Processo T‑464/04
Independant Music Publishers and Labels Association (Impala, association internationale)
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«Concorrência – Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Decisão que declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum – Mercados da música gravada e da música em linha – Existência de uma posição dominante colectiva – Risco de criação de uma posição dominante colectiva – Requisitos – Transparência do mercado – Meios de dissuasão – Fundamentação – Erro manifesto de apreciação»
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) de 13 de Julho de 2006
Sumário do acórdão
1. Concorrência – Concentrações – Apreciação da compatibilidade com o mercado comum – Criação de uma posição dominante colectiva que entrava significativamente a concorrência efectiva no mercado comum
(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho)
2. Concorrência – Concentrações – Apreciação da compatibilidade com o mercado comum – Posição dominante colectiva que entrava significativamente a concorrência efectiva no mercado comum
(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho, artigo 2.º, n.º 3)
3. Concorrência – Concentrações – Apreciação da compatibilidade com o mercado comum – Criação de uma posição dominante colectiva que entrava significativamente a concorrência efectiva no mercado comum
(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho, artigo 2.º, n.º 3)
4. Concorrência – Concentrações – Risco de criação ou existência de uma posição dominante colectiva que entrava significativamente a concorrência efectiva no mercado comum
(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho)
5. Concorrência – Concentrações – Declaração de compatibilidade com o mercado comum com fundamento no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.º 4064/89
[Artigo 253.º CE; Regulamento n.º 4064/89 do Conselho, artigo 6.º, n.º 1, alínea b)]
6. Actos das instituições – Fundamentação – Dever – Alcance
(Artigo 253.º CE; Regulamentos do Conselho n.os 17, artigo 3.º, e n.º 4064/89)
7. Concorrência – Concentrações – Exame pela Comissão
(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho, artigo 2.º)
8. Concorrência – Concentrações – Procedimento administrativo – Comunicação de acusações
(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho, artigo 2.º)
9. Concorrência – Concentrações – Procedimento administrativo
(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho)
10. Concorrência – Concentrações – Apreciação da compatibilidade com o mercado comum – Reforço da posição dominante colectiva que entrava significativamente a concorrência efectiva no mercado comum
(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho, artigo 2.º, n.º 3)
11. Concorrência – Concentrações – Apreciação da compatibilidade com o mercado comum – Criação de uma posição dominante colectiva ou reforço dessa posição preexistente
(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho, artigo 2.º, n.º 3)
12. Concorrência – Concentrações – Apreciação da compatibilidade com o mercado comum – Criação de uma posição dominante colectiva que entrava significativamente a concorrência efectiva no mercado comum
(Regulamento n.º 4064/89 do Conselho)
1. No âmbito do Regulamento n.° 4064/89 relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, a Comissão deve, quando se trate do risco de criação de uma posição dominante colectiva, apreciar, segundo uma análise prospectiva do mercado de referência, se a operação de concentração que lhe é notificada leva a uma situação em que sejam causados entraves significativos a uma concorrência efectiva no mercado em causa por parte das empresas que intervêm na operação de concentração e por uma ou mais empresas terceiras que, em conjunto, e designadamente em função dos factores de correlação que existam entre as mesmas, possam adoptar a mesma linha de acção no mercado e agir, numa medida apreciável, independentemente dos outros concorrentes, da sua clientela e, em última análise, dos consumidores.
Essa análise prospectiva necessita de um exame atento, nomeadamente das circunstâncias que, segundo cada caso concreto, se mostrem pertinentes para a apreciação dos efeitos da operação de concentração sobre o funcionamento da concorrência no mercado de referência, e que incumbe à Comissão fornecer provas sólidas.
Não se trata, com efeito, de analisar acontecimentos do passado, a respeito dos quais se dispõe frequentemente de numerosos elementos que permitem compreender as suas causas, nem mesmo acontecimentos presentes, mas sim prever os acontecimentos que se produzirão no futuro, segundo uma probabilidade mais ou menos forte, se não for adoptada nenhuma decisão que proíba ou que precise as condições da concentração prevista. Assim, essa análise exige que se imaginem os vários encadeamentos de causa e efeito, a fim de ter em conta aqueles cuja probabilidade é maior.
(cf. n.os 245, 248, 522‑523)
2. Uma situação de posição dominante colectiva que entrava de maneira significativa a concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste pode ocorrer na sequência de uma concentração quando, tendo em conta as próprias características do mercado em causa e a modificação que provocaria na sua estrutura a realização da operação, esta daria lugar a que, estando consciente dos interesses comuns, cada membro do oligopólio dominante consideraria possível, economicamente racional e, portanto, preferível, adoptar de forma duradoura uma mesma linha de acção no mercado com o objectivo de vender acima dos preços concorrenciais, sem ter que proceder à celebração de um acordo ou recorrer a uma prática concertada na acepção do artigo 81.° CE, e sem que os concorrentes, actuais ou potenciais, ou mesmo os clientes e os consumidores, possam reagir de maneira efectiva.
(cf. n.o 246)
3. São necessárias três condições para que uma situação de posição dominante colectiva que entrava significativamente a concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste possa ser criada na sequência de uma operação de concentração. Em primeiro lugar, o mercado deve ser suficientemente transparente para que as empresas que coordenam o seu comportamento tenham possibilidade de vigiar em medida suficiente se as modalidades da coordenação são respeitadas. Em segundo lugar, a disciplina impõe que exista uma forma de mecanismo de dissuasão em caso de comportamento desviante. Em terceiro lugar, as reacções de empresas que não participam na coordenação, tais como os concorrentes actuais ou futuros, assim como as reacções dos clientes, não devem poder pôr em causa os resultados esperados da coordenação.
(cf. n.o 247)
4. No âmbito do controlo das operações de concentração entre empresas estabelecido pelo Regulamento n.° 4064/89 se, para a apreciação do risco de tal posição, a Comissão, por hipótese, for levada a efectuar um prognóstico delicado quanto ao desenvolvimento provável do mercado e das condições de concorrência com base numa análise prospectiva, o que implica apreciações económicas complexas para as quais a Comissão dispõe de uma ampla margem de discricionariedade, a verificação da existência de uma posição dominante colectiva assenta, por sua vez, numa análise concreta da situação existente no momento da tomada de decisão. A determinação da existência de uma posição dominante colectiva deve apoiar‑se numa série de elementos de facto estabelecidos, passados ou actuais, que atestem o entrave significativo à concorrência no mercado, em virtude do poder adquirido por determinadas empresas de adoptar conjuntamente uma mesma linha de acção nesse mercado, numa medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes, da sua clientela e dos consumidores.
Daqui resulta que, no âmbito da apreciação da existência de uma posição dominante colectiva, as condições para que uma situação de posição dominante colectiva possa ser criada, inferidas a partir de uma análise teórica do conceito de posição dominante colectiva, embora sejam, é certo, igualmente necessárias, podem contudo, se for caso disso, ser provadas indirectamente com base num conjunto de indícios e de elementos de prova, que podem inclusivamente ser muito heterogéneos, relativos aos sinais, manifestações e fenómenos inerentes à existência de uma posição dominante colectiva.
Assim, em particular, um alinhamento estreito dos preços durante um longo período, sobretudo se forem de um nível supraconcorrencial, juntamente com outros factores típicos de uma posição dominante colectiva, poderia, na falta de outra explicação razoável, bastar para demonstrar a existência de uma posição dominante colectiva, mesmo que não houvesse provas directas sólidas de uma forte transparência do mercado, tendo em conta que esta última pode ser presumida em tais circunstâncias.
(cf. n.os 250‑252)
5. Quando a Comissão declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum com base no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.º 4064/89 relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, é condição necessária e suficiente relativamente ao dever de fundamentação que esta decisão exponha de maneira clara e inequívoca as razões pelas quais a Comissão considera que a concentração controvertida não suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. Todavia, não pode inferir‑se desta obrigação que, num caso como esse, a Comissão esteja obrigada a justificar todos os elementos de direito ou de facto da sua apreciação que podem eventualmente apresentar um nexo com a operação de concentração notificada e/ou foram suscitados durante o procedimento administrativo.
(cf. n.o 281)
6. No âmbito do controlo das operações de concentração de empresas estabelecido pelo Regulamento n.° 4064/89, a comunicação de acusações constitui apenas um documento preparatório cuja apreciações são de carácter meramente provisório e a Comissão tem obrigação de ter em conta os elementos recolhidos durante o procedimento administrativo, assim como os argumentos aduzidos pelas empresas interessadas, para abandonar as acusações que, em definitivo, se revelaram infundadas. Esta observação aplica‑se naturalmente a fortiori quando se trata de apreciações provisórias efectuadas vários anos antes no âmbito do exame de outra operação de concentração ou de apreciações emitidas por outra autoridade de concorrência num contexto diferente.
Assim, a decisão final só deve ser fundamentada em relação ao conjunto de circunstâncias e elementos pertinentes para a apreciação dos efeitos da concentração prevista sobre o funcionamento da concorrência nos mercados de referência. Daqui resulta que a mera circunstância de a Comissão não ter explicado no corpo da sua decisão as alterações da sua posição em relação à que consta da comunicação de acusações não pode, como tal, ser constitutiva de falta ou insuficiência de fundamentação.
(cf. n.os 285, 300, 335)
7. As regras materiais do Regulamento n.° 4064/89 relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, e, em especial, o seu artigo 2.°, conferem à Comissão um certo poder discricionário, designadamente no que respeita às apreciações de ordem económica. Consequentemente, a fiscalização, pelo juiz comunitário, do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efectuada tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que fazem parte do regime das concentrações.
Embora o juiz comunitário reconheça à Comissão uma margem de apreciação em matéria económica, tal não implica que se deva abster de fiscalizar a interpretação que a Comissão faz de dados de natureza económica. Com efeito, o juiz comunitário deve, designadamente, verificar não só a exactidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são susceptíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram.
(cf. n.os 327, 328)
8. No âmbito do controlo das operações de concentração entre empresas estabelecido pelo Regulamento n.° 4064/89, a comunicação de acusações constitui apenas um documento preparatório cuja apreciações são de carácter meramente provisório e a Comissão tem obrigação de ter em conta os elementos recolhidos durante o procedimento administrativo, assim como os argumentos aduzidos pelas empresas em causa, para abandonar as acusações que, em definitivo, se revelaram infundadas. Isto é válido a fortiori quando se trata de apreciações provisórias efectuadas vários anos antes no âmbito do exame de outra operação de concentração ou de apreciações emitidas por outra autoridade de concorrência num contexto diferente. Isto não significa todavia que a comunicação de acusações seja totalmente destituída de valor ou de pertinência. Com efeito, se não se quiser privar do mínimo valor todo o procedimento administrativo de investigação, a Comissão deve não só ter possibilidade de explicar, não na decisão, é certo, mas pelo menos no âmbito do processo perante o Tribunal, as razões pelas quais considera que as suas apreciações provisórias estavam erradas, mas sobretudo as apreciações contidas na decisão devem ser compatíveis com as verificações de facto efectuadas na comunicação de acusações na medida em que não esteja provado que estas eram inexactas.
(cf. n.os 335, 410)
9. Embora o procedimento de controlo das concentrações assente necessariamente, em larga medida, na confiança, não podendo a Comissão ser obrigada a verificar por si própria, até ao mínimo detalhe a fiabilidade e a exactidão de todas as informações transmitidas, a Comissão não pode, em contrapartida, chegar ao ponto de delegar sem, qualquer controlo, a responsabilidade da condução de certos aspectos da investigação na partes na concentração, em particular quando estes aspectos constituem o elemento crucial sobre o qual se funda a decisão e os dados e apreciações submetidos pelas partes na concentração são diametralmente opostos à informações recolhidas pela Comissão durante a investigação assim como às conclusões que ela daí extraíra.
(cf. n.o 415)
10. A transparência do mercado necessária para que possa ser identificada uma posição dominante colectiva que reforçava uma concentração é a que permite a cada membro do oligopólio dominante conhecer o comportamento dos outros a fim de verificar se estes adoptam ou não a mesma linha de acção, ou seja, que lhe proporcione o meio de saber se os outros operadores adoptam a mesma estratégia e a mantêm. A transparência no mercado deve, portanto, ser suficiente para permitir a cada membro do oligopólio dominante conhecer, de maneira suficientemente precisa e imediata, a evolução do comportamento de cada um dos outros membros no mercado. A transparência exigida não implica que cada membro possa a qualquer momento conhecer nos mínimos detalhes as condições exactas de cada venda efectuada pelos outros membros do oligopólio, mas deve, por um lado, permitir identificar os termos da coordenação tácita e, por outro, engendrar um risco sério de que um comportamento desviante susceptível de pôr em perigo a coordenação tácita seja descoberto pelos outros membros do oligopólio.
(cf. n.o 440)
11. Quanto ao exame, no âmbito da aplicação do Regulamento n.° 4064/89, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, a criação de uma posição dominante colectiva que entrave de maneira significativa a concorrência efectiva no mercado comum, para que uma situação de posição dominante colectiva seja viável, é necessário que existam suficientes factores de dissuasão para assegurar de forma durável um incitamento a não se afastar da linha de conduta comum, o que significa que é necessário que cada membro do oligopólio dominante saiba que uma acção fortemente concorrencial da sua parte destinada a aumentar a sua parte de mercado provocaria uma acção idêntica por parte dos outros, de modo que não retiraria qualquer vantagem da sua iniciativa.
Com efeito, a mera existência de mecanismos de dissuasão eficazes é, em princípio, suficiente, uma vez que, se os membros do oligopólio se conformarem com a política comum não é necessária uma sanção. Além disso, o meio de dissuasão mais eficaz é o que não precisa de ser utilizado.
Tratando‑se, neste mesmo âmbito do exame da existência dessa posição dominante, a condição relativa aos meio de retaliação pode consistir, não em verificar a simples existência de mecanismos de retaliação, mas em examinar se houve violações da linha de acção comum, sem que estas tenham sido seguidas de medidas de retaliação. A este respeito, são necessários dois elementos cumulativos para que se possa considerar que a falta de execução da medida de retaliação significa que a condição relativa aos meios de retaliação não está preenchida, a saber, a prova de desvios em relação à linha de acção comum, sem a qual não há que examinar o exercício de medidas de retaliação, e a seguir a prova efectiva da inexistência de medidas de retaliação.
(cf. n.os 465, 466, 468, 469)
12. O exame, por parte da Comissão, da determinação de uma posição dominante colectiva, deve assentar numa análise prospectiva.
No que respeita, no âmbito deste exame, à questão de medidas de retaliação, a Comissão, não se deve limitar a procurar provas do exercício de medidas de retaliação no passado mas sim a verificar a existência de mecanismos de dissuasão eficazes. Com efeito, a busca de provas do exercício, no passado, de medidas de retaliação não pode constituir um teste válido, pois a condição pode perfeitamente estar preenchida na falta de qualquer medida de retaliação no passado. Uma vez que a apreciação do risco de criação de uma posição dominante colectiva através de uma concentração não assenta, por definição, na existência de uma política comum prévia, o critério relativo ao facto de não terem sido exercidas medidas de retaliação no passado é destituído de pertinência.
(cf. n.o 537)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)
13 de Julho de 2006 (*)
«Concorrência – Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Decisão que declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum – Mercados da música gravada e da música em linha – Existência de uma posição dominante colectiva – Risco de criação de uma posição dominante colectiva – Requisitos – Transparência do mercado – Meios de dissuasão – Fundamentação – Erro manifesto de apreciação»
No processo T‑464/04,
Independent Music Publishers and Labels Association (Impala, association internationale), com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por S. Crosby e J. Golding, solicitors, e I. Wekstein‑Steg, advogado,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Whelan e K. Mojzesowicz, na qualidade de agentes,
recorrida,
apoiada por
Bertelsmann AG, com sede em Gütersloh (Alemanha), representada por J. Boyce, solicitor, P. Chappatte e D. Loukas, advogados,
e por
Sony BMG Music Entertainment BV, com sede em Vianen (Países Baixos),
e
Sony Corporation of America, com sede em Nova Iorque (Estados Unidos),
representadas por N. Levy, barrister, R. Snelders e T. Graf, advogados,
intervenientes,
que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C(2004) 2815 da Comissão, de 19 de Julho de 2004, que declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo EEE (processo COM/M.333 – Sony/BMG),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),
composto por: M. Jaeger, presidente, J. Azizi e E. Cremona, juízes,
secretário: I. Natsinas, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 22 de Setembro de 2005,
profere o presente
Acórdão
Factos na origem do litígio
1 A Independent Music Publishers and Labels Association (Impala) é uma associação internacional de direito belga que agrupa 2 500 sociedades independentes de produção musical.
2 Em 9 de Janeiro de 2004, a Comissão recebeu uma notificação, em conformidade com o artigo 4.° do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1990, L 395, p. 1), rectificado (JO 1990, L 257, p. 13) e alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1, a seguir «regulamento»), de um projecto de concentração através do qual as sociedades Bertelsmann AG e Sony Corporation of America, que pertencem ao grupo Sony (a seguir «Sony), planeavam agrupar as suas actividades mundiais em matéria de música gravada.
3 A Bertelsmann é uma sociedade de meios de comunicação internacional, cujas actividades à escala mundial incluem a produção e edição musicais, a televisão, a radiodifusão, a edição de livros, de revistas e de jornais, serviços de imprensa e de meios de comunicação, clubes literários e de música. A Bertelsmann está activa no domínio da música gravada por intermédio da sua filial, que controla inteiramente, Bertelsmann Music Group (BMG). As marcas de música da BMG são, nomeadamente, a Arista Records, a Jive Records, a Zomba e a Radio Corporation of America (RCA) Records.
4 A Sony está activa no plano mundial nos domínios da produção e da edição musicais, da electrónica industrial e grande público e lazer. No sector da música gravada, está presente por intermédio da Sony Musical Entertainment. As marcas da Sony incluem a Columbia Records, a Epic Records Group e a Sony Classical.
5 A operação projectada consiste em integrar as actividades mundiais das partes na concentração em matéria de música gravada (com exclusão das actividades da Sony no Japão) em três ou mais novas sociedades, criadas segundo um «Business Contribution Agreement» (acordo de integração de actividades) com data de 11 de Dezembro de 2003. Está planeado que estas empresas comuns sejam exploradas em conjunto sob a denominação Sony BMG.
6 Segundo o acordo, a Sony BMG estará activa na descoberta e no lançamento de artistas [actividade de direcção artística denominada A & R (Artista e Reportório)] e na promoção e venda de discos daí resultante. A Sony BMG não se dedicará a actividades conexas, tais como a edição musical, a produção e a distribuição.
7 Em 20 de Janeiro de 2004, a Comissão enviou um questionário a um certo número de actores no mercado. A recorrente respondeu a este questionário e apresentou uma nota em separado, em 28 de Janeiro de 2004 (anexo A.5), no qual expunha os motivos que, em sua opinião, deviam levar a Comissão a declarar a operação incompatível com o mercado comum. A recorrente exprimia aí os seus receios quanto ao aumento da concentração no mercado e o impacto que tal teria relativamente ao acesso ao mercado, incluindo no sector da distribuição, dos meios de comunicação, da Internet, assim como quanto à escolha dos consumidores.
8 Por decisão de 27 de Fevereiro de 2004, a Comissão concluiu que a operação notificada suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum e o funcionamento do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) e deu início ao processo em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento.
9 Em 24 de Maio de 2004, a Comissão enviou uma comunicação de acusações às partes na concentração, na qual concluía provisoriamente que a operação notificada era incompatível com o mercado comum e com o Acordo EEE, dado que reforçava uma posição dominante colectiva no mercado da música gravada e no mercado grossista das licenças para a música em linha e que coordenava o comportamento das sociedades‑mãe de uma forma incompatível com o artigo 81.° CE.
10 As partes na concentração responderam à comunicação de acusações e, em 14 e 15 de Junho da 2004, teve lugar uma audição perante o consultor‑auditor, na presença, nomeadamente, da recorrente.
11 Por decisão de 19 de Julho da 2004, a Comissão declarou a operação de concentração compatível com o mercado comum, por força do artigo 8.°, n.° 2, do regulamento (a seguir «decisão»).
12 Na sequência do seu pedido de 26 de Julho de 2004, a recorrente recebeu, em 23 de Setembro de 2004, uma cópia não confidencial da decisão.
Tramitação processual e pedidos das partes
13 Por petição apresentada nas Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 3 de Dezembro de 2004, a recorrente interpôs o presente recurso.
14 Por requerimento separado apresentado no mesmo dia, a recorrente pediu que o Tribunal decida o recurso em tramitação acelerada, em conformidade com o artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.
15 Por carta de 17 de Dezembro de 2004, a Comissão comunicou as suas dúvidas quanto ao carácter adequado do recurso à tramitação acelerada no caso presente, sublinhando, em particular, que para além da complexidade do processo, as dificuldades resultantes do facto de que, para explicar os fundamentos da sua decisão, teria de utilizar dados muito abundantes e complexos e que, além disso, tal linha de defesa necessitaria de negociações delicadas com as partes na concentração e os terceiros relativas ao grau de divulgação de informações confidenciais que a Comissão poderia ser levada a fornecer.
16 Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal respectivamente em 10, 11 e 19 de Janeiro de 2005, a Bertelsmann, a Sony BMG Music Entertainment e a Sony Corporation of America pediram para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Estes requerimentos foram deferidos por despacho do Presidente da Terceira Secção de 4 de Fevereiro de 2005.
17 Entretanto, por decisão de 13 de Janeiro de 2005, o Tribunal, a título das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.°, n.° 3, alínea e), do Regulamento de Processo, convidou as partes a participar numa reunião informal em 24 de Janeiro de 2005 a fim de examinar a possibilidade de tratar o processo em tramitação acelerada, tendo em conta, nomeadamente, a confidencialidade de alguns elementos dos autos alegada pela Comissão.
18 Por requerimento apresentado em 18 de Janeiro de 2005, a Comissão, em acordo com a recorrente, requereu uma medida de organização do processo que consistia, em substância, em permitir à Comissão apresentar documentos e informações que lhe tinham sido transmitidos a título confidencial, comunicando‑os unicamente aos consultores da recorrente, com exclusão da própria recorrente.
19 Por decisão de 24 de Janeiro de 2005, o Tribunal, considerando nomeadamente o acordo entre a recorrente e as intervenientes, deferiu o pedido de medidas de organização do processo. Deferiu igualmente o pedido de tramitação acelerada, precisando no entanto que esta decisão poderia ser revista a qualquer momento, à luz da evolução dos autos e do processo. Foi igualmente fixado um calendário para apresentação dos articulados.
20 Por requerimento apresentado em 12 de Fevereiro de 2005, a recorrente apresentou um pedido de modificação da medida de organização do processo. Por carta de 18 de Fevereiro de 2005, a recorrida e as intervenientes apresentaram as suas observações sobre este pedido. Por carta de 22 de Fevereiro de 2005, a recorrente retirou o seu pedido de modificação da medida de organização do processo.
21 Entretanto, em 11 de Fevereiro de 2005, a Comissão tinha apresentado a sua resposta. Em 25 de Fevereiro de 2005, a Bertelsmann, a Sony BMG e a Sony apresentaram o seu articulado de intervenção.
22 Entretanto, por carta de 15 de Fevereiro de 2005, a recorrente pediu para apresentar observações sobre as novas informações contidas na resposta da Comissão. Por decisão de 21 de Fevereiro de 2005, o Tribunal deferiu este pedido e concedeu à recorrida a possibilidade de pedir, até 4 de Março de 2005, para apresentar observações complementares, o que esta efectivamente fez. Por carta de 1 de Março de 2005, a recorrente opôs‑se a este pedido. Em 14 de Março de 2005, a Comissão apresentou as suas observações complementares.
23 Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, a título de medidas de organização, convidou a Comissão a juntar vários documentos e a responder por escrito a uma série de questões escritas.
24 Por carta de 19 de Setembro de 2005, a Comissão requereu uma prorrogação do prazo para apresentar as suas respostas às questões do Tribunal, a qual lhe foi concedida. Por carta de 21 de Setembro de 2005, a Comissão apresentou as suas respostas às questões do Tribunal.
25 Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 22 de Setembro de 2005.
26 Por carta de 26 de Setembro de 2005, a Comissão apresentou documentos na sequência da audiência e pediu para comentar por escrito as eventuais observações que seriam apresentadas pela recorrente sobre as suas respostas às questões escritas de 21 de Setembro de 2005. O Tribunal deferiu este pedido.
27 Em 29 de Setembro de 2005, a recorrente apresentou um articulado respeitante às respostas da Comissão às questões escritas do Tribunal.
28 Em 11 de Outubro de 2005, a Comissão apresentou as suas observações finais sobre as observações da recorrente relativas às suas respostas às questões escritas do Tribunal.
29 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– desentranhar os documentos juntos pela Comissão em anexo à sua resposta;
– anular a decisão;
– a título subsidiário, anular a decisão na parte que se refere a qualquer dos seguintes pontos:
– a posição dominante colectiva no mercado das licenças para a música em linha;
– a posição dominante individual no mercado da distribuição de música em linha;
– a coordenação das actividades de cada uma das partes na concentração no domínio da edição musical;
– condenar a Comissão nas despesas.
30 A Comissão, apoiada pelas intervenientes, conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– negar provimento ao recurso;
– condenar a recorrente nas despesas.
Questão de direito
31 Em apoio do seu recurso de anulação, a recorrente apresenta cinco fundamentos, divididos em várias partes. Através do primeiro fundamento, a recorrente sustenta que, ao não constatar a existência de uma posição dominante colectiva antes da concentração projectada no mercado da música gravada e o reforço da referida posição, a Comissão violou o artigo 253.° CE e cometeu um erro manifesto de apreciação e um erro de direito. Através do segundo fundamento, a recorrente sustenta que, ao não considerar que a concentração projectada criaria uma posição dominante colectiva no mercado da música gravada, a Comissão violou o artigo 253.° CE e cometeu um erro manifesto de apreciação e um erro de direito. O terceiro fundamento consiste em violação do artigo 2.° do regulamento, pelo facto de a Comissão não ter considerado que se estava perante a criação ou o reforço de uma posição dominante colectiva no mercado mundial das licenças para a música em linha. Através do quarto fundamento, a recorrente sustenta que, ao não considerar que a Sony atingiria uma posição dominante individual no mercado da distribuição da música em linha, a Comissão violou o artigo 253.° CE e cometeu um erro manifesto de apreciação. Através do quinto fundamento, a recorrente sustenta que, ao concluir que a concentração projectada não teria como efeito coordenar as actividades de cada uma das partes na concentração no domínio da edição musical, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e violou o artigo 81.° CE, conjugado com o artigo 2.°, n.° 4, do regulamento.
I – Quanto aos elementos de prova anexos à resposta
A – Argumentos das partes
32 A recorrente observa que resulta da resposta, que, no procedimento administrativo, a Comissão se apoiou, em documentos e informações a que a recorrente só teve acesso com a resposta, sendo certo que os mesmos tiveram um papel central na medida em que foram considerados pela Comissão uma justificação para esta se afastar da posição tomada na comunicação de acusações, segundo a qual a concentração projectada criaria ou reforçaria uma posição dominante colectiva e seria incompatível com o mercado comum.
33 A recorrente alega que, se, durante o procedimento administrativo, tivesse visto esses documentos que contêm informações incompletas e enganosos, teria tido a possibilidade de demonstrar as suas falhas fundamentais e a decisão teria sido diferente ou, pelo menos, deveria ter contido uma fundamentação expressa rejeitando as suas observações. Acusa a Comissão de ter detido esses documentos e ser ter baseado nos mesmos sem nunca os ter submetido à prova do exame cruzado ou às observações de terceiros.
34 Embora reconheça que a Comissão está obrigada a proteger os segredos comerciais e que não está sujeita a qualquer obrigação de divulgar aos terceiros todas as informações do dossier durante os procedimentos administrativos de controlo das concentrações, a recorrente sustenta que isto não permite à Comissão privar estes últimos da possibilidade de apresentar os seus pontos de vista sobre o assunto, preparando, por exemplo, uma versão não confidencial e resumida das informações em causa.
35 A recorrente esclarece que não invoca qualquer fundamento que consista na violação das exigências procedimentais essenciais, mas considera que os novos elementos de prova apresentados pela Comissão chegam demasiado tarde para salvar a decisão quanto ao fundo e constituem uma tentativa de regularização a posteriori da decisão. Recordando que a falta de apresentação de documentos durante o procedimento administrativo não pode ser compensada no decurso do processo jurisdicional (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hercules Chemicals/Comissão, C‑51/92 P, Colect., p. I‑4235, n.° 78), a recorrente sustenta que os documentos em causa devem ser desentranhados.
36 A Comissão conclui no sentido do indeferimento deste pedido.
B – Apreciação do Tribunal
37 Importa referir, a título preliminar, que os elementos de prova que a recorrente pede que o Tribunal desentranhe dos autos foram apresentados em anexo à resposta apresentada pela Comissão em conformidade com o disposto no artigo 46.° do Regulamento de Processo. A recorrente não indica em que é a junção destes documentos pela Comissão seria contrária ao Regulamento de Processo.
38 Há que concluir, seguidamente, que nem os fundamentos com base nos quais a recorrente pede para desentranhar esses documentos dos autos nem mesmo o sentido do seu pedido se revelam claramente.
39 Em primeiro lugar, embora a recorrente sustente que os documentos juntos constituem uma tentativa de regularização a posteriori da decisão, não afirma todavia que estes documentos tenham sido recolhidos ou elaborados posteriormente à adopção da decisão, afirmando pelo contrário que tiveram um papel central durante o procedimento administrativo, uma vez que a Comissão se baseou neles para fundamentar a decisão. Ora, esta circunstância, supondo que se confirme, não pode, de qualquer modo, levar a desentranhar os referidos documentos. Além disso, embora a recorrente acuse a Comissão de tentar regularizar a posteriori a decisão, não invoca sequer em apoio deste pedido, a violação do princípio segundo o qual uma decisão deve incluir, no próprio corpo da decisão, a sua fundamentação e não pode ser explicitada pela primeira vez perante o tribunal (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, 375/94, 384/94 e 388/94, Colect., p. II‑3141, n.° 95). De qualquer modo, uma eventual insuficiência de fundamentação tem como sanção a anulação do acto impugnado e não o desentranhamento de documentos. A questão de saber se a decisão está suficientemente fundamentada será examinada, no caso em apreço, no âmbito dos diversos fundamentos invocados pela recorrente.
40 Em segundo lugar, a recorrente, embora refira que a Comissão não está sujeita a qualquer obrigação de divulgar a terceiros, no decurso do procedimento administrativo de controlo das concentrações, todas as informações que figuram no dossier, recorda que, segundo a jurisprudência, a não apresentação dos documentos durante o procedimento administrativo não pode ser rectificada no decurso do processo jurisdicional. Ora, sem que seja necessário examinar o alcance dos direitos de defesa ou de acesso dos terceiros ao dossier nos procedimentos de concentração, basta verificar que a recorrente sublinha expressamente que não pretende formular um fundamento novo que consiste na violação de formalidades essenciais. O pedido não mereceria, portanto, acolhimento caso se baseasse neste fundamento. De qualquer modo, a violação dos direitos de defesa só é susceptível de ser objecto de sanção na hipótese de se demonstrar que a não divulgação de documentos pôde influenciar, em detrimento de um recorrente, o conteúdo da decisão em causa, o que não pode ser efectuado sem um exame dos referidos documentos.
41 Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que os documentos contêm informações incompletas e são enganosos e que, se tivesse tido acesso aos referidos documentos durante o procedimento administrativo, teria tido a possibilidade de demonstrar as suas falhas fundamentais, o que poderia ter conduzido a uma decisão diferente. Ora, embora esta circunstância possa conduzir a apreciar com prudência os elementos de prova apresentados pela Comissão, não pode em contrapartida permitir que seja deferida a medida requerida pela recorrente. Muito pelo contrário, esta medida privaria a recorrente da possibilidade de demonstrar a alegada falta de fiabilidade ou de pertinência dos documentos controvertidos no quadro dos seus fundamentos relativos a um erro manifesto de apreciação.
42 Finalmente, o pedido subsidiário da recorrente para que o Tribunal declare os documentos não convincentes ou destituídos de pertinência deve, pelas mesmas razões, ser igualmente indeferido. De qualquer modo, este pedido constitui uma questão de fundo que será examinada no âmbito dos diversos fundamentos e argumentos do recurso.
43 Resulta das observações que antecedem que o pedido da recorrente para desentranhar os documentos apresentados pela Comissão em apoio da sua resposta ou para os declarar destituídos de pertinência deve ser indeferido.
II – Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao reforço de uma posição dominante colectiva preexistente no mercado da música gravada
44 O primeiro fundamento está dividido em duas partes, sendo a primeira relativa ao carácter errado da afirmação da Comissão segundo a qual não existia posição dominante colectiva no mercado da música gravada previamente à concentração projectada, e a segunda respeitante ao erro resultante da não constatação do reforço, através da concentração projectada, da referida posição dominante preexistente.
A – Argumentos da recorrente
1. Quanto à primeira parte
45 A título preliminar, a recorrente observa que tanto a comunicação de acusações como a decisão contêm numerosas provas de que o mercado da música gravada apresentava, antes da concentração, todas as características de um mercado no qual reina uma posição dominante colectiva que preenchia os critérios formulados pela jurisprudência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Junho de 2002, Airtours/Comissão, T‑342/99, Colect., p. II‑2585).
46 Em primeiro lugar, a recorrente realça a este propósito que as maiores empresas (a seguir «empresas principais») são descritas como possuindo todas as características de um grupo em posição dominante: grandes partes de mercado, poder financeiro significativo (considerando 53 da decisão), manutenção de preços elevados (considerando 56 da decisão), estrutura oligopolística (considerando 148 da decisão) e, portanto, interdependência.
47 Em segundo lugar, a recorrente sublinha que a Comissão verificou que o mercado tinha todas as características propícias à formação de acordos tácitos e facilitava a vigilância desta coordenação (n.os 93 a 116 da comunicação de acusações) e examinou dez factores que indicavam um acordo tácito (v. anexo A.15), os quais não mudaram desde a comunicação de acusações. O produto é homogéneo e o consumidor compra discos de diversos artistas e de diversos géneros, criando assim um «espaço de substituibilidade» (considerando 110 da decisão). O mercado era altamente favorável a esta coordenação e a mesma ter‑se‑á efectivamente verificado (considerando 112 da decisão) e as partes na concentração controlavam o mercado da distribuição (considerando 113 da decisão).
48 Em terceiro lugar, os preços sugerem a existência de uma posição dominante colectiva. Há um paralelismo dos preços líquidos reais (n.os 76 a 80 da comunicação de acusações e considerandos 75, 82, 89, 96 e 103 da decisão). Os preços públicos de venda (a seguir «PPV») são conhecidos e o número de preços de referência limitado (considerandos 111 e 112 da decisão). Os PPV e os preços líquidos reais estão estreitamente alinhados e são transparentes e a transparência dos preços líquidos reais médios não é afectada pelos descontos (n.os 88, 90 e 92 da comunicação de acusações e notas de rodapé n.os 45, 49, 52, 55 e 57 da decisão).
49 Em quarto lugar, a Comissão constatou a existência de mecanismos de dissuasão potencialmente eficazes (n.os 128 a 132 da comunicação de acusações e considerando 118 da decisão) e as empresas principais não estão sujeitas a estas limitações de concorrência eficazes.
50 A recorrente sustenta que as razões apresentadas pela Comissão, baseadas na heterogeneidade do conteúdo dos álbuns, na insuficiente transparência dos preços devido aos descontos promocionais e na falta de prova da mínima acção de retaliação, não permitem afastar a conclusão da existência de uma posição dominante colectiva e que a análise da Comissão está viciada por falta de fundamentação, erro manifesto de apreciação e erro de direito.
a) Quanto à violação do dever de fundamentação
51 A decisão viola o artigo 253.° CE, porque não contém a exposição dos elementos de facto e de direito nos quais a instituição se fundou, de modo a que o Tribunal possa exercer a sua fiscalização e a que tanto os Estados‑Membros como os interessados conheçam as condições nas quais as instituições comunitárias aplicaram o Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86, Colect., p. 1493).
Homogeneidade do produto
52 No que se refere, em primeiro lugar, à homogeneidade do produto, a recorrente acusa a Comissão de não ter indicado a razão pela qual o factor relativo à heterogeneidade do conteúdo prevalecia sobre o respeitante à existência de um «espaço de substituibilidade», segundo o qual a maior parte dos consumidores compra a música de uma grande variedade de artistas e de géneros, ou sobre o relativo à homogeneidade do formato no que diz respeito aos preços e à transparência. A Comissão também não refere por que razão a constatação de que os preços dos álbuns são muito estandardizados seria infirmada pela afirmação geral de que os preços dependem do «êxito do álbum». O considerando 110 da decisão contém, sob este aspecto, conclusões contraditórias.
Transparência
53 Em segundo lugar, no que se refere à transparência, a recorrente sustenta que as afirmações e os argumentos da Comissão relativos aos descontos, que têm por efeito refutar todos os elementos de prova respeitantes à transparência, não estão adequadamente fundamentados.
54 Assim, a Comissão sustenta que, nos grandes países, a transparência dos preços resultante dos PPV é suprimida pelos descontos promocionais, sem contudo explicar a função e o significado destes para o sistema de preços.
55 Da mesma forma, no que diz respeito aos pequenos países, não estão claramente expostas as razões pelas quais a Comissão atribuiu tanta importância às campanhas de descontos e não aos descontos habituais, quando tinha afirmado no n.° 50 da comunicação de acusações que «como nos territórios maiores, os descontos mais importantes em todos os países são os descontos habituais». Por outro lado, não existe descrição precisa do que são os descontos habituais. Quando da apreciação da transparência nos pequenos países, a Comissão recorreu de forma alternada, sem precisão, à comparação dos descontos habituais e dos descontos promocionais, de forma tal que não é fácil determinar se o estudo analisou os descontos promocionais ou os descontos habituais.
56 A recorrente sustenta além disso que a decisão só faz referência aos elementos de prova respeitantes aos descontos relativos à Sony e à BMG e não inclui as outras empresas principais (considerando 71 e nota de rodapé n.° 43 da decisão). A fundamentação está portanto incompleta.
Meios de dissuasão
57 Em terceiro lugar, no que se refere aos meios de dissuasão, a Comissão não explica por que razão o facto, mesmo que seja exacto, de não ter conseguido provar que nunca foram usadas medidas de retaliação, permitiria refutar todas as provas da existência de meios de dissuasão eficazes.
Mecanismos de compensação
58 Finalmente, em quarto lugar, a decisão, em contraste com a comunicação de acusações, não contém qualquer apreciação quanto à existência de mecanismo de compensação no mercado, nem qualquer explicação para esta ausência, o que equivale a uma total falta de fundamentação.
b) Quanto ao erro manifesto de apreciação
59 A recorrente recorda a jurisprudência segundo a qual a Comissão comete um erro manifesto de apreciação quando, tendo que ponderar argumentos contraditórios, atribui demasiada importância a um destes [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Outubro de 2001, British American Tobacco International (Investments)/Comissão, T‑111/00, Colect., p. II‑2997, n.° 58] ou quando as razões apresentadas para justificar uma decisão não sustentam de facto esta decisão. Da mesma forma, quando uma apreciação da Comissão não está alicerçada em determinados elementos ou determinados factos deve considerar‑se que não se procedeu a essa apreciação de uma forma adequada e razoável (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1991, Nölle, C‑16/90, Colect., p. I‑5163). Ora a afirmação da inexistência de posição dominante colectiva não está alicerçada em factos pertinentes, num raciocínio ou em provas e a Comissão não cumpriu a sua obrigação de apreciar todos os factores pertinentes.
60 A recorrente sustenta que a decisão está viciada por erros manifestos de apreciação na determinação da homogeneidade do produto, da transparência, da existência de meios de dissuasão, na avaliação dos mecanismos de compensação e na análise da política comum.
Homogeneidade do produto
61 A Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a heterogeneidade do conteúdo prevalecia sobre a homogeneidade do formato, aceitando ao mesmo tempo a tese segundo a qual o consumidor compra discos de vários artistas e de vários géneros e que existe portanto um «espaço de substituibilidade». De qualquer modo, o parâmetro relativo à heterogeneidade do produto só seria pertinente se os preços fossem fixados com base em títulos individualizados e não, como no caso presente, com base em alguns preços de referência (considerandos 110 e 111 da decisão). Seguindo a lógica da Comissão, nunca poderia haver uma posição dominante colectiva nas indústrias ligadas à propriedade intelectual, uma vez que nunca pode haver homogeneidade total do conteúdo.
Transparência
– Argumentação geral
62 A recorrente sustenta que as provas apresentadas indicam que os preços praticados pelas empresas principais são sem dúvida suficientemente transparentes para lhes permitir alinhar os seus preços. A Comissão não apresentou qualquer prova que infirmasse esta análise, tendo‑se limitado a inferir da alegada variação nos descontos que a transparência podia ser eliminada ou reduzida a ponto de já não permitir o alinhamento dos preços.
63 O erro de apreciação resulta das próprias conclusões da Comissão, segundo as quais:
– existe um paralelismo e uma evolução dos preços relativamente semelhante da parte das empresas principais no que se refere aos preços líquidos médios (considerandos 75, 82, 89, 96 e 103 da decisão);
– os PPV podem ser utilizados como ponto focal para os alinhamentos (considerandos 76, 83, 90, 97 e 104 da decisão);
– os PPV e os preços líquidos médios evoluíram de forma paralela (considerandos 77, 84, 91, 98 e 105 da decisão).
64 A recorrente afirma que os PPV são transparentes, que os preços de venda a retalho são conhecidos, que os preços líquidos médios evoluem em paralelo com os PPV e as margens dos distribuidores são conhecidas de modo bastante preciso. Daqui resulta que os preços líquidos aos retalhistas (isto é, os PPV deduzidos os descontos) são transparentes apesar dos descontos. Isto resulta aliás da comunicação de acusações (n.os 81 a 92) e do considerando 77 da decisão, segundo o qual «se as empresas principais se tivessem afastado sensivelmente das políticas acordadas em matéria de preços concedendo descontos, este afastamento ter‑se‑ia reflectido nos preços médios líquidos».
65 A recorrente alega que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao dar uma importância exagerada aos descontos e, em particular, aos descontos promocionais, pois:
– baseou‑se mais nas informações relativas aos descontos fornecidas pela Sony e pela BMG do que nas informações relativas ao paralelismo entre os PPV e os preços líquidos respeitantes ao conjunto das empresas principais (nota de rodapé n.° 43 da decisão);
– segundo as informações fornecidas pelos retalhistas, os descontos eram transparentes: 20 dos 26 retalhistas interrogados pela Comissão afirmaram que as empresas principais tinham conhecimento dos descontos praticados pelas outras. É particularmente esse o caso dos descontos habituais, os mais importantes, dado que são negociados todos os anos;
– a Sony e a BMG elaboraram relatórios semanais de vigilância do mercado da distribuição, que incluíam informações sobre os seus concorrentes (considerando 113 da decisão);
– relativamente às compilações, as empresas principais têm acordos de distribuição conjunta e de parceria no âmbito dos quais são revelados os descontos habituais;
– há uma taxa de transferência importante de directores entre as casas discográficas;
– os hit‑parades semanais fornecem informações sobre as vendas por título permitindo detectar facilmente os títulos que passam a «grandes êxitos» e geram a maior partes das vendas (considerando 73 da decisão);
– segundo o relatório do Office of Fair Trading (autoridade britânica da concorrência), a informação sobre os concorrentes está mais facilmente disponível no mercado da música gravada do que em qualquer outra indústria (anexo A.16 à petição).
66 A recorrente observa que, com base nestes elementos, a Comissão concluiu aliás, no n.° 81 da comunicação de acusações, que «os descontos [eram] em grande parte estáveis e não [eram] utilizados para alterar eficazmente a política dos preços» Ora, os factos não mudaram desde então.
67 De qualquer modo, os descontos promocionais não são geralmente utilizados em relação aos discos nos hit‑parades, que geram cerca de 80% das receitas, mas unicamente para incitar os consumidores a comprar do catálogo dos títulos («back catalogue») (anexo A.17 à petição) e só têm reduzido impacto sobre a amostra que a Comissão examinou (considerandos 70 e 71 da decisão). Além disso, como os dados examinados pela Comissão relativamente aos referidos descontos promocionais só dizem respeito à Sony e à BMG, a sua pertinência é ainda mais reduzida.
68 A parte da estrutura dos preços das empresas principais potencialmente afectada por uma falta de transparência é portanto reduzida, conforme resulta do relatório junto à petição no qual se explica o sistema dos preços e descontos na Europa (anexo A.17).
69 A recorrente sustenta que a Comissão dispunha de documentos suficientes à luz dos quais podia testar as suas análises, mas que não o fez, em particular no que se refere aos elementos de prova relativos aos retalhistas. Ao não apreciar correctamente os factos e ao atribuir uma importância exagerada aos descontos, em particular os promocionais, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.
– Observações gerais sobre os novos elementos de prova
70 Com base nas novas informações fornecidas pela Comissão em anexo à sua resposta, a recorrente infere que a Comissão parece ter baseado a sua apreciação, segundo a qual o mercado não é transparente, na complexidade das variações individuais nos descontos entre os clientes e entre os títulos individuais e no tempo. Ora, a existência dessas variações individuais, por vezes consideráveis, não exclui a possibilidade de a fixação dos preços ser regida por um número limitado de estruturas e de regras conhecidas que tornam os preços médios previsíveis e das quais qualquer desvio significativo e sistemático é aparente.
71 Estas regras talvez não permitam prever o preço de cada lançamento individual facturado a cada retalhista individual e a todo o momento, mas permitem, no entanto, conhecer com um grau de certeza suficiente os preços líquidos que resultam de um grupo de PPV e determinar se os concorrentes se conformaram ou não com estas regras. Fornecem portanto a transparência requerida para a existência da dominação colectiva. A coordenação de comportamento que resulta do movimento paralelo dos PPV e dos preços líquidos médios pode, portanto, nascer simplesmente com base em estruturas ou regras comummente conhecidas e bem compreendidas que podem ser controladas, mais do que com base num conhecimento perfeito e completo de cada decisão individual relativa aos preços.
72 A Comissão não investigou se este paralelismo observado nos preços médios (brutos e líquidos) podia ter resultado da coordenação de comportamento derivada de tais regras, tendo antes concluído que não era esse o caso, dado que havia variações individuais, sem examinar se estas eram estatisticamente significativas e tinham um impacto material sobre as médias.
73 Tais regras não se aplicam a todos os casos, mas a uma parte substancial das vendas em cada categoria de discos de cada grande casa discográfica (novos lançamentos, novo artista, catálogo «full price», «mid price», «budget», etc.) para cada uma das quais há um número limitado de estratégias gerais de venda que regem a ampla maioria das vendas (substituição de um disco no hit‑parade, participação em campanhas de promoção, compra de lugar na montra, etc.). É certo que estas estratégias de venda podem variar em cada território e em função dos clientes (supermercados, cadeias especializadas, lojas independentes, etc.), mas são, no entanto, limitadas em número e conhecidas dos responsáveis pelas vendas. Estas regras ou estruturas são suficientes para permitir a coordenação dos preços sem necessitar dos conhecimentos específicos dos preços líquidos e brutos para os lançamentos individuais e oferecem, além disso, num ambiente em que a procura relativa aos títulos individuais varia e em que o êxito de álbuns não pode ser previsto com certeza, a flexibilidade necessária para se adaptar nos casos individuais sem comprometer a estrutura dos preços no seu conjunto.
74 As variações individuais não devem fazer com que se ignore que os preços líquidos no seu conjunto são estreitamente alinhados pelos preços brutos e que provavelmente assim acontece porque todas as sociedades seguem determinadas regras gerais que tornam os preços no seu conjunto altamente previsíveis e as aparentes divergências sistemáticas. Há portanto transparência.
75 O exame dos novos elementos de prova que figuram em anexo à resposta mostra que a Comissão se concentrou nas variações individuais, sem examinar se estas eram estatisticamente significativas. A Comissão não efectuou uma análise estatística correcta dos dados subjacentes nem analisou o significado das gamas de preços ou de descontos ou a pertinência das variações no âmbito dos leques habituais dos preços, nem interrogou os retalhistas para verificar se as variações individuais se encontravam ou não no quadro das regras gerais do sistema de preços. A Comissão concluiu, erradamente, que a simples existência de variações excluía a possibilidade de esta variação ser causada por alguns casos isolados, ao passo que a massa das vendas está sujeita a preços determinados com base em regras conhecidas e previsíveis.
76 Além disso, a Comissão examinou os elementos de prova através de um método errado e sem proceder aos testes necessários.
77 A recorrente formula as seguintes observações gerais sobre os novos elementos de prova apresentados pela Comissão:
– uma grande parte dos dados não está ajustada em função das vendas para apreciar o significado das gamas de preços e de descontos. Onde os dados estão correctamente agregados – ou seja, entre todos os actores e ajustados em função das vendas – as variações são muito menos significativas;
– na maior parte dos casos, os dados não são analisados do ponto de vista estatístico e, portanto, não é possível apreciar se, em relação às várias categorias de produtos, as variações são significativas;
– com excepção de alguns dados utilizados na comunicação de acusações, os dados só comparam os preços das partes na concentração. O argumento da Comissão, segundo o qual o facto de constatar práticas de desconto opacas entre duas empresas principais é suficiente para minimizar a transparência, é falso, tendo em conta que a Sony e a BMG tinham tido comportamentos muito diferentes no mercado e que, com comportamentos diferentes através de uma série de lançamentos, o leque dos preços e dos descontos variava mesmo num sistema de preços uniforme. Além disso, as partes na concentração eram historicamente as duas empresas principais mais diferentes, de modo que a concentração não reduz apenas o número de actores mas torna‑os também mais semelhantes;
– a Comissão não investigou para ver se havia dados das empresas principais que contradizem directamente a alegação de variedade e de complexidade dos preços, a saber, os orçamentos ou outros dados que prevêem precisamente os preços líquidos e brutos assim como os descontos, cuja elaboração é paralela entre os concorrentes e estável no tempo;
– os depoimentos prestados pelos quadros das partes na concentração não incidem sobre as questões‑chave – tais como a existência de regras gerais dos preços e a vigilância dos preços – e não foram controlados.
78 O ponto de vista da Comissão segundo o qual os preços líquidos médios são a expressão de uma multitude de decisões individuais muito diferentes e isso deve poder observar‑se com suficiente certeza a fim de permitir uma real coordenação dos preços líquidos, está errado, pois é suficiente que cada sociedade seja capaz de verificar se as decisões sobre os preços de todas as sociedades, através dos seus lançamentos, se conformam com certas regras sobre os preços a fim de tornar os movimentos de preços conhecidos de cada um e de manter a colusão tácita.
79 As variações observadas pela Comissão a partir dos dados fornecidos pelas partes na concentração, para além de serem menos concretas do que a Comissão parece pensar, não podem ser consideradas prova da opacidade dos preços, pois, como em qualquer indústria do sector da propriedade intelectual, na qual o êxito de um título individual é variável e sujeito a uma variedade de actividades de comercialização, mas em que séries agregadas de tais títulos são conformes a regras geralmente conhecidas, é perfeitamente possível explicar qualquer variação na amplitude dos descontos e dos preços por referência a alguns princípios gerais conhecidos.
80 Além disso, a recorrente declara admirar‑se pelo facto de a Comissão só ter incluído muito poucos elementos de prova utilizados na comunicação de acusações, alguns dos quais eram ponderados e abrangiam o conjunto da indústria, tendo‑se antes concentrado nas informações fornecidas pela Sony e pela BMG, que não apresentavam estas características. Importa portanto conciliar as diferenças antes que o primeiro grupo de dados seja rejeitado e se verifique que a Comissão efectuou uma apreciação equilibrada.
– Apreciação individual dos elementos de prova
81 Os depoimentos prestados pelos quadros da Sony e da BMG, que figuram no anexo B.2, limitam‑se a afirmar a existência de descontos diferentes a diferentes clientes, mas não incidem sobre a questão de saber se estes descontos são ou não em larga medida determinados por uma série de regras gerais. Enquanto estas declarações sublinham o carácter muito complexo do mecanismo de fixação dos preços, o anexo B.14, que visa demonstrar a complexidade dos descontos promocionais, refuta na realidade esta complexidade, descrevendo o seu funcionamento numa só página. Seria necessário questionar se existiam margens padrão associadas às diferentes categorias de preços e se a maior parte dos descontos tendia a concentrar‑se no interior de leques estreitos. As questões parecem ter sido concebidas de modo a evitar revelar que as margens podiam ser conhecidas enquanto regras gerais e, portanto, não necessitavam de ser conhecidas com uma base regular, por cada lançamento, e que o estratagema em sentido contrário ao dos preços individuais em nada era necessário para que uma grande casa discográfica controle o preço praticado pelos seus concorrentes. Estas questões também não foram colocadas aos retalhistas, o que teria contudo permitido uma comparação das respostas.
82 No que se refere ao anexo B.3, que mostra a percentagem das vendas por grosso das partes na concentração nos seus dez PPV mais elevados de 1998 a 2003, que, segundo a Comissão, mostra o carácter imprevisível do êxito e, portanto, a necessidade de cada empresa principal controlar os PPV de mais de 80 álbuns dos seus concorrentes, a recorrente nota certas incoerências nos dados (tais como as variações sobre os períodos) e alega que não revelam mais do que o facto de as partes na concentração venderem os seus produtos a PPV diferentes. Isto é destituído de pertinência na medida em que a decisão indica que os PPV são pelo contrário transparentes. Além disso, contrariamente ao que sustenta a Comissão, decorre do considerando 111 da decisão que «as empresas principais só devem contudo controlar os preços de referência de um número limitado de álbuns entre os melhor vendidos para seguir o grosso das vendas». Estas informações também não contradizem as considerações emitidas pela Comissão quando da audição, segundo as quais uma grande maioria das vendas de cada uma das empresas principais dependia muito pouco de PPV. Não é necessário controlar os preços de mais de 80 álbuns, pois, dado que existem princípios e regras geralmente compreendidos, basta, para controlar a observância global da coordenação, demonstrar, apenas relativamente a determinados títulos, se estas regras foram respeitadas e se as anomalias são sistemáticas. A conclusão extraída pela Comissão da variação da percentagem de vendas em bruto das partes na concentração não tem, portanto, justificação.
83 Além disso, estes quadros parecem acentuar um factor, ou seja, o carácter imprevisível do êxito, que contrasta com as declarações chave da decisão, segundo as quais, em primeiro lugar, os PPV são transparentes e constituem um ponto focal para o alinhamento (considerandos 76, 83, 90, 97 e 104 da decisão), em segundo lugar, era possível o controlo das listas de preços das outras empresas principais (considerandos 76, 83, 90, 97 e 104 da decisão) e, em terceiro lugar, as empresas principais apenas tinham necessidade de controlar os preços de referência de um número limitado de álbuns que se vendiam melhor para seguir o grosso das vendas (considerandos 111 da decisão). Finalmente, mesmo supondo que seja necessário controlar os PPV de mais de 80 álbuns (ou 60 após a concentração), isto também não parece tão oneroso como a Comissão sugere.
84 No que se refere aos anexos B.4 e B.5, relativos aos descontos médios na factura concedidos pela Sony e pela BMG aos seus dez melhores clientes em quatro dos cinco grandes Estados‑Membros, a recorrente declara interrogar‑se antes de mais sobre a questão de saber em que medida as diferenças nos descontos médios na factura são indicativos de diferenças de tratamento dos diversos clientes, mais do que diferenças no resultado relativo da carteira das partes na concentração, entendendo‑se que a intensidade dos lançamentos de uma grande casa discográfica assim como a mistura das suas actividades (lançamentos nos hit‑parades, actividades em supermercado, catálogo, actividades especializadas e promocionais) afectam o desconto médio concedido aos clientes. Depois, eventuais diferenças de tratamento de clientes pelas partes na concentração não significam que as suas decisões sobre os preços são opacas, pois estas diferenças podem ser sistemáticas, previsíveis e estáveis no tempo.
85 O anexo B.5, que supostamente mostra exemplos em que não há correlação ou movimento paralelo, é destituído de pertinência, pois pode explicar‑se pela diferença de resultado das carteiras das partes na concentração e, além disso, revela semelhanças significativas (descontos mais baixos concedidos ao mesmo cliente ou variando ao mesmo tempo ou diferenças estáveis no tempo). Só o exemplo do cliente n.° 1 na Alemanha se adequa ao ponto de vista segundo o qual uma das empresas principais pode baixar os seus preços reais sem que tal seja seguido pelos seus concorrentes, mas uma só variação específica, no decurso de um ano específico num dado território em relação a um cliente específico, não é convincente. Além disso, como os quadros só examinam os dados da Sony e da BMG e estes dados não são ponderados, as variações são exageradas. É este especialmente o caso no que diz respeito à análise prospectiva que a Comissão deveria ter efectuado, pois a concentração, uma vez que combina sociedades com comportamentos muito diferentes, poderia aumentar a simetria e a homogeneidade e, portanto, a possibilidade de colusão tácita.
86 No que se refere aos anexos B.6 e B.7, dado que apresentam provas supostas de variações nos descontos na factura concedidos pelas partes na concentração durante um período de cinco anos aos seus dez melhores clientes para os 20 melhores discos compactos (a seguir «CD»), a recorrente observa que os quadros apenas apresentam leques de descontos e que estes podem ser enganadores, na medida em que mostram os extremos em vez de médias e variações estatisticamente significativas em torno destas médias. Leques amplos de descontos podem ser explicados através de algumas raras excepções, pois a grande massa dos descontos situa‑se a um mesmo nível. Além disso, para lá das suas insuficiências metodológicas, estes quadros mostram regularidades interessantes. Por exemplo, no anexo B.6, no país A, as duas partes na concentração oferecem em geral descontos mais importantes aos grossistas do que aos supermercados e aos retalhistas generalistas, e o anexo B.7 da resposta mostra uma relação surpreendentemente bem alinhada entre as gamas de descontos.
87 No que se refere aos anexos B.8 e B.9 que, segundo a Comissão, mostram que as partes na concentração não seguiram qualquer prática uniforme de descontos, que as suas práticas evoluíram no tempo e que em 2003 a repartição dos descontos de cada uma das partes na concentração não era muito semelhante, a recorrente sublinha novamente que as diferenças verificadas nas gamas de descontos no tempo e entre as partes na concentração podiam ser o resultado de diferenças de comportamento e que isto em nada sugere que os descontos não decorrem de um leque conhecido de regras. Além disso, os dados apresentados no anexo B.8 apontam mais na direcção oposta à indicada pela Comissão (estrutura de descontos mais estáveis e semelhantes ou aproximativos, factor de correlação elevado).
88 A recorrente considera que as estruturas de descontos não variam no tempo tanto como sugere a análise da Comissão. Os números expostos no anexo D.3 mostram o coeficiente de correlação da estrutura dos descontos de cada uma das partes na concentração num dado ano e a estrutura dos descontos relativos ao ano anterior. Mesmo que a mistura de actividades afecte os descontos, os elevados coeficientes globais de correlação sugerem que as estruturas de descontos permanecem relativamente estáveis no tempo, dando assim origem a preços líquidos muito mais previsíveis a partir de PPV transparentes.
89 Além disso, a apresentação dos dados em colunas muito estreitas, conjugada com delimitações particulares, pode acentuar as diferenças (por exemplo, se o desconto passa de pouco menos de 15% a pouco mais de 15%, há uma troca de coluna sem modificação importante). Finalmente, a recorrente sublinha que se o desempenho se baseasse no êxito das 20 melhores vendas das partes na concentração, notar‑se‑ia uma modificação dos preços num mercado altamente concorrencial. Não sendo esse o caso, a recorrente infere daí que o mecanismo dos descontos não é verdadeiramente um elemento competitivo forte ou uma fonte de opacidade.
90 No que se refere ao anexo B.10, que mostra a repartição dos preços líquidos pelos cinco melhores clientes da Sony e da BMG em 2003, a recorrente considera que a conclusão que a Comissão daí extrai, segundo a qual clientes diferentes efectuam proporções muito diferentes das suas compras a uma empresa principal nas diferentes gamas de preços líquidos, é de pertinência discutível, uma vez que a transparência e a previsibilidade dos preços não requerem que as tendências de compra sejam idênticas ou semelhantes entre clientes das duas casas discográficas. Uma vez que os factores determinantes para o nível dos descontos necessários para atingir os objectivos de venda são a mistura dos produtos e o êxito dos novos lançamentos junto dos clientes, é difícil ver de que modo a Comissão concluiu que havia uma diferença na repartição dos preços líquidos em geral pelas duas empresas principais.
91 Por outro lado, embora estes dados apenas digam respeito à Sony e à BMG, são, no entanto, mais apropriados pelo facto de serem ponderados. Ora, um exame mais detalhado das repartições país por país mostra semelhanças notáveis apresentadas sob a forma de um diagrama no anexo D.4.
92 Além disso, a conclusão da Comissão, segundo a qual o anexo B.10 mostra a diferenciação entre as duas partes na concentração, não é compatível com a apreciação efectuada nos considerandos 74 e 75 da decisão, segundo a qual os preços líquidos médios da Sony e da BMG eram relativamente semelhantes, o que, tendo em conta o equilíbrio das probabilidades, sugere a utilização de regras de fixação dos preços que assegurem que a maior parte dos preços se concentra à volta de alguns preços de referência. Estes elementos prova, em vez de apoiar o ponto de vista segundo o qual a fixação complexa dos preços torna estes opacos, parece vir em apoio do ponto de vista inverso, segundo o qual os preços são praticamente previsíveis e semelhantes não obstante a aparente complexidade das decisões individuais de fixação de preços.
93 A recorrente considera que o anexo B.11, que mostra os preços líquidos médios trimestrais da Sony por álbum nos PPV mais utilizados, não fornece qualquer indicação sobre a opacidade, pois o quadro apresenta o problema dos leques, ou seja, apenas mostra extremos, sem analisar as médias ponderadas e as variações em relação às médias. Além disso, o anexo é destituído de pertinência, por apenas dizer respeito à Sony e não ser comparativo.
94 O anexo seguinte (B.12) é igualmente destituído de pertinência, pois não é comparativo e visa unicamente mostrar que a BMG oferece aos retalhistas diferentes níveis de desconto.
95 A recorrente critica igualmente a Comissão pelo facto de não ter indicado se as aparentes variações do nível dos descontos promocionais podiam ser explicadas por alguns princípios simples. Isto é surpreendente, dado que os princípios enunciados pela Comissão num dos anexos à sua resposta, o anexo B.14, sugerem a existência e a simplicidade de tais regras relativas aos descontos promocionais, a saber, que:
– os descontos promocionais variam em função da dimensão da encomenda (com excepção do caso específico da França);
– os descontos promocionais variam em função do tipo de consumidor (por exemplo, na Alemanha, os grossistas e os clubes de música recebem em geral descontos mais importantes);
– os descontos promocionais variam em função do tipo de título ou de lançamento (por exemplo, em função da popularidade do artista, da audiência visada);
– os descontos promocionais concentram‑se em clientes que têm a reputação de vender um género particular, com base na natureza do retalhista e nas características demográficas da sua base de clientela;
– os descontos promocionais variam com a natureza da campanha (por exemplo, apenas um título ou então um cabaz de títulos, habitualmente um catálogo);
– os descontos promocionais variam conforme o nível das despesas de comercialização que o retalhista está na disposição de fazer em troca.
96 A recorrente defende que, sendo estas regras geralmente conhecidas, não deveria ser difícil prever com uma precisão razoável o nível dos descontos que se poderia esperar que uma empresa principal fizesse a um cliente especial, para um título especial, no âmbito de uma campanha em especial e, portanto, determinar se os descontos efectivos são conformes com essas regras. Não parece que a Comissão tenha investigado este ponto.
97 Acresce que, como o anexo B.13 só fornece dados para um único ano, não é concludente, pois não permite apreciar se os níveis de desconto são estáveis e, portanto, previsíveis.
98 No que se refere ao anexo B.15, que agrupa determinados relatórios de vigilância (monitoring) apresentados ao Tribunal pelas partes na concentração, a recorrente observa que estes elementos de prova não sugerem que não haja qualquer mecanismo de fixação dos preços que consista numa série de regras gerais e de orientação sobre a forma como os preços são fixados. Assim, a Comissão não deveria ter‑se concentrado na questão de saber se havia uma vigilância específica dos descontos individuais, mas antes se havia necessidade dessa vigilância, na medida em que as variações do sistema de fixação dos preços são excepções às referências de preços que se aplicam à grande maioria das vendas.
99 No que se refere ao anexo B.17, que contém o estudo da sociedade de consultoria económica RBB Economics (a seguir «estudo RBB»), segundo o qual uma casa discográfica não tem possibilidade de deduzir os preços por grosso a partir dos preços de venda observados aos quais são oferecidos os produtos dos concorrentes, a recorrente alega que este estudo se concentra essencialmente nos preços dos lançamentos individuais e não na questão de saber se existe um nexo sistemático entre os PPV e os preços líquidos por grosso da grande maioria dos lançamentos durante um período razoável. É certo que retalhistas diferentes podem prosseguir estratégias diferentes para a fixação dos seus preços de venda, mas é surpreendente que não exista qualquer relação clara e sistemática entre os preços líquidos médios dos lançamentos numa categoria especial, vendidos a um retalhista especial e os seus preços por grosso reais relativamente a uma gama suficientemente vasta de títulos e durante um período razoável. A circunstância de não haver uma margem única e uniforme aplicada de maneira automática aos preços por grosso não significa que os preços de venda a retalho e os preços por grosso sejam a tal ponto distintos que tornem impossível o controlo da observância dos princípios gerais de fixação dos preços. Existe um nível geral de margens para diferentes categorias de produtos (top price, super top price, mid price, developping artists, budget, etc.).
100 A recorrente observa que o estudo evita qualquer exame das regras do sistema de fixação dos preços e declara duvidar que a Comissão tenha submetido o estudo a exame, dos retalhistas ou de terceiros, ou que tenha pedido os dados agregados sobre os preços e os descontos que qualquer grande casa discográfica deve ter nos seus orçamentos. Também não existe qualquer comparação com os outros dados já recolhidos. Esse exame teria revelado que, contrariamente às afirmações que constam do estudo:
– existe uma ligação sistemática entre as categorias de produtos se estes produtos estão definidos correctamente para reflectir o seu desempenho, a sua maturidade e a sua importância para a base de clientela;
– a afirmação segundo a qual os retalhistas não aplicam qualquer margem padrão aos preços por grosso é enganosa, pois ignora deliberadamente a existência de categorias de produtos e de campanhas de vendas, conhecidas e coerentes entre as empresas principais. O estudo ignora a necessidade de explicar a concentração dos níveis de desconto agregados em torno de um número limitado de níveis de preços e de desconto. As variações das margens reflectem apenas a adaptação das regras em função da procura;
– de maneira mais geral, a Comissão não tomou em conta o facto de estar a analisar uma indústria do sector da propriedade intelectual no mercado da música gravada. A evolução dos lançamentos individuais através das diferentes categorias conhecidas e compreendidas de preços e de descontos durante o ciclo de vida não implica necessariamente que não possa haver transparência ou mesmo coordenação.
Meios de dissuasão
101 A recorrente sustenta que a Comissão não examinou detalhadamente todas as formas possíveis de medidas de retaliação, mas unicamente as ligadas aos acordos de parceria para as compilações. Assim, se uma grande casa discográfica adoptasse uma política de baixa dos preços para com os retalhistas, as outras poderiam punir esta grande casa discográfica incitando os retalhistas a rejeitar a política de preços mais baixos, oferecendo‑lhes descontos mais importantes e um aumento da publicidade cooperativa. Outro meio de dissuasão seria restringir a elegibilidade para os hit‑parades dos produtos a menor preço da casa discográfica «desviante» ou dos produtos que constituem uma inovação unilateral. Os critérios de elegibilidade para os hit‑parades nacionais são geralmente determinados por comités, compostos na sua totalidade por casas discográficas, por vezes em colaboração com os retalhistas e referem‑se, nomeadamente, aos formatos ou aos preços mínimos.
102 A recorrente considera que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação pelo facto de, embora tenha declarado a existência de mecanismos de dissuasão credíveis, concluiu que estes não existiam, com fundamento em que não encontrara prova da sua utilização. Ora, o meio de dissuasão mais eficaz é aquele que não necessita de ser utilizado.
Mecanismos de compensação
103 A recorrente sustenta que a análise da Comissão está incompleta, na medida em que a decisão não contém qualquer exame dos mecanismos de compensação no mercado. Sublinha, além disso, que na comunicação de acusações a Comissão declarou que nem os independentes nem os retalhistas impunham limitações concorrenciais efectivas às empresas principais.
Inexistência de uma análise real da política comum
104 A Comissão concentrou a sua análise sobre a concorrência através do preço e descurou completamente uma série de outras questões, quando é certo que, segundo a comunicação sobre as concentrações horizontais (JO 2004, C 31, p. 5), a coordenação pode revestir diversas formas.
105 Assim, a Comissão deveria ter examinado se era ou não mais benéfico para as empresas principais concorrer com vigor para a obtenção de partes de mercado, em vez de aderir a uma política comum. O facto de as partes de mercado das empresas principais serem relativamente estáveis e de as modificações serem principalmente a consequência de aquisições de independentes, ou de fusão entre elas, aponta para uma inexistência real de concorrência através dos preços ou para uma política comum que consiste sobretudo em não empreender qualquer acção concorrencial quando o mercado é oligopolístico (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 43).
106 A Comissão também não examinou se as empresas principais tinham políticas paralelas de licenças para a música em linha ou no que diz respeito à contratação dos artistas. Não examinou todas as características, enunciadas em detalhe nos n.os 96 a 116 da comunicação de acusações, que forneciam provas de que o mercado da música gravada é «particularmente propício à coordenação e facilita o controlo dessa coordenação» (n.° 94 da comunicação de acusações). A Comissão identificou contudo dez factores que apontam para um acordo tácito incluindo as ligações estruturais, os acordos de licença e de distribuição, assim como os acordos de parceria e as compilações (v. a lista junta em anexo A.15 à petição);
107 A Comissão também não examinou se a concentração poderia conduzir a uma capacidade de reduzir a oferta em termos de número de novos títulos ou em termos de originalidade dos novos lançamentos ou se a concentração iria empobrecer a criatividade, a qualidade e a diversidade na escolha musical [v. Decisão 2004/422/CEE da Comissão, de 7 de Janeiro de 2004, que declara uma concentração compatível com o mercado comum e o funcionamento do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (Processo COMP/M.2978 – Lagardère/Natexis/VUP, JO L 125, p. 54, considerando 674), ou se teria impacto sobre a escolha dos consumidores, tal como tinha feito na comunicação de acusações no processo Time Warner/EMI (COMP/M.1852 Time Warner/EMI, JO C 136, p. 4) (v. n.° 55 relativo à marginalização dos independentes e ao impacto sobre a escolha e a diversidade da música oferecida ao público). Finalmente, a análise não teve de forma alguma em conta o artigo 151.°, n.° 4, CE nem a diversidade cultural.
c) Aplicação incorrecta do direito sobre as posições dominantes colectivas
108 A recorrente sustenta que a Comissão cometeu três erros de direito.
109 Em primeiro lugar, a Comissão concluiu que os preços não eram transparentes pois não era certo que a transparência fosse total, ao passo que, segundo o n.° 62 do acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, o teste é um «teste de transparência suficiente do mercado» que permite a todos os membros do oligopólio saber «com suficiente precisão e rapidez» de que maneira evolui o comportamento dos outros membros no mercado. Ora, no caso em apreço, existe transparência suficiente.
110 Em segundo lugar, a Comissão considerou que não existe política comum em virtude dos descontos, sem todavia ter verificado que os descontos conduziram a reduções significativas de preço, de modo que a concorrência através dos descontos seria marginal. Ora, conforme o n.° 60 do acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, uma concorrência marginal não invalida em si a constatação de uma posição dominante colectiva. O operador tem de estar consciente de que «uma acção fortemente concorrencial da sua parte destinada a aumentar a sua parte de mercado (por exemplo, uma redução de preços) provocaria uma acção idêntica por parte dos outros». Em particular, a Comissão teria unicamente que provar «a inexistência de concorrência efectiva entre os operadores [...] membros de um oligopólio dominante» e não a eliminação de toda a concorrência (v., neste contexto, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 654).
111 Em terceiro lugar, a Comissão cometeu um erro de direito ao basear a sua análise na falta de provas anteriores de medidas de retaliação, quando, segundo o n.° 195 do acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, a Comissão não deve necessariamente provar a existência de um «mecanismo de retaliação» determinado, mais ou menos rígido, mas demonstrar a existência de factores de dissuasão.
2. Quanto à segunda parte
112 A recorrente recorda que, para determinar se uma concentração reforça uma posição dominante, a Comissão deve examinar o seu impacto sobre os mercados de referência segundo uma análise prospectiva (acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, n.os 58 e 59). Ora, a Comissão não efectuou qualquer análise prospectiva e não examinou de forma alguma a questão do reforço da posição dominante, pois, no termo de uma análise retrospectiva, declarou, erradamente, que não havia posição dominante preexistente susceptível de ser reforçada.
113 Na medida em que o reforço da posição dominante foi examinado com base na análise retrospectiva, a decisão está viciada por falta de fundamentação ou por erro manifesto de apreciação pelas razões desenvolvidas na primeira parte, enquanto a falta de análise prospectiva constitui um erro de direito.
B – Argumentos da Comissão
114 A Comissão considera que os três fundamentos de anulação invocados pela recorrente no que diz respeito ao mercado da música gravada se entrelaçam em larga medida e que, portanto, é útil apresentar, antes de mais, uma exposição dos fundamentos da decisão e dos elementos de prova sobre os quais fundou as suas conclusões antes de examinar, a seguir, algumas considerações erradas sobre o conteúdo da decisão que figuram na petição, para finalmente analisar os argumentos específicos invocados pela recorrente.
1. Decisão da Comissão e elementos de prova nos quais esta se baseou
a) Contexto
115 No que se refere ao sistema de fixação dos preços aplicável à música gravada, a Comissão alega que cada empresa principal, assim como cada casa independente, fixa periodicamente uma gama de diversos preços de catálogo previsíveis para os seus álbuns CD, denominados «preços públicos de venda». Cada grande casa dispõe normalmente de mais de 50 PPV deste tipo, de importância variável, que podem ser atribuídos a categorias de preços «fortes», «médios» e «de baixo orçamento» e fixa os preços de catálogo de cada álbum CD que produz por referência a um desses PPV. Contudo, o preço líquido realmente pedido a um cliente (retalhista ou grossista) é inferior ao preço de catálogo, devido aos descontos na factura (descontos habituais e promocionais) que podem variar de um cliente para outro, no tempo, ou de álbum para outro (no caso dos descontos promocionais). Cada casa discográfica negoceia com cada um dos seus clientes um desconto habitual anual (a taxas eventualmente diferentes para a música pop, a música clássica ou os álbuns que são objecto de publicidade na televisão) aplicável a todas as vendas do cliente em questão. Em contrapartida, os descontos promocionais são fixados caso a caso, com durações variáveis, para álbuns individuais ou grupos de álbuns que a casa discográfica pretende promover; tais descontos não são necessariamente concedidos a todos os clientes e o seu montante não é necessariamente o mesmo. A Comissão chama a atenção para o facto de o preço líquido de um dado álbum para um dado cliente dever distinguir‑se do preço líquido médio de todos os álbuns vendidos por uma determinada casa discográfica durante um dado ano, preço que é igual ao quociente da divisão da soma de todos os preços líquidos (potencialmente muito variados) dos álbuns individuais vendidos aos clientes individuais pelo número total de álbuns vendidos pela casa discográfica em questão.
116 A Comissão constatou uma baixa significativa da procura e dos preços da música gravada em CD desde 1999 (considerandos 55 a 59 da decisão).
b) Cinco grandes mercados (Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha)
117 A Comissão examinou em primeiro lugar se era possível identificar a existência de um acordo tácito sobre os preços entre as empresas principais nos cinco grandes Estados‑Membros (considerandos 69 a 108 da decisão). Verificou se existia um paralelismo entre os preços observando a evolução dos preços líquidos médios reais das empresas principais e se um eventual paralelismo que fosse observado podia explicar‑se por uma coordenação. Para este efeito, a Comissão examinou antes de mais os PPV enquanto eventuais pontos centrais, depois verificou se os descontos estavam alinhados e eram suficientemente transparentes para permitir uma vigilância eficaz de uma eventual coordenação dos preços líquidos (considerando 73 da decisão).
Alinhamento dos preços líquidos médios e dos PPV
118 Nos cinco grandes mercados, a Comissão apenas constatou uma evolução em parte semelhante dos preços líquidos médios reais. Em cada país, os preços líquido médios reais de cada grande casa discográfica flutuaram a maior parte do tempo dentro de um leque de cerca de 10% ou mais, uns em relação a outros. A Comissão considerou que esse grau de evolução semelhante não era concludente (considerandos 72, 85, 89, 92 e 103 da decisão), por razões evidentes. Em primeiro lugar, o paralelismo dos preços líquidos médios reais não se verificou de modo algum. Em segundo lugar, quaisquer comportamentos paralelos não bastam geralmente para demonstrar a existência de uma coordenação se os mecanismos desta coordenação não puderem ser identificados. Em terceiro lugar, no caso presente, a Comissão não concluiu que a evolução dos preços líquidos médios de cada empresa principal era ou podia ser conhecida das outras empresas principais. Os preços líquidos médios são o reflexo de uma variedade muito grande de decisões individuais de fixação dos preços (v., por exemplo, anexo B.10) e estas decisões devem poder ser identificadas com suficiente certeza para permitir uma coordenação significativa dos preços líquidos.
119 A Comissão detectou efectivamente alguns elementos indicando que os preços de catálogo (isto é, os PPV) podiam ser utilizados como base de um alinhamento. Em cada um dos cinco grandes Estados‑Membros, a maior parte da vendas totais de cada grande casa discográfica (mais de 55%, e mesmo 85% num dos países) foi realizada utilizando 5 PPV e mesmo apenas 1 a 3 PPV para a metade, ou mais, das 100 melhores vendas de álbuns CD simples em 2003 (com excepção da Espanha). Além disso, os PPV são relativamente transparentes, dado que figuram nos catálogos das empresas principais (considerandos 76, 83, 90, 97 e 104 da decisão).
120 Todavia, a Comissão constatou dois tipos de obstáculos à utilização dos PPV como pontos de referência para uma coordenação tácita dos preços líquidos e como meio de controlo da observância desta coordenação – sendo um devido ao grau de complexidade inerente aos próprios PPV, e o outro à complexidade e à opacidade das ligações entre os preços de catálogo e os preços líquidos.
Complexidade dos PPV
121 No que se refere aos PPV, os álbuns CD não constituem um produto perfeitamente homogéneo em razão da sua diferença de conteúdo (considerando 110 da decisão). Embora um «continuum de substituibilidade» permita, pelo menos, que se considere que os álbuns de um mesmo género pertencem a um só mercado de produtos (considerandos 9 a 13 e 110 da decisão), os álbuns CD não deixam de ser produtos heterogéneos diferenciados. Em consequência, mesmo que a tarificação e a comercialização dos álbuns CD sejam relativamente estandardizadas ao nível da venda por grosso (os elementos de estandardização da fixação dos preços por grosso são: as três grandes categorias de preços, a série estandardizada de PPV de cada grande casa discográfica e o facto de os descontos habituais fixados anualmente para cada cliente e de as taxas de devolução acordadas para os não vendidos serem geralmente determinadas em função de um número limitado de parâmetros), os álbuns individuais têm graus diferentes de êxito antecipado ou real, o que influi sobre a fixação inicial do PPV quando do lançamento do álbum e sobre as suas evoluções ulteriores.
122 Acresce que, devido à imprevisibilidade do êxito, cada grande casa discográfica que queira ter absoluta certeza de que a coordenação dos preços líquidos estava a ser globalmente respeitada pelas outras grandes casas é obrigada a vigiar os PPV de mais de 80 álbuns produzidos pelos seus concorrentes em cada ano num dado país (ou de mais de 60 álbuns desse tipo por ano após a operação de concentração, na medida em que os 20 álbuns mais vendidos de cada grande casa discográfica representam pelo menos 30% das suas vendas totais, e mais de 50% em numerosos casos) (considerando 111 da decisão). Uma casa que pretenda ter uma visão mais completa do mercado será confrontada com um forte aumento da actividade de acompanhamento, pois os 100 álbuns mais vendidos cada ano por cada grande casa abrangem normalmente entre 70 e 80% das suas vendas totais de música (considerando 71 da decisão) e este estudo exaustivo implica o acompanhamento de cerca de 400 álbuns. As partes na concentração apresentaram elementos de prova demonstrando que as combinações de PPV correspondentes aos seus melhores 20 álbuns CD simples mudavam frequentemente numa forte proporção de um trimestre para outro (v. anexo B.3). Embora os hit‑parades semanais facilitem esse acompanhamento colocando à frente os títulos que passam a «grandes êxitos» (considerando 112 de decisão), não eliminam o problema.
123 No que se refere à afirmação contida na decisão de que «determinados elementos [indicavam] que os PPV podem ter sido utilizados como base para alinhar os preços das grandes casas discográficas», a Comissão sublinha que não se trata de uma constatação definitiva. Embora a Comissão tenha verificado que a vigilância dos preços de catálogo parecia possível, as variações na utilização de diferentes PPV que constam do anexo B.3 da resposta mostram que essa vigilância, associada a esforços para descobrir as práticas em matéria de descontos, é, no mínimo, grande consumidora de recursos.
Alinhamento e complexidade dos descontos
124 Nos cinco grandes Estados‑Membros, a Comissão constatou uma ligação estreita entre a evolução dos preços médios brutos e dos preços médios líquidos reais da Sony e da BMG durante um período de seis anos, com uma grande estabilidade do coeficiente preços líquidos/preços brutos, no tempo e incluídos todos os álbuns (considerandos 77, 84, 91, 98 e 105 da decisão). Contudo, a ligação estável que existe entre os preços brutos e os preços médios líquidos (isto é, o desconto médio) de cada uma das partes na concentração, incluídos todos os álbuns, num dado país, nivela inevitavelmente os efeitos dos diferentes tipos de descontos na factura (habituais e promocionais), das diferenças entre os descontos na factura (habituais e promocionais) concedidos aos diferentes clientes, e das diferenças entre os descontos na factura (essencialmente promocionais) concedidos para álbuns individuais. A conclusão relativa à estabilidade do coeficiente dos preços médios líquidos e brutos deve igualmente ser matizada pelas limitações metodológicas da análise. A Comissão precisa, neste contexto, por um lado, que só foram tidos em conta os dados da Sony e da BMG porque as outras empresas principais indicaram que só facturavam preços líquidos e, por outro lado, que para resolver o problema ligado ao facto de um dado álbum poder ter vários PPV no decurso de um ano, as partes na concentração atribuíram um preço bruto único a cada álbum, correspondente ao PPV a que o álbum se vendeu mais durante o ano em questão (as vendas brutas por álbum foram portanto calculadas simplesmente multiplicando o PPV pelo número de álbuns vendidos). O preço bruto registado por cada álbum e utilizado para calcular o preço bruto médio de cada grande casa constitui, portanto, uma aproximação.
125 Acresce que um coeficiente estável entre os preços brutos médios e os preços líquidos médios não basta para demonstrar a existência de uma coordenação passada ou de uma coordenação futura provável, na falta de um mecanismo demonstrável que permita às empresas principais controlar o aparecimento dessa relação entre preços brutos e preços líquidos a partir de uma multitude de decisões individuais de fixação dos preços. A Comissão não descobriu provas suficientes da existência de tal mecanismo.
126 A Comissão constatou antes de mais que os descontos na factura (descontos habituais e promocionais) da Sony e da BMG na concentração eram de longe os descontos mais importantes em cada um dos Estados‑Membros (com excepção da França no caso da BMG). Os níveis gerais dos descontos na factura praticados por cada uma das partes na concentração variavam em certa medida quando se exprimiam na proporção das suas vendas brutas totais aos seus 20 melhores clientes nestes Estados‑Membros (a diferença entre estes níveis era de [confidencial] pontos de percentagem das suas respectivas vendas brutas totais em Itália, de [confidencial] pontos de percentagem no Reino Unido e em Espanha, de [confidencial] pontos de percentagem na Alemanha e de [confidencial] pontos de percentagem em França).
127 Além disso, a Comissão não descobriu provas que indicassem que os descontos na factura estavam suficientemente alinhados entre as partes na concentração de um cliente para outro e que permitissem concluir que existia coordenação e transparência. Os considerandos 79, 86, 93, 100 e 107 da decisão referem diferenças entre os descontos na factura totais das duas partes na concentração ao nível dos clientes individuais, expressos em proporção das vendas em bruto a cada um destes clientes. A Comissão verificou que os descontos na factura médios concedidos por cada um das partes na concentração a cada um dos seus dez melhores clientes comuns nos grandes Estados‑Membros, com excepção da França, relativamente ao período de 2001 a 2003, variam de 2 a 5% (Reino Unido, Alemanha, Espanha) ou de 1 a 3% (Itália). No Reino Unido, na Alemanha e na Espanha, os descontos anuais médios das duas partes na concentração a alguns dos seus clientes importantes conheceram, em determinados anos, uma variação de mais de 5% das suas vendas em bruto a estes clientes. Em França (considerando 86 da decisão), os descontos na factura médios concedidos pelas partes na concentração a cada um dos seus quinze melhores clientes comuns conheceram variações mais acentuadas, chegando a atingir 10%. Dada a importância dos descontos retrospectivos e dos «descontos contratuais» da BMG em França, a Comissão examinou também os descontos totais. Constatou entre as partes na concentração diferenças que chegaram a atingir 3% em 2003 nesse grupo de clientes e cerca de 5% relativamente a três de entre eles. No conjunto dos grandes Estados‑Membros, estas flutuações eram essencialmente atribuíveis aos descontos promocionais.
128 A Comissão tomou igualmente em conta (considerandos 79, 86, 93, 100 e 107 da decisão) informações provenientes de todos os grandes Estados‑Membros e que indicavam que os descontos concedidos pelas duas partes na concentração conheciam três tipos de variações (estas conclusões baseiam‑se nos dados constantes dos anexos B.4 e B.14):
– para um dado cliente, os descontos variavam no tempo;
– para um dado cliente, os descontos, variavam de um álbum para outro;
– para um dado álbum, os descontos variavam de um cliente para outro.
129 Embora o anexo B.4, composto de gráficos anexos à comunicação de acusações, que reproduzem os descontos na factura médios concedidos pelas partes na concentração a cada um dos seus dez melhores retalhistas comuns (isto é, relativamente a cada ano, os descontos na factura totais concedidos a um dado cliente, divididos pelo total das vendas em bruto a esse cliente) no Reino Unido, na Alemanha, na Itália e na Espanha, entre 2000 e 2003, mostrasse a estabilidade global dos descontos no tempo (n.° 88 da comunicação de acusações), as partes na concentração alegaram todavia, com base nos mesmos gráficos, que os tratamentos respectivos de determinados clientes no Reino Unido, na Alemanha e na Espanha comportavam notáveis diferenças (v. anexo B.5, resposta à comunicação de acusações, n.° 4.21).
130 No que se refere à observação da recorrente segundo a qual «está longe de ser claro que as diferenças entre os descontos obtidos pelos dez maiores clientes sejam mais a expressão de diferenças de tratamento do que diferenças nos resultados relativos às carteiras de cada uma das partes na concentração», a Comissão observa que, embora esteja longe de ser claro, mesmo para um observador com acesso à totalidade dos dados, é difícil imaginar como as empresas principais, em condições de coordenação tácita e de informação bastante imperfeita sobre o mercado, poderiam eliminar as «interferências» causadas pela composição da carteira a fim de ter uma ideia exacta da prática ou da política subjacente em matéria de descontos.
131 O anexo B.6 da resposta, que reproduz elementos de prova fornecidos pelas partes na concentração, que abrangem um período de cinco anos, mostra as variações, em cada um dos cinco grandes Estados‑Membros, num leque por vezes muito amplo, dos descontos na factura concedidos por cada parte na concentração aos seus dez melhores clientes para os seus 20 melhores álbuns CD simples no decurso de um dado ano, os quais representam uma parte importante do volume de negócios global das empresas principais, de modo que um tratamento visível e equivalente ao nível dos PPV e dos descontos constitui um dos elementos essenciais de uma eventual coordenação dos preços líquidos. Cada quadro destina‑se a mostrar, relativamente a uma dada casa discográfica num dado país, ao mesmo tempo, que alguns clientes beneficiaram de descontos muito diferentes durante um dado ano ou durante um certo número de anos para esses álbuns melhor vendidos e que existem diferenças acentuadas entre os descontos mais elevados e/ou os mais baixos concedidos a diferentes clientes durante um dado ano, e isto mesmo para clientes pertencentes à mesma categoria (por exemplo, os grossistas, os retalhistas especializados, os supermercados).
132 Além disso, a comparação dos quadros do referido anexo relativos à Sony e à BMG e respeitantes a qualquer país permite concluir que os descontos concedidos por cada uma delas a qualquer cliente em relação a qualquer ano variaram com frequência consideravelmente, no que diz respeito tanto aos montantes de desconto mais elevados e aos mais baixos, como à variação entre estes dois números.
133 A Comissão duvida da pertinência da conclusão da recorrente segundo a qual os quadros revelam «regularidades interessantes» e observa que nenhuma «regularidade» deste tipo diminui a importância da variação dos descontos enquanto prova da complexidade e da opacidade da fixação dos preços líquidos.
134 O anexo B.8, que apresenta uma discriminação por faixas dos descontos concedidos pelas partes na concentração aos 20 melhores álbuns CD de cada uma entre 1998 e 2003 nos cinco grandes Estados‑Membros, permitiu à Comissão verificar qual era a proporção das vendas dos seus 20 melhores álbuns CD simples relativamente a todos os clientes, que cada uma das duas empresas principais tinha efectuado com um dado desconto (expresso em faixas estreitas de 2,5%) em relação ao preço de catálogo dos álbuns em causa. Mais geralmente, a coluna vertical correspondente nestes quadros a cada ano mostra que, sejam quis forem o ano ou o país, nenhuma destas duas empresas principais seguiu qualquer prática uniforme em matéria de descontos, mesmo relativamente a esta selecção limitada dos seus álbuns mais vendidos. As linhas horizontais, relativas às diferentes faixas estreitas de descontos, mostram igualmente que as práticas de cada uma das partes na concentração em matéria de descontos variaram no tempo, de um ano para outro.
135 Além disso, um dos anexos à resposta (anexo B.9) mostra que a repartição dos descontos concedidos pela Sony e pela BMG para os seus 20 melhores álbuns em 2003 era sensivelmente diferente.
136 A observação da recorrente segundo a qual as diferenças nas gamas de descontos não excluem que os descontos sejam baseados num conjunto conhecido de regras assenta na presunção errada de que basta que um conjunto de regras seja conhecido para que todas as empresas principais tenham a certeza que essas regras são respeitadas.
137 A Comissão observa que a análise da correlação feita pela recorrente no anexo D.3 diz respeito aos descontos de uma só parte no tempo e não ao alinhamento entre as partes na concentração. Além disso, mesmo que esta análise mostrasse que as estruturas de descontos de cada parte na concentração eram relativamente estáveis no tempo, apesar das alterações na composição das actividades, isso confirmaria de facto o argumento da Comissão segundo o qual os valores dos preços líquidos médios podem ocultar flutuações consideráveis ao nível dos álbuns ou dos clientes. Finalmente, contrariamente ao que sustenta a recorrente, os leques estreitos de desconto (de 2,5%) nos gráficos reduzem de facto a sensibilidade da análise às pequenas alterações nos descontos.
138 Por outro lado, a Comissão considera que as observações da recorrente sobre determinados gráficos, segundo as quais estes mostram pelo contrário uma estabilidade dos descontos ou um factor de correlação elevado entre as partes na concentração, são infundadas.
139 O anexo B.10, que apresenta, relativamente aos cinco grandes Estados‑Membros, a repartição dos preços líquidos entre os cinco principais clientes de cada uma das duas partes na concentração, mostra que:
– a repartição dos preços líquidos varia fortemente entre as duas empresas principais, tanto em geral como em relação a clientes específicos;
– a maneira como as compras de diferentes clientes a uma dada casa se repartem entre diferentes faixas de preços líquidos é muito variável. Esta observação é válida mesmo para os clientes pertencentes a uma mesma categoria (como os grossistas, os retalhistas especializados, os supermercados) na medida em que mais de um cliente de uma dada categoria figura no quadro.
140 A Comissão está de acordo com a recorrente em que as variações na distribuição dos preços líquidos pagos por clientes importantes às diferentes empresas principais podem ser atribuíveis às diferenças nos seus hábitos de compra e no sortido de produtos da casa discográfica. Todavia, estão longe de ser destituídas de pertinência. Com efeito, mesmo que uma grande casa discográfica tivesse a possibilidade de descobrir os diferentes preços líquidos pagos por diferentes álbuns de outra grande casa discográfica por um cliente comum (o que, segundo as provas disponíveis, não parece provável), não poderia dizer se esses preços são a expressão da adesão às regras necessariamente complexas mencionadas pela recorrente ou de um desvio relativamente a essas regras sem dispor, pelo menos, de informações muito mais numerosas a respeito dos álbuns a que esses preços se referem.
141 Além disso, se o sortido de produtos e os graus de êxito variáveis explicassem a totalidade ou a maior parte das variações ponderadas da distribuição de preços que figuram nesse anexo, isso mostraria igualmente a futilidade de qualquer tentativa de coordenação baseada no conjunto dos preços médios líquidos, conforme mencionado pela recorrente.
142 A Comissão contesta a pertinência dos elementos adiantados pela recorrente para demonstrar que os documentos anexos à resposta não provam uma importante variação dos preços.
143 Além disso, a Comissão dispõe igualmente de elementos de prova, respeitantes aos PPV da categoria dos preços fortes (v. anexo B.11), que indicam que alguns clientes muito importantes de uma das duas partes na concentração tinham pago cada um a esta casa discográfica, no decurso de um ano (2003), preços líquidos diferentes (dito de outra forma, tinham beneficiado de descontos diferentes) por álbuns com o mesmo PPV. A variação entre o preço líquido mais elevado e o preço líquido mais baixo pago por álbuns de um PPV preciso é frequentemente considerável.
144 Resulta dos elementos de prova apresentados pela BMG (v. anexo B.12) no que diz respeito à parte do desconto médio total concedido a cada um dos seus dez melhores clientes que, num país (país F), os descontos promocionais médios por cliente flutuavam entre cerca de 8,5% e 13%, excedendo amplamente os descontos habituais médios (que variavam de 3 a 10%) para a quase totalidade dos clientes, enquanto noutro país (país C) o desconto promocional médio (flutuando entre 2 e 5%) representava cerca de metade, ou até mais, do desconto mais elevado globalmente aplicável, isto é, excluindo o desconto por grosso específico. Nos três outros países (países B, D e A), o nível dos descontos promocionais médios conheceu variações acentuadas de um cliente para outro, flutuando respectivamente entre 0,5 e 12,5%; 0,5 e 13%; cerca de 2,5% e 14,5%. Nos três países, os descontos promocionais médios ultrapassaram os descontos habituais médios para um dos melhores clientes, ao passo que foram muito menos importantes para outros.
145 Contrariamente ao que afirma a recorrente, a circunstância de cada um destes anexos mostrar diferenças apenas nos preços líquidos ou nos descontos de um dos notificantes não significa que os anexos sejam destituídos de pertinência. O facto de os descontos de uma única grande casa discográfica variarem em função dos clientes (incluindo clientes do mesmo tipo, que é suposto interessarem‑se por elementos semelhantes do seu sortido de produtos) indica com efeito que, mesmo que um concorrente viesse a ter conhecimento dos descontos concedidos por esta grande casa discográfica a um cliente, este conhecimento não pode ser extrapolado às práticas gerais da referida casa discográfica em matéria de descontos. Além disso, as modalidades de exercício de uma coordenação que abranja tanto clientes individuais como tipos de clientes são demasiado complexas.
146 A Comissão obteve igualmente «declarações de testemunhas» indicando que, relativamente à mesma casa discográfica, são concedidos descontos promocionais tanto para os álbuns de apresentação como para o catálogo dos títulos (anexo B.2).
147 Isto é confirmado pelo anexo B.13, composto por gráficos apresentados pelas partes na concentração que indicam, relativamente a cada um dos cinco grandes países, os descontos na factura concedidos por cada uma delas aos seus melhores clientes comuns para os seus álbuns mais vendidos em 2002, com PPV da categoria preço forte muito semelhantes. Recordando que, para qualquer casa discográfica e qualquer cliente, o desconto habitual deverá ser estável para todos os álbuns num dado ano, a Comissão infere daí que a variação dos descontos na factura concedidos por uma grande casa discográfica a um dado cliente para diversos álbuns do mesmo PPV deve ser atribuível a descontos promocionais concedidos num dado momento aos álbuns de apresentação em questão. Os gráficos revelam essas variações nas práticas de facturação de cada casa discográfica notificante, pelo menos em relação a determinados clientes, em todos os países em causa.
148 A Comissão sublinha que a recorrente a critica por não ter examinado «determinados princípios simples que diferenciam álbuns de um mesmo preço de referência e que poderiam explicar as diferenças no nível dos descontos promocionais» mas, para descrever estes últimos, enuncia seis critérios que, como são em princípio compatíveis entre si, causam um forte aumento do número de combinações de regras potencialmente aplicáveis unicamente aos descontos promocionais. Além disso, a recorrente não faz qualquer tentativa de quantificação, o qual é, porém, essencial caso as modalidades de exercício da coordenação a respeito dos preços da coordenação devam permitir prever com uma exactidão razoável o nível de desconto para um dado título durante uma dada campanha promocional – e, evidentemente, determinar se os descontos efectivos são conformes àquelas regras ou se afastam dos princípios comuns de fixação dos preços.
149 A variação dos descontos promocionais resulta de um certo número de exemplos: diversos tipos de clientes beneficiaram de diferentes níveis de desconto para álbuns pertencentes a um mesmo género musical; diversos clientes beneficiaram de descontos diferentes para o mesmo álbum; um mesmo cliente beneficiou de descontos diferentes para álbuns diferentes; um mesmo cliente beneficiou de descontos limitados no tempo para um álbum preciso.
150 Finalmente, a conclusão geral da Comissão constatando uma «certa variação do nível dos descontos praticados pelas grandes casas» nos grandes mercados (considerandos 78, 85, 92, 99 e 106 da decisão) é igualmente corroborada por elementos de prova de ordem económica respeitantes aos descontos das cinco empresas principais. Com base nas informações obtidas pela Comissão junto destas cinco empresas principais a respeito dos seus descontos na factura praticados em 2003, os peritos económicos das partes na concentração, no estudo RBB, concluíram o seguinte:
«Comparamos igualmente a repartição dos descontos na factura concedidos pelas partes A, B, C, D e E nos cinco principais países em 2003. A análise põe em destaque diferenças significativas na repartição dos descontos deste tipo concedidos pelas empresas principais. Isto confirma que as suas políticas de tarificação não estão actualmente alinhadas».
Transparência dos descontos
151 A decisão sublinha que, segundo vários clientes nos grandes Estados‑Membros, as empresas principais tinham um «certo conhecimento» dos descontos habituais (mais estáveis) praticados pelas suas concorrentes (v. notas de rodapé n.os 45, 49, 52, 55 e 57 da decisão). Esta questão foi abundantemente debatida quando da audição organizada pela Comissão. As partes na concentração alegaram que um certo número de respostas afirmativas apenas dizia respeito aos PPV ou não fazia distinção entre os PPV e os descontos. Apenas cinco respostas (provenientes da Bélgica, da França e da Itália) num total de 36 respostas acessíveis provenientes de todos os países indicaram expressamente que existia uma certa transparência dos descontos; o ponto de visto oposto foi expressamente defendido em 11 respostas. Com base nas respostas dos retalhistas, nos «depoimentos de testemunhas» de quadros nacionais da Sony e da BMG (v. os extractos pertinentes no anexo B.2) e na falta de informações sobre os descontos, constatada nos relatórios de acompanhamento dos representantes comerciais que lhe foram apresentados (v. anexo B.15), a Comissão concluiu que embora alguns retalhistas tenham detectado nas empresas principais um certo conhecimento da política de tarificação das outras grandes casas, esse conhecimento podia incidir sobre os PPV, relativamente transparentes, e em certa medida sobre os descontos habituais, negociados anualmente, mas provavelmente não era extensivo aos descontos promocionais, que são negociados caso a caso. As relações entre as empresas principais e uma clientela estável (considerando 112 da decisão) podem permitir obter certas informações sobre os descontos anuais, mas não parecem favorecer a transparência a respeito de campanhas promocionais de curta duração.
152 A Comissão considerou que os descontos promocionais são menos transparentes do que os descontos habituais e que o seu acompanhamento necessita de uma observação cuidada das promoções no mercado retalhista (considerandos 80, 87, 94, 101 e 108 da decisão). Porém, o sistema de relatórios semanais apresentados pelas estruturas de vendas da Sony e da BMG (que incluem observações relativas aos concorrentes) não atinge o grau de transparência exigido no que se refere aos descontos. Nomeadamente, a Comissão não descobriu provas suficientes para demonstrar que o acompanhamento dos preços a retalho ou os contactos com os retalhistas permitiam às empresas principais atenuar a falta de transparência dos descontos, em particular dos descontos promocionais.
153 Os relatórios de acompanhamento do mercado elaborados pelas partes na concentração que figuram no anexo B.15 não contêm o tipo de informações detalhadas sobre os descontos dos concorrentes que permita um acompanhamento eficaz dos preços líquidos pedidos aos diferentes clientes para os álbuns individuais. Além disso, noutros países são muito mais breves ou mesmo inexistentes. Os representantes da BMG, nomeadamente, só apresentam relatórios formais de acompanhamento na França e na Áustria.
154 Embora a Comissão admita que não pode facilmente provar que não existe qualquer mecanismo de fixação dos preços que consista numa série de regras gerais, observa que a recorrente não se deu ao trabalho de fornecer a prova positiva da forma como tal mecanismo de fixação dos preços seria concebido e depois aplicado a inumeráveis contratos individuais, nem como o seu respeito seria assegurado.
155 Aliás, a Comissão declara admirar‑se que a recorrente conteste directamente a necessidade de uma vigilância para estabelecer uma posição dominante colectiva.
156 A conclusão da Comissão relativa à ineficácia do acompanhamento das vendas a retalho assenta igualmente na complexidade e na opacidade da fixação dos preços a retalho. Um estudo apresentado pelas partes na concentração (anexo B.17) mostra que existem fortes variações dos preços a retalho praticados pelos principais retalhistas para álbuns CD comparáveis em cada grande segmento de preços (preços fortes, médios e de baixo orçamento) e que a fixação dos preços a retalho é tão complexa como a dos preços por grosso. Além disso, para um dado álbum desta mesma selecção das cinco melhores vendas, os preços a retalho variam frequentemente tanto no tempo, seja qual for o retalhista, como de maneira mais pronunciada de um retalhista para outro, a qualquer momento.
157 Os elementos de prova (que figuram no anexo B.17, secção 2) mostram que um acompanhamento intensivo, por parte das empresas principais, da evolução dos preços a retalho praticados por cada retalhista para cada álbum importante não permite a uma grande casa discográfica inferir as práticas de fixação dos preços líquidos (PPV diminuído do desconto na factura) das suas principais concorrentes para um dado álbum. Com efeito, os retalhistas não aplicam todos sistematicamente a mesma majoração ao preço por grosso, num dado momento, nem a todas as categorias de álbuns, nem mesmo a todos os álbuns da categoria mais limitada dos preços fortes (quadro 2.1).
158 Finalmente, a Comissão não constatou qualquer relação demonstrável entre os preços a retalho e os descontos na factura concedidos para álbuns do mesmo PPV. Pelo contrário, o estudo apresentado pelas partes na concentração tende a demonstrar que, para os álbuns da categoria preço forte como para os outros álbuns, as variações do preço a retalho de um dado álbum num dado momento em diversos pontos de venda a retalho não tinham qualquer relação precisa com os descontos na factura concedidos a esses retalhistas para esse álbum (quadro 3.1).
159 Face a práticas de fixação dos preços a retalho tão variadas e imprevisíveis, uma grande casa discográfica não pode concluir com toda a certeza que um dado retalhista aplica aos álbuns equivalentes das outras grandes casas o mesmo nível ou esquema de majoração que aos seus próprios álbuns, e não pode ter uma ideia fiável dos preços líquidos dos concorrentes, nem para um dado álbum nem globalmente, com base no coeficiente preço a retalho/preço por grosso aplicado por um dado retalhista aos seus próprios álbuns, considerados individualmente ou globalmente.
160 A Comissão sublinha que a afirmação da recorrente segundo a qual «seria surpreendente que não existisse qualquer relação bem definida e sistemática entre os preços a retalho médios dos álbuns de uma categoria determinada, vendidos a um retalhista determinado, e os seus preços por grosso efectivos, numa gama suficientemente alargada de títulos e com uma duração razoável» não está acompanhada de qualquer prova em seu apoio. Um grau suficientemente elevado de agregação sobre os álbuns e no tempo destina‑se a dissimular a variação ao nível dos títulos individuais – frequentemente com níveis de venda importantes – nos quais uma coordenação tácita respeitante aos preços se deveria inevitavelmente interessar. Uma grande casa discográfica não pode determinar de maneira fiável a partir da relação preço a retalho/preço por grosso dos seus próprios álbuns – que, conforme a recorrente sublinha ao longo das suas observações, representam a qualquer momento um sortido de produtos específico – se esta relação for igualmente válida para as outras empresas principais.
161 A Comissão alega que as críticas feitas pela recorrente ao estudo RBB e à alegada omissão de a Comissão submeter esse estudo aos operadores do mercado são limitadas a um certo número de afirmações não fundamentadas.
Ligações estruturais
162 No que se refere às compilações, as partes na concentração demonstram que os parceiros de uma empresa comum apenas recebem um valor médio de desconto (não discriminado por tipo de desconto ou por cliente) sobre as vendas do álbum de compilação em causa. Tendo em conta as variações dos descontos, consoante os álbuns e os clientes, observadas na prática e no tempo, a importância dos descontos promocionais e as diferenças prováveis de descontos promocionais entre as compilações e os álbuns simples, as compilações não poderiam garantir a transparência necessária e, portanto, não são pertinentes para efeitos da sua análise.
163 Da mesma forma, os acordos de distribuição ou de licença raramente agrupam mais de duas empresas principais e, portanto, não constituem um vector apropriado para a troca multilateral das informações muito complexas sobre as práticas de fixação dos preços líquidos de todas as empresas principais que seriam necessárias para uma coordenação tácita sobre essa base. Finalmente, como as negociações sobre as taxas em matéria de edição musical são colectivas e têm lugar entre as associações nacionais de casas discográficas (grandes casas e casas independentes) e as sociedades nacionais de gestão colectiva (que representam os editores e os autores) e não tratam da fixação dos preços da música gravada, a Comissão concluiu que não eram pertinentes para efeitos da análise da transparência.
Medidas de retaliação
164 Resulta dos considerandos 114 e 118 da decisão que a Comissão não tentou apurar a existência de eventuais mecanismos credíveis de retaliação (detectou um certo número de mecanismos potencialmente credíveis), mas em vez de determinar sobretudo se o paralelismo e a estabilidade dos descontos observados a determinados níveis de análise muito gerais eram ou não atribuíveis a uma coordenação tácita, apesar da complexidade das decisões individuais de fixação dos preços líquidos, da dispersão dos preços líquidos individuais em várias dimensões e da aparente falta de transparência suficiente. Provas manifestas de medidas de retaliação aplicadas pelas outras empresas principais em reacção a um «desvio» em relação aos níveis habituais dos preços líquidos médios ou dos descontos na factura médios poderiam ter constituído um indício (embora com toda a evidência não determinante) da existência de coordenação. A falta de provas de medidas de retaliação, sob a forma de um recurso generalizado a um aumento da concorrência ao nível dos preços ou das compilações, da música em linha ou da edição musical, pode ser considerada um indício «negativo» de que o grau de alinhamento observado a nível global não era fruto de uma coordenação tácita.
165 Quanto à questão mais geral de saber se existem mecanismos de retaliação suficientemente credíveis para assegurar uma coordenação durável no mercado da música gravada, a Comissão considerou manifestamente a eventual exclusão da empresa desviante dos álbuns de compilação ou a recusa de participar nas suas próprias compilações (para além do regresso a uma concorrência através dos preços) como o método potencial mais digno de interesse. Os elementos expostos pela Comissão nos considerandos 116 e 117 da decisão não são concludentes. Por um lado, as empresas principais dispõem efectivamente de uma rede de empresas comuns de compilação (considerando 116 da decisão) e estes álbuns representam uma parte importante do mercado da música gravada (entre 15 e 20%) e realizam na maior parte vendas elevadas (considerando 115 da decisão). Por outro lado, a mistura de artistas pertencentes a diferentes casas discográficas parece ser um factor chave deste êxito (considerando 115 da decisão), pois as compilações fazem intervir duas ou três empresas principais que são de longe as melhor vendidas (considerando 116 da decisão). Manifestamente, o recurso a este mecanismo de retaliação pode implicar o sacrifício dos benefícios suplementares susceptíveis de ser gerados por uma compilação que associe os artistas da empresa desviante. Tendo em conta esta mistura de elementos incitadores e dissuasivos, e na falta de elementos de prova que indiquem que medidas de retaliação desta natureza foram aplicadas ou foram utilizadas como ameaça no passado, a Comissão não pôde concluir que um mecanismo susceptível de «representar em geral meios de retaliação credíveis por parte da empresas principais» era ou seria suficientemente credível para assegurar uma coordenação passada ou futura.
c) Outros Estados‑Membros
166 Nos outros Estados‑Membros mais pequenos, a maior parte das vendas totais de cada grande casa (entre 50 a 60% e 90 e 90 a 100%) foi realizada utilizando cinco PPV e (com excepção da Áustria) dois PPV de cada grande casa representaram entre 30 a 40% e 60 a 70% das vendas totais de CD de cada grande casa discográfica em 2003.
167 Por outro lado, os descontos na factura apresentam variações importantes de um cliente para outro relativamente a cada uma das partes na concentração. A variação mais pequena entre os descontos médios mais elevados e os mais baixos concedidos por uma das partes na concentração aos seus dez melhores clientes (os cinco melhores na Irlanda) era de 5,7%, enquanto a variação entre os descontos médios mais elevados e os mais baixos concedidos a um dos dez melhores clientes não era inferior a 10% em nenhum país, no que se refere às duas partes notificantes.
168 A Comissão observou (considerandos 142 a 158 da decisão) um certo número de semelhanças entre os mercados dos pequenos países e os cinco grandes mercados. Com base nos elementos de prova produzidos relativamente aos pequenos países, é impossível demonstrar a existência de uma verdadeira coordenação tácita das empresas principais nesses mercados.
2. Apresentação incorrecta da decisão na petição
169 A Comissão recorda, a título preliminar, que a comunicação de acusações é apenas um acto preparatório com carácter provisório (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, International Business Machines/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639) e que não está especificamente obrigada a indicar por que razão se afasta do seu ponto de vista provisório. Não basta que a recorrente observe que as características do mercado não se alteraram durante o período que separa a comunicação de acusações da adopção da decisão. Embora isso possa ser em grande parte exacto sob um ângulo objectivo, não o é certamente no que diz respeito ao alcance do conhecimento e da compreensão que a Comissão tem do mercado. Para decidir a sua posição final, a Comissão tomou devidamente em consideração as observações detalhadas apresentadas pelas partes na concentração em resposta à comunicação de acusações.
170 A Comissão observa que, sobre vários pontos, a recorrente dá uma visão deformada da decisão.
171 Antes de mais, a decisão não refere que as empresas principais apresentam «todas as características de um grupo dominante».
172 Depois, a decisão não afirma que as empresas principais tinham possibilidade de manter os preços elevados. O considerando 56 da decisão indica antes que os preços diminuíram, mas de maneira menos acentuada do que as partes na concentração pretenderam, e o considerando 58 da decisão diz apenas respeito ao nível, entendido como elevado, dos preços dos CD.
173 Finalmente, a Comissão não declarou na decisão que o mercado apresenta todas as características propícias a uma coordenação tácita. Nomeadamente, não se afirma na decisão que existiu efectivamente coordenação, mas, quando muito, que a Comissão tinha descoberto alguns indícios de coordenação (considerando 109 da decisão). Se bem que a Comissão sublinhe, nos considerandos 112 e 113 da decisão, uma certa estabilidade da clientela e a existência de um controlo, não considera esse controlo suficiente para suprir a falta de transparência dos descontos, nomeadamente dos descontos promocionais.
3. Quanto à primeira parte
a) Quanto à violação do dever de fundamentação
174 A Comissão considera útil expor os requisitos gerais do artigo 253.° CE antes de examinar os argumentos específicos desenvolvidos pela recorrente.
175 Em primeiro lugar, a Comissão sublinha que importa distinguir entre uma alegada falta de fundamentação suficientemente clara da adopção de um acto e a indicação de fundamentos que se baseiam em erros de facto, de apreciação ou de direito, uma vez que o segundo caso diz respeito mais a uma questão de fundo do que a uma violação de formalidades essenciais e que não constitui uma violação do artigo 253.° CE (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T‑84/96, Colect., p. II‑2081, n.os 46 e 47, e de 14 de Maio de 1998, Buchmann/Comissão, T‑295/94, Colect., p. II‑813, n.os 44 e 45).
176 Em segundo lugar, a Comissão recorda que, segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição e que a Comissão não tem obrigação de comentar todos os pontos de facto e de direito suscitados par cada interessado durante o procedimento administrativo, mas deve ter em conta o contexto, assim como o conjunto da normas jurídicas que regulam a matéria em questão.
177 Entre os factores contextuais pertinentes figura o grau de conhecimento prévio de considerações ou de factos pertinentes para as pessoas a quem um acto diz respeito, entendendo‑se que é suposto que determinadas pessoas tenham um conhecimento do sector ou que esse conhecimento seja adquirido devido à estreita participação das pessoas em causa no procedimento que conduziu à adopção do acto ou a um procedimento conexo. O imperativo de celeridade no controlo das concentrações tem igualmente sido considerado pertinente para determinar o carácter apropriado da fundamentação.
178 Quando certos factos pertinentes são abrangidos pelo dever de segredo profissional consagrado no artigo 287.° CE, a instituição competente deve não obstante zelar para que o essencial da sua fundamentação seja comunicado às pessoas interessadas.
179 Quando o sentido do texto não se revela à primeira leitura, o artigo 253.° não é todavia violado se um esforço normal de interpretação permitir suprimir as ambiguidades que fundamentação contém.
180 Importa igualmente notar que o Tribunal de Justiça considerou que «a Comissão não está obrigada a explicar eventuais diferenças em relação à sua comunicação de acusações, que constitui um documento preparatório cujas apreciações são de carácter puramente provisório e destinadas a circunscrever o objecto do procedimento administrativo em relação às empresas que são objecto desse procedimento».
181 Finalmente, se uma concentração não altera, ou altera em medida muito limitada, a situação concorrencial de um dado mercado, não se pode exigir à Comissão que apresente uma fundamentação específica sobre esta questão. A Comissão também não viola o seu dever de fundamentação se não incluir na sua decisão uma fundamentação precisa quanto à apreciação de um certo número de aspectos da concentração que lhe pareçam manifestamente despropositados, destituídos de significado ou claramente secundários para a apreciação desta última.
Homogeneidade do produto
182 No que se refere à acusação da recorrente segundo a qual a afirmação relativa à homogeneidade do produto está insuficientemente fundamentada, a Comissão afirma que não declarou que «a heterogeneidade do conteúdo deve ter mais peso que a homogeneidade do formato», tendo concluído simplesmente que os dois aspectos deviam ser tomados em conta. Da mesma forma, a estandardização de numerosos aspectos do processo de fixação dos preços de venda por grosso dos CD (utilizando os PPV mais correntes e os descontos habituais para cada cliente) não é «infirmada», mas antes relativizada, pela menção do papel desempenhado pelo êxito na fixação dos preços dos álbuns individuais. Em resumo, os álbuns CD simples não são comparáveis a barris de petróleo e a possibilidade de considerar vários álbuns CD pertencentes ao mesmo mercado (através de um «continuum de substituibilidade») não os torna perfeitamente homogéneos, do ponto de vista do produto em si mesmo ou do processo de fixação dos preços. O resultado não é uma «série de afirmações contraditórias», mas o reflexo de uma realidade complexa.
Transparência
183 A recorrente não pode afirmar que não compreendeu a decisão impugnada pelo facto de a Comissão não ter fornecido uma definição do que entende por «descontos promocionais», uma vez que é uma associação sectorial, que participou activamente nas discussões quando da audição organizada pela Comissão e se afirma ela própria familiarizada com o funcionamento destes descontos. De qualquer modo, a decisão explica de forma suficiente o que os diferentes tipos de descontos abrangem (considerandos 78, 79, 85, 92, 93, 99, 100, 106, 107 e 113 decisão).
184 Da mesma forma, é erradamente que a recorrente afirma que a análise geral dos países mais pequenos, efectuada pela Comissão nos considerandos 148 e seguintes, tem apenas por objecto os descontos habituais. A Comissão observa simplesmente, no considerando 150 da decisão, que os descontos habituais são os mais importantes em todos os países, mas analisa a seguir a categoria mais extensa dos descontos na factura (que abrange os descontos habituais e os descontos promocionais), tal como já tinha feito país por país nos considerandos 119 a 146. Não existe aí confusão nem incerteza.
185 Na decisão, a Comissão atribui uma grande importância aos descontos promocionais, pois são os preços líquidos que importam para uma coordenação eficaz. Um «certo conhecimento» dos descontos habituais não é suficiente se os descontos promocionais forem responsáveis por uma flutuação dos descontos para certos clientes, no tempo e de um álbum para outro, tão forte como os mencionados nos considerandos 79, 86, 100 e 107 da decisão.
186 A Comissão examinou os descontos das outras empresas principais, mas, uma vez que estes números não podem ser revelados às partes notificantes, não foi possível incluí‑los na decisão. Isto não é aliás necessário, pois as práticas opacas em matéria de descontos de duas empresas principais são suficientes para constituir obstáculo a um acompanhamento eficaz dos preços líquidos por todas as empresas principais. Além disso, as afirmações da recorrente relativas à fixação dos preços que constam do anexo A.17 baseiam‑se na ideia de que todas as casas discográficas estabelecem os preços líquidos da mesma maneira.
Meios de dissuasão
187 Resulta da decisão (nomeadamente do considerando 114) que a Comissão examinou a ameaça de utilização ou a utilização real de eventuais mecanismos de retaliação no passado, enquanto meio complementar para verificar se um certo grau de alinhamento dos preços a um nível global se devia a uma coordenação tácita. Na falta de provas da sua utilização efectiva, a Comissão não pôde adoptar uma posição definitiva a respeito do carácter suficiente dos diversos mecanismos de retaliação mencionados na decisão.
Mecanismos de compensação
188 Dado que as condições para a verificação de uma posição dominante colectiva actual ou futura são cumulativas, a Comissão não teve que formular quaisquer conclusões respeitantes ao poder coercivo dos concorrentes e dos consumidores e, portanto, não teve que apresentar fundamentação a este respeito.
b) Quanto ao erro manifesto de apreciação e ao erro de direito
189 Por entender que se entrelaçam, a Comissão examina conjuntamente os fundamentos de anulação que consistem em erro manifesto de apreciação e em erro de direito.
190 A título preliminar, a Comissão formula duas observações.
191 Por um lado, no que se refere ao argumento segundo o qual, quando a Comissão é chamada a ponderar argumentos contraditórios, não deve atribuir demasiado peso a um destes, a Comissão recorda a margem de discricionariedade de que dispõe quando se trata de proceder a apreciações económicas complexas e alega que a decisão é, todavia, extremamente ponderada nas suas conclusões e que a recorrente não menciona quanto a este ponto, entre os elementos de prova de que a Comissão dispunha, nenhum elemento a que, em sua opinião, tenha sido atribuído demasiado peso ou quase nenhum peso.
192 Por outro lado, no que se refere à afirmação segundo a qual uma decisão que não faz menção de provas de facto suficientemente detalhadas em apoio das suas conclusões está viciada por um erro de apreciação manifesto, a Comissão esclarece que se trata essencialmente de uma questão de fundamentação e sustenta que não tem qualquer obrigação de expor nas suas decisões os pormenores de elementos de prova frequentemente volumosos (e confidenciais) que tomou em consideração. Basta que indique claramente o teor geral dos elementos de prova que examinou e os fundamentos das conclusões que daí extraiu, de modo a permitir aos interessados, e em particular aos que têm um conhecimento do sector e já estiveram estreitamente associados ao procedimento administrativo, forjar a sua própria opinião sobre a legalidade dessas conclusões. No caso em apreço, as diversas apreciações contidas na decisão sobre o funcionamento dos mercados da música gravada são alicerçados por abundantes provas complexas.
Homogeneidade do produto
193 A Comissão sustenta que a recorrente se engana quando afirma que a heterogeneidade do conteúdo não é pertinente devido ao facto de os preços serem fixados com base num número limitado de preços de referência. Com efeito, os preços de referência só dizem respeito aos preços de catálogo dos álbuns, mas não aos descontos na factura. Em particular, os descontos promocionais variam, nomeadamente, de um álbum para outro.
194 A Comissão alega que uma posição dominante colectiva pode ser mais difícil de detectar em mercados caracterizados por uma diferenciação entre os produtos, nomeadamente quando esta diferenciação «acentua as dificuldades de informação em mercados não transparentes» [v. as «Orientações da Comissão para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, C 31, p. 5, n.° 45).
Transparência
195 Previamente ao exame das diferentes afirmações da recorrente, a Comissão considera necessário comentar quatro erros fundamentais contidos na petição, dois erros de carácter jurídico e dois erros de interpretação da decisão.
196 Em primeiro lugar, a recorrente comete um erro conceptual fundamental quando presume que a verificação de um paralelismo importante dos preços líquidos médios das empresas principais ou de uma estabilidade importante dos descontos médios de uma dada casa discográfica constitui uma prova suficiente tanto da coordenação tácita como da transparência necessária para assegurar de forma durável esta coordenação nas condições identificadas. Um certo grau de alinhamento ou de estabilidade a um nível global não pode substituir provas significativas e concordantes da existência de uma transparência suficiente para permitir às empresas em situação de oligopólio controlar mutuamente os seus comportamentos no mercado e, na falta de provas de uma transparência suficiente, não se pode presumir que cada empresa em situação de oligopólio decidiu o seu comportamento no mercado tendo um conhecimento suficientemente preciso do comportamento dos concorrentes.
197 Em segundo lugar, a recorrente comete um erro jurídico fundamental quando critica a Comissão por se ter baseado em elementos de prova respeitantes aos descontos sem todavia verificar que os descontos praticados conduziram a reduções de preços significativas, e quando afirma que a concorrência no que respeita aos descontos é na realidade inteiramente marginal. Esta afirmação não encontra qualquer fundamento nos factos: os descontos na factura médios das partes na concentração representam, pelo contrário, uma proporção muito importante das suas vendas médias em bruto (considerandos 56, 78, 85, 92, 99, 122, 125, 128, 131, 134, 137, 140, 143 e 146 da decisão) e determinados clientes e álbuns beneficiam de descontos ainda maiores (considerandos 79, 86, 93, 100 e 107 da decisão). Os descontos representam portanto um elemento extremamente importante do processo de formação dos preços e são talvez o meio mais provável e certamente o menos transparente através do qual uma empresa principal pode empreender «uma acção fortemente concorrencial destinada a aumentar a sua parte de mercado (por exemplo, uma redução de preços)». A preocupação da Comissão pela transparência dos descontos não tem directamente por objecto verificar se as empresas principais seguiram no passado uma hipotética linha de acção comum, mas se as empresas em situação de oligopólio teriam elas próprias podido manter duravelmente (ou poderiam manter duravelmente após a concentração) essa linha de acção comum através de vigilância mútua adequada. Não era portanto necessário, segundo a Comissão, demonstrar que uma ou várias empresas principais tinham de facto baixado os seus preços em relação aos das outras através de descontos suplementares importantes.
198 Em terceiro lugar, a recorrente cometeu um erro fundamental de interpretação da decisão ao censurar à Comissão o facto de confundir a «transparência de mercado suficiente» do processo que deu lugar ao acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, com uma exigência de transparência total aplicada na decisão. Com efeito, a decisão menciona constantemente um «grau de transparência suficiente» (considerandos 73, 80, 87, 94, 108 e 120 da decisão). A recorrente ignora, além disso, a natureza do estudo conduzido pela Comissão sobre o sistema de fixação dos preços. A Comissão examinou os elementos do preço líquido de um álbum individual vendido a um cliente individual (PPV, desconto habitual, eventual desconto promocional) e concluiu que é necessário um grau de transparência suficiente de todos os elementos para que uma grande casa discográfica possa ter razoavelmente a certeza de que conhece as verdadeiras práticas de fixação dos preços líquidos de outra casa discográfica, tais como se exprimem ao nível dos clientes e dos álbuns. A Comissão alega que não podia chegar a tal conclusão perante provas de uma relativa transparência dos PPV, algumas provas de uma certa transparência dos descontos habituais e provas sólidas do carácter opaco e complexo dos descontos promocionais.
199 Em quarto lugar, a recorrente cometeu ainda um erro fundamental de interpretação, ao afirmar que a Comissão afirmou que os PPV e os preços líquidos médios conheciam uma evolução paralela. Esta afirmação é falsa. A Comissão afirmou que, em cada um dos grandes mercados, os preços médios reais brutos e os preços médios reais líquidos das partes notificantes conheceram uma evolução paralela (considerandos 77, 84, 91, 98 e 105 da decisão), mas não que os descontos médios eram idênticos no que refere às duas partes na concentração (considerandos 78, 85, 92 e 99 da decisão e observações relativas ao anexo B.6). A Comissão sublinha que os descontos variam em função dos clientes e dos álbuns, e no tempo (considerandos 79, 86, 93, 100 e 107 da decisão e comentários aos elementos de prova subjacentes). Os elementos de prova em questão não mostram que um dado PPV será sistematicamente diminuído de um desconto fixo e previsível independentemente destas variáveis (v., nomeadamente, o anexo B.13).
200 A Comissão considera, seguidamente, dever introduzir um certo número de correcções ou clarificações relativamente às afirmações da recorrente:
– as evoluções relativamente semelhantes dos preços das empresas principais situaram‑se num leque que ultrapassava geralmente 10% (v., por exemplo, o anexo B.10);
– o uso de um número limitado de PPV chave é mitigado pela necessidade de vigiar, no mínimo, em cada ano, mais de 80 álbuns de êxito, cujos PPV flutuam;
– os preços de retalho são públicos e, portanto, em princípio observáveis, mas é difícil às empresas principais seguir as evoluções constantes de um retalhista para outro e no tempo;
– não existe qualquer prova de que os relatórios das partes na concentração relativos ao acompanhamento de certos mercados contenham informações úteis sobre os preços líquidos dos concorrentes ou sobre as margens dos retalhistas;
– a recorrente não apresentou a mínima prova que sustentasse a sua afirmação de que as margens dos retalhistas são transparentes e conhecidas com um grau elevado de precisão: esta afirmação não fundamentada é contradita pelas provas contidas nos autos (anexo B.17), que mostram que a fixação dos preços de retalho é complexa e imprevisível. A afirmação da Comissão de que se verificou nos preços médios líquidos de uma grande casa discográfica um desvio sensível das políticas de preços através de descontos não tem qualquer relação com esta questão. De facto, é duplamente destituída de pertinência; em primeiro lugar, refere‑se a um fenómeno que, se tivesse existido, a Comissão teria podido observar usado dos seus poderes de investigação, mas de que nenhuma grande casa discográfica, considerada individualmente, teria podido aperceber‑se porque nem os níveis gerais de desconto das empresas principais nem os seus preços médios eram transparentes e, em segundo lugar, a interacção de níveis gerais de desconto e de preços médios líquidos nada diz quanto à existência de uma relação fixa e transparente entre preços de retalho e preços líquidos por grosso;
– existem poucas provas fiáveis indicando que as empresas principais conhecem em pormenor os seus níveis recíprocos de descontos habituais e promocionais, e existem provas consideráveis em sentido contrário, entre as quais a complexidade objectiva dos descontos promocionais, que variam em função dos clientes e dos álbuns, assim como no tempo;
– a Comissão concentrou‑se suficientemente nos descontos praticados pelas partes na concentração para concluir pela inexistência do grau de transparência mútua entre empresas em situação de oligopólio que é necessário para que a coordenação tácita funcione;
– a cooperação entre certas empresas principais no que respeita às compilações e à distribuição não é, de modo nenhum, susceptível de revelar informações suficientes sobre as decisões individuais complexas de todas as empresas principais em matéria de descontos;
– a recorrente não apresenta qualquer elemento que prove a existência de uma importante taxa de transferência de dirigentes entre as empresas principais, ou que esta taxa é superior à de outros sectores concentrados, ou ainda que o conhecimento que um dirigente tem das práticas em matéria de descontos, que são complexas e variam ao nível de álbuns individuais com uma «duração de vida» limitada, quando deixa uma grande casa discográfica, é útil durante muito tempo ou permite de forma durável a coordenação entre todas as empresas principais;
– embora os hit‑parades publicados facilitem a identificação dos álbuns que melhor se vendem, só raramente dão informações sobre os PPV e nunca sobre os descontos;
– não é possível criticar a decisão pela simples razão de que difere da comunicação de acusações.
201 Contrariamente ao que afirma a recorrente, não é «relativamente fácil» estabelecer níveis de desconto e isso é de facto praticamente impossível no que se refere aos descontos promocionais. A afirmação da recorrente de que os descontos promocionais representam entre um quarto e um terço da totalidade dos descontos pode ser admitida a título genérico como base de discussão, mas deve ser matizada em relação a vários aspectos.
202 Em primeiro lugar, o nível global destes descontos varia provavelmente de uma grande casa discográfica para outra, à semelhança do nível dos descontos em geral.
203 Em segundo lugar, os valores médios que figuram nos autos indicam que os descontos promocionais representavam em 1998 uma proporção relativamente mais elevada dos descontos na factura em diversos países; os descontos na factura são os que têm a maior incidência imediata sobre as decisões de compra de certos álbuns pelos clientes.
204 Em terceiro lugar, o valor médio não traduz com exactidão a extraordinária complexidade e a opacidade da repartição dos descontos promocionais em função dos álbuns e dos clientes, assim como no tempo. Embora seja possível que as outras condições de participação em campanhas sejam relativamente estandardizadas e simples, as provas de que a Comissão dispõe contradizem manifestamente qualquer conceito de estandardização ou de simplicidade na negociação semanal do montante e da duração destas campanhas e da elegibilidade de determinados álbuns ou clientes.
205 Em quarto lugar, o próprio facto de os descontos promocionais estarem focalizados para determinados álbuns e determinadas campanhas e de o seu montante ser ajustado para cada retalhista permite provavelmente que estes descontos tenham um efeito superior sobre as vendas dos álbuns em questão.
206 Mais importante ainda é o facto de a recorrente não apresentar provas que demonstrem com certeza que a Comissão cometeu um erro ao considerar que os descontos promocionais revestiam uma grande importância em mercados nos quais os 100 melhores álbuns de cada grande casa discográfica representam a maior parte das suas vendas totais relativamente a um dado ano e um dado país, sendo certo que um bom número destes álbuns não figuravam no hit‑parade.
207 Em contrapartida, a Comissão dispôs de provas (anexo B.13) que indicam que mesmo alguns dos álbuns a preço forte da Sony a da BMG que obtinham mais êxito beneficiavam de descontos promocionais.
208 A Comissão acrescenta que as provas relativas à prática efectiva de descontos promocionais num dado momento só são pertinentes para apreciar o grau efectivo de alinhamento dos preços líquidos (quando, na decisão, considerou que os descontos não estavam geralmente suficientemente alinhados para que se pudesse daí inferir a existência de uma linha de acção comum). Todavia, a transparência destes descontos reveste importância para saber se o sistema de fixação dos preços apresenta uma transparência inerente suficiente para que as empresas principais possam detectar com precisão e em tempo útil se uma delas se afasta de uma linha de acção comum em matéria de preços líquidos dos álbuns, aumentando os descontos promocionais. Pondo de lado os seus comentários infundados sobre a transparência das margens dos retalhistas, a recorrente não apresentou argumentos nem provas concretas sobre este último ponto, de modo que o seu fundamento está de qualquer forma votado ao fracasso.
209 Segundo a Comissão, a afirmação relativa ao grau de transparência dos preços líquidos no mercado da música gravada não se baseava manifestamente na «especulação» ou numa «dúvida não fundada e subjectiva» mas, pelo contrário, numa das provas concretas da forma muito complexa e insuficientemente transparente como os elementos do preço líquido final (PPV, desconto habitual e promocional) são determinados para a venda de um dado álbum, de conteúdo específico, a um dado cliente. Nestas circunstâncias, as provas disponíveis não puderam ser interpretadas como demonstrando com toda a probabilidade a existência de uma transparência suficiente para permitir uma vigilância adequada e em tempo útil da observância de uma linha de acção comum em matéria de preços.
210 No que se refere ao argumento da recorrente segundo o qual um número finito de estruturas e de regras conhecidas e reconhecíveis tornam os preços médios previsíveis, a Comissão recorda que um certo grau de evolução semelhante dos preços líquidos médios dos álbuns é insuficiente para demonstrar a coordenação, na medida em que os preços podem apresentar um alinhamento considerável tanto em contextos concorrenciais como colusórios, porque as empresas reagem a factores externos semelhantes (por exemplo, os preços dos novos inputs comuns) assim como aos seus comportamentos recíprocos no mercado. A Comissão sustenta que a recorrente confunde a identificação das regras de exercício da coordenação («regras conhecidas e reconhecíveis») com os meios de vigiar a observância dessas regras («transparência exigida»), tanto mais que nenhuma grande casa discográfica tem normalmente acesso à totalidade, ou pelo menos aos mais importantes, dos dados de fixação dos preços de todas as grandes casas discográficas em todas as categorias de álbuns e de clientes estudadas que são necessários para o estabelecimento de preços líquidos médios.
211 Além disso, a recorrente, embora reconhecendo que estas regras e estratégias de vendas podem conduzir a preços e a descontos que variam consideravelmente segundo as categorias de discos ou os clientes, não indicou quais são essas regras nem como são determinadas por coordenação tácita para uma tão grande variedade de circunstâncias. Ora, as empresas principais não podem determinar se as variações dos seus preços líquidos médios se devem a um desvio ou a variações do sortido de produtos ou do êxito destes sem dispor em tempo útil de informações detalhadas sobre estas alterações na composição e na sorte das suas ofertas de produtos e a Comissão não descobriu provas suficientes de que aquelas têm acesso a informações tão detalhadas.
212 A recorrente não pode limitar‑se a afirmar que a coordenação se situa de facto ao nível das grandes decisões estratégicas de cada grande casa discográfica a propósito das margens e dos orçamentos gerais de desconto sem indicar qual pode ser o conteúdo dessa decisão ou a forma como estas modalidades de exercício da coordenação podem ser inferidas, ou como pode ser vigiada a sua observância pelas empresas principais. A Comissão não tem qualquer obrigação de investigar argumentos tão vagos e não fundamentados.
213 No que se refere à crítica da recorrente relativa ao método segundo a qual a maior parte dos dados apresentados pela Comissão não foram ponderados em função do volume, a Comissão sublinha que a questão da adequação de um dado método é indissociável da hipótese que este método é suposto confirmar ou infirmar. Ora, embora a compilação de dados ponderados seja efectivamente importante para detectar se existe ou não um alinhamento subjacente entre as grandes casas discográficas, quer geralmente quer para certos tipos de álbuns (por exemplo, os 20 álbuns melhor vendidos), esta ponderação dos dados não é todavia pertinente para o exame da complexidade e dos seus efeitos sobre a transparência. Continua a ser necessário examinar a variabilidade dos preços de título individuais para compreender o nível de complexidade da fixação dos preços e o grau de transparência do mercado.
214 A Comissão recorda que é irrealista imaginar modalidades de exercício da coordenação baseadas nos preços líquidos médios. Observa, todavia, que os números respeitantes ao grau de similitude que se pode observar (na falta de paralelismo) entre os preços líquidos médios das grandes casas discográficas que a Comissão forneceu na decisão eram ponderados em função do volume e que o mesmo se verifica em relação aos gráficos do anexo B.4, baseados nos descontos na factura médios anuais concedidos a diferentes clientes comuns das partes na concentração. Importantes quantidades de outros dados apresentados na resposta, nomeadamente os dos anexos B.8, B.9, B.10 e B.13, são igualmente ponderados em função do volume e, em cada caso, isto decorre da natureza do exercício.
215 Todos os elementos de prova acima mencionados, ponderados em função do volume, são potencialmente pertinentes para determinar se existe ou não um grau elevado de alinhamento das práticas das grandes casas discográficas ou no que diz respeito à questão de saber se a fixação dos preços é ou não complexa, questão que reveste importância para a apreciação da transparência. Neste último contexto, a questão da ponderação em função do volume não é de grande importância. A variabilidade dos preços líquidos ou dos descontos conforme os títulos e os clientes (ainda que do mesmo tipo) e no tempo é importante sejam quais forem as quantidades respectivas vendidas. Assim, os anexos B.6 e B.7 da resposta mostram que, mesmo no que diz respeito aos 20 álbuns mais vendidos de cada parte na concentração, existem importantes variações nos descontos. Se as empresas principais não estão equipadas para uma vigilância suficientemente estreita destas variações, uma empresa principal pode afastar‑se de qualquer modalidade de exercício da coordenação respeitante aos preços líquidos praticando grandes descontos, especialmente descontos promocionais, sem ser detectada. Isto aplica‑se por maioria de razão se é suposto as modalidades de exercício da coordenação serem flexíveis, de modo que é necessário detectar uma prática importante de descontos para além da norma tacitamente acordada para que outras casas discográficas estejam suficientemente seguras de que o seu autor se afastou da norma.
216 No que se refere à análise das correlações efectuada pela recorrente, nomeadamente nos anexos D.2 e D.3, e à crítica implícita à Comissão por não ter submetido os dados a estas verificações, a Comissão recorda que a questão do método não pode ser apreciada de maneira abstracta, sem ter em conta o objecto da investigação, que é saber se existe um grau de alinhamento revelador de coordenação e se existe uma transparência que permita a vigilância do comportamento no mercado.
217 A Comissão observa antes de mais que as partes na concentração apresentaram durante o procedimento administrativo uma quantidade considerável de dados sobre a correlação que mostravam factores de correlação geralmente baixos mas que, todavia, a Comissão tratou estes contributos com grande prudência.
218 Da mesma forma, um certo grau de estabilidade no tempo dos descontos concedidos por uma grande casa discográfica não é em si uma prova de coordenação (v. anexo D.3), dado que, também aí, pode dever‑se em grande parte a factores estáveis, tais como a dimensão do cliente, os tipos de música comprados, etc. Mesmo um grau elevado de previsibilidade estatística não demonstra a existência de uma coordenação por diversas razões: podem ser altamente previsíveis decisões individuais racionais; sem as informações que permitam calcular tais níveis de previsibilidade, isso constitui uma possibilidade intelectual interessante que não tem consequências práticas e, da mesma forma, sem acesso à informação sobre a prática real, não é possível verificar a veracidade da previsão (prosseguimento da concretização de um acordo tácito presumido). Mesmo que as empresas principais estivessem em condições de aplicar tais instrumentos estatísticos às suas práticas recíprocas de fixação dos preços no passado, isso não pode substituir a vigilância do mercado.
219 A Comissão observa que, contrariamente ao que afirma a recorrente, não «rejeitou» os dados utilizados na comunicação de acusações, que eram ponderados em função do volume e à escala do sector, em benefício dos dados das partes na concentração que não eram uma coisa nem outra. Uma grande parte desses dados são citados na decisão (por exemplo, sobre o grau de evolução semelhante dos preços líquidos médios) e alguns estão anexos à resposta (anexo B.4). Em vez disso, a Comissão alterou as suas conclusões provisórias sobre o que podia ser provado através desses dados tendo em conta as informações e argumentos suplementares apresentados pela Sony e pela BMG.
Meios de dissuasão e mecanismos de compensação
220 A Comissão sustenta que, tendo verificado que não estava preenchida uma das três condições cumulativas (a transparência), não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação nem erro de direito ao não tomar posição sobre as outras duas condições.
Análise da linha de acção comum
221 A Comissão alega antes de mais que a acusação da recorrente assenta numa premissa de facto errada, a saber, que a conclusão relativa à transparência diz exclusivamente respeito a «uma única forma de desconto, o desconto promocional». Apesar de os descontos promocionais ocuparem um lugar essencial na análise, esta incidiu mais genericamente sobre o modo de fixação dos preços globalmente muito complexo ao nível do álbum e do cliente, assim como no tempo e, a este título, igualmente sobre os PPV e os descontos habituais.
222 A Comissão sustenta seguidamente que a recorrente comete um erro de direito manifesto na medida em que parece afirmar que, se a Comissão estivesse em condições de provar que seria proveitoso para as empresas principais aderir a uma linha de conduta comum, o défice de transparência seria então menos importante. Esta tese não está conforme com a jurisprudência. Para além de uma transparência suficiente para permitir o funcionamento da vigilância e da dissuasão, a Comissão não tem conhecimento de outros meios – e a recorrente não propõe nenhum – para provar que uma linha de acção anticoncorrencial comum tacitamente definida é proveitosa para um grupo de empresas em situação de oligopólio e, portanto, racional.
223 Embora partes de mercado relativamente estáveis possam criar um contexto favorável à emergência de uma posição dominante colectiva, não bastam contudo para estabelecer uma coordenação tácita efectiva ou provável na falta de provas suficientes de que esta coordenação é racional, em conformidade com as condições económicas cumulativas da posição dominante colectiva, reconhecidas no acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra. A recorrente não fornece provas suplementares da existência de uma linha de acção comum que consiste em evitar as «acções altamente concorrenciais». Assim, nada permite sustentar que a Comissão cometeu um erro de apreciação manifesto ao não detectar essa linha de acção comum por parte das empresas principais.
224 No que se refere à escolha dos consumidores e à diversidade cultural, a Comissão observa antes de mais que, se não está obrigada a expor na decisão final as razões pelas quais se afasta das conclusões provisórias da comunicação de acusações num dado processo, por maioria de razão assim deve ser quando se afasta das conclusões de uma comunicação de acusações emitida quatro anos antes num processo diferente. Refere seguidamente que a recorrente não cita expressamente qualquer argumento de fundo ou elemento de prova que testemunhe um empobrecimento coordenado da criatividade, da qualidade ou da diversidade da escolha musical.
4. Quanto à segunda parte
225 A Comissão considera que os três fundamentos de recurso relativos ao facto de a Comissão não ter concluído que seria reforçada uma posição dominante colectiva através da concentração nada acrescentam aos fundamentos respeitantes à existência prévia dessa posição dominante colectiva. Com efeito, se um destes últimos fundamentos da recorrente procedesse, a decisão seria de qualquer forma anulada, ao passo que se se improcedesse, daí resultaria que a Comissão teria tido razão ao não examinar os alegados efeitos de reforço da concentração.
C – Argumentos das intervenientes
1. Observações preliminares
226 Previamente ao exame dos diferentes fundamentos e argumentos da recorrente, as intervenientes consideram necessário formular quatro observações relativas ao contexto no âmbito do qual foi tomada e deve ser apreciada a decisão e quatro observações gerais sobre o recurso.
227 Em primeiro lugar, a Comissão conduziu uma investigação extraordinariamente aprofundada durante mais de seis meses. Desde o início, as partes na concentração forneceram dados e explicações de grande solidez relativos à indústria musical na Europa e ao impacto da concentração sobre a concorrência, nomeadamente sobre os preços dos CD, a diversidade cultural, a escolha dos consumidores, as oportunidades concorrenciais para as casas discográficas independentes, o desenvolvimento da música em linha ou o risco de coordenação das actividades mantidas pela Sony e pela BMG (v. anexo C.1). Através de diversos questionários, contendo mais de 250 questões, enviados a cerca de 1 240 operadores nos mercados (partes na concentração, outras empresas principais, independentes, retalhistas, autores, editores, artistas, distribuidores em linha), a Comissão procurou e obteve provas e dados muito ricos sobre todas as questões pertinentes. As partes na concentração forneceram mais de 30 milhões de referências de preços e os economistas procederam a uma apreciação detalhada dos preços de venda líquidos médios de cinco empresas principais nos cinco grandes países. Diversos independentes não partilham as inquietações da recorrente, considerando, pelo contrário, que a concentração aumentará as suas oportunidades concorrenciais. Com base em todos estes dados, nos pareceres de dois economistas industriais de grande reputação, das análises detalhadas sobre os preços por grosso e de venda que figuram no estudo RBB e nas explicações detalhadas fornecidas na resposta à comunicação de acusações ou quando da audição (v. anexo C.3), a Comissão foi levada a concluir que as suas preocupações iniciais, em particular quanto ao risco de dominação colectiva, não tinham fundamento.
228 Em segundo lugar, a recorrente está equivocada quanto ao objectivo e ao estatuto jurídico da comunicação de acusações, cuja função principal é permitir às partes na concentração compreenderem as objecções iniciais da Comissão para que possam apresentar contra‑argumentos e provas (artigo 18.°, n.os 1 e 3, do regulamento). Confrontada com provas de erros, a Comissão deve abandonar as acusações que se revelaram infundadas (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123), tal como fez em 14 de 62 processos durante os cinco últimos anos (v. anexo C.5). A acção administrativa da Comissão foi submetida a controlos internos completos, o procedimento administrativo garantiu que todas as partes interessadas pudessem apresentar os argumentos e provas (v. relatório do auditor, anexo B.6) e o comité consultivo votou a favor de uma autorização incondicional (anexo C.7).
229 Em terceiro lugar, todas as autoridades da concorrência através do mundo (Estados Unidos, Austrália, Canadá, República Checa, Hungria, Polónia, Roménia, Rússia, Suíça, México, África do Sul) chegaram à conclusão de que a operação devia ser autorizada incondicionalmente e nenhuma destas decisões foi impugnada. Da mesma forma, nenhuma autoridade nacional da concorrência que examinou anteriormente o mercado da indústria musical na Europa considerou que esta estivesse dependente de uma coordenação tácita (v., nomeadamente, a conclusão do Office of Fair Trading do mês de Setembro de 2002, segundo a qual a dominação colectiva não ficou demonstrada, anexo 4.16, n.° 6.11).
230 Em quarto lugar, a concentração representa uma resposta pró‑concorrencial ao declínio (queda do preços de venda dos CD de 20% em três anos, tele‑carregamento não autorizado de música através da internet, aumento da concorrência de entretenimentos alternativos, como os filmes DVD) e à transformação contínua da indústria musical. A instabilidade da procura e a incerteza quanto aos modelos comerciais futuros tornam a colusão tácita – já improvável devido às características do mercado – ainda mais difícil de realizar ou de manter (acórdão Airtours/Comissão, 45 supra, n.° 139, e n.° 45 das Orientações sobre as concentrações horizontais). Da mesma forma, sendo as condições que regem a indústria muito diferentes do que eram na altura do exame pela Comissão em 2000 da concentração entre a EMI e a Time Warner, as conclusões, por natureza provisórias, da Comissão nesse processo são destituídas de pertinência.
231 Em quinto lugar, a fundamentação de decisão é clara, convincente e sustentada pelo peso abundante das provas subjacentes, sendo certo que a Comissão não está obrigada a expor os fundamentos quanto à apreciação de todos os elementos de direito ou de facto (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2003, Verband der freien Rohrwerke e o./Comissão, T‑374/00, Colect., p. II‑2275, n.os 185 a 187). A petição mostra que a recorrente compreendeu os fundamentos da autorização.
232 Em sexto lugar, as decisões de proibição necessitam algo mais do que um simples equilíbrio das possibilidades, pois, na incerteza quanto à compatibilidade ou não de uma operação, deve primar o interesse das empresas que pretendam realizar a concentração (conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, Colect., p. I‑987, I‑993, n.os 74 a 79).
233 Em sétimo lugar, as intervenientes recordam que, embora o Tribunal de Primeira Instância proceda a um controlo completo das questões de direito e de facto, só exerce um controlo do erro manifesto no que se refere às apreciações complexas do tipo aqui em causa na avaliação da criação ou do reforço de uma posição dominante colectiva (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Abril de 2003, Petrolessence e SG2R/Comissão, T‑342/00, Colect., p. II‑1161, n.° 101). Ora, a recorrente solicitou várias vezes ao Tribunal que substituísse pela sua a apreciação da Comissão, sustentando, por exemplo, que a Comissão atribuía um peso indevido à heterogeneidade do produto e aos descontos.
234 Em oitavo lugar, no que se refere ao teste da posição dominante colectiva, a questão não é a de saber se as empresas são incitadas a agir de maneira colusória, mas antes se têm a possibilidade, atentas as características do mercado, de atingir e manter tacitamente os termos da coordenação (acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, n.° 62). É particularmente importante avaliar se o mercado é suficientemente transparente.
2. Exame dos argumentos da recorrente
a) Quanto aos descontos promocionais
235 As intervenientes alegam que, na medida em que a coordenação dos preços não pode ser conseguida nem mantida sem uma transparência suficiente dos preços por grosso líquidos actuais, a afirmação que os descontos promocionais não são transparentes é em si suficiente para sustentar a decisão.
236 A decisão estabeleceu correctamente o nexo entre, por um lado, a heterogeneidade do conteúdo dos álbuns e, por outro, as grandes variações nos descontos promocionais e a falta de transparência que daí decorre relativamente aos preços por grosso líquidos (v. também anexo C.4, p. 27). As supostas provas demonstram que os descontos promocionais são significativos tanto para os álbuns que figuram nos hit‑parades como para os do catálogos dos títulos, que variam consideravelmente em função do cliente, do álbum e no tempo, e não estavam alinhados entre as empresas principais (anexos B.2 e B.4 a B.14, e relatório «data room» confidencial). Sendo estes descontos variáveis, não é possível fazer deduções fiáveis observando simplesmente os PPV. Da mesma forma, as margens dos retalhistas são altamente variáveis de um lançamento para outro e no tempo e não permitem portanto deduzir os preços líquidos a partir dos preços de venda (v. anexo B.17). Além disso, a Sony e a BMG não vigiaram metodicamente os preços de venda dos concorrentes nem obtiveram sistematicamente por parte dos retalhistas informações fiáveis sobre os descontos oferecidos pelos concorrentes. Finalmente, as provas alegadas demonstram que as casas discográficas não praticaram acções de represália, mesmo face aos elementos altamente voláteis dos preços, o que privaria qualquer mecanismo de sanção da sua credibilidade (v. anexo C.4, p. 5 e 10)
b) Inexistência de alinhamento
237 Os dados relativos aos preços líquidos médios, aos PPV e aos descontos na factura também não mostram um alinhamento, mas, quando muito, uma evolução em parte semelhante e não permitem constatar uma coordenação dos preços.
238 Os dados sobre os preços médios revelam: em primeiro lugar, um grau elevado de complexidade; em segundo lugar, uma grande dispersão e uma grande variabilidade; em terceiro lugar, uma importante volatilidade nas classificações hierárquicas das empresas principais; em quarto lugar, uma grande latitude dos preços das empresas principais; em quinto lugar, uma inexistência de paralelismo.
239 Uma grande quantidade das 100 melhores vendas é gerada fora dos PPV identificados na decisão (considerandos 76, 83, 90, 97 e 107 da decisão).
240 Resulta dos anexos da resposta (B.4 a B.14) que os descontos na factura e os preços líquidos variaram fortemente entre as empresas principais.
c) Falta de transparência
241 A decisão não revelou qualquer prova convincente de transparência mesmo quanto aos elementos do preço diversos dos descontos promocionais. As formulações prudentes da decisão minimizam a verdadeira força das provas subjacentes sobre a falta de transparência suficiente. Assim, para além de em certos países os PPV não serem conhecidos nem facilmente acessíveis, as casas discográficas não têm informações precisas sobre os PPV utilizados para um álbum preciso num determinado momento. Os descontos habituais não são suficientemente transparentes para serem tacitamente coordenados. Em 161 retalhistas interrogados, apenas 5 afirmaram que os concorrentes tinham em parte conhecimento dos descontos dos outros, enquanto 10 afirmaram o contrário.
3. Quanto a diferentes aspectos não mencionados na decisão
242 As intervenientes alegam que as teorias examinadas sobre o potencial prejuízo para a concorrência improcedem igualmente em diferentes aspectos não mencionados na decisão. Em primeiro lugar, a Comissão concentrou‑se erradamente nos preços líquidos médios, quando a coordenação não poderia ter lugar ao nível dos nível dos preços médios, dado que o preço dos álbuns individuais não é fixado com vista a obter um preço líquido médio especial e esta média não poderia, de qualquer modo, ser observada pelas outras empresas principais. As médias podem dissimular divergências significativas nos preços individuais dos álbuns (v. anexo C.4, nota 12). Em segundo lugar, os PPV não servem de ponto focal de alinhamento. Cada grande casa discográfica utiliza mesmo, para os melhores álbuns, uma grande variedade de PPV, os quais variam no tempo para um mesmo disco. Em terceiro lugar, as partes de mercado não são estáveis e uma pequena evolução pode traduzir‑se numa diferença enorme em termos de lucro.
D – Apreciação do Tribunal
1. Considerações gerais
243 A recorrente sustenta que as considerações relativas à homogeneidade do produto, à transparência do mercado, aos meios de dissuasão e à inexistência de mecanismos de compensação, nas quais assenta a afirmação de que as empresas principais não dispunham, nos mercados da música gravada, de uma posição dominante colectiva previamente à concentração projectada, estão viciadas por insuficiência de fundamentação, erro manifesto de apreciação e erro de direito.
244 Antes de examinar as diferentes acusações feitas pela recorrente, importa, antes de mais, formular algumas observações quanto ao conceito de posição dominante colectiva, a seguir expor brevemente o método de exame seguido pela Comissão para chegar à conclusão controvertida, assim como os diferentes factores e elementos pertinentes respeitantes à aplicação ao caso presente do conceito de posição dominante colectiva, tais como referidos na decisão e, finalmente, precisar os fundamentos em que assenta a conclusão, na decisão, de que não havia de posição dominante colectiva preexistente.
2. Conceito de posição dominante colectiva
245 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, tratando‑se de uma alegada posição dominante colectiva, a Comissão deve apreciar, segundo uma análise prospectiva do mercado de referência, se a operação de concentração que lhe é notificada leva a uma situação em que sejam causados entraves significativos a uma concorrência efectiva no mercado em causa por parte das empresas que intervêm na operação de concentração e por uma ou mais empresas terceiras que, em conjunto, e designadamente em função dos factores de correlação que existam entre as mesmas, possam adoptar a mesma linha de acção no mercado e agir em medida apreciável, independentemente dos outros concorrentes, da sua clientela e, em última análise, dos consumidores (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, dito «Kali & Salz», C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.° 221).
246 O Tribunal de Primeira Instância já decidiu que uma situação de posição dominante colectiva que entrava de maneira significativa a concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste pode assim ocorrer na sequência de uma concentração quando, tendo em conta as próprias características do mercado em causa e a modificação que provocaria na sua estrutura a realização da operação, esta daria lugar a que, estando consciente dos interesses comuns, cada membro do oligopólio dominante consideraria possível, economicamente racional e, portanto, preferível, adoptar de forma duradoura uma mesma linha de acção no mercado com o objectivo de vender acima dos preços concorrenciais, sem ter que proceder à celebração de um acordo ou recorrer a uma prática concertada na acepção do artigo 81.° CE, e sem que os concorrentes, actuais ou potenciais, ou mesmo os clientes e os consumidores, possam reagir de maneira efectiva v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753, n.° 276).
247 No acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra (n.° 62), o Tribunal, tal como vem exposto no n.° 68 da decisão, declarou que são necessárias as três condições seguintes para que possa ser criada uma situação de posição dominante colectiva. Em primeiro lugar, o mercado deve ser suficientemente transparente para que as empresas que coordenam o seu comportamento tenham possibilidade de vigiar em medida suficiente se as modalidades da coordenação são respeitadas. Em segundo lugar, a disciplina impõe que exista uma forma de mecanismo de dissuasão em caso de comportamento desviante. Em terceiro lugar, as reacções de empresas que não participam na coordenação, tais como os concorrentes actuais ou futuros, assim como as reacções dos clientes, não devem poder pôr em causa os resultados esperados da coordenação.
248 Resulta aliás da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão Kali & Salz, n.° 245 supra, n.° 222) e do Tribunal de Primeira Instância (acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, n.° 63) que a análise prospectiva que a Comissão é chamada a realizar no âmbito do controlo das concentrações, tratando‑se de uma posição dominante colectiva, necessita de um exame atento, nomeadamente das circunstâncias que, segundo cada caso concreto, se mostrem pertinentes para a apreciação dos efeitos da operação de concentração sobre o funcionamento da concorrência no mercado de referência, e que incumbe à Comissão fornecer provas sólidas.
249 Importa observar que, conforme resulta dos próprios termos dos fundamentos acima expostos, esta jurisprudência desenvolveu‑se no quadro da apreciação do risco de criação de uma posição dominante colectiva através de uma concentração e não, como está em causa na primeira parte do presente fundamento, da determinação da existência de uma posição dominante colectiva.
250 Ora, se, para a apreciação do risco de tal posição, a Comissão, por hipótese, for levada a efectuar um prognóstico delicado quanto ao desenvolvimento provável do mercado e das condições de concorrência com base numa análise prospectiva, o que implica apreciações económicas complexas para as quais a Comissão dispõe de uma ampla margem de discricionariedade, a conclusão de que existe uma posição dominante colectiva assenta, por sua vez, numa análise concreta da situação existente no momento da tomada de decisão. A determinação da existência de uma posição dominante colectiva deve apoiar‑se numa série de elementos de facto estabelecidos, passados ou actuais, que atestem o entrave significativo à concorrência no mercado, em virtude do poder adquirido por determinadas empresas de adoptar conjuntamente uma mesma linha de acção nesse mercado, numa medida significativa, independentemente dos seus concorrentes, da sua clientela e dos consumidores.
251 Daqui resulta que, no âmbito da apreciação da existência de uma posição dominante colectiva, as três condições enunciadas pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, inferidas a partir de uma análise teórica do conceito de posição dominante colectiva, embora sejam, é certo, igualmente necessárias, podem contudo, se for caso disso, ser provadas indirectamente com base num conjunto de indícios e de elementos de prova que podem exclusivamente ser muito heterogéneos, relativos aos sinais, manifestações e fenómenos inerentes à existência de uma posição dominante colectiva.
252 Assim, em particular, um alinhamento estreito dos preços durante um longo período, sobretudo se forem de um nível supraconcorrencial, juntamente com outros factores típicos de uma posição dominante colectiva, poderia, na falta de outra explicação razoável, bastar para demonstrar a existência de uma posição dominante colectiva, mesmo que não houvesse provas directas sólidas de uma forte transparência do mercado, tendo em conta que esta última pode presumir‑se em tais circunstâncias.
253 Daqui resulta que, no caso presente, o alinhamento dos preços, tanto brutos como líquidos, durante os seis últimos anos, quando os produtos não são idênticos (cada disco tem um conteúdo diferente), assim como a sua manutenção a um nível bastante estável e considerado elevado não obstante uma baixa importante da procura, juntamente com outros factores (poder das empresas em situação de oligopólio, estabilidade das partes de mercado, etc.), conforme declarados pela Comissão na decisão, podem, na falta de outra explicação, sugerir ou constituir um indício de que o alinhamento dos preços não é o resultado do funcionamento normal de uma concorrência efectiva e de que o mercado é suficientemente transparente, na medida em que permitiu uma coordenação tácita dos preços.
254 Todavia, dado que a recorrente baseou a sua argumentação numa aplicação incorrecta das diversas condições exigidas para a existência de uma posição dominante colectiva, conforme definidas no acórdão Airtours/Comissão, n.°45 supra, e em particular a relativa à transparência do mercado, mais do que na tese de que a constatação de uma política comum durante um longo período, associada à presença de uma série de outros factores característicos de uma posição dominante colectiva, pode em determinadas circunstâncias e na falta de outra explicação, bastar para demonstrar a existência dessa posição, por oposição à sua criação, sem que seja necessário provar positivamente a transparência do mercado, o Tribunal limitar‑se‑á, no âmbito do exame dos fundamentos suscitados, a verificar se a decisão fez uma aplicação correcta das condições definidas pela jurisprudência Airtours. Com efeito, mesmo não sendo necessário questionar se a atitude inversa conduziria o Tribunal a exceder o âmbito do litígio tal como definido pelas partes ou constituiria uma simples aplicação do direito no âmbito de um fundamento suscitado pela recorrente, esta diligência impõe‑se por força do princípio do contraditório, uma vez que esta questão não foi debatida no Tribunal.
3. Decisão da Comissão
255 Os elementos pertinentes da decisão para o exame do primeiro fundamento podem ser resumidos da forma seguinte.
256 As afirmações da Comissão relativas aos diferentes mercados de produtos e mercados geográficos não são contestadas pelas partes. No considerando 12 da decisão, a Comissão considerou que «não [era] necessário determinar se se existem mercados de produtos consoante os géneros e se existe um mercado de produtos separados para as compilações». No considerando 15 afirmou que «os mercados geográficos em causa [eram] considerados nacionais».
257 Também não é contestado que os diferentes mercados nacionais são de estrutura oligopolística, em que as cinco empresas principais detêm, consoante os países, entre 72 e 93% do mercado e numerosas casas discográficas consideravelmente mais pequenas (a seguir «casas discográficas independentes») que representam entre 15 e 20% do mercado.
258 As cinco empresas principais são, além disso, caracterizadas, em primeiro lugar, por uma presença mundial, em segundo lugar, por uma integração vertical parcial, em terceiro lugar, por um investimento a montante no domínio da edição musical e nos mercados da radiodifusão e da exploração da música em linha, em quarto lugar, por um poder financeiro considerável que lhes permite oferecer aos artistas vantagens financeiras mais atractivas e, em quinto lugar, por uma carteira vasta e diversificada de artistas com contrato e um catálogo importante de títulos já produzidos.
259 Por outro lado, a evolução da procura mostra que as vendas diminuíram desde 1999 (queda de 13% no EEE entre 1999 e 2002, e mais de 7% entre 2002 e 2003). Todavia, os preços mantiveram‑se bastante estáveis. A investigação de mercado feita pela Comissão apontou igualmente outras explicações para além daquelas dadas pelas partes na concentração para esta baixa das vendas, a saber: o nível – considerado elevado – dos preços dos CD, o abrandamento da actividade económica em geral, a incapacidade das casas discográficas para satisfazer os gostos dos consumidores, a inexistência de conteúdos de qualidade e de artistas inovadores e a incapacidade das casas discográficas para se adaptarem ao desafio tecnológico da Internet.
260 No que refere à metodologia seguida pela Comissão, vem exposto no considerando 69 da decisão que, com vista a determinar a existência de uma posição dominante colectiva, a Comissão examinou se, no decurso dos três ou quatro últimos anos, as cinco empresas principais tinham efectivamente prosseguido uma política de coordenação dos seus preços.
261 Para este fim, a Comissão analisou, em primeiro lugar, a evolução trimestral dos preços líquidos médios dos 100 álbuns simples mais vendidos por cada casa discográfica, os quais representam no mínimo 70 a 80% das suas vendas totais de música nos cinco maiores Estados‑Membros, uma vez que a Comissão considera que os preços médios constituem um bom instrumento para determinar se as grandes casas discográficas têm um comportamento paralelo em matéria de preços. A Comissão examinou assim a evolução dos preços médios líquidos, dos PPV, dos coeficientes de preços brutos e líquidos, assim como os descontos na factura e descontos retrospectivos (considerando 72 da decisão).
262 Em segundo lugar, a Comissão examinou a eventualidade de, com base num paralelismo dos preços médios, os preços de catálogo terem podido servir de pontos centrais para a coordenação dos preços.
263 Em terceiro lugar, a Comissão estudou se os descontos concedidos pelas diferentes grandes casas discográficas foram alinhados e suficientemente transparentes para permitir um controlo eficaz de qualquer coordenação quanto aos preços, igualmente ao nível dos preços líquidos (considerando 73 da decisão).
264 As conclusões da Comissão, praticamente idênticas em relação a cada um dos cinco grandes países, podem resumir‑se da forma seguinte:
– a Comissão refere que «constatou um certo paralelismo dos preços médios líquidos reais e uma evolução bastante comparável dos preços das empresas principais», mas que «estas observações não eram todavia, em si mesmas, suficientemente concludentes para demonstrar que as empresas principais [tinham] coordenado os seus preços no passado»; «é por isso que a Comissão examinou a seguir se elementos suplementares, ou seja, os preços de catálogo e os descontos, eram alinhados e suficientemente transparentes para fornecer elementos de prova bastantes para confirmar a existência da coordenação»;
– a Comissão «encontrou alguns elementos dos quais resulta que os PPV podem ter sido utilizados como base para alinhar os preços das empresas principais». Cada grande casa discográfica gerou com três dos seus principais PPV, consoante os países, mais de 55 a 80 % do total das 100 melhores vendas líquidas de álbuns simples em 2003. A Comissão considera assim que «à luz destas observações, os preços de catálogo dos álbuns mais vendidos parecem estar alinhados» (Reino Unido, França e Itália, ou alinhados em certa medida na Alemanha e na Espanha);
– a Comissão verificou, por outro lado, que os PPV eram bastante transparentes, uma vez que figuram nos catálogos das empresas principais. Parece portanto possível controlar os preços de catálogo das outras empresas principais;
– os preços de venda líquidos estão estreitamente ligados aos preços brutos (PPV), dado que a evolução paralela, nestes seis últimos anos, dos preços médios brutos e dos preços médios líquidos reais da Sony e da BMG, assim como a grande estabilidade, a todo o momento, do coeficiente dos preços líquidos e dos preços brutos, no conjunto de todos os álbuns;
– a Comissão verificou contudo uma certa variação do nível dos descontos praticados pelas diferentes grandes casas e igualmente diferenças de 2 a 5 pontos percentuais entre os descontos na factura da Sony e da BMG para a maior partes dos seus dez principais clientes e de mais de 5 pontos percentuais para determinados clientes em determinados anos (a situação é sensivelmente diferente no mercado francês);
– as partes na concentração transmitiram dados que mostram que os descontos na factura para um dado cliente variam no tempo e de um álbum para outro e que os descontos concedidos para um dado álbum flutuam de um cliente para outro. A investigação de mercado mostrou que estas flutuações resultavam no essencial dos descontos promocionais, utilizados de maneira mais flexível do que os descontos habituais, que são em geral fixados anualmente. Não é possível demonstrar, com base nestas observações, que os descontos na factura estão suficientemente alinhados entre as partes na concentração (a situação é sensivelmente diferente em França);
– no que diz respeito à transparência dos descontos, as respostas dos clientes à investigação realizada pela Comissão no mercado mostraram, na sua maioria, que as empresas principais tinham conhecimento, em certa medida, dos descontos habituais concedidos pelos seus concorrentes, dada a sua interacção permanente com a mesma clientela. Verifica‑se todavia que os descontos promocionais são menos transparentes do que os descontos habituais e que o seu controlo exige igualmente uma observação rigorosa da evolução deste tipo de descontos no mercado retalhista. Embora tenha constatado que tanto a Sony como a BMG instituíram um sistema de relatórios semanais elaborados pelas suas estruturas de vendas, a Comissão não conseguiu demonstrar que estes relatórios garantiam um grau de transparência suficiente dos descontos promocionais concedidos pelos concorrentes.
265 Daí a Comissão concluiu, no considerando 109 da decisão, que «tendo a análise detalhada da evolução dos preços das empresas principais nos cinco principais Estados‑Membros realçado alguns indícios de coordenação que não bastavam, em si, para demonstrar a existência de uma posição dominante colectiva, a Comissão [tinha] aprofundado a sua análise com vista a determinar se os mercados da música gravada apresentavam características susceptíveis de facilitar este tipo de posição dominante».
266 Para este fim, a Comissão examinou a homogeneidade do produto (considerando 110 da decisão impugnada), a transparência do mercado (considerandos 111 a 113 da decisão) e o exercício de medidas de retaliação (considerandos 114 a 118 da decisão).
267 No que se refere à homogeneidade do produto, a Comissão afirmou que a heterogeneidade do conteúdo e os seus efeitos sobre os preços reduzem a transparência no mercado e tornam os acordos tácitos mais difíceis, dado que estes exigem um certo controlo ao nível do produto individual, ou seja, o álbum.
268 No que se refere à transparência do mercado, a Comissão considerou que as empresas principais só têm de controlar os preços de referência de um número limitado de álbuns entre os melhor vendidos para seguir o grosso das vendas. Todavia, a Comissão refere que um controlo ao nível do álbum é igualmente necessário, em particular no que diz respeito aos descontos promocionais e que esta necessidade pode tornar os acordos tácitos mais difíceis (considerando 111 da decisão).
269 Quanto às medidas de retaliação, o considerando 118 da decisão refere que a Comissão não encontrou provas de que tais medidas tenham sido aplicadas no passado, o que teria constituído a prova de uma posição dominante colectiva.
270 Sem formular nesta fase da decisão qualquer conclusão quanto à existência de uma posição dominante colectiva nos cinco grandes países, a Comissão procedeu a seguir à análise dos mercados nos pequenos países e chegou a conclusões semelhantes.
271 Em particular, a Comissão observou que existe um nível elevado de paralelismo entre os PPV das diferentes empresas principais. Verificou que mesmo nos grandes países, os principais descontos efectuados são os descontos habituais. Os descontos na factura não seguem um padrão nem são tornados públicos e reduzem a transparência. Tendo em conta a importância dos descontos nas facturas e as diferenças entre estes, a Comissão não encontrou elementos de prova suficientes para demonstrar que o paralelismo dos preços líquidos médios poderia dever‑se a uma colusão tácita entre as empresas principais, mesmo que os PPV estivessem fortemente alinhados e pudessem, em princípio, ser utilizados como base de uma colusão tácita (considerando 150 da decisão).
272 Além disso, as considerações relativas à homogeneidade do produto, à transparência do mercado e às medidas de retaliação no que se refere aos grandes países são igualmente válidas para os pequenos países do EEE.
273 A Comissão deduz daí, no considerando 153, que «nestas condições, não existem elementos de prova suficientes para concluir pela existência de uma posição dominante colectiva das [empresas principais] nos mercados nacionais da música gravada [nos pequenos países]».
274 Com base nas considerações acima expostas a Comissão concluiu, no considerando 154, que não existiam elementos de prova suficientes para demonstrar que a operação projectada provocaria o reforço de uma posição dominante colectiva nos mercados da música gravada em qualquer dos países do EEE.
275 Resulta do exposto que foi com base na homogeneidade do produto, na transparência do mercado assim como na utilização de medidas de retaliação que a Comissão concluiu pela inexistência de uma posição dominante colectiva.
276 Isto é confirmado pelo considerando 157, no qual vem exposto o seguinte:
«[...] conforme foi analisado na secção relativa ao reforço de uma posição dominante colectiva, os mercados da música gravada apresentam determinadas características que podem indicar a presença de condições favoráveis à existência de uma posição dominante colectiva. Ora, a Comissão não encontrou elementos suficientes para provar que as [empresas principais] detiveram no passado uma posição dominante colectiva; isto é devido, nomeadamente, aos défices verificados ao nível da transparência real, às características parcialmente heterogéneas do produto e à falta de elementos que confirmem a existência de medidas de retaliação no passado».
277 É à luz destas considerações que importa examinar as diferentes críticas formuladas pela recorrente.
4. Transparência
a) Quanto à crítica baseada em fundamentação insuficiente
278 A recorrente sustenta, em substância, que a decisão não explica suficientemente as razões pelas quais os descontos, em especial os promocionais, constituem obstáculo à transparência necessária para permitir o desenvolvimento de uma posição dominante colectiva.
279 A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao Tribunal exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63, e jurisprudência referida).
280 A questão de saber se a fundamentação de um acto preenche os requisitos do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não só da sua redacção, mas também do seu contexto e de todas as normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C‑56/93, Colect., p. I‑723, n.° 86, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T‑290/94, Colect., p. II‑2137, n.° 150).
281 Quando a Comissão declara uma operação de concentração compatível com o mercado comum com base no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do regulamento, é condição necessária e suficiente relativamente ao dever de fundamentação que essa decisão exponha de maneira clara e inequívoca as razões pelas quais a Comissão considera que a concentração controvertida não suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. Todavia, não pode inferir‑se desta obrigação que, num caso como esse, a Comissão está obrigada justificar todos os elementos de direito ou de facto da sua apreciação que podem eventualmente ter um nexo com a operação de concentração notificada e/ou foram suscitados durante o procedimento administrativo (v. acórdão Verband der freien Rohrwerke e o./Comissão, n.° 231 supra, n.° 185 e jurisprudência referida).
282 Importa antes de mais examinar a incidência da circunstância, sublinhada pela recorrente, de a Comissão, na comunicação de acusações, ter concluído de forma categórica que a concentração era incompatível com o mercado comum com fundamento, nomeadamente, de que existia uma posição dominante colectiva previamente à concentração projectada e que o mercado da música gravada era muito transparente e particularmente propício à coordenação.
283 Esta inversão fundamental da posição da Comissão pode, é certo, parecer surpreendente, em particular tendo em conta a fase tardia em que se deu. Com efeito, como resulta dos autos e dos debates no Tribunal, durante todo o procedimento administrativo, a Comissão, com base em todas as informações que recebeu durante cinco meses de investigação, tanto dos diferentes operadores do mercado como das partes na concentração, considerou que o mercado era suficientemente transparente para permitir uma coordenação tácita dos preços e só na sequência da argumentação desenvolvida pelas partes na concentração, assistidas pelo seu consultor económico, quando da audição de 15 e 16 de Junho de 2004, é que a Comissão, sem proceder a novas investigações respeitantes ao mercado, adoptou a posição inversa e enviou, em 1 de Julho de 2004, o projecto de decisão ao comité consultivo.
284 Todavia, conforme alega com razão a Comissão, resulta da jurisprudência (acórdão BAT e Reynolds/Comissão, n.° 105 supra, que quando a Comissão indefere um pedido apresentado nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro regulamento de aplicação dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204), basta‑lha expor os motivos pelos quais não considerou possível demonstrar a existência de uma infracção às regras da concorrência, não sendo obrigada a explicar eventuais diferenças em relação à comunicação de acusações, que constitui um documento preparatório cujas apreciações são de carácter puramente provisório e destinadas a circunscrever o objecto do procedimento administrativo em relação às empresas visadas por este procedimento, nem a discutir todos os pontos de facto e de direito tratados no decurso do procedimento administrativo. No seu acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 228 supra, o Tribunal de Justiça recordou o carácter provisório da comunicação de acusações e a obrigação da Comissão de ter em conta os elementos do procedimento administrativo para, nomeadamente, abandonar as acusações que se revelaram infundadas.
285 Importa, na verdade, observar que esta jurisprudência foi desenvolvida a propósito de processos de aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE e não no domínio específico do controlo das concentrações, no âmbito do qual a observância dos prazos imperativos que regem a adopção de decisões pela Comissão não lhe permite prolongar a sua investigação, reduzindo assim a probabilidade de uma alteração fundamental de posição à medida que o procedimento administrativo avança. De resto, nas suas observações finais, a Comissão sublinhou que as medidas de investigação posteriores à audição consistem essencialmente em consultar os operadores do mercado sobre os compromissos propostos e não incidem sobre as acusações deduzidas contra a operação de concentração notificada. Todavia, não é menos verdade que a comunicação de acusações constitui apenas um acto preparatório e que a decisão final só deve fundamentada em relação ao conjunto de circunstâncias e elementos pertinentes para a apreciação dos efeitos da concentração projectada sobre o funcionamento da concorrência nos mercados de referência. Daqui resulta que a mera circunstância de a Comissão não ter explicado no corpo da sua decisão as alterações da sua posição em relação à que consta da comunicação de acusações não pode, enquanto tal, ser constitutiva de falta ou insuficiência de fundamentação.
286 Por outro lado, a Comissão invoca igualmente a jurisprudência segundo a qual, no caso de uma concentração alterar apenas em medida muito limitada a situação da concorrência num dado mercado, a Comissão não está obrigada a apresentar uma fundamentação específica sobre esta questão, tal como também não infringe o seu dever de fundamentação se não incluir na sua decisão uma fundamentação precisa quanto à apreciação de um certo número de aspectos da concentração que lhe parecem manifestamente fora de propósito ou destituídos de significado. Embora estas afirmações sejam exactas, verifica‑se que são destituídas de pertinência no âmbito da presente crítica. Com efeito, por um lado, esta crítica não está relacionada com uma alteração limitada induzida pela concentração, mas com a situação preexistente a esta e, por outro, não há dúvida de que a falta de transparência suficiente do mercado constitui o motivo essencial, ou mesmo único, no qual assenta a apreciação controvertida da inexistência de posição dominante colectiva preexistente.
287 À luz destas observações preliminares, importa examinar se a decisão contém uma fundamentação bastante da afirmação de que o mercado não é suficientemente transparente para permitir uma coordenação dos preços.
288 O exame da questão da transparência do mercado constitui objecto de uma rubrica ad hoc nos considerandos 111 a 113 da decisão. Verifica‑se todavia que a decisão contém igualmente argumentos relativos à transparência na rubrica relativa ao exame da política comum das empresas principais em matéria de preços nos cinco grandes Estados‑Membros, nos considerandos 69 a 108, à qual a rubrica ad hoc faz referência, assim como na rubrica relativa à apreciação da existência de uma posição dominante colectiva nos mercados dos pequenos países, nos considerandos 148 a 153, para a qual a rubrica ad hoc não faz qualquer remissão. Importa portanto examinar sucessivamente os fundamentos expostos nestas três rubricas.
289 No que se refere à secção ad hoc, importa observar, a título preliminar, que esta apenas contém três considerandos, se bem que a transparência constitua no caso em apreço, segundo a decisão e mais ainda segundo a posição defendida pela Comissão nos seus articulados no Tribunal, o fundamento essencial, ou mesmo único, em que assenta a afirmação de que não existe qualquer posição dominante colectiva nos mercados da música gravada. Há que referir igualmente que não se concluiu que o mercado não é transparente, nem mesmo que não é suficientemente transparente para permitir uma colusão tácita. No máximo vem indicado, por um lado, no considerando 111 in fine, que a necessidade de efectuar um controlo ao nível do álbum, em particular no que se refere aos descontos promocionais, «poderia reduzir a transparência no mercado e tornar os acordos tácitos mais difíceis» e, por outro lado, no considerando 113 in fine, que a «Comissão não encontrou contudo elementos bastantes para demonstrar que, controlando os preços de retalho ou utilizando estes contactos com os retalhistas, as grandes casas discográficas puderam, no passado, suprir o défice de transparência em matéria de descontos promocionais, evocado a propósito dos cinco grandes Estados‑Membros». É evidente que tais afirmações, vagas e desprovidas da mínima precisão, relativas, nomeadamente, à natureza dos descontos promocionais, às circunstâncias em que estes são susceptíveis de ser aplicados, ao seu grau de opacidade, à sua amplitude ou ao seu impacto sobre a transparência dos preços, não podem fundamentar suficientemente a afirmação de que o mercado não é bastante transparente para permitir uma posição dominante colectiva.
290 Verifica‑se, a seguir, que, para além dos dois extractos acima mencionados, todos os factores referidos nos considerandos 111 a 113 da decisão, longe de demonstrar a opacidade do mercado, evidenciam pelo contrário uma transparência do mesmo.
291 Assim, são referidos, no considerando 111, o número limitado de preços de referência e o facto de as empresas principais só terem que controlar os preços de referência de um número limitado de álbuns entre os melhor vendidos para seguir o grosso das vendas, na medida em que os 20 títulos melhor vendidos representam pelo menos metade das vendas anuais englobando todos os países.
292 Mais ainda, no considerando 112 vem exposto que «existem no mercado outros dispositivos que aumentam a transparência e poderiam facilitar o controlo da observância de um acordo». Entre estes figura, em primeiro lugar, a publicação de hit‑parades semanais que fornecem informações sobre as vendas por título e permitem detectar muito facilmente os títulos que passam a «grandes êxitos» o que, vem explicado, «facilita consideravelmente o controlo pelas grandes casas discográficas». Vem exposto a seguir que a natureza do mercado da música gravada é tal que para «ter êxito economicamente, um retalhista de música deve propor os produtos de todas as grandes casas» e que o «sector é portanto caracterizado por relações estáveis e duradouras entre retalhistas e grandes casas discográficas». A Comissão refere igualmente que «[a]lém disso, uma grande parte das vendas de música gravada das [empresas principais] é encaminhada para um número limitado de clientes» e daí conclui que «[e]sta situação, caracterizada pela presença de um pequeno numero de actores no mercado, favorece a adopção de estratégias de cooperação que servem os interesses das grandes casas discográficas, tal como facilita o controlo e a circulação das informações».
293 Verifica‑se ainda que esta enumeração de dispositivos e de factores que aumentam a transparência e facilitam o controlo da observância dos acordos prossegue no último número da rubrica ad hoc sobre a transparência do mercado. A Comissão afirma, com efeito, no considerando 113, que «outra fonte de transparência é o controlo do mercado retalhista». A este propósito, precisa que «a investigação de mercado revelou que a Sony e a BMG [tinham] estabelecido um sistema de relatórios semanais [...] incluindo informações sobre os concorrentes. A comissão refere finalmente que a investigação «confirmou igualmente que as estruturas de vendas das grandes casas discográficas mant[inham] contactos regulares e permanentes com os retalhistas e os grossistas, decorrendo as negociações sobre os apoios e os descontos promocionais frequentemente numa base semanal».
294 Resulta do exposto que, na rubrica ad hoc da decisão dedicada ao exame da transparência, a Comissão, não só não concluiu que o mercado era opaco ou não era suficientemente transparente para permitir uma posição dominante colectiva, mas, além disso, só se referiu a factores susceptíveis de criar uma grande transparência do mercado e de facilitar o controlo da observância de uma colusão, com a única excepção da afirmação, de alcance bastante limitado e não alicerçada, de que os descontos promocionais poderiam reduzir a transparência e tornar os acordos tácitos mais difíceis. É, pois, de concluir que não se pode manifestamente considerar que esta rubrica, por si só, fundamenta de forma suficiente a afirmação de que o mercado não é suficientemente transparente.
295 Importa a seguir examinar se tal fundamentação figura na rubrica relativa à análise da política comum das empresas principais em matéria de preços.
296 A título prévio, é útil recordar que o método seguido e as conclusões a que se chegou são, com ressalva de variações muito pequenas, idênticas para os mercados dos cinco grandes países, pelo modo que as observações seguintes feitas a propósito do Reino Unido são válidas, mutatis mutandis, para a totalidade dos cinco grandes mercados.
297 Após ter observado uma evolução parcialmente semelhante dos preços médios líquidos reais e uma evolução comparável dos preços das empresas principais no Reino Unido, a Comissão refere, no considerando 75 da decisão, ter seguidamente examinado se alguns elementos suplementares, a saber, os preços de catálogo e os descontos, estavam alinhados e eram suficientemente transparentes para fornecer elementos de prova bastantes para confirmar a coordenação.
298 Importa observar, a título preliminar, que na presente rubrica a Comissão pretende examinar se o comportamento das empresas principais é susceptível de demonstrar a existência de uma coordenação. Ora, nos seus articulados no Tribunal, a Comissão sublinhou por várias vezes a necessidade de não confundir a política comum dos actores no mercado com a prova da transparência do mercado, precisando que mesmo um alinhamento substancial das condições praticadas não é susceptível de demonstrar a transparência do mercado. Daqui resulta que, segundo a própria tese da Comissão, as afirmações relativas às práticas das empresas principais em matéria de preços e de descontos não são pertinentes para efeitos de apreciar a transparência do mercado. Nestas condições, as observações contidas nesta rubrica não devem permitir suprir a insuficiência de fundamentação acima referida. Todavia, como esta tese não está conforme com a decisão, o Tribunal considera necessário examinar se as afirmações constantes desta rubrica podem fornecer uma fundamentação suficiente da afirmação da falta de transparência do mercado.
299 No que se refere, em primeiro lugar, aos PPV, a Comissão afirmou que cada grande casa discográfica gerou através dos seus três principais PPV mais de 80% do total das 100 melhores de vendas líquidas de álbuns simples em 2003 e que, além disso, um ou dois PPV incluídos num leque de 17 pence (entre 8,98 e 9,15 libras esterlinas) representaram mais de 47% das 100 melhores vendas (sendo os números semelhantes nos outros grandes países; um ou dois PPV incluídos num leque de 0,36 euros – entre 12,55 e 12,91 euros – tendo, por exemplo, representado mais de 60% das 100 melhores vendas em Itália). A Comissão concluiu daí que «os preços [de] catálogo dos álbuns melhor vendidos parecem mais estar alinhados». Verifica‑se sem dúvida que se trata de uma conclusão no mínimo prudente, dado que o alinhamento era efectivamente muito acentuado.
300 Por outro lado, há que observar a este propósito, que, na comunicação de acusações, a Comissão não tinha referido que os preços eram simplesmente «praticamente alinhados», mas sim que eram «substancialmente alinhados» (conforme o n.° 82 da comunicação de acusações, «os PPV estão situados muito perto uns dos outros» e o n.° 87 refere um «alinhamento substancial»). No que diz respeito aos 20 discos mais vendidos, a Comissão tinha mesmo posto em evidência um alinhamento quase total (v. n.os 85 e 86 da comunicação de acusações), mas este elemento de análise não foi retomado na decisão, e a Comissão, apesar de questionada a este respeito na audiência, sustentou que a análise era inexacta ou que não pode explicar as razões da supressão deste elemento da análise. Além disso, o considerando 72 da decisão já só menciona quatro elementos nos quais se baseia a análise da política comum em matéria de preços, enquanto no n.° 75 da comunicação de acusações era referido um quinto elemento. Ora, conforme atrás foi recordado, embora a comunicação de acusações seja apenas um documento provisório e a Comissão tenha inteiramente o direito, ou mesmo a obrigação, de alterar a sua posição face à informações que obteve no decurso da sua investigação, não pode em contrapartida suprimir determinados elementos pertinentes com o único fundamento que os mesmos não são eventualmente compatíveis coma sua nova apreciação.
301 De qualquer modo, mesmo considerando apenas as observações retomadas na decisão, a Comissão concluiu que os preços de catálogo eram praticamente alinhados.
302 Da mesma forma, o considerando 76 da decisão refere que os PPV são «bastante transparentes, uma vez que figuram nos catálogos das grandes casas discográficas» e que «parece portanto possível controlar os preços [de] catálogo de outras grandes casas discográficas». Embora esta apreciação seja, também aqui, muito prudente e fortemente atenuada em relação à efectuada na comunicação de acusações (o n.° 81 desta última indicava com efeito que «a Comissão considera que é extremamente fácil para as empresas principais vigiar os PPV a que são lançados no mercado os novos álbuns de êxito, pois estes PPV estão à disposição do público nos catálogos das empresas principais»), não é menos verdade que destaca um elemento suplementar que favorece a transparência do mercado. O carácter público dos preços brutos (os preços de catálogo) reveste seguramente uma importância considerável para a transparência em matéria de preços.
303 Verifica‑se assim que, de acordo com os próprios termos da decisão, os preços de catálogo, nos dois aspectos examinados pela Comissão, alinhamento e transparência, constituem um factor de transparência do mercado.
304 No que se refere, em segundo lugar, aos descontos, o considerando 78 da decisão refere que a Comissão constatou «uma certa variação dos descontos praticados pela grandes casas» e que «os descontos na factura são, em relação às outras formas de descontos (acordos de cooperação comercial e descontos retrospectivos), de longe as mais importantes reduções de preços aplicadas». A Comissão verifica, seguidamente, por um lado, o alinhamento dos descontos na factura e, por outro, a sua transparência.
305 No que refere ao alinhamento dos descontos, o considerando 79 da decisão afirma que «a Comissão constatou de um cliente para outro um certo grau de flutuação e, igualmente, diferenças de 2 a 5 pontos percentuais entre os descontos na factura da Sony e da BMG para a maior parte dos seus [dez] principais clientes, e de mais de 5 pontos percentuais para determinados clientes em determinados anos». Além disso, o considerando menciona o facto de «estas flutuações resultarem no essencial de descontos promocionais, utilizados de maneira mais flexível do que os descontos habituais, que em geral são fixados anualmente» e daí conclui que «só [podia] demonstrar‑se, com base nestas observações, que os descontos na factura [estavam] suficientemente alinhados entre as partes [na concentração].
306 Há que observar, a título preliminar, que tal como vem atrás referido, a análise tem, portanto por objecto o comportamento adoptado pelas empresas principais e não as características objectivas do mercado, pelo que a sua pertinência para apreciar o grau de transparência do mercado é, quando muito, relativa. A Comissão sublinhou, a este propósito, que a afirmação de um paralelismo dos preços líquidos médios das grandes casas discográficas ou de uma estabilidade importante dos descontos médios de uma dada casa discográfica não constituía prova da coordenação tácita nem da transparência necessária e que o «grau de alinhamento ou de estabilidade a um nível global não pode substituir provas significativas e concordantes de uma transparência bastante para permitir às [empresas em situação de oligopólio] controlarem mutuamente os seus comportamentos no mercado». Daí há que concluir que o exame do alinhamento dos descontos não constitui, segundo a Comissão, um critério adequado para apreciar a transparência do mercado na medida em que, segundo a Comissão, mesmo o alinhamento dos descontos não a pode demonstrar. Com efeito, o critério só pode ser adequado se permitir declarar tanto a transparência como a falta de transparência. Todavia, na medida em que esta tese da Comissão, conforme foi referido acima, não encontra apoio suficiente na decisão, o Tribunal examinará se as observações contidas nos considerandos 78 e 79 demonstram de forma suficiente a falta de transparência do mercado.
307 Importa, antes de mais, referir que a variação dos níveis gerais dos descontos na factura praticados pelas partes na concentração, tal como referida no considerando 78 da decisão é muito pequena, a saber [confidencial] de 2 a 5% das suas respectivas vendas em bruto totais no Reino Unido. Em Itália esta variação é mesmo quase nula, a saber [confidencial] entre 0 e 5% (considerando 99 da decisão). Da mesma forma, as diferenças de 2 a 5% [confidencial] entre os descontos na factura das partes na concentração para a maior parte dos seus dez principais clientes, referidas no n.° 79 da decisão, são muito pequenas. Daqui resulta que os dados que figuram nos considerandos 78 e 79 e nos considerandos correspondentes relativos aos outros grandes países não permitem justificar a conclusão de que os descontos na factura não estão suficientemente alinhados.
308 Verifica‑se depois que, segundo nos próprios termos da decisão, esta pequena variação parece destituída de significado. Segundo o considerando 77 da decisão, com efeito, «a análise da Comissão mostrou que os preços de venda líquidos estão estreitamente ligados aos preços brutos (PPV), dada a evolução paralela, nestes seis últimos anos, dos preços médios brutos e dos preços médios líquidos reais da Sony e da BMG, assim como a grande estabilidade, a todo o momento, do coeficiente entre os preços líquidos e os preços brutos, relativos a todos os álbuns». Além disso, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o considerando 77 da decisão não se limita a referir uma evolução paralela só dos preços brutos e líquidos médios relativos à totalidade dos álbuns (ou seja, a estabilidade do desconto médio sobre o total das vendas), a qual dissimularia assim as eventuais diferenças nos descontos concedidos para os álbuns individuais, mas constata igualmente uma estabilidade dos descontos por álbum individual e no tempo. Com efeito, se a segunda parte da frase do considerando 77 tivesse em vista, como sustenta a Comissão, o coeficiente dos preços médios brutos e líquidos, seria supérflua, pois esse coeficiente é sinónimo da distância entre os preços brutos e líquidos, cuja estabilidade é observada na primeira parte da frase. Isto resulta ainda mais claramente da versão autêntica da decisão, uma vez que esta utiliza o termo «ratios» no plural (coeficientes entre os preços brutos e os preços líquidos por álbuns e no tempo, muito estáveis). De resto, o n.° 90 da comunicação de acusações indica igualmente que a Comissão constatou que «os coeficientes entre os preços brutos e os preços líquidos eram muito estáveis por álbuns e no tempo relativamente aos lançamentos individuais examinados pela Comissão». Da mesma forma, o n.° 75, alínea iv), da comunicação de acusações afirma que a Comissão analisou o desenvolvimento das vendas brutas e líquidas dos álbuns individuais, precisando, na nota de rodapé n.° 47, que «tinha sido efectuada individualmente uma análise dos preços brutos e líquidos para as dez melhores vendas da BMG e da Sony em 2002».
309 Por outro lado, decorre da última frase do considerando 77 da decisão que os descontos não são susceptíveis de afectar realmente a transparência do mercado em matéria de preços que resultam, nomeadamente, dos preços públicos de catálogo, na medida em que se afirma que «[s]e as grandes casas discográficas se tivessem afastado sensivelmente das políticas acordadas em matéria de preços concedendo descontos, este afastamento reflectir‑se‑ia nos seus preços médios líquidos».
310 Além disso, embora a Comissão alegue nos seus articulados que os dados relativos aos preços líquidos médios ou aos descontos médios não são susceptíveis de demonstrar um alinhamento ou uma coordenação e que só importam as decisões individuais de fixação dos preços, há que concluir que esta argumentação não encontra apoio na decisão. Assim, vem afirmado nomeadamente no considerando 70 da decisão que «a Comissão é de opinião que os preços médios constituem um bom instrumento para determinar se as grandes casas discográficas têm um comportamento paralelo». Além disso, se, como sustentou a Comissão perante o Tribunal, as observações relativas à política dos preços não fossem pertinentes para apreciar a transparência, daqui resultaria que as observações sobre os descontos que figuram nos considerandos 78 a 80 da decisão (e nos considerandos correspondentes relativos aos mercados dos outros grandes países) não seriam susceptíveis de conter a fundamentação da falta de transparência, dado que os descontos constituem uma componente dos preços e são analisados no âmbito do exame da coordenação em matéria de preços.
311 Resulta do exposto que as observações relativas ao alinhamento dos descontos na factura, contidas nos considerandos 78 e 79 da decisão, (e nos considerandos correspondentes relativos aos outros grandes países) não permitem fundamentar a afirmação de insuficiente transparência do mercado.
312 No que se refere à transparência dos descontos, o considerando 80 da decisão refere que «as respostas dos clientes britânicos à investigação realizada pela Comissão no mercado mostraram, na sua maioria, que as grandes casas discográficas tinham conhecimento, em certa medida, dos descontos habituais concedidos pelos seus concorrentes, dada a sua interacção permanente com a mesma clientela». Esta afirmação é reproduzida, com formulação idêntica, a propósito dos cinco grandes países (considerandos 87, 94, 101 e 108 da decisão). Sem que seja necessário, no âmbito da análise da acusação relativa à violação do dever de fundamentação, examinar a justeza desta afirmação, há que concluir, desde já, que a mesma parece apresentar o grau de transparência do mercado sob uma forma muito atenuada face aos elementos sobre os quais assenta. Em particular, no que se refere à Itália, dificilmente se compreende de que modo a Comissão pôde considerar que as respostas dos clientes mostraram «na maioria», que as empresas principais «em certa medida» só tinham conhecimento dos descontos concedidos pelos seus concorrentes, uma vez que a nota de rodapé n.° 55 da decisão refere «[o]s cinco retalhistas italianos que responderam à pergunta indicaram que as grandes casas discográficas conheciam os PPV e os descontos aplicados pelos seus concorrentes». Da mesma forma, no que se refere à França, resulta da nota de rodapé n.° 49 da decisão que três retalhistas em quatro indicaram que as grandes casas discográficas conheciam os PPV e os descontos aplicados no mercado pelos seus concorrentes.
313 Há que observar a seguir que relativamente, a nenhum dos países, as notas de rodapé explicativas referem qualquer distinção entre descontos habituais e promocionais, pelo que não se apresentam as razões pelas quais a Comissão concluiu das respostas dos clientes que as empresas principais tinham um certo conhecimento apenas dos descontos habituais e não dos descontos promocionais.
314 De qualquer modo, há que concluir que, segundo a própria decisão, a Comissão considerou que existia uma certa transparência dos descontos habituais.
315 Verifica‑se, assim, também que o único elemento da opacidade referido na decisão consiste na afirmação, no considerando 80 (e nos considerandos correspondentes relativos aos outros grandes países) que «se verifica todavia que os descontos promocionais são menos transparentes do que os descontos habituais e que o seu controlo exige igualmente uma observação rigorosa da evolução deste tipo de descontos no mercado retalhista».
316 A este propósito importa referir, antes de mais, que não vem afirmado que os descontos promocionais são opacos, mas apenas que são «menos transparentes do que os descontos habituais» e que o seu controlo exige uma observação rigorosa. Além disso, vem precisado que a Comissão constatou que a Sony e a BMG tinham instituído um sistema de relatórios semanais elaborados pelas suas estruturas de vendas, sem todavia ter sido possível demonstrar que estes relatórios garantiam um grau de transparência suficiente dos ditos descontos promocionais.
317 Há que recordar, a seguir, que conforme resulta do segundo período do considerando 150 da decisão, os principais descontos praticados na totalidade dos países são os descontos habituais. Daqui resulta que, segundo a própria decisão, os descontos promocionais têm uma incidência apenas limitada sobre os preços. Da mesma forma, resulta do considerando 77 que os descontos (tanto habituais como promocionais) não afectaram, nos seis últimos anos, as políticas acordadas em matéria de preços.
318 Importa igualmente observar que a decisão não indica que o mercado é opaco, nem mesmo que não é suficientemente transparente para permitir uma coordenação dos preços, mas, quando muito, que os descontos promocionais são menos transparentes, sem que a decisão forneça sequer o mínimo elemento de informação quanto à sua natureza, às circunstâncias em que são atribuídos ou à sua importância concreta sobre os preços líquidos, nem sobre o seu impacto sobre a transparência dos preços.
319 Importa, por outro lado, recordar que, conforme foi acima exposto, a Comissão referiu na decisão numerosos elementos e factores que favorecem a transparência do mercado e facilitam o controlo da observância de um acordo.
320 Daqui resulta que algumas afirmações relativas aos descontos promocionais contidas na rubrica da decisão dedicada ao exame da coordenação dos preços nos grandes países, na medida em que são imprecisas, não alicerçadas, ou mesmo contraditas por outras observações que figuram na decisão, não podem demonstrar a opacidade do mercado nem mesmo dos descontos promocionais. Além disso, estas afirmações limitam‑se a indicar que os descontos promocionais são menos transparentes do que os descontos habituais, mas não explicam em que é que são pertinentes para a transparência do mercado e não permitem compreender como poderiam, por si só, compensar todos os outros factores de transparência do mercado identificados na decisão e assim suprimir a transparência necessária à existência de uma posição dominante colectiva.
321 Finalmente, no que se refere as observações que figuram na rubrica da decisão dedicada à apreciação da situação nos pequenos países, a Comissão refere antes de mais, no considerando 149 da decisão, que os PPV são utilizados da maneira bastante comparável nos grandes países. Refere, a este propósito, que o essencial das vendas é realizado sobre alguns PPV e que as empresas principais utilizam os PPV de forma paralela, precisando que «como atestam os números indicados relativos a cada um dos pequenos países, no que se refere aos Países Baixos e à Bélgica, os dois principais PPV da Sony e da BMG são praticamente idênticos». Daí conclui que existia entre os PPV das grandes casas discográficas um elevado nível de evolução semelhante. Resulta assim do considerando 149 que a Comissão constatou, nos pequenos países, uma transparência e um alinhamento dos PPV ainda mais acentuados do que nos grandes países.
322 Quanto aos descontos concedidos nos pequenos países, há que concluir que a rubrica em questão não contém qualquer observação relativa aos descontos promocionais e que estes não são mencionados. Muito pelo contrário, a Comissão refere no considerando 150 da decisão que, da mesma forma que nos cinco grandes países, os principais descontos praticados na totalidade dos pequenos países são os descontos habituais.
323 Por outro lado, embora a Comissão indique que a Sony e a BMG concedem descontos na factura de alcance muito importante, que o seu montante difere de um cliente para outro e que o seu nível difere também entre a BMG e a Sony, que esses não são tornados públicos e reduzem a transparência, não fornece todavia qualquer indicação quantificada da sua importância ou da sua variação. Além disso, não é explicado se, em caso afirmativo, as características do mercado não tornam, como nos grandes Estados, no mínimo, os descontos habituais transparentes. Da mesma forma, não é indicado se os descontos, habituais e/ou promocionais, conduzem a preços líquidos diferentes, pois a afirmação de que «a Comissão não demonstrou a existência de elementos de prova bastantes para confirmar que o paralelismo dos preços líquidos médios poderia ser imputado a uma colusão tácita» parece antes indicar que não é esse o caso.
324 Daqui decorre que a rubrica relativa aos pequenos países também não contém qualquer fundamentação da afirmação de que o mercado não é transparente devido aos descontos promocionais. De qualquer modo, a situação existente nos pequenos países não pode constituir fundamentação válida da afirmação relativa ao grau de transparência dos mercados dos grandes países.
325 Resulta de tudo o exposto que é procedente a acusação relativa à fundamentação insuficiente da afirmação relativa à transparência do mercado, o que justifica em si a anulação da decisão.
326 A título superabundante, o Tribunal examinará no entanto as acusações e argumentos da recorrente segundo os quais os elementos apresentados pela Comissão com vista a demonstrar a insuficiência de transparência do mercado estão viciados por erro manifesto de apreciação.
b) Quanto à acusação baseada em erro manifesto de apreciação
327 Importa recordar, antes de mais, que as regras materiais do regulamento, em especial o seu artigo 2.°, conferem à Comissão um certo poder discricionário, designadamente no que respeita às apreciações de ordem económica. Consequentemente, a fiscalização pelo juiz comunitário, do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efectuada tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que fazem parte do regime das concentrações (acórdão Kali & Salz, n.° 245 supra, n.os 223 e 224, e Comissão/Tetra Laval, n.° 232 supra, n.° 38; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Gencor/Comissão, n.° 246 supra, n.os 164 e 165; Airtours/Comissão, n.° 45 supra, n.° 64; de 25 de Outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão, T‑80/02, Colect., p. II‑4519, n.° 119, e de 14 de Dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T‑210/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 60).
328 Todavia, o Tribunal da Justiça esclareceu que:
«Embora o Tribunal de Justiça reconheça à Comissão uma margem de apreciação em matéria económica, tal não implica que o tribunal comunitário se deva abster de fiscalizar a interpretação que a Comissão faz de dados de natureza económica. Com efeito, o tribunal comunitário deve, designadamente, verificar não só a exactidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são susceptíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram» (acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 232 supra, n.° 39).
329 É à luz destas considerações que importa examinar se as apreciações da Comissão relativas à transparência do mercado estão viciadas por erro manifesto.
330 A recorrente observa em primeiro lugar que, antes de a decisão ser adoptada, os mercados da música gravada tinham sido considerados suficientemente transparentes para permitir uma posição dominante colectiva.
331 A recorrente recorda, a este propósito, que no âmbito do exame do projecto de concentração entre a EMI e a Time Warner, a Comissão tinha declarado que o mercado da música gravada é caracterizado por produtos a preços estandardizados (standardised pricing products) e é «muito transparente» (v. n.os 37, 38 e 57 da comunicação de acusações relativa ao projecto de concentração EMI/Time Warner).
332 Acrescenta que, no seu relatório do mês de Setembro de 2002 sobre o mercado da música gravada no Reino Unido («Wholesale supply of compact discs»), o Office of Fair Trading considerou igualmente que o mercado apresentava um elevado grau de transparência e identificou uma série de factores (em particular, a publicação semanal de hit‑parades, a venda em comum e as visitas regulares dos retalhistas para verificar os stocks) que tornavam disponíveis mais informações sobre os concorrentes do que em muitas outras indústrias (v. n.° 114 da comunicação de acusações).
333 Finalmente, a recorrente alega que, no caso presente, após um primeiro exame do projecto de concentração entre a Sony e a Bertelsmann, notificado em 9 de Janeiro de 2004, e uma primeira investigação no mercado, nomeadamente junto dos retalhistas e das empresas principais, a Comissão, por decisão de 12 de Fevereiro de 2004, concluiu que a operação suscitava dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum e, portanto, deu início ao procedimento em conformidade como artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento. No decurso deste procedimento, a Comissão prosseguiu a sua investigação e dirigiu uma série de pedidos de informações às partes na concentração (em 19 de Fevereiro, 5 de Março, 17 de Março, 23 de Março, 1 de Abril e 10 de Maio de 2004), às outras empresas principais (11 de Março e 10 de Maio) assim como aos diferentes actores do mercado (v. nomeadamente o questionário aos retalhistas de 16 de Abril de 2004). Face ao exame do conjunto dos dados e informações obtidos, assim como das discussões com a Sony e a BMG, a Comissão emitiu, em 24 de Março de 2004, uma comunicação da acusações, na qual concluiu provisoriamente que a operação era incompatível com o mercado comum, nomeadamente porque reforçaria uma posição dominante colectiva no mercado da música gravada.
334 A recorrente sublinha que, na comunicação de acusações, a Comissão, por um lado, afirmou existir um paralelismo dos preços das empresas principais, tanto brutos como líquidos e, por outro, considerou que o mercado era suficientemente transparente para permitir o desenvolvimento de uma posição dominante colectiva das empresas principais e a vigilância de uma coordenação dos preços (v. nomeadamente, o n.° 93 da comunicação de acusações. Nos n.os 94 a 115 da comunicação de acusações, a Comissão analisou, quanto a este aspecto, dez factores que tornam o mercado da música gravada particularmente propício à coordenação e facilitam o controlo desta. Assim, a Comissão realçou: a) a homogeneidade do produto; b) o número limitado de PPV; c) o número limitado de álbuns pertinentes; d) a publicação semanal de hit‑parades; e) a estabilidade da clientela; f) a relativa estabilidade das partes de mercado; g) o número elevado de contactos devidos à integração vertical das empresas principais; h) o número elevado de laços estruturais entre as empresas principais, tais como as joint ventures para as compilações e a distribuição, assim como os acordos de licença e de distribuição; i) a participação conjunta nas associações da indústria; j) a negociação conjunta dos direitos de autor.
335 Assim, embora se verifique que, contrariamente à apreciação efectuada pela Comissão na decisão, o mercado em causa tinha sido considerado, tanto pela Comissão como pela autoridade da concorrência do Reino Unido, no que respeita ao mercado britânico, muito transparente e, em todo o caso, suficientemente transparente para permitir a vigilância necessária de uma coordenação tácita dos preços, esta circunstância não pode todavia, por si só, demonstrar que a posição oposta adoptada pela Comissão na decisão está viciada por erro manifesto de apreciação. Com efeito, por um lado, as apreciações feitas por uma autoridade nacional de concorrência não podem de maneira alguma vincular a Comissão na sua análise e, por outro, conforme foi acima recordado, a comunicação de acusações constitui apenas um documento preparatório cuja apreciações são de carácter meramente provisório e a Comissão tem obrigação de ter em conta os elementos recolhidos durante o procedimento administrativo, assim como os argumentos aduzidos pelas empresas em questão, para abandonar as acusações que, definitivamente, se revelaram infundadas. Esta observação aplica‑se naturalmente a fortiori quando se trata de apreciações provisórias efectuadas vários anos antes no âmbito do exame de outra operação de concentração ou de apreciações emitidas por outra autoridade de concorrência num contexto diferente. Isto não significa todavia que a comunicação de acusações não tenha valor ou pertinência. Com efeito, sob pena de privar do mínimo valor qualquer procedimento administrativo de investigação, a Comissão deve, não só ter possibilidade de explicar, não na decisão, é certo, mas pelo menos no âmbito do processo perante o Tribunal, as razões pelas quais considera que as suas apreciações provisórias estavam erradas, mas sobretudo as apreciações contidas na decisão devem ser compatíveis com as conclusões de facto constantes na comunicação de acusações na medida em que não esteja provado que estas eram inexactas.
336 A recorrente sustenta a seguir, a título principal, que todas as provas recolhidas pela Comissão e contidas tanto na comunicação de acusações como na decisão indicam que os preços praticados pelas empresas principais são transparentes e certamente bastante transparentes para permitir uma coordenação tácita. A Comissão não apresentou qualquer prova demonstrando a opacidade do mercado, tendo‑se limitado a deduzir das alegadas variações dos descontos que estas poderiam reduzir a transparência. A recorrente formula uma série de acusações relativas às considerações sobre os descontos e sustenta que a Comissão atribuiu uma importância excessiva aos descontos, em particular promocionais, sem mesmo ter examinado a sua pertinência.
337 Importa examinar sucessivamente as acusações e argumentos relativos aos factores de transparência do mercado referidos na decisão e seguidamente os que visam contestar os alegados factores de opacidade, confrontando‑os simultaneamente com os argumentos e elementos de prova apresentados pela recorrida e pelas intervenientes, apesar de numerosos elementos ou argumentos estarem ligados entre si e de apreciação da transparência do mercado dever assentar numa análise global de todos os elementos pertinentes.
Factores de transparência referidos na decisão
338 Em primeiro lugar, há que recordar que os preços de venda brutos das empresas principais aos seus clientes (retalhistas, supermercados, etc.) são públicos, dado que figuram nos seus catálogos. Esta é, incontestavelmente uma fonte muito importante de transparência em matéria de preços. É certo que o considerando 76 da decisão refere apenas que «os PPV são bastante transparentes, dado que figuram nos catálogos das empresas principais» e que «parece assim possível controlar os preços [de] catálogo das outras empresas principais». Todavia, esta formulação moderada não pode relativizar a constatação de transparência dos preços brutos, pois a Comissão não invocou, nem na decisão nem no processo perante o Tribunal, qualquer elemento com vista a explicar que os preços brutos eram apenas «bastante transparentes». De resto, na comunicação de acusações (n.° 81), a Comissão observava a este propósito o seguinte:
«A Comissão considera que é extremamente fácil para as empresas principais vigiar os PPV a que são lançados no mercado os novos álbuns de êxito, pois estes PPV estão à disposição do público nos catálogos das empresas principais».
339 Em segundo lugar, há que sublinhar que vem referido na decisão que, se bem que as partes na concentração tenham afirmado que utilizavam mais de 100 PPV, a Comissão constatou que cada empresa principal gerou com os seus três principais PPV, conforme os países, mais de 55% a mais de 80% do total das suas 100 melhores vendas. Esta concentração do essencial das vendas de álbuns num número muito limitado de preços de referência, que é confirmada pelas respostas das empresas principais, tem como efeito facilitar a coordenação dos preços, como aliás foi sublinhado pela Comissão no n.° 96 da comunicação de acusações: «Este sistema de preços facilita a coordenação, uma vez que fornece uma informação fácil de interpretar no que diz respeito ao nível a que as empresas principais fixam os preços da maior partes das suas vendas».
340 É certo que na sua resposta, a Comissão invocou a complexidade dos preços por grosso na medida em que os álbuns individuais têm diversos graus de êxito, o que influirá sobre a fixação inicial do PPV quando do lançamento do álbum e sobre as suas evoluções ulteriores, de modo que será difícil determinar se o PPV de um álbum é alterado para apoiar um êxito em declínio ou no quadro de uma estratégia de «desvio». Antes de mais, há que concluir que este aumento não encontra qualquer apoio na decisão e está mesmo em contradição com as afirmações nela feitas. Com efeito, conforme é referido acima, a Comissão declarou, no considerando 76 da decisão (e nos considerandos correspondentes relativos aos outros países), que apesar de as empresas principais terem afirmado utilizar mais de 100 PPV, apenas utilizam dois ou três PPV para o essencial das suas vendas. Além disso, vem exposto no considerando 110 da decisão que «apesar desta heterogeneidade dos conteúdos, as modalidades de tarificação e de comercialização dos álbuns nos mercados grossistas parecem bastante estandardizadas». Há que observar, seguidamente, que sendo o grau de êxito de um álbum conhecido a todo o momento graças aos hit‑parades, as empresas principais poderão, contrariamente ao que sustenta a Comissão, determinar facilmente se a alteração do PPV de um álbum se inscreve ou não na política de preços acordada.
341 Em terceiro lugar, o considerando 111 da decisão refere o seguinte:
«Embora as vendas de álbuns sejam feitas com base num número limitado de preços de referência, a variedade dos álbuns propostos a diferentes preços [de] catálogo pode complicar o controlo da observância de um acordo. As empresas principais devem, todavia, que controlar os preços de referência de um número limitado de álbuns entre os melhor vendidos para seguir o grosso das vendas. Decorre dos dados fornecidos pelas partes na concentração que os 20 títulos melhor vendidos em cada ano representam pelo menos a metade das vendas anuais da BMG em todos os países, excepto na Alemanha» (v. também o n.° 85 da comunicação de acusações).
342 Na sua resposta, a Comissão alegou todavia que, como o grau de êxito futuro não é previsível com uma certeza total antes do lançamento de um dado álbum (e a duração do êxito após o seu lançamento também não), uma coordenação bem sucedida necessitaria de um acompanhamento constante dos PPV sobre um número de álbuns individuais muito mais importante do que o número de álbuns subsequentemente contabilizados como os que mais contribuíram para o volume de negócios de cada empresa principal.
343 Há que concluir que esta argumentação não encontra qualquer apoio na decisão, segundo a qual as empresas principais apenas têm que controlar os preços de referência de um número limitado de álbuns entre os melhor vendidos para acompanhar o grosso das vendas. Este acompanhamento é, de resto, facilitado em larga medida pelos hit‑parades que fornecem a todo o momento uma indicação muito precisa sobre a evolução do êxito dos diferentes álbuns.
344 Além disso, conforme sublinha com razão a recorrente, a decisão refere também que «a Comissão encontrou determinados elementos segundo os quais os PPV poderiam ter sido utilizados como base para alinhar os preços». A afirmação da Comissão de que esta constatação não é definitiva não pode, evidentemente, ser tida em consideração, pois a decisão constitui, por definição, a última fase do procedimento de exame da concentração e a Comissão não faz referência a qualquer elemento da decisão que infirmasse ou temperasse essa afirmação. Quando muito, a Comissão invoca o facto de as partes na concentração terem apresentado elementos de prova demonstrando que as combinações de PPV correspondentes aos melhores 20 álbuns de cada uma mudavam frequentemente numa forte proporção de um trimestre para outro e que a imprevisibilidade do êxito obrigaria cada empresa principal a vigiar os PPV de mais de 80 álbuns (ou 60 após a concentração) produzidos pelos seus concorrentes. Ora, esta afirmação, precisamente, não foi reproduzida na decisão e, pelo contrário, é contradita pelas afirmações nela feitas.
345 Há igualmente que concluir que os dados elaborados pelos economistas das partes na concentração, para além de não se ver em que é que podem permitir chegar à conclusão que a Comissão deles retira, não são claros e não se mostram fiáveis. Assim, é pelo menos surpreendente que os PPV tenham podido aumentar, de um trimestre para outro, nas proporções indicadas [confidencial].
346 De qualquer modo, o número de álbuns que, segundo a Comissão, deveria ser vigiado não parece elevado a ponto de tornar esse exercício impossível ou mesmo particularmente pesado ou oneroso, tanto mais que, como a Comissão reconhece, os hit‑parades semanais facilitam consideravelmente o acompanhamento.
347 Resulta do que antecede que três factores – carácter público dos preços brutos (PPV), número limitado de preços de referência e número limitado de álbuns a vigiar – referidos na decisão são susceptíveis de criar uma forte transparência dos preços.
348 Além disso, conforme vem indicado no considerando 112 da decisão, «existem no mercado outros dispositivos que aumentam a transparência e poderiam facilitar o controlo da observância de um acordo».
349 Em primeiro lugar, a decisão refere, no considerando 112, que «a publicação de [hit‑parades] semanais fornecendo informações sobre as vendas por título permite detectar muito facilmente os títulos que passam a ‘grandes êxitos’ e geram a maior parte das vendas». Os hit‑parades constituem assim uma fonte importante de transparência, na medida em que permitem não só identificar, em qualquer momento, os álbuns mais vendidos, mas também verificar se os álbuns são vendidos a um preço correspondente ao seu nível de êxito, dado que os PPV são públicos. De resto, a decisão precisa que «esta publicação semanal sobre as vendas por título facilita consideravelmente o controlo pelas empresas principais».
350 Em segundo lugar, o mercado é «caracterizado por relações estáveis e duradouras entre os retalhistas e as empresas principais», pois cada retalhista deve propor os produtos de todas as grandes casas (considerando 112 da decisão).
351 Em terceiro lugar, segundo a decisão, há apenas um número limitado de actores no mercado, sendo uma grande parte das vendas encaminhada para um número limitado de clientes. Conforme vem exposto no considerando 112 in fine, esta situação «favorece a adopção de estratégias de cooperação que servem os interesses das empresas principais e facilita o controlo e a circulação das informações».
352 Em quarto lugar, a Comissão constatou a existência de um controlo do mercado retalhista. Segundo o considerando 113 «a investigação revelou que a Sony e BMG [tinham] estabelecido um sistema de relatórios semanais que incluíam informações sobre os concorrentes».
353 É certo que, na sua resposta, a Comissão alega que os relatórios que lhe foram remetidos pelas partes na concentração não continham informações sobre os descontos e que não pôde demonstrar que esses relatórios garantiam um grau de transparência suficiente dos descontos promocionais concedidos pelos concorrentes.
354 Importa referir a este propósito, antes de mais, que, seja qual for o grau de precisão das informações sobre os preços de venda brutos, líquidos ou a retalho ou sobre os descontos, contidas nesses relatórios, estes constituem, como aliás refere a decisão, um factor suplementar de transparência do mercado. De resto, resulta dos relatórios semanais apresentados pela Comissão que estes contêm informações sobre os stocks de álbuns da concorrência e a sua evolução.
355 Importa observar seguidamente que se trata apenas de alguns exemplos de relatórios semanais apresentados pelas próprias partes na concentração.
356 [confidencial]
357 [confidencial]
358 [confidencial]
359 [confidencial]
360 [confidencial]
361 Em quinto lugar, vem referido no considerando 113 da decisão que as estruturas de vendas das empresas principais mantêm contactos regulares e permanentes com os retalhistas e os grossistas, processando‑se as negociações sobre os apoios e descontos promocionais frequentemente numa base semanal. Embora a existência de contactos com os retalhistas nada tenha de anormal, a frequência dos contactos permite todavia às estruturas de vendas obter informações mais precisas sobre a concorrência e as condições que nesta se praticam e seguir quase em tempo real as evoluções dos êxitos dos diferentes álbuns dos concorrentes. No caso presente isso é tanto mais assim que, conforme vem referido no considerando 112 da decisão, a natureza do mercado é tal que cada retalhista deve propor os produtos de todas as empresas principais, de modo que cada empresa principal está em contacto permanente com todos os clientes dos seus concorrentes e pode assim obter informações precisas sobre as condições praticadas por estes. Verifica‑se igualmente que o essencial das vendas é encaminhado para um número limitado de clientes. Estes elementos são susceptíveis de criar uma grande transparência do mercado. De resto, a Comissão concluiu, no considerando 112 da decisão, que esta situação «favorec[ia] a adopção de estratégias de cooperação servindo os interesses das grandes casas discográficas e facilita[va] o controlo e a circulação das informações».
362 Decorre destes cinco elementos suplementares que a transparência já forte que resultava dos três primeiros factores acima mencionados (em particular a publicação dos preços de venda) aumentou ainda mais. Importa observar, a este propósito, que no n.° 116 da comunicação de acusações a Comissão tinha, aliás, concluído que «a estrutura do mercado [era] tal que a informação circula[va] facilmente e que a vigilância, por parte das empresas principais, dos princípios directores de cada uma era apenas de rotina».
363 Importa agora examinar se os elementos invocados pela Comissão como fonte de opacidade do mercado são a tal ponto importantes que permitem afastar a conclusão de que o mercado é suficientemente transparente para permitir vigiar a observância da política comum decidida em matéria de preços.
Elementos susceptíveis de tornar o mercado opaco
364 Não obstante as numerosas fontes de transparência acima recordadas, a Comissão, conforme resulta do considerando 157 da decisão, concluiu todavia pela inexistência de posição dominante colectiva, em razão dos défices declarados ao nível da transparência real.
365 Resulta da rubrica ad hoc dedicada ao exame da transparência do mercado que esta apreciação assenta na afirmação, constante do considerando 111 da decisão, segundo a qual «é igualmente necessário um certo controlo ao nível do produto individual, ou seja, o álbum, em particular no que diz respeito aos descontos promocionais». Este considerando refere ainda que «a investigação de mercado mostra que esta necessidade poderia reduzir a transparência no mercado e tornar mais difíceis os acordos tácitos» e que «a Comissão não encontrou elementos de prova bastantes para concluir que estas dificuldades [tinham] podido ser ultrapassadas no passado». Vem precisado, a este propósito, no considerando 113 da decisão, que a Comissão não tinha «encontrado elementos bastantes para demonstrar que, controlando os preços a retalho ou utilizando estes contactos com os retalhistas, as grandes casas discográficas [tinham] podido no passado suprir o défice de transparência em matéria de descontos, nomeadamente promocionais». Daqui decorre que foi devido aos descontos, ou pelo menos dos descontos promocionais, que a Comissão considerou que o mercado não era suficientemente transparente para permitir a instauração de uma posição dominante colectiva.
366 A este propósito importa observar, a título preliminar, que a Comissão não concluiu na decisão que, devido aos descontos, o mercado não era transparente, nem mesmo que os descontos afectavam a transparência ou o grau de transparência necessário para permitir uma posição dominante colectiva, mas quando muito que poderiam «tornar os acordos tácitos mais difíceis». Nestas condições e face ao carácter público e, portanto, transparente dos PPV e de todos os outros factores que, segundo os próprios termos da decisão, aumentam a transparência do mercado e facilitam o controlo da observância de um acordo, as observações e considerações contidas na rubrica ad hoc dedicada ao exame da transparência do mercado não permitem, conforme foi entendido no âmbito da acusação relativa à fundamentação, justificar a apreciação segundo a qual o mercado não é suficientemente transparente.
367 Todavia, no âmbito da rubrica dedicada ao exame da política comum de preços, a Comissão constatou, em termos idênticos relativamente aos cinco grandes países, flutuações dos descontos resultantes no essencial dos descontos promocionais, e afirmou não ter podido demonstrar um grau de transparência suficiente dos descontos promocionais (considerandos 79 e 80 da decisão no que se refere ao Reino Unido e, respectivamente considerandos 86 e 87, 93 e 94, 100 e 101 e 107 e 108 no que se refere aos outros países).
368 A apreciação da Comissão assenta na ideia, adiantada explicitamente nos seus articulados e subjacente à decisão, segundo a qual uma coordenação tácita em matéria de preços só pode ser efectiva se disser respeito aos preços de venda líquidos, isto é, aos preços brutos – ou seja, no caso em apreço, os PPV menos os descontos. Com efeito, de nada serviria seguir uma política comum ao nível dos PPV, e poder vigiar o respeito da mesma, se descontos secretos e opacos aniquilassem os efeitos desta coordenação dos preços de catálogo.
369 Resulta da decisão (considerando 73) que as empresas principais concedem descontos de vários tipos: descontos na factura (habituais e promocionais), descontos retrospectivos e pagamentos nos termos de acordos de cooperação comercial. É facto assente que só os descontos na factura foram considerados pertinentes pela Comissão para apreciar a transparência. Com efeito, por um lado, segundo o considerando 73 (e igualmente segundo o considerando 151), a investigação mostrou que as despesas a título dos acordos de cooperação comercial constituíam mais uma forma de remuneração das acções de comercialização do que um verdadeiro desconto e, por outro, os descontos retrospectivos são, segundo os considerandos 78, 92, 99 e 106 da decisão, inexistentes ou baixos e, conforme vem referido no considerando 151 da decisão, sendo «uma espécie de ‘desconto de fidelidade’, não têm um efeito imediato sobre a concorrência através dos preços». De resto, todos os considerandos da decisão relativos à transparência dos descontos (considerandos 111 e 113 na rubrica ad hoc relativa à transparência e considerandos 79 e 80 na rubrica relativa à política comum em matéria de preços para o Reino Unido, assim como os considerandos correspondentes para os outros grandes Estados) contêm apenas observações sobre a transparência unicamente dos descontos na factura (habituais e promocionais). Da mesma forma, nos articulados apresentados no Tribunal, a Comissão invocou unicamente a falta de transparência dos descontos na factura.
370 Há que concluir, antes de mais, que os considerandos 111 e 113 não contêm afirmações específicas, limitando‑se na realidade a remeter para as observações formuladas na rubrica dedicada ao exame da política comum em matéria de preços (ou seja, os considerandos 79 e 80 para o Reino Unido e os números correspondentes para os outros países, que são formulados exactamente nos mesmos termos).
371 Importa todavia sublinhar que a remissão diz respeito, pelo menos expressamente, apenas aos descontos promocionais e não aos descontos habituais. Com efeito, por um lado, o considerando 111 faz referência à necessidade de um controlo ao nível do álbum «em particular no que diz respeito aos descontos promocionais» e, por outro, o considerando 113 in fine menciona o «défice de transparência em matéria de descontos, nomeadamente promocionais, invocado a propósito dos cinco grandes Estados‑Membros». Decorre assim das observações contidas na rubrica ad hoc sobre a transparência que a opacidade só resulta dos descontos promocionais. Esta análise é de resto confirmada pelos considerandos 79 e 80. Vem assim afirmado, no considerando 79 da decisão, que as flutuações dos descontos «resultavam no essencial dos descontos promocionais, utilizados de maneira mais flexível do que os descontos habituais que são em geral fixados anualmente». Da mesma forma, vem referido no considerando 80 da decisão que as empresas principais têm «conhecimento, em certa medida, dos descontos habituais concedidos pelos seus concorrentes, dada a sua interacção permanente com a clientela» e que «os descontos promocionais são menos transparentes do que os descontos habituais». De resto, não é afirmado, e muito menos demonstrado, em qualquer lugar da decisão que os descontos habituais são opacos ou insuficientemente transparentes.
372 Nos articulados apresentados no Tribunal, a Comissão admitiu igualmente o carácter bastante transparente dos descontos habituais, na medida, nomeadamente, em que são fixados anualmente e se aplicam a todas as vendas do cliente (a taxas eventualmente diferentes para a música pop, a música clássica ou álbuns que são objecto de publicidade na televisão) e, de resto, não apresentou argumentos com vista a demonstrar a opacidade apenas dos descontos promocionais. Na sua resposta, a Comissão explicou igualmente ter atribuído tal importância aos descontos promocionais devido à necessidade de controlar todas as componentes dos preços líquidos, dado que os PPV relativamente transparentes e um certo conhecimento dos descontos habituais não eram suficientes se os descontos promocionais opacos importantes fossem uma fonte de flutuação dos preços líquidos. Afirmou também não poder chegar à conclusão de que as empresas principais conheciam com certeza as verdadeiras práticas de fixação dos preços líquidos de outra empresa principal «perante a prova de uma relativa transparência dos PPV, de algumas provas de uma certa transparência dos descontos habituais e de provas sólidas do carácter opaco e complexo dos descontos promocionais». Finalmente, nas suas observações finais, a Comissão referiu mesmo expressamente ter concluído na decisão «por um grau importante de transparência, tanto dos PPV como dos descontos habituais».
373 Consequentemente, tanto da própria decisão como da argumentação desenvolvida pela Comissão perante o Tribunal, resulta que o único elemento de opacidade do mercado alegado decorre de uma menor transparência dos descontos promocionais.
374 Há que concluir, antes de mais, que só o considerando 80 da decisão (e os correspondentes considerandos 87, 94, 101 e 108 quanto aos outros quatro grandes países, que estão redigidos de maneira idêntica) tem expressamente por objecto a transparência dos descontos. Vem exposto aí o seguinte:
«No que diz respeito à transparência dos descontos, as respostas dos clientes [...] à investigação realizada pela Comissão no mercado, mostraram que, na sua maioria, as grandes casas discográficas tinham conhecimento, em certa medida, dos descontos habituais concedidos pelos seus concorrentes, dada a sua interacção permanente com a mesma clientela. Verifica‑se todavia que os descontos promocionais são menos transparentes do que os descontos habituais e que o seu controlo exige uma observação rigorosa da evolução deste tipo de descontos no mercado retalhista.»
375 Importa observar, a este propósito, que, no que se refere à maior parte dos grandes países, as respostas mencionadas nas notas explicativas de rodapé relativas aos considerandos 80, 87, 94, 101 e 108 da decisão indicam um grau de transparência superior ao mencionado na decisão. Assim, a nota de rodapé n.° 55 precisa que «os cinco retalhistas italianos que responderam à questão referiram que as grandes casas discográficas conheciam os PPV e os descontos aplicados pelos seus concorrentes», sendo a proporção de três para quatro no que refere aos retalhistas franceses, declarando o quarto que não podia pronunciar‑se (v. nota de rodapé n.° 49). Com excepção de um único cliente britânico, quanto a cada um dos outros países, a nota explicativa indica apenas que pelo menos um retalhista respondeu que as empresas principais não conheciam os descontos. Do mesmo modo, com excepção de um único retalhista em oito, na Alemanha nenhum retalhista, segundo as notas explicativas, precisou que as empresas principais só em certa medida tinham conhecimento dos descontos praticados pelos seus concorrentes.
376 Por outro lado, importa sublinhar que nenhuma das notas explicativas precisa que os retalhistas responderam que as empresas principais só conheciam os descontos habituais e não os descontos promocionais, pois as respostas só se referem aos descontos sem distinção.
377 Assim, há que concluir que os elementos de prova, tal como são mencionados na decisão, não permitem alicerçar as conclusões que deles são extraídas.
378 Verifica‑se, seguidamente, depois que as conclusões que deles são extraídas na decisão se demarcam igualmente, de forma muito nítida, das conclusões constantes da comunicação de acusações.
379 Assim, a comunicação de acusações referia, no n.° 81, que «a Comissão considera que existem provas suficientes de que as empresas principais estão ao corrente das respectivas condições comerciais». Mais ainda, dela decorre que não se trata tanto de uma apreciação da Comissão, susceptível de ser alterada, mas antes de uma conclusão de facto resultante da sua investigação. Com efeito, o n.° 92 da comunicação de acusações precisa: «A informação obtida junto dos retalhistas indica que as empresas principais não só têm conhecimento das suas listas de preços respectivas, mas têm também conhecimento dos seus descontos e práticas comerciais respectivas. Alguns dos revendedores mais importantes em França, no Reino Unido e na Alemanha informaram a Comissão que pensavam que as empresas principais tinham um bom conhecimento das suas condições comerciais respectivas.» Da mesma forma, a nota explicativa n.° 54 da comunicação de acusações relata que os retalhistas declararam: «As empresas principais estão familiarizadas com os leques de descontos praticados pelos seus concorrentes. É do conhecimento geral que as equipas comerciais das empresas principais estão ao corrente dos descontos sobre as operações comerciais concedidos pelas casas discográficas. Um cliente declarou que as empresas principais conheciam os descontos respectivos com uma precisão de 0,5 a 1%.» A Comissão prossegue no n.° 92 da comunicação de acusações nestes termos: «Numerosos revendedores pensam também que é uma prática comum utilizar as condições obtidas por parte de uma das empresas principais para negociar uma posição com as outras empresas principais» citando, na nota explicativa n.° 55, a seguinte resposta de um retalhista: «Nas negociações comerciais, é feita referência às condições e descontos aplicados por outras empresas principais. O número reduzido de fornecedores permite facilmente às empresas principais terem uma imagem completa das condições que aplicam e de se alinharem em conformidade.» Finalmente, embora se trate mais de uma apreciação do que de uma constatação, a Comissão referia no n.° 79 da comunicação de acusações: «O acordo de mercado confirmou que as estruturas de vendas das empresas principais estão em contacto regular e permanente com os retalhistas e os grossistas [...] Por outro lado, dado que são publicadas diferentes classificações, as empresas principais podem assim vigiar se as outras empresas principais oferecem descontos adicionais sobre os álbuns com mais êxito.»
380 A leitura da resposta da Comissão suscita por outro lado, ainda mais interrogações. A Comissão, na nota de rodapé n.° 45, relativa ao n.° 51 da sua resposta alega: «As partes notificantes alegaram que um certo número da respostas positivas dizia respeito apenas aos PPV ou não fazia distinção entre os PPV e os descontos. Cinco respostas apenas, num total de 36 respostas acessíveis provenientes de todos os países indicaram expressamente que existia uma certa transparência dos descontos; o ponto de vista oposto foi defendido expressamente em onze respostas.» Embora o primeiro período indique, é certo, que se trata apenas de um argumento apresentado pelas partes na concentração, o segundo período é em contrapartida apresentado como uma conclusão de facto da Comissão. Ora, há que concluir que esta afirmação está em contradição manifesta com a apresentação das respostas dos retalhistas contida na decisão, uma vez que, nas notas de rodapé n.os 49, 52, 55 e 57 da decisão se afirma, conforme acima exposto, que a grande maioria dos retalhistas tinha respondido que as empresas principais tinham conhecimento dos descontos dos seus concorrentes, sem indicar se se tratava apenas de um conhecimento parcial e aproximativo, e nenhum (com excepção de um retalhista britânico) afirmou que os descontos não eram transparentes. O argumento da Comissão não pode portanto ser acolhido. Por outro lado, a resposta da Comissão refere‑se apenas às respostas de 36 retalhistas, quando existem pelo menos 42, que as partes na concentração, de resto, comentaram na sua nota sobre a transparência de 17 de Junho de 2004.
381 Seguidamente, resulta das respostas da Comissão às questões escritas do Tribunal que as conclusões que ela extraiu da investigação feita aos retalhistas se explicam, em parte, pela circunstância de ter seguido a argumentação desenvolvida pela partes na concentração na sua resposta à comunicação de acusações e numa nota sobre as transparência dos preços apresentada em 17 de Junho de 2004 após a audição na Comissão, segundo a qual as respostas afirmativas dos retalhistas que não esclareciam se estes faziam referência aos PPV e/ou aos descontos deviam ser afastadas.
382 Antes de examinar a rectidão desta explicação, referira‑se antes de mais, que é surpreendente o atraso como que foi dada. Uma vez que o grau de transparência constitui, no caso presente, a questão essencial, é difícil compreender que esta explicação relativa ao principal elemento de prova não figure na decisão nem sobretudo na resposta, nem sequer nas observações complementares, mas só tenha sido apresentada na véspera da audiência em resposta a uma questão específica do Tribunal.
383 No que se refere à justeza do argumento, importa recordar que o questionário enviado pela Comissão aos retalhistas colocava a questão seguinte: «De acordo com a experiência do vosso serviço de compras, as casas discográficas conhecem os PPV e os descontos dos seus concorrentes?» Conforme a recorrente acertadamente observou, não há qualquer razão válida para considerar que as respostas afirmativas (de resto, expressas por vezes em termos muito categóricos, como «evidentemente», absolutamente» ou «certamente») dos retalhistas que não esclareceram se faziam referência aos preços e/ou aos descontos não podem ser tidas em consideração. Com efeito, deve logicamente entender‑se uma resposta à questão, tal como estava formulada, quer seja afirmativa ou negativa se refere aos dois pontos em causa se não contiver qualquer restrição ou precisão. Na hipótese de a Comissão considerar que, não obstante, subsistia uma dúvida quanto ao significado exacto das respostas, incumbia‑lhe, em particular face à importância que este ponto revestia para a decisão, verificar este ponto junto dos retalhistas em questão, o que aliás podia ter feito em prazos muito breves.
384 De qualquer modo, há que concluir que a afirmação das partes notificantes, avalizada pela Comissão, segundo a qual «cinco respostas apenas num total de 36 respostas indicaram expressamente que existia uma certa transparência, ao passo que o ponto de vista oposto foi defendido expressamente em onze respostas» é manifestamente errada.
385 No que se refere às alegadas onze respostas indicando expressamente que não existe transparência relativamente aos descontos, observe‑se que resulta da nota da Sony e da BMG de 17 de Junho de 2004 (anexo C.9 ao articulado de intervenção), antes de mais, que o número alegado é de dez respostas negativas e não de onze (v. p. 213) e que, na realidade, a nota só menciona sete, das quais apenas quatro dizem respeito aos grandes países que são objecto do exame principal na decisão. Verifica‑se, além disso, que quase nenhuma destas quatro respostas pode ser considerada uma resposta expressamente negativa. É evidente que não se pode entender que a resposta [confidencial] «em nossa opinião têm conhecimento dos PPV dos concorrentes» indica expressamente que as empresas principais não têm conhecimento dos descontos dos concorrentes. A outra resposta relativa ao mercado alemão indica «não em pormenor, mas têm conhecimento do preço mínimo da concorrência», o que também não constitui uma resposta expressamente negativa. A resposta que figura na página 61 [confidencial] relativa ao mercado do Reino Unido é a única resposta expressamente negativa «PPV – Sim. Descontos – Não», embora precise imediatamente que, «todavia, se um álbum é objecto de um desconto geral para os retalhistas, a redução do preço de venda médio a retalho que daí resulta será óbvia para todo o mercado». Finalmente, a outra resposta alegadamente negativa [confidencial] mencionada na nota de 17 de Junho de 2004 («não sabemos se as casas discográficas têm conhecimento dos PPV e dos descontos dos seus concorrentes») não figura nos autos. Com efeito, as outras quatro respostas relativas ao mercado do Reino Unido (tanto segundo a decisão como segundo os documentos enviados pela Comissão ao Tribunal, responderam cinco retalhistas britânicos) indicam respectivamente «PPV – Sim. Descontos – num leque de 0,5 a 2%» (p. 56), «Evidentemente» (p. 58, «Sim» (p. 63), «as casas discográficas estão efectivamente ao corrente dos PPV dos seus concorrentes [...] acredita que estas estão igualmente familiarizadas com os leques de descontos» (p. 65) (este retalhista indica igualmente, na resposta à questão seguinte que «nas negociações comerciais é feita referência às condições e descontos praticados pelas outras empresas principais» e que «o número reduzido de fornecedores permite facilmente às empresas principais terem uma imagem completa das condições que aplicam e de se alinharem em conformidade». Há que concluir que todas as respostas dos clientes britânicos, longe de serem expressamente negativas, manifestam claramente, pelo contrário, uma transparência bastante grande tanto dos PPV como dos descontos.
386 Resulta, além disso, do exame das referidas respostas dos retalhistas, apresentadas pela Comissão na véspera da audiência, que estas não apoiam as conclusões que a Comissão extraiu dessas respostas. Com efeito, numerosas respostas manifestam a transparência dos descontos ou o conhecimento destes pelas empresas principais.
387 Resulta do exposto que a apreciação das respostas dos retalhistas feita pela Comissão está viciada por erro manifesto.
388 Seguidamente, no que se refere à distinção efectuada na decisão entre a transparência dos descontos habituais e a dos descontos promocionais, resulta da resposta que foi com base na análise, feita pelas partes na concentração, das respostas dos retalhistas, das declarações dos quadros nacionais da Sony e da BMG (anexo B.2) e dos relatórios de acompanhamento dos representantes comerciais que a Comissão concluiu que, embora a transparência possa referir‑se aos PPV e, em certa medida, aos descontos habituais, não é provavelmente extensiva aos descontos promocionais, que são negociados caso a caso.
389 Ora, nenhuma destas três fontes permite alicerçar a conclusão extraída pela Comissão. Em primeiro lugar, conforme acima exposto, a apreciação das respostas dos retalhistas feita pela Comissão, em conformidade com a análise das partes na concentração, está viciada por erro manifesto. Além disso, nenhuma resposta dos retalhistas, quer seja afirmativa ou negativa, efectua qualquer distinção entre os descontos habituais e os descontos promocionais. Em segundo lugar, é evidente que simples declarações dos representantes das partes na concentração não podem constituir uma prova válida da opacidade dos descontos promocionais. Em terceiro lugar, os relatórios semanais de acompanhamento dos representantes comerciais que incluem informações sobre os concorrentes constituem, conforme vem referido no considerando 113 da decisão, uma fonte suplementar de transparência do mercado. Assim, mesmo supondo que não contêm informações muito precisas sobre os descontos, em particular promocionais, estes relatórios não são, de qualquer modo, susceptíveis de demonstrar a opacidade daqueles. Acresce que, conforme foi constatado acima [confidencial].
390 Resulta do exposto que a apreciação da transparência do mercado efectuada na decisão está viciada por erro manifesto, na medida em que se apoia em elementos que não são susceptíveis de alicerçar as conclusões que daí são extraídas.
391 A título superabundante, o Tribunal examinará contudo também os argumentos relativos à variação e à complexidade dos descontos promocionais.
392 Nos considerandos 79, 86, 93, 100 e 107 da decisão, a Comissão constatou um certo grau de flutuação e, igualmente, diferenças entre os descontos na factura da Sony e da BMG para a maior partes dos seus principais clientes nos cinco grandes países (2 a 5% no Reino Unido, na Alemanha e em Espanha; 1 a 3% em Itália, sendo a situação sensivelmente diferente em França mas da mesma ordem de grandeza se for considerada a totalidade dos descontos). Vem igualmente referido o seguinte:
«Além disso, as partes [na concentração] comunicaram dados que mostram que os descontos na factura para um dado cliente variavam no tempo e de um álbum para outro e que os descontos concedidos para um dado álbum flutuavam de um cliente para outro. A investigação no mercado revelou que estas flutuações resultavam no essencial de descontos promocionais, utilizados de maneira mais flexível do que os descontos habituais.»
393 Na sua resposta, a Comissão apresentou vários quadros com o objectivo de mostrar a variação e a complexidade dos descontos. Daí decorre, em seu entender, que os descontos promocionais são menos transparentes do que os descontos habituais e que o seu acompanhamento necessita de uma observação minuciosa das promoções no mercado retalhista, e a Comissão não descobriu elementos de prova bastantes confirmando que as empresas principais tinha agido desta forma. Na sua resposta, a Comissão explicou ter examinado os elementos do preço líquido de um álbum individual (PPV, desconto habitual, eventual desconto promocional) e ter concluído que seria necessário um grau de transparência suficiente de todos os elementos para que uma grande casa discográfica possa ter razoavelmente a certeza de que conhece as verdadeiras práticas de fixação dos preços líquidos de outra casa discográfica, tais como se exprimem ao nível dos clientes e dos álbuns e que «não podia chegar a tal conclusão perante provas de uma relativa transparência dos PPV, algumas provas de uma certa transparência dos descontos habituais e provas sólidas do carácter opaco e complexo dos descontos promocionais».
394 Esta argumentação da Comissão suscita as seguintes observações.
395 Em primeiro lugar, é surpreendente que a Comissão se baseie nas variações dos descontos para demonstrar a falta de transparência. Nos articulados apresentados no Tribunal, a Comissão sublinhou com efeito, por várias vezes, a falta de pertinência da estabilidade ou do paralelismo dos preços líquidos ou dos descontos para apreciar a transparência do mercado. Assim, nomeadamente, sustentou que uma estabilidade importante dos descontos (médios) de uma casa discográfica não pode constituir prova da transparência necessária, que o interesse da Comissão pela transparência dos descontos não tinha por objecto verificar se as casas discográficas tinham seguido uma linha de acção comum, que os elementos de prova relativos à prática efectiva de descontos promocionais num dado momento só eram pertinentes para apreciar o grau efectivo de alinhamento dos preços, que um alinhamento estreito seja a que nível for não podia, de qualquer modo, ser considerado uma prova suficiente de coordenação, que um certo grau de estabilidade no tempo dos descontos concedidos por uma grande casa discográfica não era uma prova em si e que mesmo um grau elevado de previsibilidade estatística não demonstrava a existência de uma coordenação.
396 Da mesma forma, na sua nota de 17 de Junho de 2004 sobre os elementos de prova relativos à transparência, enviada após a audição na Comissão, as partes na concentração sustentaram que a questão 28 do questionário Fase II enviado aos clientes («Observou um alinhamento dos PPV, dos descontos ou de outros termos e condições entre as [empresas principais]?») não tinha qualquer conexão com a transparência dos preços («Claramente, face aos seus próprios termos, esta questão não diz respeito ao problema da transparência do preço»).
397 Em segundo lugar, há que recordar que as únicas observações relativas aos descontos contidas na secção ad hoc da decisão dedicada à transparência do mercado (considerandos 111 a 113 da decisão) limitam‑se, no que diz respeito aos descontos promocionais, a remeter para as afirmações feitas na secção relativas à análise da política comum dos preços nos cinco grandes países (ou seja, os n.os 77 a 80 no que se refere ao Reino Unido e os números correspondentes relativamente aos outros grandes países). Ora, no considerando 70 da decisão, a Comissão, para determinar se as empresas principais tinham efectivamente prosseguido um política de coordenação dos seus preços, afirmou que «os preços médios constitu[ía]m um bom instrumento para determinar se as grandes casas discográficas [tinham] um comportamento paralelo em matéria de preços». Daqui decorre que, segundo a própria decisão, para apreciar a transparência, a Comissão considerou poder basear‑se nos dados médios, e não nas variações pontuais, incluído em relação aos descontos promocionais.
398 No mínimo, não se afigura que a Comissão tenha procedido a uma análise séria das variações pontuais dos descontos promocionais e do impacto destes sobre a transparência do mercado ou dos preços. Resulta aliás do considerando 72 da decisão, que menciona os diferentes elementos analisados pela Comissão, que só foram examinados os dados médios sobre os descontos na factura (v. nota de rodapé n.° 43 da decisão). Tanto na comunicação de acusações como durante o procedimento administrativo, a Comissão considerou que os dados relativos aos preços, brutos e líquidos, e aos descontos médios permitiam apreciar a existência de uma posição dominante colectiva e, portanto, também se o mercado era suficientemente transparente. Só na sequência da audição de 14 e 15 de Junho de 2004 é que a Comissão alterou a sua apreciação e adoptou a tese defendida pelas partes na concentração, segundo a qual a complexidade e as variações dos descontos promocionais suprimem a transparência necessária, sem todavia proceder a novas investigações no mercado para verificar a justeza destas novas conclusões.
399 Em terceiro lugar, os argumentos e elementos de prova relativos às alegadas variações dos descontos promocionais apresentados pela Comissão na decisão e nos articulados apresentados no Tribunal suscitam, além disso, uma série de observações relativas, por um lado, ao seu grau de opacidade e, por outro, à sua pertinência.
– Quanto à opacidade dos descontos promocionais
400 Importa observar, a título preliminar, que nem na decisão nem em qualquer dos articulados apresentados no Tribunal, a Comissão definiu com precisão o que são os descontos promocionais, as condições em que são concedidos e a que estão sujeitos, a sua frequência, o seu montante ou o tipo de álbuns a que supostamente se aplicam. Parece todavia resultar dos autos, nomeadamente dos raros extractos das respostas dos concorrentes apresentados pela Comissão, que se trata de descontos pontuais de uma percentagem bastante elevada, que são concedidos para um determinado volume de álbuns especiais e por um período limitado, em casos específicos, tipicamente para escoar um stock importante.
401 Segundo o considerando 79 da decisão (e os números correspondentes para os outros grandes países), «as partes [na concentração] comunicaram dados que mostram que os descontos na factura para um dado cliente variam no tempo e de um álbum para outro e que os descontos concedidos para um dado álbum flutuavam de um cliente para outro». Embora este ponto da decisão mencione a categoria mais geral dos descontos na factura, é de considerar que a observação diz respeito na realidade unicamente aos descontos promocionais. Com efeito, conforme decorre da decisão e dos articulados da Comissão, os descontos habituais são negociados com cada um dos clientes para um ano inteiro e são aplicáveis a todas as vendas do cliente em questão. De resto, a Comissão prossegue, no considerando 79 da decisão, precisando que estas flutuações resultam no essencial dos descontos promocionais. A Comissão sustenta que estas variações de três tipos (por cliente, por álbum e no tempo) tornam os descontos promocionais opacos. Em apoio desta afirmação, a Comissão forneceu em anexo à sua resposta, uma série de quadros supostamente destinados a diversas variações (a seguir «novas provas»).
402 A este propósito, importa observar, antes de mais, que conforme a recorrente alegou com razão, um desconto promocional (campaign discount) parece destinado, por natureza, a ter carácter publicitário. Um desconto promocional, que é de uma percentagem elevada e vem juntar‑se ao desconto habitual, só será logicamente concedido pela casa discográfica a um retalhista na condição de este o repercutir sobre o consumidor final (através de uma diminuição clara de preço ou de uma melhor exposição) com vista a aumentar as vendas do álbum que beneficia do desconto. Isto é válido, por maioria de razão, conforme resulta do n.° 115 da comunicação de acusações, para os «royalties» (direitos de autor) são calculadas sobre o PPV de um álbum e não sobre o preço líquido, de modo que as empresas principais têm todo o interesse em limitar ao máximo a concessão de descontos.
403 Seguidamente, há que concluir que os únicos extractos das respostas dos concorrentes ao pedido de informações nos termos do artigo 11.° do regulamento apresentados pela Comissão no Tribunal, longe de confirmarem a afirmação da Comissão, testemunham, pelo contrário, o carácter público e transparente dos descontos promocionais.
404 Assim, segundo a resposta de uma das empresas principais:
«[Os descontos promocionais] podem ser utilizados para um novo lançamento a fim de promover um novo artista, de apoiar uma nova loja, de apoiar um programa ou uma campanha de venda em especial (a maior parte das vezes isso diz respeito a uma categoria inteira de discos) ou para promover um evento específico. Este tipo de desconto pode representar uma proporção significativa de um PPV [confidencial] e é importante pelo facto de ter como objectivo desenvolver determinadas vendas.»
405 As precisões quanto às condições em que estes descontos são concedidos, contidas na outra única resposta das empresas principais apresentada pela Comissão, destinam‑se igualmente a indicar que os mesmos se relacionam com eventos bem específicos facilmente detectáveis pelos concorrentes. Esta empresa principal afirma, com efeito:
«[Os descontos promocionais] são descontos oferecidos no âmbito de campanhas promocionais especiais. Estão ligados a lançamentos ou a grupos de lançamentos especiais. Por exemplo, se um artista está em tournée para promover um novo álbum, pode ser oferecido um desconto com vista a maximizar os volumes de venda desse álbum durante o período de tournée do artista. Da mesma forma, certos stocks sazonais (música de Natal) podem estar associados a uma campanha especial. Os descontos promocionais visam por vezes gravações mais antigas que já não têm grande êxito. Tipicamente [...] procurará vender uma grande quantidade de um disco em especial (ou de uma série de discos) que foram objecto de um desconto a um retalhista que, a seguir, os revende sob a forma de oferta especial. Por vezes são concedidos descontos para os novos lançamentos sobre as pré‑encomendas, afim de assegurar uma presença importante no ponto de venda. [...] Este tipo de desconto é sobretudo concedido aos novos artistas ou aos artistas em ascensão, quando [...] se pretende dar um impulso às vendas através de uma campanha promocional direccionada.»
406 Finalmente, resulta da resposta do produtor independente que, por um lado, os descontos promocionais se traduzem de forma visível por um preço de venda ao consumidor inferior e um melhor posicionamento na loja dos álbuns que deles beneficiam e, por outro lado, que as campanhas são frequentemente lançadas pelos próprios retalhistas que convidam os diferentes produtores a participar nelas (v. igualmente, neste sentido, as declarações dos representantes da Sony e da BMG, anexo B.2), o que lhes permite assim estarem ao corrente da existência das referidas campanhas de descontos.
407 Daqui decorre que, nem na decisão nem nas novas provas apresentadas pela Comissão, nenhuma informação de terceiros confirma o carácter opaco dos descontos promocionais.
408 Resulta todavia do considerando 79 da decisão e dos articulados apresentados pela Comissão no Tribunal que as partes na concentração forneceram dados que mostram que os descontos promocionais não estão suficientemente alinhados na medida em que variam no tempo, por cliente e por álbum. A Comissão e as intervenientes sustentam, em substância, que devido às variações e à complexidade dos referidos descontos o mercado não é suficientemente transparente.
409 A este propósito, há que recordar, antes de mais, que a Comissão tinha concluído, nos n.os 88 a 90 da comunicação de acusações, com base no exame dos dados de todas as empresas principais, que os descontos variavam mas eram estáveis, que, salvo algumas excepções, as diferenças eram bastante limitadas, que não havia absolutamente qualquer prova de que eram utilizados para alterar fundamentalmente as políticas de preços nem, em particular, para afectar os preços líquidos médios dos lançamentos de êxito (new hit releases), dado que os coeficientes entre os preços brutos e os preços líquidos eram muito estáveis no tempo e por álbuns.
410 Embora, como foi acima recordado, a Comissão tenha, é certo, o direito de alterar as suas apreciações efectuadas durante o procedimento administrativo, em especial para ter em conta as observações das partes interessadas, e não esteja obrigada a apresentar uma fundamentação quanto a este aspecto na decisão, importa, em contrapartida, que as afirmações constantes da decisão possam ser justificadas, pelo menos na fase do processo perante o Tribunal, à luz das conclusões de facto previamente feitas, se necessário demonstrando em que é que estas últimas estavam erradas. Ora, no caso em apreço, a Comissão, conforme sublinha com razão a recorrente, não procedeu a um reexame dos dados relativos aos descontos de todas as empresas principais, tendo‑se limitado a justificar as suas conclusões apenas à luz dos dados fornecidos pelas partes na concentração.
411 Na sua resposta a Comissão alega, é certo, que tinha examinado os descontos das outras empresas principais, mas que, não podendo estes números ser revelados às partes na concentração, era impossível incluí‑los na decisão. Esta argumentação não pode todavia ser acolhida.
412 Em primeiro lugar, resulta claramente da decisão (v., em particular, o considerando 79 e a nota de rodapé n.° 43 da decisão), de outros pontos dos articulados da Comissão (v., nomeadamente, a passagem da resposta em que a Comissão refere expressamente que «só foram tomados em conta os dados da Sony e da BMG porque as outras grandes casas discográficas [tinham] indicado que só facturavam preços líquidos») e das novas provas apresentadas pela Comissão que a apreciação inferida das variações dos descontos na decisão só é baseada nos dados relativos unicamente aos descontos das partes na concentração. De resto, nenhum considerando da decisão indica que a Comissão examinou os dados relativos aos descontos das outras empresas principais, nem a fortiori que estes mostram a complexidade e a variação dos descontos promocionais.
413 Em segundo lugar, é evidente que a Comissão não pode sustentar que não pode, no âmbito do exame de um projecto de concentração, tomar em consideração os dados dos outros operadores do mercado, e se for caso disso, neles basear as suas conclusões. Esta tese tornaria impossível, na maior parte dos casos, o exame da compatibilidade de um projecto de concentração com o mercado comum. De resto, há que concluir que a maior parte dos factores diversos dos descontos (partes de mercado, preços brutos e líquidos, etc.) examinados na decisão são baseados em dados dos diferentes operadores do mercado.
414 Em terceiro lugar, tendo a Comissão sublinhado, nas suas observações finais apresentadas após a audiência, os condicionalismos resultantes dos prazos estritos que regulam o procedimento de exame dos projectos de concentração e a necessidade de respeitar os direitos de defesa das partes notificantes, defendeu que numerosas alegações da recorrente, segundo as quais a Comissão não investigou devidamente sobre certas questões essenciais ligadas às acusações identificadas e deveria igualmente ter investigado acerca de outras acusações, assentam numa concepção errada do processo de controlo das concentrações, uma vez que a investigação levada a cabo sobre os problemas de concorrência colocados por uma concentração tem lugar essencialmente antes da comunicação de acusações. Embora a recorrente não possa efectivamente acusar a Comissão de não ter investigado acerca dos problemas denunciados pela primeira vez perante o Tribunal, alguns dos quais são aliás manifestamente inadmissíveis por só terem sido desenvolvidos na réplica ou nas observações apresentadas após a audiência, esta observação da Comissão menospreza contudo dois aspectos. Por um lado, é facto assente que, desde o início do processo, a Comissão identificou a problemática da transparência e dos descontos e que interrogou a este respeito tanto os terceiros como as partes na concentração. Por outro lado, os condicionalismos de tempo têm igualmente como efeito que as partes na concentração não podem aguardar o último minuto para apresentar à Comissão elementos de prova com vista a refutar as acusações suscitadas em tempo útil pela Comissão, na medida em que esta já não tem possibilidade de proceder às verificações necessárias. Importa pelo menos, nesta hipótese, que estes elementos de prova se mostrem particularmente fiáveis, objectivos, pertinentes e convincentes para poder refutar validamente as acusações suscitadas pela Comissão.
415 Há que observar desde já, a este propósito, que resulta tanto do texto do considerando 79 da decisão («as partes [na concentração] comunicaram dados») como do exame das novas provas (juntas em anexo à resposta) que não só as afirmações relativas aos descontos promocionais são baseadas apenas nos dados relativos às partes na concentração, mas também os quadros que os reproduzem foram preparados pelas referidas partes (ou pelos seus economistas) segundo uma metodologia e com base em dados seleccionados por elas próprias, sem que se indique que a Comissão efectuou qualquer controlo quanto à sua exactidão, a sua pertinência ou o seu carácter objectivo e representativo. Embora conforme a Comissão alegou na audiência, o procedimento de controlo das concentrações assenta seja certo que, necessariamente, em larga medida, na confiança, não podendo exigir‑se à Comissão que verifique por si própria, até ao mínimo detalhe, a fiabilidade e a exactidão de todas as informações transmitidas, a Comissão não pode, em contrapartida, chegar ao ponto de delegar, sem qualquer controlo, a responsabilidade da condução de certos aspectos da investigação nas partes na concentração, sobretudo quando, como no caso em apreço, estes aspectos constituem o elemento crucial no qual a decisão é baseada e os dados e apreciações submetidos pelas partes na concentração são diametralmente opostos à informações recolhidas pela Comissão durante a investigação assim como às conclusões que ela daí extraíra.
416 Em quarto lugar, a recorrente sublinhou, sem ser contradita pela Comissão, e conforme é reconhecido no n.° 146 da comunicação de acusações, que a Sony e a BMG tinham obtido resultados muito diferentes durante os anos controlados. Uma vez que a intensidade dos lançamentos pode influenciar os preços e os descontos, os quadros que só examinam os dados destas duas partes têm tendência a aumentar as variações.
417 Em quinto lugar, o exame das novas provas apresentadas pela Comissão, à luz das considerações que antecedem, suscita ainda uma série de observações.
418 Na sua resposta, a Comissão afirma que se apoiou nos dados anexos ao seu articulado para chegar à conclusão de que os descontos conhecem uma tripla variação (no tempo, por álbum e por cliente).
419 A este propósito, importa observar, antes de mais, que de entre todas estas supostas provas, só um dos anexos (B.4) foi elaborado pela própria Comissão, embora baseando‑se igualmente apenas nos dados relativos aos descontos concedidos pela Sony e pala BMG. O anexo em questão é composto por gráficos que reproduzem os descontos nas facturas médios concedidos pelas partes na concentração, para os anos de 2000 a 2003, a cada um dos seus dez melhores clientes comuns nos grandes países, com excepção da França, tendo a Comissão observado que os dados fornecidos relativos à França apresentavam incoerências. Na comunicação de acusações (n.° 88), a Comissão tinha‑se baseado nestes gráficos para mostrar a estabilidade global dos descontos. A Comissão não contestou a exactidão desta apreciação perante o Tribunal, tendo‑se limitado a referir que as partes na concentração tinham alegado que os respectivos tratamentos de certos clientes comportavam diferenças notáveis e juntou, em anexo B.5, um extracto das suas observações. Todavia, há que concluir que estas observações não são susceptíveis de pôr em causa a impressão geral suscitada pelos os referidos gráficos. Assim, no que se refere ao mercado italiano, que mostra estabilidade e um paralelismo confirmado, embora, como referem as partes na concentração, dois clientes tenham, é certo, beneficiado de descontos nitidamente inferiores aos outros clientes, o que realmente significativo é que estes descontos inferiores tenham sido concedidos pela Sony e pela BMG precisamente aos mesmos dois clientes, sejam de um nível quase idêntico para as duas empresas principais e tenham variado de forma paralela.
420 No que se refere aos quadros apresentados nos anexos B.8 e B.9 à resposta, que mostram, segundo a Comissão, que a distribuição dos descontos na factura, concedidos respectivamente pela Sony e pela BMG para os seus 20 melhores álbuns em cada um dos cinco grandes Estados‑Membros, era sensivelmente diferente, importa observar, antes de mais, que estes dizem respeito à categoria mais geral dos descontos na factura e não apenas aos descontos promocionais e que, conforme referiu a recorrente, as diferenças nas gamas de descontos no tempo podem ser o resultado de diferenças nos comportamentos e não excluem que os descontos assentem num conjunto conhecido de regras.
421 Há que concluir, seguidamente que, embora a distribuição entre as gamas de descontos entre 1998 e 2003 varie efectivamente no tempo e por países, varia todavia de maneira semelhante relativamente às duas partes na concentração, tanto no tempo como por país. Isto resulta ainda mais nitidamente do quadro (anexo B.9) que compara a distribuição dos descontos concedidos para o ano de 2003 em cada um dos cinco grandes países, na medida em que, embora distribuição seja variável de um país para outro, os descontos das duas partes na concentração evoluem de maneira paralela (v., em particular, os dados relativos aos países A e C). Assim, enquanto no país A os descontos da Sony e da BMG se concentram no essencial na gama [confidencial], no país B situam‑se principalmente na faixa [confidencial] no país C e nos países D e E [confidencial] na faixa [confidencial] e nas faixas superiores. Resulta assim dos quadros dos anexos não só que a distribuição dos descontos entre os diferentes leques dentro de cada país, mas também que as variações conforme os países são muito semelhantes.
422 No que se refere mais especificamente aos descontos promocionais, a Comissão remete no essencial para dois dos seus anexos (B.13 e E.4.2) para alicerçar a sua tese segundo a qual os descontos promocionais são opacos devido à sua extrema complexidade e à sua importância. Ora, mostra‑se que os quadros que aí figuram, que só dizem respeito aos descontos da Sony e da BMG relativamente a um único ano e foram elaborados inteiramente por elas próprias, não podem ser considerados suficientemente pertinentes ou fiáveis.
423 Assim, quanto aos quadros do anexo B.13, que comparam os descontos nas facturas concedidos pelas partes na concentração aos seus seis melhores clientes para os seus álbuns melhor vendidos em 2002 «que figuram nas listas de PPV a preços semelhantes» (listed ar semelhante prices), há que concluir, nomeadamente que, nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, a Comissão indicou que o PPV escolhido para cada país representava um dos PPV mais importantes das respectivas partes em termos de vendas geradas, precisando todavia que, relativamente à Alemanha, por exemplo, tratava‑se dos terceiro e quarto PPV para a BMG e do mais importante e do sexto PPV para a Sony. Ora, tendo sido referido na decisão que as partes na concentração realizam o essencial das suas vendas utilizando um ou dois, ou no máximo três PPV, coloca‑se a questão de saber em que medida os álbuns tomados em consideração representam efectivamente os seus álbuns mais vendidos. Além disso, decorre de uma nota de rodapé referente aos quadros que numerosos álbuns viram o seu PPV ser alterado no decurso do ano, o que se afigura susceptível de ter tido influência sobre os descontos concedidos e, portanto, ter aumentado as variações comparativas. Da mesma forma resulta dos referidos quadros que os dados da BMG dizem respeito ao ano de 2002, enquanto os da Sony se referem ao ano de exercício 2002/2003.
424 Finalmente, de qualquer modo, embora a leitura dos quadros seja complicada pelo facto de justaporem alternativamente os dados da Sony e da BMG, quando a comparação deve ser feita entre os descontos concedidos por cada uma das partes na concentração aos seus diversos clientes e não entre os descontos concedidos para os álbuns de uma das referidas partes em relação aos descontos concedidos para os álbuns da outra parte, um exame atento dos quadros mostra que as variações se revelam, em definitivo, bastante limitadas. Importa aliás recordar, a este propósito, que decorre do n.° 75 da comunicação de acusações e da sua nota de rodapé n.° 47 que a Comissão tinha efectuado uma análise dos preços brutos e líquidos da Sony e da BMG, individualmente, relativos aos seus dez melhores álbuns, e tinha concluído, no n.° 90 da comunicação de acusações, que «os coeficientes entre os preços brutos e os preços líquidos eram muito estáveis por álbuns e no tempo relativamente aos lançamentos individuais examinados». Ora, nem a Comissão nem as intervenientes afirmaram, nem a fortiori demonstraram, que esta conclusão é inexacta.
425 Quanto aos quadros do anexo E.4.2, destinados a mostrar os descontos promocionais máximos concedidos pela Sony e pela BMG para os seus álbuns melhor vendidos, há que concluir que contêm erros muito numerosos que têm como efeito aumentar os descontos. De facto, há que referir que o cálculo do diferencial entre os descontos mínimos e máximos por cliente (que equivale, segundo a Comissão, ao desconto promocional) realizado por cada uma das partes na concentração, foi na maior parte dos casos efectuado de forma errada, em consideração dos descontos concedidos pela outra parte, quando, conforme a própria Comissão explica, este cálculo deve ser efectuado com base no diferencial entre os descontos mínimos e máximos concedidos por uma só e mesma parte aos seus diversos clientes.
426 Resulta destes dois exemplos que, além da necessária cautela com que se devem considerar os diferentes quadros juntos pelas partes na concentração, na medida em que foram elaborados segundo parâmetros escolhidos por elas próprias, e que, de resto, nem sempre são claros, existe a possibilidade de os mesmos estarem afectados de erros materiais, que, no caso presente, um exame mesmo sumário permite detectar.
427 De qualquer modo, supondo que os diferentes quadros elaborados pelas partes na concentração e apresentados pela Comissão sejam efectivamente susceptíveis de demonstrar as variações mais ou menos importantes alegadas, não é menos verdade que, conforme observou com razão a recorrente, estas variações são de pertinência duvidosa na medida em que, por um lado, só mostram leques sem analisar as médias ponderadas e as variações em relação às médias e, por outro, não excluem que estas variações possam, pelo menos para um profissional do sector, ser facilmente explicadas a partir de um certo número de regras gerais ou específicas que regulam a concessão dos descontos, relativamente às quais a Comissão não procedeu às investigações necessárias.
428 Embora, conforme sublinhou a Comissão, a recorrente não tenha, é certo, exposto de forma precisa quais são as diferentes regras que regulam a concessão dos descontos promocionais nem, segundo a Comissão, mencionado um número demasiado elevado de tais regras, o que tornaria a sua aplicação complexa e, portanto, pouco transparente, não é menos verdade que, conforme já foi afirmado, a Comissão não procedeu a qualquer investigação no mercado a este propósito ou, pelo menos, não apresentou qualquer elemento de prova da opacidade dos descontos promocionais para além dos quadros das partes na concentração, os quais, para além das suas imperfeições, só têm, de qualquer modo, por objectivo demonstrar a existência de determinadas variações dos referidos descontos, mas não demonstram que estas variações não poderiam ser explicadas mais ou menos facilmente por um profissional do sector. De resto, não se pode censurar a recorrente por não ter efectuado ela própria esta demonstração, na medida em que os quadros não referem com precisão os álbuns, os clientes, os montantes e as alturas em que estes descontos foram concedidos e em que nem a recorrente nem o Tribunal têm a possibilidade de verificar se os referidos descontos foram concedidos em conformidade com as regras gerais do sector alegadas pela recorrente.
429 Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual os critérios em função dos quais são geralmente concedidos os descontos promocionais são a tal ponto numerosos que tornariam a sua aplicação opaca, observe‑se, antes de mais, que a recorrente alegou que, para as diferentes categorias de discos (novos lançamentos, novo artista, catálogo «full price», catálogo «mid price», catálogo «budget») existia um número limitado de estratégias gerais de venda (substituição de um disco no hit‑parade, participação em campanhas de promoção, compras de lugares na loja) que podem diferir em certa medida conforme os tipos de clientes (supermercados, cadeias especializadas, lojas independentes). Embora a combinação das variáveis tenha necessariamente como efeito aumentar as hipóteses, a Comissão não demonstrou todavia que o seu exercício se tornaria de uma dificuldade excessiva para um profissional do mercado. Importa referir seguidamente que a exposição, no anexo B.14, pelas próprias partes na concentração, de alguns princípios que regulam a concessão dos descontos promocionais, pelo contrário, igualmente susceptível de confirmar que as regras gerais alegadas pela recorrente existem e que as mesmas não são de excessiva complexidade. Finalmente, é de observar que mesmo um número bastante elevado de regras, de aparente complexidade, ou mesmo difíceis de enumerar de forma exaustiva, não impede necessariamente um profissional de determinar bastante facilmente se estas são, a priori ou no seu conjunto, respeitadas. Assim, as regras de convivência ou de etiqueta exigiriam um enorme volume de trabalho para serem expostas em pormenor, mas uma pessoa que esteja pouco familiarizada com essas regras pode, apesar disso, determinar se o comportamento de outra, no essencial, se conforma com elas.
430 De qualquer modo, conforme sublinhou a recorrente, não resulta da decisão nem dos elementos de prova apresentados pela Comissão que esta tenha investigado sobre a existência de regras geralmente conhecidas que regulam a concessão dos descontos promocionais ou sobre a possibilidade de as empresas principais determinarem se os descontos concedidos pela outras empresas principais são conformes a estas regras ou se afastam dos princípios comuns.
431 Por outro lado, a recorrente sustentou ainda que os preços líquidos para os retalhistas eram transparentes na medida em que as margens dos retalhistas são geralmente transparentes e são conhecidas com um grau elevado de precisão.
432 Na sua resposta, a Comissão sustentou, a este propósito, que a sua conclusão relativa à ineficácia do acompanhamento das vendas a retalho se baseava igualmente na complexidade e na opacidade dos preços de retalho. Alega que resulta do estudo junto em anexo àquele articulado que um acompanhamento intensivo das vendas a retalho não permite a uma empresa principal daí inferir as práticas de fixação dos preços líquidos (PPV diminuído dos descontos na factura) das suas concorrentes para um dado álbum, devido ao facto de os retalhistas não aplicarem todos sistematicamente a mesma majoração ao preço por grosso num dado momento, nem a todas as categorias de álbuns, nem mesmo a todos os álbuns da categoria mais limitada dos preços fortes. A Comissão não constatou nenhuma relação que possa ser demonstrada entre os preços de retalho e os descontos na factura concedidos para álbuns do mesmo PPV.
433 Basta verificar, a este propósito, que nenhum considerando da decisão se refere a esta alegada impossibilidade de determinar os preços de venda líquidos aos retalhistas a partir dos preços de venda a retalho através de um raciocínio invertido (reverse engineering). Além disso, nenhum elemento dos autos indica que a Comissão tenha, durante o procedimento administrativo, efectuado o mínimo exame quanto à relação entre os preços de venda a retalho e os preços de venda por grosso, nem mesmo recolhido informações sobre os preços de venda a retalho. Nem a argumentação desenvolvida pela Comissão nem o estudo junto em anexo à resposta podem portanto ser tomados em consideração.
434 É de observar, além disso que, conforme alegou a recorrente, o estudo preparado pelos economistas das partes na concentração não apresenta dados suficientemente fiáveis, pertinentes e comparáveis e não permite sustentar as conclusões que a Comissão deles infere. A circunstância, supondo que esteja provada, de nem todos os retalhistas aplicarem sempre sistematicamente a mesma majoração dos preços por grosso não é, de qualquer modo, pertinente. Embora seja provável que os diferentes tipos de retalhistas (supermercados, independentes, cadeias de lojas especializadas, etc.) aplicam uma política de margens diferente, e que existem diferenças dentro de cada categoria de operadores e, mesmo relativamente a cada operador individual diferenças segundo os tipos de álbuns e o seu grau de êxito, é, em contrapartida, muito pouco provável, e o estudo não contém qualquer dado a este respeito, que um retalhista aplique uma política de venda diferente para um mesmo tipo de álbum. Ora, sendo todos os retalhistas clientes de todas as empresas principais, cada empresa principal pode assim observar a margem aplicada por um retalhista especial aos seus próprios álbuns e, desta forma, daí deduzir a margem que este aplica normalmente aos álbuns dos seus concorrentes que apresentam características semelhantes. Finalmente, importa referir que, segundo a declaração dos directores de venda da Sony e da BMG para a França (junta em anexo B.2), o preço da venda a retalho é em geral fixado acrescentando o IVA ao preço por grosso.
435 Decorre das considerações que antecedem que as novas provas apresentadas pela Comissão não se mostram suficientemente fiáveis, pertinentes e convincentes para demonstrar o carácter opaco dos descontos promocionais.
436 Finalmente, importa ainda observar, a título superabundante, que na hipótese de o desconto promocional não ser transparente pelo facto de o retalhista, supondo que esteja autorizado a fazê‑lo, não o repercutir no consumidor final mas conservá‑lo para aumentar o seu lucro, a Comissão não explicou de que modo isso poderia ser pertinente para o caso presente. Embora no caso de produtos perfeitamente homogéneos um desconto secreto e opaco concedido por um produtor a um retalhista possa ser pertinente para apreciar a transparência necessária para uma coordenação tácita, na medida em que o referido desconto permita a este produtor aumentar as suas vendas em detrimento dos outros membros do oligopólio, o mesmo não sucede necessariamente no caso de vendas de produtos diferentes a intermediários. Assim, no caso presente, uma vez que cada disco é diferente, um retalhista que só compra às empresas principais para revender ao consumidor final, em princípio, só comprará menos discos a uma determinada empresa principal se o consumidor final for incitado, por efeito do desconto promocional, a comprar antes o disco da empresa principal concorrente que concedeu ao retalhista o referido desconto promocional. Além disso, se bem que isso seja possível, ou mesmo provável, todavia, nem a Comissão nem as intervenientes sustentaram, e muito menos demonstraram, que quando é concedido um desconto promocional o retalhista não pode devolver os discos não vendidos. Nestas condições, um desconto promocional concedido por uma empresa principal a um retalhista, que não é transparente pelo facto de não ser repercutido no consumidor final, não parece susceptível de ter um efeito sobre o volume das vendas do álbum em causa ou de prejudicar uma política comum de preços derivada da coordenação tácita. A Comissão deveria, no mínimo, ter examinado e explicado em que é que um desconto promocional, opaco por não repercutido pelo retalhista, seria susceptível de constituir um obstáculo à transparência necessária do mercado na medida em que não dissimula um comportamento susceptível de pôr em causa uma coordenação tácita.
– Quanto à pertinência dos descontos promocionais
437 A recorrente formula uma série de acusações através das quais sustenta, essencialmente, que a Comissão se baseou erradamente na necessidade de uma transparência total do mercado, que não examinou a pertinência dos descontos promocionais para a apreciação da transparência do mercado e que não está demonstrado que os descontos promocionais suprimam ou reduzam a transparência necessária, na medida em que só marginalmente dizem respeito aos álbuns que figuram nos hit‑parades ou aos álbuns mais vendidos e não afectam realmente os preços líquidos, nomeadamente por estes representarem apenas entre um quarto e um terço de todos os descontos.
438 Em primeiro lugar, quanto à acusação de que a Comissão confundiu a exigência de uma transparência de mercado suficiente, conforme definida no processo que deu lugar ao acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, com uma exigência de transparência total aplicada na decisão, verifica‑se, como sublinha acertadamente a Comissão, que nenhum considerando da decisão menciona a necessidade de uma transparência total.
439 Todavia, importa verificar se a Comissão não exigiu, na prática, uma transparência total ou, pelo menos, superior à necessária para permitir uma posição dominante colectiva.
440 Conforme decorre do n.° 62 do acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, a transparência necessária é a que permite a cada membro do oligopólio dominante poder conhecer o comportamento dos outros a fim de verificar se estes adoptam ou não a mesma linha de acção, ou seja, deve dispor de um meio de saber se os outros operadores adoptam a mesma estratégia e a mantêm. A transparência no mercado deve, portanto, ser suficiente para permitir a cada membro do oligopólio dominante conhecer, de maneira suficientemente precisa e imediata, a evolução do comportamento no mercado de cada um dos outros membros. A transparência exigida não implica que cada membro possa a qualquer momento conhecer nos mínimos detalhes as condições exactas de cada venda efectuada pelos outros membros do oligopólio, mas deve, por um lado, permitir identificar os termos da coordenação tácita e, por outro, engendrar um risco sério de que um comportamento desviante susceptível de pôr em perigo a coordenação tácita seja descoberto pelos outros membros do oligopólio.
441 A Comissão alega que «examinou os elementos do preço líquido de um álbum individual vendido a um cliente individual (PPV, desconto habitual, eventual desconto promocional) e, no essencial, concluiu que seria necessário um grau de transparência suficiente de todos os elementos para uma grande casa discográfica poder razoavelmente ter a certeza de que conhecia as verdadeiras práticas de fixação dos preços líquidos de outra casa discográfica, conforme expressas ao nível dos clientes e dos álbuns». Resulta desta explicação que, embora a decisão apenas se refira, sem outra precisão, a uma transparência suficiente, a Comissão parece ter exigido um nível particularmente elevado de transparência.
442 Da mesma forma, a Comissão sustenta, nomeadamente, que a importância dos descontos promocionais resulta do facto de «para poder coordenar os preços líquidos, as grandes casas discográficas deverem poder controlar todas as componentes, os PPV relativamente transparentes e os diferentes descontos na factura». A Comissão precisa, a este respeito, que «um ‘certo conhecimento’ dos descontos habituais não é muito simplesmente suficiente se os descontos promocionais forem responsáveis por uma flutuação dos descontos (isto é, pela instabilidade dos preços líquidos) para certos clientes, no tempo e de um álbum para outro, tão forte como as mencionadas nos considerandos 79, 86, 93, 100 e 107 [da decisão] e se se verificar que estes descontos são menos transparentes».
443 Por um lado, importa observar, a este propósito, que para além dos outros numerosos factores de transparência mencionados nos considerandos 111 a 113 da decisão (em particular os contactos permanentes com uma clientela estável, limitada e comum a todas as empresas principais, assim como a publicação semanal de hit‑parades), a Comissão considerou, na decisão, que estava perante uma transparência tanto dos preços brutos como dos descontos habituais. Se bem que nos articulados apresentados no Tribunal a Comissão tenha relativizado, de resto em proporções bastante variáveis consoante os argumentos a que respondia, o grau de transparência destes dois elementos constitutivos essenciais dos preços líquidos, a Comissão referiu mesmo expressamente, nas suas observações finais que tinha concluído «por um importante grau de transparência tanto dos PPV como dos descontos habituais».
444 Por outro lado, as flutuações dos descontos de que seriam responsáveis os descontos promocionais dificilmente podem ser qualificadas de «tão fortes», dado que a decisão menciona diferenças de 2 a 5 pontos percentuais no que se refere ao Reino Unido, à Alemanha e à Espanha, de 1 a 3 pontos percentuais no que se refere à Itália e até 3 pontos percentuais em França para a maior parte dos principais clientes (ou principais clientes comuns). Além disso, conforme sustentou a recorrente e foi admitido pela Comissão (nomeadamente no n.° 13 da observações complementares), as compilações de produtos diferentes e os graus de êxito variáveis, assim como o tipo de clientes, podem explicar as variações dos descontos, de modo que não se pode deduzir que as variações bastante pequenas constatadas são efectivamente de atribuir aos descontos promocionais.
445 Em segundo lugar, quanto às acusações da recorrente com vista a contestar a pertinência dos descontos, há que recordar, antes de mais, que, conforme sublinha a recorrente, a Comissão afirmou, nos considerandos 77, 84, 91, 98 e 105 da decisão, que os preços de venda líquidos estavam estreitamente ligados aos preços brutos, dada a evolução paralela, nestes seis últimos anos, dos preços médios brutos e dos preços médios líquidos reais da Sony e da BMG. Embora a Comissão tenha alegado, nos seus articulados apresentados no Tribunal, que os dados relativos aos preços médios podiam apagar as variações individuais, é de observar, por um lado, que vem indicado no considerando 70 da decisão que os preços médios constituem um bom instrumento para determinar se as empresas principais têm um comportamento paralelo em matéria de preços e, por outro, que, de qualquer modo, vem igualmente afirmada, no considerando 77 da decisão, uma estabilidade muito grande dos coeficientes entre os preços líquidos e os preços brutos por álbum e no tempo. Sendo os descontos habituais fixos para um dado cliente e para um dado ano, não se vê, assim, de qualquer modo os descontos promocionais variáveis podem afectar os preços líquidos dos álbuns em causa.
446 A pertinência dos descontos em geral parece de resto seriamente posta em dúvida pelas apreciações da própria Comissão. Assim, nos n.os 88 e 89 da comunicação de acusações, a Comissão tinha indicado «após exame dos dados ter constatado que os descontos não alteravam os preços relativos das empresas principais» e que «não havia absolutamente nenhuma prova de que os descontos tivessem sido utilizados para alterar fundamentalmente os preços». É certo que, conforme acima foi recordado, embora a Comissão tenha o direito de modificar as apreciações, por definição provisórias, que fez na comunicação de acusações, as apreciações e conclusões contidas na decisão devem todavia ser compatíveis com as conclusões de facto efectuadas durante o procedimento administrativo, salvo se for demonstrado, pelo menos quando do processo perante o juiz comunitário, que estas estavam erradas. Ora, a observação de que não havia qualquer prova de que os descontos tivessem afectado sensivelmente os preços constitui mais uma conclusão de facto do que uma apreciação. De qualquer modo, a Comissão não parece ter mudado de opinião sobre este ponto, uma vez que referiu no considerando 77 da decisão que «se as grandes casas discográficas se tivessem sensivelmente afastado das políticas acordadas em matéria de preços, este afastamento reflectir‑se‑ia nos seus preços médios líquidos».
447 Em terceiro lugar, há que constatar que a decisão não contém a mínima informação susceptível de demonstrar a incidência efectiva que os descontos promocionais têm sobre os preços líquidos dos álbuns em causa. A única indicação a este respeito figura no considerando 150 da decisão e, pelo contrário, tende antes a negar esta incidência, dado que aí vem referido que «da mesma forma que nos territórios mais extensos, os principais descontos praticados nos pequenos países são os descontos habituais». É certo que a Comissão apresentou na audiência a hipótese de se tratar de um erro de dactilografia, mas ela própria reproduziu esta observação na sua resposta. Importa, além disso, recordar que na comunicação de acusações, redigida após cinco meses de investigação durante a qual a Comissão tinha interrogado tanto as empresas principais e os produtores independentes como os retalhistas, nomeadamente sobre a importância respectiva dos diferentes tipos de descontos, incluindo os descontos promocionais (v. nomeadamente as questões 19 e 24 dirigidas a partir de 20 de Janeiro de 2004 aos retalhistas e aos concorrentes, mencionadas no anexo E.4.1), a Comissão nem sequer considerou necessário mencionar os descontos promocionais.
448 Convidada pelo Tribunal a indicar o valor total dos descontos promocionais, em percentagem das vendas totais dos 100 e dos 20 álbuns mais vendidos de cada uma das cinco empresas principais (ou seja, o desconto promocional médio concedido para estes álbuns), assim como o valor relativo dos descontos promocionais face aos descontos habituais para os referidos álbuns, a Comissão respondeu que era impossível calculá‑los com base nas informações constantes dos autos.
449 Decorre das observações que antecedem que a Comissão concluiu pela insuficiente transparência do mercado, apesar da transparência dos preços brutos e dos descontos habituais e de outros numerosos factores de transparência referidos na decisão, unicamente devido ao facto de os descontos promocionais serem menos transparentes, sem contudo ter analisado se estes descontos promocionais representam um elemento suficientemente significativo do preço dos álbuns em causa para ter um impacto efectivo sobre a transparência dos preços dos referidos álbuns. Daqui resulta que a acusação da recorrente segundo a qual a decisão está viciada por erro manifesto de apreciação pelo facto de a Comissão não ter examinado ou, pelo menos, demonstrado suficientemente a pertinência dos descontos promocionais, é procedente.
450 Esta conclusão não pode ser posta em causa pela afirmação da Comissão de que outras informações transmitidas durante o procedimento administrativo lhe permitiram concluir que os descontos promocionais eram um elemento essencial da fixação dos preços e calcular os descontos promocionais médios para 2002 aplicados a todos os álbuns. Em particular, os elementos em que assenta esta argumentação não podem ser considerados suficientemente coerentes, fiáveis e pertinentes, nem susceptíveis de justificar as conclusões que deles são extraídas.
451 Em primeiro lugar, a cronologia do desenrolar da investigação não permite ver que a Comissão tenha procedido a um exame da pertinência dos descontos promocionais para a apreciação do grau de transparência do mercado, nem a fortiori que esse exame tenha podido ser efectuado com base no conjunto dos dados pertinentes e fiáveis. A este respeito, há que recordar que, até à audição de 14 e 15 de Junho de 2004, a Comissão tinha concluído, é certo que provisoriamente, com base no exame de todos os elementos recolhidos durante a sua investigação, pela existência de uma posição dominante colectiva prévia à concentração e, nomeadamente, pela transparência do mercado e dos descontos e que estes não eram de molde a prejudicar a coordenação dos preços. Vistas as respostas tanto das empresas principais e dos concorrentes como dos retalhistas aos seus questionários, sobre a importância respectiva dos diferentes descontos, designadamente habituais e promocionais, a Comissão não considerou necessário mencionar os descontos promocionais na comunicação de acusações (pelo menos, segundo o que decorre da versão confidencial apresentada no Tribunal). Não resulta dos autos, e aliás a Comissão não o alegou, que nesta fase a Comissão tenha efectuado o mínimo exame relativo aos descontos promocionais. Ora, também não se verifica que, no curto intervalo entre a audição de 14 e 15 de Junho de 2004, no termo da qual a Comissão alterou a sua apreciação, e o envio do projecto de decisão ao comité consultivo em 1 de Julho de 2004, a Comissão tenha procedido a uma investigação para verificar a pertinência dos descontos promocionais, nem aliás o seu grau de transparência. De resto, a única medida de investigação posterior à audição mencionada pela Comissão consiste num pedido de informação datado de 21 de Junho da 2004 dirigido às partes notificantes e que teve por objecto, não a pertinência dos descontos promocionais mas as actividades de vigilância do mercado das empresas principais. O carácter representativo dos relatórios de acompanhamento elaborados pelos serviços comerciais da Sony e da BMG fornecidos (anexo B.15) em resposta a esse pedido é, de resto, conforme foi afirmado acima, seriamente posto em dúvida pelos documentos confidenciais juntos pela recorrente (anexo B.16). Por último, nas suas observações finais, a própria Comissão sublinha que o direito das partes notificantes de serem ouvidas limita as possibilidades de investigação complementar após a audição e exclui uma vasta consulta dos operadores do mercado a propósito das acusações. As medidas de investigação posteriores à audição consistem essencialmente, segundo a Comissão, em consultar os operadores do mercado acerca dos compromissos propostos e não têm por objecto as acusações formuladas em relação à operação de concentração notificada.
452 Em segundo lugar, embora nas respostas às questões escritas do Tribunal a Comissão tenha indicado que as informações fornecidas pelas partes notificantes durante o procedimento administrativo lhe tinham permitido calcular os descontos promocionais médios, admitiu todavia na audiência não ter efectuado ela própria os cálculos e ter deixado aos economistas das partes na concentração a tarefa de explicar de que modo os descontos puderam ter sido calculados para o conjunto dos álbuns, mas não para os 20 ou 100 álbuns mais vendidos, quando a investigação e os dados recolhidos pela Comissão apenas tinham por objecto estes álbuns.
453 Em terceiro lugar, embora a Comissão tenha indicado que os cálculos tinham sido realizados a partir dos dados que serviram de base a um dos anexos B.12 da resposta, esta apenas contém todavia dados relativos à BMG e não à Sony.
454 Em quarto lugar, os dados não se mostram suficientemente coerentes, fiáveis e pertinentes.
455 Importa referir, antes de mais, que os quadros fornecidos pela Comissão em resposta às questões do Tribunal dizem respeito apenas ao ano de 2002 sem que tenham mesmo sido expostas as razões pelas quais foi escolhido este ano pelas partes notificantes, quando a decisão diz respeito aos preços e descontos entre 1998 e 2003. Da mesma forma, embora em relação à BMG a proporção das vendas em bruto seja calculada para os dez maiores clientes, apenas diz respeito aos cinco a dez maiores clientes (conforme os países) sem que seja fornecida qualquer explicação a este propósito. Há que observar igualmente que os leques dos descontos promocionais mencionados nos quadros (que dizem respeito a todos os álbuns e a toda a clientela) não correspondem aos mencionados nos quadros de outros anexos B.6/E.2 (que só dizem respeito aos 20 álbuns mais vendidos aos 10 melhores clientes). Sendo o número de álbuns e de clientes tomado em consideração nos quadros muito mais amplo do que o visado pelos referidos anexos, o desconto promocional máximo dos quadros [confidencial] deveria ser igual ou superior ao que figura nos anexos em causa relativamente ao mesmo ano [confidencial]. O total dos descontos na factura de cada uma das duas partes notificantes, assim como o diferencial entre os descontos concedidos por cada uma, são igualmente diferentes dos mencionados na decisão. É certo que a decisão diz respeito aos álbuns mais vendidos em 2003 e não, como os quadros, a todos os álbuns vendidos em 2002, mas isto só confirma que o resultado pode ser diferente consoante os parâmetros escolhidos e, portanto, a necessidade de a Comissão manter o controlo das operações ou, pelo menos, verificar a pertinência dos dados apresentados pelas partes na concentração.
456 Observe‑se seguidamente que, na medida em que se referem ao desconto promocional médio para todos os álbuns vendidos e não para os 100 ou 20 álbuns mais vendidos, os quadros não são pertinentes, pois presumem o que precisamente devem demonstrar, ou seja, que os descontos promocionais desempenham igualmente um papel importante para os álbuns mais vendidos ou os novos lançamentos que figuram nos hit‑parades (new hit releases) e que não dizem principalmente respeito, conforme sustenta a recorrente, aos álbuns posicionados no fim do catálogo. Não merece acolhimento o argumento da Comissão segundo o qual, dada a importância que os 100 álbuns mais vendidos representam nas receitas totais decorrentes da venda de música, é surpreendente que os níveis médios dos descontos promocionais calculados para a totalidade dos álbuns vendidos não se repercutam sensivelmente no preço dos 100 álbuns mais vendidos, pois isso significaria que os descontos promocionais médios, que seriam um múltiplo da média geral, são aplicados a todos os álbuns. Embora a decisão não contenha qualquer informação a este respeito e a Comissão não tenha fornecido qualquer precisão nos seus articulados, os únicos elementos contidos nos autos são indicativos de que os descontos promocionais são efectivamente de um nível elevado, ou mesmo muito elevado. Assim, em resposta ao questionário da Comissão, uma empresa principal referiu que «este tipo de desconto [podia] representar uma proporção importante do PPV (por exemplo até [confidencial])». Da mesma forma, os quadros do anexo E.2, apresentados pela Comissão, que contêm estimativas dos descontos promocionais máximos, mencionam taxas de descontos concedidos pela partes notificantes aos seus dez melhores clientes frequentemente muito elevadas e que vão até [confidencial]. Estas estimativas são além disso qualificadas de prudentes pela Comissão, pois os números são apresentados sobre uma base anual, ao passo que um desconto promocional é, em regra, limitado no tempo. Dado que os descontos promocionais, mesmo segundo o quadro apresentado pela Comissão, representam apenas uma pequena percentagem média do preço de venda [confidencial] da totalidade dos álbuns vendidos, só devem portanto aplicar‑se a um número bastante pequeno de álbuns. Finalmente, conforme foi afirmado acima, as meras declarações das empresas principais apresentadas pela Comissão são indicativas de que os descontos promocionais se aplicam a casos especiais (artista em tournée, determinados stocks sazonais, antigos álbuns que já não se vendem muito bem). Nestas condições, não se pode presumir que as taxas médias dos descontos promocionais concedidos a todos os álbuns são representativas dos descontos promocionais concedidos aos 100 álbuns mais vendidos, nem a fortiori aos novos «hit releases». Importa ainda recordar, a este propósito, que nos n.os 87 e 90 da comunicação de acusações, a Comissão indicou que considerava que as listas de preços dos novos lançamentos são utilizadas para coordenar e vigiar as políticas de preços e que não tinha encontrado qualquer prova de que os descontos eram utilizados para alterar substancialmente os preços líquidos médios dos novos «hit releases».
457 Em quinto lugar, mesmo supondo que os quadros sejam exactos e representativos, há que concluir que os descontos promocionais representam apenas uma parte muito pequena do preço de venda bruto dos álbuns em três dos cinco grandes países para a BMG [confidencial]% no país B, [confidencial]% no país C e [confidencial]% no país D e em dois dos cinco grandes países para a Sony [confidencial]% no país C e [confidencial]% no país D. Além disso, contrariamente ao que afirma a Comissão, não se pode considerar que os quadros mostram que os descontos promocionais médios das duas partes notificantes são muito divergentes na maior parte dos países, uma vez que, em três de cinco países a diferença entre os descontos promocionais praticados pela Sony e pela BMG é inferior a [confidencial]%. Ora, segundo a decisão, cada país constitui um mercado, e uma concentração que cria ou reforça uma posição dominante, da qual resulte um entrave significativo para a concorrência efectiva em relação a um só dos mercados em causa, deve ser declarada incompatível com o mercado comum. Nestas circunstâncias, mesmo supondo que os descontos promocionais possam ser considerados menos transparentes, a menos que se propusesse aplicar uma exigência de transparência total, a Comissão deveria, pelo menos, ter explicado na decisão de que modo os descontos, apesar do seu efeito real mínimo sobre os preços e da presença de numerosos factores de transparência referidos na decisão, eram susceptíveis de suprimir a transparência suficiente do mercado necessária para permitir uma posição dominante colectiva.
458 De qualquer modo, nem as explicações fornecidas no decurso do processo contencioso perante o Tribunal, nem a fortiori as verificações respeitantes a um aspecto essencial da decisão, podem suprir uma lacuna da investigação no momento da adopção da decisão e sanar o erro manifesto de apreciação de que a decisão está viciada, e isto mesmo supondo que este erro não tenha tido qualquer influência sobre o resultado da apreciação (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2004, Matilla/Conselho e Comissão, C‑353/01 P, Colect., p. I‑1073, n.os 31 e 37).
c) Conclusão sobre a transparência
459 Resulta das considerações expostas que as conclusões constantes da decisão quanto à transparência do mercado não estão suficientemente fundamentadas e estão viciadas por erro manifesto de apreciação, uma vez que não assentam no exame de todos os dados pertinentes que deviam ser tidos em consideração e não são susceptíveis de alicerçar a conclusão de que o mercado não é suficientemente transparente para permitir uma posição dominante colectiva.
5. Homogeneidade
460 Quanto ao critério relativo à homogeneidade do produto, importa recordar que, no considerando 157 da decisão, a Comissão concluiu pala inexistência de uma posição dominante colectiva referindo, para além dos défices ao nível da transparência e da falta de elementos confirmando a existência de medidas de retaliação no passado, as características parcialmente heterogéneas do produto. Todavia, deve referir‑se que, no considerando 110 da decisão, dedicado ao exame da homogeneidade do produto, a Comissão sublinhou, por um lado, que o formato da música gravada era homogéneo, por outro, que apesar da heterogeneidade dos conteúdos, as modalidades de tarificação e de comercialização dos álbuns nos mercados por grosso se revelavam bastante estandardizadas e, finalmente, que no que se refere aos descontos e às taxas de devolução acordados para os não vendidos, as empresas principais não faziam habitualmente qualquer distinção entre os géneros musicais ou os tipos de álbuns. Em contradição, pelo menos aparente, com esta afirmação e sem outra explicação, a Comissão acrescentou que a tarificação dependia naturalmente também do êxito do álbum e que existia uma diferença ao nível dos álbuns quanto aos descontos promocionais. Concluiu do exposto que a heterogeneidade do conteúdo e os seus referidos efeitos sobre os preços reduziam a transparência.
461 Daqui decorre que a Comissão considerou que os elementos de heterogeneidade identificados se referiam unicamente aos descontos promocionais. Ora, conforme foi anteriormente exposto, os elementos referidos na decisão e os argumentos invocados pela Comissão nas suas peças escritas não bastam para demonstrar que o mercado não apresentava o grau de transparência requerido para que possa existir uma posição dominante colectiva. Assim, as afirmações, aliás contraditórias, quanto aos elementos de heterogeneidade do produto não são em si, susceptíveis de conduzir à conclusão de que não existia essa posição dominante colectiva no mercado.
462 De resto, deve observar‑se que a circunstância de o produto ser heterogéneo, pelo menos quanto ao seu conteúdo, e de assim ser de esperar que o seu preço varie de um álbum para outro, confere uma importância muito especial à afirmação da própria Comissão, nos considerandos 77 e 78, relativos ao mercado do Reino Unido (e nos números correspondentes aos outros mercados) de que os preços de catálogo dos álbuns melhor vendidos parecem antes estar alinhados e os preços de venda líquidos estão estreitamente ligados aos preços brutos.
6. Medidas de retaliação
463 Nos considerandos 114 a 118 da decisão, a Comissão examinou se as empresas principais tinham, no passado, tomado «medidas de retaliação» em relação a uma ou outra de entre elas e concluiu não ter encontrado «qualquer elemento que demonstrasse que, no passado, a recusa de uma empresa principal de respeitar práticas concertadas tenha podido implicar, a título de retaliação, a exclusão de uma empresa principal de uma empresa comum de compilação ou o regresso (temporário) a práticas verdadeiramente concorrenciais» nem mesmo ter encontrado «qualquer indício de uma ameaça nesse sentido».
464 A recorrente sustenta que esta conclusão está viciada por falta de fundamentação, erro manifesto de apreciação e erro de direito. As acusações formuladas quanto a estes três pontos entrelaçam‑se e consistem, em substância, em contestar o facto de a Comissão ter baseado a sua análise na falta de prova do exercício anterior de medidas de retaliação, quando deveria somente ter verificado a existência de mecanismos de dissuasão eficazes.
465 Decorre da jurisprudência (acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, n.° 62) que, para que uma situação de posição dominante colectiva seja viável, é necessário que existam suficientes factores de dissuasão para assegurar de forma durável um incitamento a não se afastar da linha de conduta comum, o que significa que é necessário que cada membro do oligopólio dominante saiba que uma acção fortemente concorrencial da sua parte destinada a aumentar a sua parte de mercado provocaria uma acção idêntica por parte dos outros, de modo que não retiraria qualquer vantagem da sua iniciativa (v., neste sentido, acórdão Gencor/Comissão, n.° 246 supra, n.° 276).
466 Com efeito, a mera existência de mecanismos de dissuasão eficazes é, em princípio, suficiente, uma vez que, se os membros do oligopólio se conformarem com a política comum não é necessária aplicação de uma sanção. Além disso, como sublinha a recorrente, o meio de dissuasão mais eficaz é aquele que não precisa de ser utilizado.
467 Além disso, a Comissão afirmou expressamente, nos n.os 128 a 132 da comunicação de acusações, que a exclusão das empresas comuns de compilações constitui um mecanismo de retaliação particularmente eficaz e a decisão, mesmo não o reconhecendo tão expressamente, confirma, contrariamente ao que sustentou a Comissão nos seus articulados, esta análise. Com efeito, após ter posto em evidência, nos considerandos 115 e 116 da decisão, a importância económica das compilações de vários artistas ou marcas, que representam aproximadamente 15 a 20% do mercado total da música gravada, e sublinhado que a presença num álbum de artistas «pertencentes» a diferentes casas discográficas parece ser um factor chave de êxito de uma compilação, a Comissão expõe, no considerando 117 da decisão, que «em caso de ‘desvio’ persistente de uma de entre elas, as grandes casas discográficas poderiam portanto excluir esta última da criação de novas empresas comuns, ou recusar‑lhe o direito de usar os seus títulos numa compilação, ou mesmo pôr fim a certas empresas comuns existentes». Finalmente, o considerando 118 da decisão refere que a Comissão não encontrou contudo qualquer elemento demonstrando no passado a exclusão de outras grandes casas discográficas de uma empresa comum de compilação, nem qualquer indício de ameaça nesse sentido, precisando ao mesmo tempo que «estas medidas poderiam representar em geral meios de retaliação credíveis nos mercados da música gravada».
468 Todavia, uma vez que este fundamento diz respeito ao apuramento da existência de uma posição dominante colectiva, e não da sua criação, poderia considerar‑se que a condição relativa aos meios de retaliação pode consistir, como era o caso no processo que deu lugar ao acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, não em verificar a simples existência de mecanismos de retaliação, mas em examinar se houve violações da linha de acção comum, sem que estas tenham seguidas de medidas de retaliação. Embora a decisão não indique que para declarar a existência de uma posição dominante colectiva o critério deve ser diferente, e a Comissão também não o tenha alegado nos seus articulados, o Tribunal examinará não obstante se as conclusões constantes da decisão preenchem este critério.
469 São necessários dois elementos cumulativos para que se possa considerar que a falta de execução da medida de retaliação significa que a condição relativa aos meios de retaliação não está preenchida, a saber, a prova de desvios em relação à linha de acção comum, sem a qual não há que examinar o exercício de medidas de retaliação, e a seguir a prova efectiva da inexistência de medidas de retaliação. Ora, há que concluir que não são referidas na decisão as provas necessárias relativas a qualquer destes aspectos.
470 Em primeiro lugar, nem na rubrica ad hoc dedicada aos meios de retaliação, nem mesmo no resto da decisão, a Comissão identificou claramente qualquer caso de violação da política comum em matéria de preços. É certo que, na sua resposta, a Comissão invocou dois casos em que foram afirmadas na decisão divergências em relação à linha comum (no Reino Unido em 2000 e 2001, considerando 74, e na Alemanha, perante a evolução mais lenta de uma das empresas principais, considerando 88). Todavia, não decorre da decisão que estes casos tenham sido considerados violações da política comum, mas apenas reveladores de que o paralelismo dos preços nem sempre era atingido.
471 Em segundo lugar, e de qualquer modo, há que concluir que a Comissão, interrogada pelo Tribunal na audiência sobre as medidas de investigação que efectuara para chegar à conclusão de que não encontrara qualquer prova do exercício de medidas de retaliação no passado, nem mesmo de qualquer ameaça neste sentido, não conseguiu indicar a mínima diligência que tivesse efectuado ou empreendido para esse fim. Além disso, na medida em que, na fase da comunicação de acusações, a investigação da Comissão estava apontada para o apuramento da existência de mecanismos de dissuasão credíveis e não para o exercício efectivo de medidas de retaliação, e na medida em que só após a audição perante a Comissão esta alterou a sua apreciação sobre a concentração, parece difícil determinar quando e como a Comissão teria podido proceder a uma busca efectiva de provas do exercício de medidas de retaliação. De resto, resulta dos autos que, posteriormente à audição, a Comissão não efectuou mais qualquer investigação no mercado. As únicas medidas de verificação podem, assim, ter consistido em dirigir uma questão às partes notificantes, do que não forneceu qualquer prova ao Tribunal, as quais eram evidentemente pouco susceptíveis de fornecer à Comissão provas do exercício de medidas de retaliação.
472 Finalmente, há que concluir que o argumento da Comissão, segundo o qual «provas manifestas de medidas de retaliação aplicadas pelas outras empresas principais em reacção a um ‘desvio’ em relação aos níveis habituais dos preços líquidos médios ou dos descontos na factura médios teriam podido constituir um indício (embora evidentemente não determinante) da existência de uma coordenação, apesar da dificuldade de pôr em evidência condições de coordenação suficientemente claras e meios suficientemente eficazes de controlar a sua observância», não pode proceder. Com efeito, por um lado, esta afirmação está em contradição com a decisão, segundo a qual «qualquer indício de retaliação poderia com efeito ser considerado um sinal da existência de uma posição dominante colectiva nesses mercados» (considerando 114 da decisão) e «no presente processo [a Comissão] não encontrou portanto qualquer elemento indicando que foram utilizados no passado esses meios ou ameaças, o que teria constituído a prova de uma posição dominante colectiva». Por outro lado, a argumentação da Comissão equivale a sustentar que o exame que fez da condição relativa aos meios de retaliação era inadequado, uma vez que mesmo «provas manifestas de medidas de retaliação» apenas teriam podido constituir um indício «evidentemente não determinante».
473 Resulta do exposto que a acusação da recorrente, segundo a qual as apreciações contidas na decisão relativas aos meios de retaliação estão viciadas por erro manifesto de apreciação, é procedente.
474 Constituindo estas apreciações, como decorre nomeadamente do considerando 157 da decisão, um fundamento essencial no qual a decisão assenta, esta última deve ser anulada.
7. Conclusão sobre o primeiro fundamento
475 Resulta do exposto que a afirmação segundo a qual os mercados da música gravada não são suficientemente transparentes para permitir uma posição dominante colectiva não está suficientemente fundamentada e está viciada por erro manifesto de apreciação, na medida em que os elementos em que se baseia são incompletos e não incluem a totalidade dos dados pertinentes que deveriam ter sido tomados em consideração pela Comissão e não são susceptíveis de alicerçar as conclusões que daí são extraídas. Constituindo esta afirmação, como decorre tanto da decisão, e em especial do considerando 157 desta, como da discussão da causa perante o Tribunal, um fundamento essencial com base no qual a Comissão concluiu, na decisão, pela inexistência de uma posição dominante colectiva, a decisão deve portanto ser anulada só com este fundamento.
476 Da mesma forma, estando a análise relativa aos meios de retaliação viciada por erro de direito ou, pelo menos, por erro manifesto de apreciação, e constituindo esta análise o outro fundamento essencial com base no qual a Comissão concluiu, na decisão, pela inexistência de uma posição dominante colectiva, este vício justifica igualmente a anulação da decisão.
477 Finalmente, na medida em que seja necessário, importa ainda declarar que, conforme resulta, explícita ou implicitamente, do conjunto das considerações que antecedem, nenhum dos argumentos apresentados pelas intervenientes é susceptível de infirmar estas conclusões e que alguns de entre estes são mesmo expressamente contraditos na decisão.
478 No que se refere, em primeiro lugar, às observações preliminares formuladas pelas intervenientes, verifica‑se que estas já foram rejeitadas ou não são pertinentes. Assim a alegada circunstância de a Comissão ter conduzido uma investigação extraordinariamente aprofundada não é susceptível, por si só, de demonstrar que a Comissão efectivamente recolheu, analisou e apreciou correctamente a totalidade dos dados pertinentes. A este propósito, importa aliás observar que as intervenientes sublinham ter fornecido, depois de a notificação, dados e explicações de grande solidez relativos à indústria musical na Europa. Ora, resulta dos autos que, com base nestas informações e noutros elementos de informação recolhidos no mercado durante cerca de cinco meses de investigação, a Comissão concluíra, na comunicação de acusações, pela incompatibilidade da concentração com o mercado comum e que só após a exposição da argumentação das partes e dos seus economistas quando da audição de 14 e 15 de Junho de 2004 é que a Comissão alterou a sua apreciação e enviou, duas semanas mais tarde, ao comité consultivo um projecto de decisão aprovando a concentração. Do mesmo modo, não é pertinente a circunstância de autoridades de concorrência através do mundo terem aprovado a concentração. Finalmente, o argumento segundo o qual a concentração representa uma resposta pró‑concorrencial ao declínio da indústria musical e, em especial, à queda do preço de venda dos CD, deve igualmente ser rejeitado. Com efeito, não só a decisão não assenta de forma alguma sobre um pretenso equilíbrio das diversas vantagens e inconvenientes da concentração, como, além disso, os argumentos das intervenientes relativos à evolução da procura foram expressamente rejeitados nos considerandos 55 a 59 da decisão.
479 Em segundo lugar, quanto aos argumentos das intervenientes que visam contestar a procedência das acusações da recorrente relativas aos descontos promocionais, ao alinhamento dos preços ou à transparência, basta verificar que se confundem com os formulados pela Comissão e já foram acima rejeitados ou não puderam ser tomados em consideração, na medida em que são expressamente contraditos por afirmações constantes da decisão. Assim, o argumento baseado numa alegada falta de alinhamento dos preços e a afirmação de que uma grande quantidade das 100 melhores vendas é gerada fora dos PPV identificados na decisão, foram expressamente rejeitados na decisão. Também não é pertinente a afirmação de que a decisão minimiza a força das provas subjacentes relativas à falta de transparência suficiente. Com efeito, não compete ao Tribunal pronunciar‑se sobre a compatibilidade da concentração, mas sim efectuar um controlo da legalidade das conclusões formuladas na decisão. Além disso, há que concluir novamente que as afirmações das intervenientes a este respeito, segundo as quais os PPV não eram conhecidos nem acessíveis ou que os descontos habituais não eram suficientemente transparentes, são expressamente contraditas pelas declarações contidas na decisão.
480 Finalmente, em terceiro lugar, quanto aos argumentos relativos aos diferentes pontos não mencionados na decisão, basta observar que não têm qualquer pertinência, pois o exame do Tribunal limita‑se ao controlo da legalidade da decisão.
481 Não obstante, o Tribunal considera necessário examinar, a título superabundante, o segundo fundamento.
III – Quanto ao segundo fundamento, relativo à criação de uma posição dominante colectiva nos mercados da música gravada
A – Argumentos da recorrente
482 A recorrente observa que a Comissão examinou em menos de uma página a questão de saber se a concentração criaria uma posição dominante colectiva. Mesmo afirmando que a redução do número de actores poderia, em certos mercados oligopolísticos, conduzir à criação de uma posição dominante colectiva das empresas restantes e que isso dependeria essencialmente das características do mercado, a Comissão não identificou todavia estas características determinantes, tendo‑se limitado a remeter para a análise efectuada em relação à posição dominante colectiva preexistente à concentração, e concluiu, no considerando 157 da decisão, que não encontrou «elementos de prova bastantes para demonstrar que a redução do número de casas discográficas de cinco para quatro representaria uma alteração suficientemente importante para conduzir à criação provável de uma posição dominante colectiva», em especial em termos de transparência e de medidas de retaliação.
1. Quanto ao erro de direito
483 A Comissão cometeu quatro erros de direito na aplicação do critério da posição dominante colectiva.
a) Inexistência de análise prospectiva
484 A Comissão cometeu um erro de direito na aplicação da regulamentação respeitante às posições dominantes colectivas, na medida em que não procedeu a qualquer análise prospectiva para ver se teria sido criada uma posição dominante colectiva devido à concentração. Ora, o critério com vista a determinar se uma concentração cria ou não tal posição é fundamentalmente diferente do critério destinado a verificar a sua existência efectiva, dado que este último requer uma análise ex post, enquanto o primeiro requer uma análise ex ante que deve ser conduzida por referência ao nível de concorrência que reina no mercado antes da concentração.
485 Resulta do acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, que a análise prospectiva deve não só ter em conta a situação relativa a esta posição no momento em que tem lugar a operação, mas também apreciar de forma dinâmica, tendo em conta, em particular, «o equilíbrio interno, [a] estabilidade e [a] questão de saber se um comportamento anticoncorrencial paralelo ao qual aquela poderia dar lugar pode ser mantido no tempo». Ora, decorre do considerando 157 da decisão que, em vez de efectuar a análise prospectiva distinta requerida, a Comissão chegou à sua conclusão com base nas mesmas provas – ex post – que utilizou para negar a existência de uma posição dominante colectiva anterior à concentração.
486 Contudo, a análise ex post não é concludente. É certo que a Comissão demonstrou que «os mercados da música registada apresenta[va]m certas características favoráveis à existência de uma posição dominante colectiva» (considerando 157 da decisão), mas limitou‑se simplesmente a referir que não tinha encontrado prova suficiente de que a posição dominante colectiva já existia, de modo que qualquer alteração dos factores que aumentasse a possibilidade de acordos tácitos deveria ser analisada com grande prudência. A única prova examinada pela Comissão foi um relatório sobre o que ocorreu no passado, o que constitui um reconhecimento implícito pela Comissão de que não procedera a uma análise prospectiva.
b) Transparência
487 A recorrente sustenta que, para verificar se seria criada uma posição dominante colectiva, a Comissão cometeu um erro de direito, pelas mesmas razões que as expostas no âmbito do primeiro fundamento, utilizando um critério de transparência total do mercado quando, segundo o acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, importa verificar apenas se o mercado é suficientemente transparente para permitir uma coordenação de comportamento.
c) Meios de dissuasão
488 A recorrente acusa a Comissão de não ter efectuado qualquer análise prospectiva para verificar a existência de meios de dissuasão e de se ter apoiado nas conclusões a que chegara baseando‑se erradamente na falta de prova de medidas de retaliação no passado, no contexto do reforço de uma posição dominante colectiva preexistente a fim de rejeitar qualquer argumento segundo o qual a redução de cinco para quatro empresas principais facilitaria medidas de retaliação no mercado.
489 No âmbito da análise prospectiva a que deveria ter procedido, a afirmação de que havia medidas que podiam representar possibilidades credíveis de retaliação por parte das empresas principais (considerando 118 da decisão) deveria ter sido considerada uma prova suficiente, em especial devido ao facto de o número de grandes casas ficar reduzido a quatro.
d) Mecanismos de compensação
490 A recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro de direito ao não examinar de modo algum a terceira condição estabelecida no acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, para verificar a existência de uma posição dominante colectiva, ou seja, a capacidade de os clientes ou os concorrentes ameaçarem através das suas acções os resultados de qualquer política comum adoptada pelas empresas principais.
2. Quanto à violação do dever de fundamentação
491 A recorrente sustenta que a análise prospectiva a que a Comissão deve proceder para verificar o risco de criação de uma posição dominante colectiva implica um exame aprofundado das circunstâncias pertinentes quanto ao efeito da concentração sobre o mercado. Ora, por um lado, a Comissão não examinou sequer a possibilidade de criação de uma posição dominante colectiva na comunicação de acusações e, por outro, na decisão, a análise da Comissão não é prospectiva nem detalhada. A Comissão inferiu do facto de não ter feito prova da existência de uma posição dominante colectiva que não há provas bastantes para demonstrar que seria criada no futuro tal posição dominante.
492 A recorrente sustenta que, se a Comissão tivesse efectuado a análise prospectiva requerida, deveria ter abordado as questões seguintes:
– em que medida a redução do número de empresas principais significaria:
– que as empresas principais se tornam mais interdependentes umas das outras devido à redução do número de actores de cinco para quatro;
– que o mercado que está concentrado segundo todos os padrões aceites antes da concentração se torna muito mais concentrado na sequência da concentração;
– que a coordenação entre as empresas principais seria ainda mais fácil de controlar e de manter no tempo e que a transparência dos preços seria igualmente ainda mais acentuada devido à simetria que facilitaria o controlo, incluindo do mercado muito importante dos hit‑parades;
– que se tornaria mais fácil identificar um ponto focal e manter um entendimento comum sobre o que seria o interesse comum das empresas principais porque o seu número seria reduzido;
– que o equilíbrio entre os ganhos a longo prazo resultantes da adesão ao acordo e os ganhos a curto prazo resultantes das vedas a preços inferiores aos dos rivais seria deslocado se existissem menos empresas no mercado;
– em que medida o nível de simetria no mercado aumentaria, dado que a Sony BMG seria semelhante à Universal em termos de dimensão e de partes de mercado, com as outras empresas principais EMI e Time Warner imediatamente a seguir com partes de mercado igualmente simétricas. Este ponto seria importante porque a simetria em termos de dimensão e de partes de mercado tornaria mais fácil a manutenção do acordo tácito. A Sony BMG e a Universal teriam uma parte de mercado combinada de 50% do mercado mundial da música gravada e esta parte estaria mais próxima dos 60 a 70% no mercado mais importante dos hit‑parades, cuja importância a Comissão não estudou. Este segmento de mercado seria importante tanto para a concorrência actual como enquanto indicador do poder a longo prazo no mercado, dado que os novos lançamentos passam a títulos do catálogo;
– em que medida a simetria aumentaria e a concorrência seria reduzida porque duas empresas principais que tinham tido resultados diferentes durante os últimos anos passariam a ser só uma;
– em que medida os meios de dissuasão disponíveis se tornariam mais eficazes;
– em que medida os independentes se tornariam ainda mais dependentes das empresas principais, nomeadamente porque o número de parceiros comerciais inevitáveis disponíveis para os independentes seria reduzido de 20%;
– em que medida ficariam enfraquecidos quaisquer mecanismos de compensação concorrencial em relação às empresas principais.
493 A Comissão não examinou em detalhe a mínima destas questões, de modo que a afirmação da Comissão de que não há qualquer criação de uma posição dominante colectiva (considerando 158 da decisão impugnada) não é apoiada por qualquer raciocínio ou assenta num raciocínio manifestamente inadequado.
3. Quanto ao erro manifesto de apreciação
494 A inexistência de análise prospectiva constitui igualmente um erro de apreciação. A Comissão apoiou‑se em provas anteriores relativas à posição dominante colectiva preexistente sem examinar em detalhe o impacto das alterações resultantes da concentração. Além disso, estas supostas provas já eram elas próprias erradas pelas razões expostas no primeiro fundamento.
495 A recorrente observa que, embora a Comissão refira brevemente que a transparência aumentará, não fornece contudo qualquer indicação detalhada sobre o nível que será atingido ou o impacto que daí resultará, limitando‑se a sublinhar a falta de provas suficientes. Além disso, a Comissão deveria ter examinado em que medida a redução do número de actores no mercado facilitava os acordos tácitos ou os tornava mais atractivos, dado que os lucros seriam partilhados por um número mais reduzido. A Comissão não indica quais as provas recolhidas, nem em que é que estas são insuficientes, nem que provas seriam necessárias.
496 Quanto às medidas de retaliação, a análise assenta em provas anteriores abrangendo um período relativamente ao qual a Comissão afirma que não existia qualquer posição dominante colectiva. A Comissão não examinou a questão das medidas de retaliação potenciais após a concentração.
497 A recorrente recorda que a Comissão esteve a ponto de afirmar a existência de uma posição dominante colectiva preexistente à concentração, mas que, erradamente, considerou as provas insuficientes. A mesma conclusão em relação ao mercado após a concentração, que aumentou a transparência, denota um erro manifesto de apreciação.
498 Finalmente, a recorrente alega que a conclusão da Comissão é particularmente surpreendente, tendo em conta que, quatro anos atrás, a Comissão tinha declarado que a fusão EMI/Time Warner criaria uma posição dominante colectiva no mercado da música gravada (n.° 57 da comunicação de acusações, junta em anexo A.13, nesse processo).
B – Argumentos da Comissão
1. Quanto ao erro de direito
a) Ausência de análise prospectiva
499 A Comissão sustenta que são infundadas as acusações da recorrente segundo as quais não procedeu a qualquer análise prospectiva e se baseou nas mesmas provas ex post que na sua análise da eventual existência prévia de uma posição dominante colectiva, quando os critérios diferem fundamentalmente. Formula a título preliminar duas observações de princípio.
500 Por um lado, as decisões de controlo das concentrações devem invariavelmente assentar numa análise prospectiva, pois a decisão sobre a questão de saber se uma concentração é ou não compatível com o mercado comum depende das alterações susceptíveis de serem causadas no mercado pela operação ainda não realizada (acórdão Kali & Salz, n.° 245 supra, n.os 109 a 111). É portanto necessário em todos os casos basear a análise prospectiva numa visão clara das condições concorrenciais anteriores à operação de concentração. Os elementos de prova já reunidos e apreciados no que diz respeito à situação actual do mercado (que dificilmente se podem qualificar de provas ex post) mantêm a pertinência enquanto ponto de partida da análise.
501 Por outro lado, a apreciação da eventual existência actual de uma posição dominante colectiva pressupõe a tomada em consideração das mesmas quatro condições que a apreciação da eventual criação dessa posição dominante: indícios de coordenação tácita, transparência suficiente, risco de represálias, mecanismos de compensação dos concorrentes e dos clientes (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Janeiro de 2005, Piau/Comissão, T‑193/02, Colect., p. II‑209, n.° 111). Quando, como no caso presente, já foi dada uma resposta negativa a uma ou mais destas questões a propósito da situação actual, a análise prospectiva está necessariamente orientada para determinar se ou como poderia dar lugar a uma resposta afirmativa num futuro previsível.
502 Estando a conclusão de que não havia provas suficientes de uma posição dominante colectiva existente baseada essencialmente no facto de não estar preenchida a condição da transparência suficiente, a Comissão interessou‑se principalmente no efeito da concentração quanto a este parâmetro. Ainda que a concentração conduzisse automaticamente a uma redução do número de relações bilaterais, passando de dez para seis, o que em princípio facilitaria a vigilância, esta observação, essencialmente aritmética, não é todavia determinante pela razão principal de os obstáculos à transparência se deverem, não ao número de empresas principais a vigiar, mas à complexidade das decisões individuais de cada grande casa discográfica que fixam o preço líquido de álbuns individuais, de conteúdo heterogéneo e de êxito comercial variável, para clientes individuais, por uma combinação de PPV, de descontos habituais e de descontos promocionais. No que diz respeito aos descontos na factura, e é mais provável que as escassas informações disponíveis (que se referem principalmente aos descontos habituais) sejam obtidas junto de clientes do que junto de outras empresas principais, e a operação de concentração não altera a relação das restantes empresas principais com a clientela regular, que não mudará por efeito da concentração. É por isso que a Comissão concluiu – a título prospectivo – pela insuficiência de provas confirmando que a modificação da estrutura do mercado que devia resultar da concentração facilitaria a transparência numa medida tal que o nível de transparência requerido para a criação de uma posição dominante colectiva seria atingido (considerando 157, in fine, da decisão).
503 A Comissão considera que estes elementos constituem uma análise suficiente das condições cumulativas da posição dominante colectiva.
b) Transparência
504 Limitando-se a reiterar o invocado no âmbito do primeiro fundamento, este argumento da recorrente é igualmente infundado no presente contexto.
c) Meios de dissuasão e mecanismos de compensação
505 Embora tenha considerado, no considerando 157 da decisão, que não havia provas suficientes de que a operação facilitaria as medidas de retaliação, a Comissão não tomou definitivamente posição sobre este ponto para basear a sua apreciação. Com efeito, uma vez que tinha concluído que não dispunha de provas que demonstrassem que a fixação dos preços seria suficientemente transparente para permitir uma vigilância efectiva, já não seria necessário examinar a questão das medidas de retaliação nem questão do poder de contrabalanço sob a rubrica «criação» em vez de sob a rubrica «reforço».
2. Quanto à violação do dever de fundamentação
506 A Comissão sustenta que a maior parte das críticas formuladas pela recorrente não tem qualquer relação com uma falta de fundamentação. A alegada omissão da Comissão de ter em conta diversos elementos diz respeito à legalidade da apreciação e não à fundamentação. A Comissão precisa que o facto de não ter chegado a uma conclusão sobre certos pontos não implica que não tinha que referir os fundamentos desta conclusão inexistente.
507 É inadmissível que a recorrente procure numa fase ulterior do presente processo converter o seu fundamento de recurso, transformando um fundamento de forma (falta de fundamentação) num fundamento de mérito (erro de direito ou erro manifesto de apreciação) e a flagrante falta de pertinência dos seus argumentos específicos à luz da aplicação do artigo 253.° CE constitui base suficiente para a improcedência deste fundamento de anulação.
508 Assim, é apenas a título puramente subsidiário que a Comissão examina brevemente estes anterior.
509 Quanto à afirmação da recorrente segundo a qual a análise deve ser detalhada, a Comissão remete para as observações desenvolvidas sob o fundamento precedente.
510 O facto de a Comissão não ter concentrado a sua atenção na possível criação de uma posição dominante na comunicação de acusações não tem qualquer relação com a suficiência dos fundamentos expostos na decisão. No que diz respeito à alegada suposição da Comissão de que não tinha provas suficientes para desenvolver as suas conclusões sobre a inexistência de posição dominante colectiva existente, a Comissão remete para a discussão dedicada à natureza da análise prospectiva.
511 O aumento do nível de concentração nos mercados da música gravada e do grau de simetria das partes de mercado, assim como um eventual aumento do nível de interdependência, não contribuem em medida importante para a supressão dos obstáculos à coordenação que foram enunciados na análise da eventual existência actual de uma posição dominante colectiva, a saber, complexidade e a falta de provas de uma transparência suficiente do processo global de fixação dos preços (PPV mais desconto habitual mais desconto promocional) dos álbuns individuais para clientes individuais no tempo.
512 Embora uma maior concentração do mercado possa alterar em abstracto os incitamentos para seguir uma linha de acção comum, esta não teria, no caso em apreço, um efeito sensível sobre o elemento dissuasivo fundamental que resulta da incapacidade das empresas em situação de oligopólio para detectar e, portanto, punir e desencorajar os desvios. Na falta de transparência suficiente, as empresas principais não podem ter a certeza que uma de entre elas não procurará aproveitar ao mesmo tempo as vantagens a longo prazo da coordenação tácita e as vantagens a curto prazo da prática de preços inferiores aos das suas rivais, e esta incerteza torna a coordenação tácita instável e impossível de manter.
513 As observações da recorrente sobre a simetria devem igualmente ser rejeitadas pelo facto de não existir qualquer nexo evidente entre a simetria e a transparência.
514 Finalmente, os outros argumentos de recorrente incidem essencialmente sobre a segunda e terceira condições cumulativas de uma posição dominante colectiva duradoura. Ora, a Comissão não teve que tomar posição sobre estas condições, uma vez que tinha declarado que não havia provas suficientes de que a primeira condição estava preenchida.
3. Quanto ao erro manifesto de apreciação
515 As afirmações da recorrente respeitantes à inexistência de apreciação prospectiva devem ser rejeitados pelas razões expostas sob a rubrica do erro de direito.
516 Os argumentos da recorrente relativos aos incitamentos que levariam as empresas em situação de oligopólio a adoptar uma linha de acção comum devem, mais uma vez, ser rejeitados pelo facto de ignorarem a inexistência de transparência suficiente.
517 A tese da recorrente segundo a qual, pelo facto de a redução do número de empresas principais aumentar globalmente a probabilidade de coordenação tácita, a Comissão deveria ter concluído que seria criada uma posição dominante colectiva, a menos que a concentração apresentasse outras características que tornariam a coordenação tácita menos provável, ignora totalmente o carácter distinto das diversas condições de uma posição dominante colectiva duradoura. Um aumento do grau de concentração nos mercados não tem de implicar uma redução correspondente das exigências de prova no que respeita à condição distinta de uma transparência suficiente, se não for demonstrado que esta concentração acrescida modifica sensivelmente a apreciação feita sobre esta última condição.
518 Finalmente, a Comissão recorda que a legalidade da decisão não pode ser julgada segundo as conclusões provisórias das comunicações das acusações, uma das quais foi emitida há quatro anos num processo diferente.
C – Argumentos das intervenientes
519 As intervenientes alegam que a decisão de abertura da fase II da investigação mostra que, desde o início, a Comissão examinou tanto a possibilidade de uma criação como a de um reforço de uma posição dominante colectiva. A Comissão concentrou‑se com razão nas características intrínsecas do mercado e, em especial, na questão de saber se os preços eram suficientemente transparentes para permitir a coordenação tácita (acórdão Gencor/Comissão, n.° 246 supra, n.° 227). Uma vez que as características do mercado respeitantes aos preços não apoiavam a conclusão de que houvera uma colusão no passado, a Comissão concluiu correctamente que a redução do número de empresas principais de cinco para quatro seria insuficiente para superar os obstáculos materiais à colusão tácita (acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, n.os 75 e 76).
520 As características do mercado mantêm‑se incompatíveis com a coordenação tácita tanto dos preços como de outros factores (número, originalidade, criatividade, diversidade cultural dos novos lançamentos, assinatura dos artistas). Entre estas, as intervenientes alegam que a música gravada é um produto heterogéneo, que as empresas principais são fortemente incitadas a maximizar as vendas dos «grandes êxitos», que as decisões sobre os preços e os descontos são adaptadas em função de cada lançamento de álbum, tanto no momento do seu lançamento no mercado como durante a sua vida, e em função de cada retalhista individual, que as casas discográficas exercem um poder discricionário sobre os PPV quando do lançamento e no tempo, reflectindo a opinião subjectiva do pessoal de marketing, que todas as sociedades concedem diversos descontos e incentivos, que não são do conhecimento dos seus concorrentes e que variam no tempo, consoante o álbum e o retalhista, e por fim, que sendo os descontos imprevisíveis e invisíveis, não se podem inferir deduções fiáveis sobre os preços líquidos observando os PPV, pelo que a coordenação sobre os PPV, mesmo que se verificasse, não teria impacto sobre os preços reais (v. também anexo C.4, p. 6).
D – Apreciação do Tribunal
521 A recorrente sustenta, em substância, que a afirmação segundo a qual a concentração não provocaria a criação de uma posição dominante colectiva no mercado da música gravada não está suficientemente fundamentada e está viciada por erro manifesto de apreciação e erro de direito.
522 Recorde‑se que, quando a Comissão examina o risco de criação de uma posição dominante colectiva, deve «apreciar, segundo uma análise prospectiva do mercado de referência, se a operação de concentração que lhe é notificada leva a uma situação em que sejam causados entraves significativos à concorrência efectiva no mercado em causa por parte das empresas que intervêm na operação de concentração e por uma ou mais empresas terceiras que, em conjunto, e designadamente em função dos factores de correlação que existam entre as mesmas, possam adoptar a mesma linha de acção no mercado e agir em medida apreciável, independentemente dos outros concorrentes, da sua clientela e, em última análise, dos consumidores» (acórdãos Kali & Salz, n.° 245 supra, n.° 221, Gencor/Comissão, n.° 246 supra, n.° 163, e Airtours/Comissão, n.° 45 supra, n.° 59). A análise prospectiva que a Comissão é chamada a realizar no quadro do controlo das concentrações, tratando‑se de uma posição dominante colectiva «exige uma análise atenta, designadamente, das circunstâncias que, segundo cada caso concreto, se mostrem relevantes para a apreciação dos efeitos da operação de concentração sobre o funcionamento da concorrência no mercado de referência» (acórdãos Kali & Salz, n.° 245 supra, n.° 222, e Airtours/Comissão, n.° 45 supra, n.° 63).
523 Isto é tanto mais verdadeiro que «não se trata de analisar acontecimentos do passado, a respeito dos quais se dispõe frequentemente de numerosos elementos que permitem compreender as suas causas, nem mesmo acontecimentos presentes, mas sim prever os acontecimentos que se produzirão no futuro, segundo uma probabilidade mais ou menos forte, se não for adoptada nenhuma decisão que proíba ou que precise as condições da concentração prevista» (acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 232 supra, n.° 42). Assim, «essa análise exige que se imaginem os vários encadeamentos de causa e efeito, a fim de ter em conta aqueles cuja probabilidade é maior» (acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 232 supra, n.° 43).
524 É à luz destas considerações que importa examinar se a Comissão analisou correctamente o risco de criação de uma posição dominante colectiva.
525 Importa notar, a título preliminar, o carácter extremamente sucinto do exame efectuado a este respeito na decisão.
526 A Comissão afirma, no considerando 156, que «a questão de saber se, no caso presente, a concentração conduz à criação de uma posição dominante colectiva é no essencial função das características do mercado».
527 A análise feita pela Comissão a este respeito limita‑se às considerações seguintes contidas no considerando 157 da decisão, que está assim redigido:
«Conforme mostra a análise relativa ao reforço de uma posição dominante colectiva, não se pode concluir do nível de paralelismo que pode ser observado em matéria de preços médios que as grandes casas discográficas ocupam actualmente uma posição dominante colectiva nos mercados da música gravada. A redução número de grandes casas discográficas de cinco para quatro aumenta a transparência, dado que o número de relações concorrenciais bilaterais desce de 10 para 6. Em princípio, o controlo do mercado em questão fica facilitado. Conforme foi examinado na secção relativa ao reforço de uma posição dominante colectiva, os mercados da música gravada apresentam certas características que podem deixar supor a presença de condições favoráveis à existência de uma posição dominante colectiva. Ora, a Comissão não encontrou elementos suficientes para provar que as cinco grandes casas discográficas detiveram no passado uma posição dominante colectiva; isto é nomeadamente devido aos défices verificados ao nível da transparência real, às características parcialmente heterogéneas do produto e à falta de elementos confirmando a existência de medidas de retaliação no passado. No que diz respeito à criação de uma posição dominante colectiva das grandes casas discográficas no mercado da música gravada, a Comissão, sem deixar de ter em conta o facto de a coordenação entre os quatro actores restantes ser, em geral, mais fácil, não encontrou provas suficientes para demonstrar que a redução do número de casas discográficas de cinco para quatro representaria uma alteração suficientemente importante para levar à criação provável de uma posição dominante colectiva. Designadamente, a Comissão não encontrou elementos de prova bastantes que confirmem que a passagem de cinco para quatro grandes casas discográficas facilitaria a transparência e as medidas de retaliação em medida tal que fosse de prever a criação de uma posição dominante colectiva das restantes quatro grandes casas discográficas.»
528 Há que concluir que estas observações tão superficiais, ou mesmo puramente formais, não podem dar cumprimento à obrigação da Comissão de efectuar uma análise prospectiva e de proceder a um exame atento das circunstância que, conforme cada caso concreto, se revelem pertinentes para fins da apreciação dos efeitos da operação de concentração sobre o funcionamento da concorrência no mercado de referência, e isto em especial quando, como no caso presente, a concentração suscita dificuldades sérias. Independentemente da apreciação do Tribunal quanto ao primeiro fundamento, resulta com efeito tanto da circunstância de a Comissão ter tido que efectuar longos desenvolvimentos na decisão para concluir pela inexistência de uma posição dominante colectiva anterior, como do facto de aquela ter concluído na comunicação de acusações, após cinco meses de investigação, pela existência dessa posição anterior, que a questão de saber se a fusão entre duas das cinco empresas principais cria o risco de gerar uma posição dominante colectiva suscita, a fortiori, dificuldades sérias necessitando de um exame aprofundado. Só o facto de este exame não ter sido efectuado determina, desde logo, que o segundo fundamento é procedente.
529 A título superabundante, o Tribunal examinará não obstante se as declarações relativas à transparência e às medidas de retaliação não estão também viciadas por erro de direito ou de apreciação.
530 Decorre do considerando 157 da decisão, e em especial do seu último período, que a conclusão da Comissão, segundo a qual a concentração não representa uma modificação suficientemente importante para implicar a criação provável de uma posição dominante colectiva se baseia expressamente nas condições relativas à transparência do mercado e às medidas de retaliação.
531 Quanto à transparência, importa recordar, antes de mais, que se verificou, no âmbito do primeiro fundamento, que a afirmação da Comissão de que os descontos promocionais têm como efeito reduzir a transparência a ponto de impedir a existência de uma posição dominante colectiva não está suficientemente fundamentada e está viciada por erros manifestos de apreciação.
532 Além disso, tratando‑se de apreciar o risco de criação de uma posição dominante colectiva, a Comissão não podia basear‑se apenas na situação existente, estando obrigada a efectuar uma análise prospectiva e a tomar em consideração as modificações resultantes da operação de concentração em causa. O considerando 157 da decisão, se bem que, no mínimo, lacónico, refere ainda a este respeito, que a coordenação entre os quatro actores restantes tornar‑se‑á no conjunto mais fácil. Contudo, a decisão não contém qualquer exame da questão de saber se a concentração, nomeadamente pelo facto de implicar uma diminuição do número de álbuns a vigiar, não tornará o mercado suficientemente transparente para permitir o desenvolvimento de uma posição dominante colectiva. A este propósito, importa também recordar que, na comunicação de acusações, a Comissão tinha afirmado:
«A concentração projectada facilitaria a vigilância da coordenação dos preços, uma vez que cada empresa principal só deveria tomar em consideração o comportamento em matéria de preços das três outras empresas principais. Em consequência, os PPV seriam ainda mais focalizados num leque de preços muito restrito relativamente à maior partes dos álbuns mais vendidos. A transparência dos descontos também aumentará, pois as empresas principais já só terão que vigiar as três outras empresas principais quando das suas visitas às lojas e dos seus contactos com os retalhistas.»
533 Daqui decorre que as observações relativas à transparência não permitem alicerçar a análise segundo a qual a concentração não gera o risco de criar uma posição dominante colectiva.
534 Quanto às medidas de retaliação, importa antes de mais constatar que a afirmação da Comissão, na sua resposta, de que não tomou posição sobre a suficiência dos diversos mecanismos de retaliação possíveis e a sua apreciação não se debruçou sobre este aspecto, conforme resulta do considerando 157 da decisão, não é compatível com a decisão.
535 A argumentação da Comissão e das intervenientes, segundo a qual não era necessário examinar a questão das medidas de retaliação uma vez que a Comissão tinha concluído que não dispunha de provas demonstrando que a fixação dos preços era suficientemente transparente para permitir uma vigilância efectiva, deve ser afastada na medida em que a decisão se baseia expressamente na inexistência de medidas de retaliação e em que o Tribunal não pode substituir pela sua a apreciação da Comissão e rectificar a decisão. De qualquer modo, a argumentação não procede, dado que já foi declarado que a afirmação segundo a qual o mercado não era suficientemente transparente ou, a fortiori, não o viria a ser na sequência da concentração, não está suficientemente fundamentada e está viciada por erro manifesto de apreciação.
536 Importa observar seguidamente que, na decisão, a Comissão se limitou a remeter para o exame efectuado a propósito da existência de uma posição dominante colectiva e a indicar que não encontrara elementos de prova suficientes para confirmar que a concentração facilitaria «as medidas de retaliação numa medida tal que fosse conveniente antecipar a criação de uma posição dominante colectiva das restantes quatro grandes casas discográficas».
537 Ora, no âmbito deste exame, a Comissão, conforme resulta do primeiro fundamento, não se concentrou na determinação da existência de mecanismos de dissuasão eficazes, mas sim em procurar provas do exercício de medidas de retaliação no passado. Esta diligência constitui, de qualquer modo, uma interpretação errada da condição enunciada no acórdão Airtours/Comissão, n.° 45 supra, quando se trata de examinar a determinação de uma posição dominante colectiva, na medida em que esta deve assentar numa análise prospectiva. Com efeito, é claro que, neste âmbito, a busca de provas do exercício, no passado, de medidas de retaliação não pode constituir um critério válido, pois a condição pode perfeitamente estar preenchida na falta de qualquer medida de retaliação no passado. Uma vez que a apreciação do risco de criação de uma posição dominante colectiva através de uma concentração não assenta, por definição, na existência de uma política comum prévia, não é pertinente o critério relativo ao facto de não terem sido exercidas medidas de retaliação no passado. A decisão está portanto viciada por erro quanto a este ponto.
538 Resulta além disso da decisão e dos autos que tais meios de dissuasão credíveis e eficazes parecem efectivamente existir no caso presente e, em especial, a possibilidade de aplicar sanções à casa discográfica desviante excluindo‑a das compilações. Na comunicação de acusações, a Comissão tinha aliás afirmado claramente o carácter eficaz deste meio de dissuasão e a decisão não fornece qualquer explicação sobre as razões pelas quais, em última instância, assim não seria. Muito pelo contrário, as análises que figuram nos considerandos 115 a 118 da decisão são susceptíveis de confirmar o carácter eficaz deste meio de dissuasão. Com efeito, após ter evidenciado, nos considerandos 115 e 116 da decisão, a importância económica das compilações de vários artistas ou etiquetas, que representam aproximadamente 15 a 20% do mercado total da música gravada, e sublinhado que a presença de um álbum de artistas «pertencentes» a diferentes casas discográficas parece ser um factor chave de êxito de uma compilação, a Comissão declara, no considerando 117 da decisão, que «em caso de ‘desvio’ persistente de uma de entre elas, as grandes casas discográficas podem assim excluir esta última da criação de novas empresas comuns ou recusar‑lhe o direito de utilizar os seus títulos numa compilação, ou mesmo pôr fim a certas empresas comuns existentes». Finalmente, o considerando 118 da decisão indica que a Comissão não encontrou contudo qualquer elemento demonstrando, no passado, a exclusão de outras grandes casas discográficas de uma empresa comum de compilação, nem indícios de ameaça nesse sentido, esclarecendo ao mesmo tempo que «estas medidas poderiam representar em geral meios de retaliação credíveis nos mercados da música gravada».
539 A Comissão não podia assim, sem cometer um erro, basear‑se na falta de prova do exercício de medidas de retaliação no passado para concluir que a concentração não gerava o risco de conduzir à criação de uma posição dominante colectiva.
540 Importa ainda recordar que, conforme se verificou no âmbito do primeiro fundamento, a decisão não menciona um único caso em que uma empresa principal se tenha afastado da política comum em matéria de preços, sem que tal implicasse o exercício de uma medida de retaliação, e a Comissão, interrogada a este respeito pelo Tribunal, não pôde indicar a mínima verificação a que tivesse procedido para concluir que não encontrara qualquer elemento indicando que tinham sido utilizadas no passado medidas de retaliação ou ameaças nesse sentido.
541 Decorre do que antecede que o segundo fundamento de anulação é igualmente procedente.
IV – Conclusão geral
542 Resulta do conjunto das considerações expostas que o primeiro e segundo fundamentos são procedentes e que a decisão, por um lado, está viciada por insuficiência de fundamentação e por outro, por erro manifesto de apreciação, na medida em que os elementos em que se funda a decisão não constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração e não são suficientes para alicerçar as conclusões que deles são extraídas.
543 Daqui decorre que, sem que seja necessário examinar o fundamento relativo ao reforço ou à criação de uma posição dominante colectiva no mercado por grosso das licenças de música em linha ou o fundamento relativo à coordenação das actividades das partes na concentração no domínio da edição musical, a decisão deve ser anulada.
Quanto às despesas
544 Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No entanto, nos termos do artigo 87.°, n.° 3, do referido regulamento, se cada parte obtiver vencimento parcial ou perante circunstâncias excepcionais, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Finalmente, o artigo 87.°, n.° 4, do regulamento prevê que o Tribunal pode determinar que um interveniente suporte as respectivas despesas.
545 No caso presente, a decisão deve ser anulada e a recorrente concluiu pedindo a condenação da Comissão nas despesas. Todavia, há que ter em conta as seguintes circunstâncias.
546 No que se refere à recorrente, observe‑se que, embora esta tenha insistido fortemente para que o processo, apesar da sua complexidade sublinhada com razão pela Comissão, fosse tratado em regime de tramitação acelerada, a recorrente não adoptou todavia um comportamento em consequência, sendo certo que o Tribunal, na sua decisão que deferiu o pedido de tramitação acelerada, tinha expressamente sublinhado que esta decisão poderia ser reservada perante os desenvolvimentos do processo. É certo que, embora o Tribunal pudesse, na verdade, pôr consequentemente termo à tramitação acelerada, deveria, todavia ter‑se em conta a urgência objectiva do processo e o esforço considerável já dispendido pelas outras partes, tornando assim, progressivamente, esta possibilidade cada vez menos adequada. Ora, uma atitude, pouco compatível com a letra e o espírito da tramitação acelerada, adoptada pela recorrente, desenvolveu‑se progressivamente ao longo das diferentes fases do processo.
547 Em primeiro lugar, o volume da petição e o número de fundamentos e argumentos ultrapassavam em larga medida as normas preconizadas para beneficiar da tramitação acelerada e a recorrente não apresentou qualquer versão resumida da sua petição nem renunciou a determinados fundamentos.
548 Em segundo lugar, sendo certo que a medida de organização do processo com vista a permitir o acesso a certos documentos ou elementos confidenciais acabava de ser negociada e posta em prática pela Comissão, as intervenientes e o Tribunal, tanto através da troca de diversas notas como numa reunião informal do Tribunal, a recorrente pediu uma alteração daquela medida que implicou objecções importantes das outras partes, para finalmente retirar esse pedido.
549 Em terceiro lugar, após ter requerido e obtido o direito, não habitual num processo de tramitação acelerada, de apresentar um articulado de resposta aos elementos de prova apresentadas pela Comissão na sua resposta, a recorrente opôs‑se, sem razão, a que a Comissão, em conformidade com o princípio do respeito pelo contraditório, pudesse apresentar observações complementares em resposta.
550 Em quarto lugar, após ter insistido para conseguir uma audiência rapidamente, a recorrente não confirmou todavia a sua disponibilidade para nenhuma das quatro datas propostas pelo Tribunal, atrasando assim por vários meses a realização da audiência.
551 Em quinto lugar, tendo sido autorizada, a título inteiramente excepcional, a apresentar observações após a audiência, na condição de estas serem estritamente limitadas às respostas da Comissão às questões escritas do Tribunal, a recorrente, conforme sublinhou com razão a Comissão, apresentou um articulado de mais de 50 páginas, não incluído o anexo, no qual apresentou, nomeadamente, numerosos argumentos e elementos de prova sem qualquer relação com as referidas questões e inseriu novos argumentos e elementos de prova.
552 Por outro lado, embora a recorrente tenha obtido ganho de causa no que se refere à posição dominante colectiva no mercado da música gravada, o seu pedido com vista a que fossem desentranhados dos autos todos os elementos de prova apresentados pela Comissão em anexo à sua resposta foi indeferido. Também as suas conclusões relativas à alegada posição dominante individual da Sony nos mercados da distribuição de música em linha são destituídas de qualquer fundamento, quanto mais não seja pelo facto de, na altura da adopção da decisão, a SonyConnect não ter nenhuma parte de mercado, enquanto outros actores, em particular a Apple, detinham já uma posição importante.
553 No que se refere à Comissão, é de lamentar que, em vários pontos, as suas observações se afastem, por vezes de forma bastante significativa, das análises efectuadas na decisão, obrigando assim a recorrente e o Tribunal a ter constantemente de proceder a verificações não habituais. Assim, quanto às afirmações segundo as quais, devido ao facto de o recurso ao mecanismo de retaliação que consiste em excluir das compilações o membro que se afasta da política comum poder implicar o sacrifício dos benefícios gerados por uma compilação, a Comissão não conseguiu concluir que se tratava de um mecanismo credível ou não tomou posição sobre a questão das medidas de retaliação, não correspondem manifestamente às conclusões expostas nos considerandos 115 a 118 da decisão, os quais reconhecem, pelo contrário, a eficácia deste mecanismo de retaliação (conforme já estava aliás expressamente afirmado nos n.os 128 a 132 da comunicação de acusações), mas referem que a Comissão não obteve prova de que foram postas em prática. Também a afirmação da Comissão segundo a qual concluiu, no considerando 169 da decisão que a transparência do mercado nos mercados de licenças de música em linha era limitada, devido à inexistência de preços por grosso das licenças geralmente conhecidos, não corresponde à afirmação, que consta igualmente da decisão, de que «a transparência é de qualquer modo maior no mercado das licenças em linha do que no mercado tradicional da música gravada».
554 Perante as considerações que antecedem, o Tribunal considera que será feita uma justa apreciação das circunstâncias da causa decidindo, por uma lado, que a Comissão suportará as suas próprias despesas e três quartos das efectuadas pela recorrente e, por outro, que as intervenientes suportarão as suas despesas, em conformidade com o artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)
decide:
1) É anulada a Decisão C(2004) 2085 da Comissão, de 19 de Julho de 2004, que declara uma operação de concentração compatível como mercado comum e o funcionamento do Acordo EEE (processo COMP/M.3333 – Sony/BMG).
2) A Comissão suportará as suas despesas e três quartos das efectuadas pela recorrente.
3) A recorrente suportará um quarto das suas despesas.
4) As intervenientes suportarão as suas despesas.
Jaeger |
Azizi |
Cremona |
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Julho de 2006.
O secretário |
O presidente |
E. Coulon |
M. Jaeger |
* Língua do processo: inglês.