo da remuneração obrigam a uma ponderação de circunstâncias que se inserem nos âmbitos local, regional ou nacional.

36.   Todos estes factores, que têm repercussões no tocante ao valor equitativo da remuneração «significativamente inferior» no quadro do exercício do privilégio do agricultor, dependem, pois, das particularidades de cada caso concreto e devem ser apreciados pelo órgão jurisdicional competente (20).

37.   À luz das reflexões expostas, proponho que se responda à primeira questão que um nível de remuneração de 80%, para o exercício da excepção agrícola contemplada no artigo 14.°, n.° 3, do regulamento de base, não satisfaz a condição de ser «significativamente inferior» ao preço da produção autorizada de material de propagação, na acepção do artigo 5.°, n.° 2, do regulamento de execução, sem prejuízo da apreciação, pelo órgão jurisdicional nacional, das demais circunstâncias relevantes de cada caso concreto.

C –    Os critérios para fixar o nível da remuneração (sobre a segunda questão)

38.   Na primeira parte da segunda questão, pergunta‑se se, no tocante ao pagamento dos direitos do titular, os n.os 4 e 5 do artigo 5.° do regulamento de execução contêm os parâmetros para avaliar o montante da remuneração devida.

39.   Do teor destas disposições deduz‑se claramente, no que respeita ao n.° 4, que estes parâmetros devem figurar nos acordos celebrados entre as organizações de titulares e as dos agricultores, que servirão de directrizes quando satisfaçam os demais requisitos deste próprio número e os dos n.os 2 e 3 do referido preceito.

40.   Em contrapartida, o n.° 5 fixa em 50% o valor da remuneração devida pela utilização do privilégio do agricultor, com a única ressalva da sua eventual adaptação mediante uma escala móvel nacional, segundo os termos do sétimo considerando do terceiro regulamento.

41.   Na segunda parte da questão, alude‑se à possível aplicação retroactiva deste valor, enquanto expressão de um princípio geral, às plantações realizadas antes da entrada em vigor do referido regulamento.

42.   Relativamente ao regime vigente até à sua adopção, os n.os 4 e 5 em questão constituem um complemento que comporta novos elementos, a saber, o esforço orientador dos acordos celebrados entre as organizações interessadas relativamente à percentagem assinalada. Para a Comissão, seria contrário à segurança jurídica fazer retroagir os efeitos do terceiro regulamento às transacções deste tipo acordadas em momentos anteriores à vigência destes preceitos. Todavia, não tem razão a referida instituição quando entende que o artigo 5.°, n.° 5, do regulamento de execução institui um regime totalmente estranho à versão inicial.

43.   Assim, as duas remissões desta norma para o n.° 2 do assinalado artigo demonstram a finalidade de melhorá‑lo e precisá‑lo. Por conseguinte, embora se deva negar a sua aplicabilidade a situações consolidadas precedentemente, serve de guia para a estimativa do montante da remuneração.

44.   Tendo em conta as explicações apresentadas, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão prejudicial declarando que os critérios para avaliar o montante da remuneração devida ao titular se encontram no artigo 5.°, n.° 5, do regulamento de execução e carecem de efeito retroactivo, mas podem servir de orientação para a apreciação do cálculo do preço respeitante às plantações efectuadas antes da entrada em vigor do referido número.

D –    A função orientadora dos acordos entre as organizações de titulares e as de agricultores (sobre as terceira e quinta questões)

45.   Na primeira parte da terceira questão, o órgão jurisdicional a quo pergunta qual o alcance de um acordo entre organizações de titulares de variedades vegetais e de profissionais da lavoura, quando não se conhece ou não é possível conhecer toda a informação necessária para calcular o montante da remuneração equitativa devida pela aplicação da excepção, ao passo que a segunda parte versa sobre os requisitos formais destes acordos. Convém começar por abordar estes aspectos formais.

46.   Deduz‑se do artigo 5.°, n.° 4, do regulamento de execução que o valor orientador destes acordos depende do facto de os respectivos níveis de remuneração e condições terem sido comunicados à Comissão e publicados na Gazeta Oficial do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais.

47.   Dado o cariz sine qua non destes requisitos e a ausência de qualquer distinção a este respeito entre acordos celebrados antes ou após a entrada em vigor do terceiro regulamento, há que inferir que este factor temporal não exerce nenhuma influência, bastando que concorram estes dois requisitos.

48.   Tendo esta natureza, o seu âmbito abarca todos os agricultores abrangidos pelo referido regime no território no qual o acordo se aplica. A resposta à primeira parte da terceira questão parte desta premissa fundamental.

49.   Já se indicou que a razão para dotar dessa força os acordos entre as referidas organizações reside no empenhamento em fomentá‑los, com o propósito subentendido de evitar operações fastidiosas. Há que destacar, além disso, que este carácter de guia deve precisamente orientar os cultivadores não aderentes aos acordos entre organizações, pois pretende incentivar as adesões dos camponeses recalcitrantes, desejosos de beneficiar do cálculo oficial perante a expectativa do seu menor custo, pressupondo que a associação a que pertencem logrou plasmar no seu texto outras vantagens, inclusive uma percentagem equilibrada que defenda os seus interesses.

50.   Portanto, qualquer elemento de cálculo serve de inspiração para reclamar o pagamento da remuneração aos agricultores que não tenham assinado qualquer acordo. Contudo e justamente devido à sua condição de pauta orientadora, não se impõe sem mais, assumindo de novo relevância as considerações tecidas a respeito da primeira pergunta, quando se impugne o valor indicativo de uma percentagem por parecer excessivamente elevado.

51.   Por último, há que esclarecer, relativamente à quinta questão, que o n.° 5 do artigo 5.° do regulamento de execução fixa em 50% a remuneração adequada devida ao titular, sempre que não se aplique uma transacção do tipo descrito no n.° 4. Da sistemática de ambas as normas decorre a natureza subsidiária da segunda. Por força do princípio da liberdade contratual, a percentagem constante do acordo vincula aqueles que consentiram em se obrigarem pelo mesmo e desempenha uma função orientadora para os não aderentes. Na falta de um acordo, aplica‑se o disposto no n.° 5, que, como referi, orienta, no caso de serem apresentadas objecções, o cálculo do valor da remuneração equitativa, situação que só pode aproveitar a um agricultor que não tenha celebrado qualquer acordo.

52.    Atentas as explicações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às terceira e quinta questões que a função orientadora dos acordos entre organizações de titulares de variedades vegetais e de agricultores, a que alude o artigo 5.°, n.° 4, do regulamento de execução, implica a plena eficácia dos parâmetros de cálculo para avaliar a remuneração equitativa, sempre que tenham sido comunicados à Comissão e publicados na Gazeta Oficial do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais, tendo em conta que só é possível invocá‑los no quadro do disposto no referido número, mas não no do n.° 5.

E –    O alcance da percentagem de 50% fixada no artigo 5.°, n.° 5, do regulamento de execução (sobre a quarta questão)

53.   O Bundesgerichtshof solicita que se esclareça se a referida percentagem constitui um limite máximo para determinar a remuneração devida por cada transacção ou do modo previsto no regulamento de execução.

54.   Em primeiro lugar, a disposição controvertida não regula situações de natureza contratual, pelo que a pergunta carece de pertinência a este respeito.

55.   Em segundo lugar, do próprio teor do preceito deduz‑se que o valor relativo aí indicado é imperativo, não representando um mero limite máximo ou mínimo. O facto de o legislador comunitário lhe ter introduzido uma excepção, no segundo período desta disposição, não desvirtua esta observação, pois que, como decorre da exposição de motivos do terceiro regulamento, só é aplicável por um período de tempo restrito, com o objectivo de incentivar a rápida celebração de novos acordos entre as organizações de titulares e de agricultores antes de uma data concreta.

56.   Tendo em conta estas reflexões, proponho que se solucione a quarta questão declarando que o artigo 5.°, n.° 5, do regulamento de execução prevê um valor inalterável, e não um limite máximo, para a remuneração, quando esta deva ser determinada nos termos das suas regras, na falta de um acordo celebrado entre o titular da variedade e o agricultor.

VI – Conclusão

57.   À luz do conjunto das considerações expostas, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesgerichtshof, declarando que:

«1.      Um nível de remuneração de 80%, para o exercício da excepção agrícola contemplada no artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 2100/94 do Conselho, de 27 de Julho de 1994, relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais, não satisfaz a condição de ser ‘significativamente inferior’ ao preço da produção autorizada de material de propagação, na acepção do artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1768/95 da Comissão, de 24 de Julho de 1995, que introduz as regras de aplicação relativas à excepção agrícola prevista no n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento n.° 2100/94, sem prejuízo da apreciação, pelo órgão jurisdicional nacional, das demais circunstâncias relevantes de cada caso concreto.

2.      Os critérios para avaliar o montante da remuneração devida ao titular encontram‑se no artigo 5.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1768/95, na versão resultante do Regulamento (CE) n.° 2605/98 da Comissão, de 3 de Dezembro de 1998, e carecem de efeito retroactivo, mas podem servir de orientação para a apreciação do cálculo do preço respeitante às plantações efectuadas antes da entrada em vigor do referido número.

3.      A função orientadora dos acordos entre organizações de titulares de variedades vegetais e de agricultores, na acepção do referido artigo 5.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1768/95, implica a plena eficácia dos parâmetros de cálculo para avaliar a remuneração equitativa, sempre que tenham sido comunicados à Comissão e publicados na Gazeta Oficial do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais, tendo em conta que só é possível invocá‑los no quadro do disposto no referido número, mas não no do n.° 5.

4.      O artigo 5.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1768/95, na versão resultante do Regulamento n.° 2605/98, prevê um valor inalterável, e não um limite máximo, para a remuneração, quando esta deva ser determinada nos termos das suas regras, na falta de um acordo celebrado entre o titular da variedade e o agricultor.»


1 – Língua original: espanhol.


2 – Acórdãos de 10 de Abril de 2003, Schulin (C‑305/00, Colect., p. I‑3525), e as conclusões que apresentei nesse processo em 21 de Março de 2002; de 11 de Março de 2004, Saatgut‑Treuhandverwaltungsgesellschaft (C‑182/01, Colect., p. I‑2263), e as conclusões que apresentei nesse processo em 7 de Novembro de 2002; e de 14 de Outubro de 2004, Brangewitz (C‑336/02, Colect., p. I‑9801), e as conclusões que apresentei nesse processo em 17 de Fevereiro de 2004.


3 – V. título II, infra. Para uma breve resenha dos antecedentes da protecção jurídica das variedades vegetais, remeto para as conclusões que apresentei no processo na origem do acórdão Schulin, já referido na nota precedente.


4 – Especialmente na série de quadros «As estações» ou «Os elementos» do artista milanês Giuseppe Arcimboldo (1527‑1593); a sua arte levava‑o a juntar objectos vinculados pela sua temática com o título da obra, como, por exemplo, «O bibliotecário» ou «O jurista», para atingir esse resultado.


5 – JO L 227, p. 1.


6 – Estão, pois, implicitamente excluídas as flores. Na literatura, Oscar Wilde, no seu conto «O rouxinol e a rosa», em El ruiseñor y la rosa y otros cuentos – Poemas en prosa, Espasa‑Calpe, Colección Austral, 12.ª ed., Madrid, 1976, pp. 9 e segs., imagina um procedimento algo cruel para obter rosas vermelhas: o rouxinol vem à roseira branca para, pressionando o seu peito contra as espinhas, regá‑lo com o seu sangue, para colorir de carmim as pálidas pétalas das suas flores; desta forma, o estudante, dono da roseira, pode oferecer à sua amada essa flor escarlate que ela lhe tinha exigido para bailar com ele toda a noite.


7 – JO L 173, p. 14.


8 – Regulamento da Comissão, de 3 de Dezembro de 1998, que altera o Regulamento (CE) n.° 1768/95 (JO L 328, p. 6).


9 – No caso de S. Hennings, aumentou a dívida do camponês em 55,73 EUR, acrescidos de juros, não a reconhecendo, todavia, no tocante aos restantes 668,55 EUR pedidos.


10 – Os montantes em causa pedidos nos recursos interpostos nos três processos principais ascendem a 181,41 EUR, no processo C‑7/05; a 612,82 EUR, no processo C‑8/05; e a 605,86 EUR, no processo C‑9/05.


11 – V. Borchardt, K.‑D. – «Die Reform der Gemeinsamen Agrarpolitik – Perspektiven und Herausforderungen für Landwirte und Juristen», em Europa und seine Verfassung – Festschrift für Manfred Zuleeg zum siebzigsten Geburtstag, Nomos, Baden‑Baden, 2005, pp. 473 e segs., em especial, pp. 475 a 477. V., também, Leidwein, A. – Europäisches Agrarrecht, 2.a ed., NWM, Viena, 2004, pp. 76 e segs.


12 – Kiewiet, B. – «Régime de protection communautaire des obtentions végétales», em Comptes rendus de l'Académie d'agriculture de France, tomo 83 (1997), n.° 2, pp. 5 e segs., especialmente, p. 9.


13 – Sobre a reforma da PAC, v. Blumann, C. – «La réforme de la politique agricole commune», em Cahiers de droit européen, n.os 3 e 4 de 2004, pp. 297 e segs.; v., também, Bianchi, D. – «Y a‑t‑il encore quelque chose de ‘commun’ dans la nouvelle Politique agricole commune?», em Revue trimestrielle de droit européen, n.° 3, Julho‑Setembro de 2005, pp. 623 e segs.


14 – Artigo 5.°, n.° 1, do regulamento de execução.


15 – Artigo 5.°, n.° 4, do mesmo regulamento, introduzido pelo artigo 1.° do terceiro regulamento.


16 – Artigo 5.°, n.° 2, na falta de contrato, e n.° 5, na falta de acordo, do regulamento de execução.


17 – Esta disposição dever ser lida em conjugação com o sétimo considerando do regulamento, que tempera a sua impetuosidade, expressando que «a remuneração […] deve ser, em princípio, igual a 50% do montante […]», o que, não obstante, não retira importância ao dado numérico.


18 – Entre a utilização da excepção agrícola antes da aplicação de um acordo e 1 de Abril de 1999.


19 – Não sei se é possível falar de interesses antagónicos, pois há a impressão de que todos devem ganhar com a nova variedade vegetal; este retirar proveito dos amigos e do trabalho alheio é censurável, como o manifesta a fábula de Esopo «O bode e a vide», em Fábulas, Alianza Editorial, Madrid, 1998, pp. 167 e 168, ao relatar que «um bode comia o rebento tenro de uma videira, que lhe perguntou: ‘Porque me agrides? Será que não há erva? Já vos darei eu todo o vinho que for preciso quando te sacrificarem’» (tradução livre). O mundo seria muito mais rico em matizes, se houvesse vegetais com este carácter, ou se fossem capazes de falar, como a vaidosa rosa que cultivava no seu jardim o principezinho, Saint‑Exupéry, A. – O Principezinho, MC editores SA, Buenos Aires, 1969, tradução de Bonifacio del Carril, capítulo 8, p. 33, embora o protagonista tenha replicado que «[…] não se deve nunca escutar as flores. Basta olhá‑las, aspirar o aroma. A minha perfumava o planeta, mas eu não me contentava com isso» (tradução livre).


20 – Daí que as divergências nas decisões dos tribunais alemães referidas na introdução destas conclusões possam reflectir as eventuais diferenças regionais; não obstante, esta circunstância não altera a minha convicção de que situar a remuneração devida em 80% excede o quadro do razoável e converte‑se em excessivo.