ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

15 de Dezembro de 2009 ( *1 )

«Auxílios de Estado — Auxílios concedidos pelas autoridades francesas à EDF — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado comum e ordena a sua recuperação — Direitos processuais do beneficiário do auxílio — Afectação das trocas comerciais entre Estados-Membros — Critério do investidor privado»

No processo T-156/04,

Électricité de France (EDF), com sede em Paris (França), representada por M. Debroux, advogado,

recorrente,

apoiada por:

República Francesa, representada por G. de Bergues e A.-L. Vendrolini, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Buendía Sierra e C. Giolito, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Iberdrola, SA, com sede em Bilbao (Espanha), representada por J. Ruiz Calzado e É. Barbier de La Serre, advogados,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação dos artigos 3.o e 4.o da decisão da Comissão relativa aos auxílios estatais concedidos pela França à EDF e ao sector industrial da electricidade e do gás (C 68/2002, N 504/2003 e C 25/2003), adoptada em 16 de Dezembro de 2003,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, E. Cremona e S. Frimodt Nielsen (relator), juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Novembro de 2008,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico

Regras do Tratado CE

1

Nos termos do artigo 87.o, n.o 1, CE, salvo disposição em contrário deste Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

2

Nos termos do artigo 88.o, n.os 1 e 2, CE:

«1.   A Comissão procederá, em cooperação com os Estados-Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nesses Estados. A Comissão proporá também aos Estados-Membros as medidas adequadas que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado comum.

2.   Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 87.o, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.»

Regulamento (CE) n.o 659/1999

3

O artigo 1.o, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.o CE] (JO L 83, p. 1), dispõe:

«[…] entende-se por […] ‘auxílio existente’:

i)

[…] qualquer auxílio que já existisse antes da entrada em vigor do Tratado no respectivo Estado-Membro, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais em execução antes da data de entrada em vigor do Tratado e que continuem a ser aplicáveis depois dessa data;

[…]

v)

Os auxílios considerados existentes por se poder comprovar que não constituíam auxílios no momento da sua execução, tendo-se subsequentemente transformado em auxílios devido à evolução do mercado comum e sem terem sido alterados pelo Estado-Membro. Quando determinadas medidas se transformem em auxílios na sequência da liberalização de uma actividade provocada pela legislação comunitária, essas medidas não serão consideradas auxílios existentes depois da data fixada para a liberalização;»

4

O artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 determina que os poderes da Comissão Europeia em matéria de recuperação do auxílio ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos.

5

Nos termos do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, o prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário.

6

O artigo 20.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 659/1999 dispõe que qualquer parte interessada pode apresentar observações nos termos do artigo 6.o na sequência da decisão da Comissão de iniciar o procedimento formal de exame.

Direito francês aplicável

7

O artigo 38.o, n.o 2, do Código Geral dos Impostos dispõe:

«O lucro líquido é constituído pela diferença entre os valores do activo líquido no encerramento e na abertura do período cujos resultados devem servir de base ao imposto, subtraídas as entradas adicionais de capital e acrescentados os levantamentos efectuados durante esse período pelo explorador ou pelos sócios. Entende-se por activo líquido o excedente dos valores do activo sobre o total do passivo constituído pelos créditos de terceiros, as amortizações e as provisões devidamente justificados.»

8

O artigo 4.o, parágrafos I e II, da Lei n.o 97-1026, de 10 de Novembro de 1997, que introduz medidas urgentes de carácter fiscal e financeiro (JORF de , p. 16387), dispõe:

«I.   Os activos da rede de alimentação geral em energia eléctrica consideram-se ser propriedade da Électricité de France desde o momento em que lhe foi atribuída a concessão dessa rede.

II.   Para efeitos da aplicação das disposições do [parágrafo] I, em 1 de Janeiro de 1997, o contravalor dos activos corpóreos atribuídos ao abrigo de uma concessão à rede de alimentação geral constantes do passivo da Électricité de France deve ser inscrito, líquido das diferenças de reavaliação correspondentes, na rubrica ‘Dotações de capital’.»

Factos na origem do litígio

Contexto geral do processo

9

A recorrente, Électricité de France (EDF), produz, transporta e distribui electricidade, nomeadamente em todo o território francês.

10

Em 2002, no momento da adopção da decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.o, n.o 2, CE, a EDF era detida integralmente pelo Estado, sendo o seu presidente nomeado pelo primeiro-ministro francês e a sua política determinada em estreita cooperação com o Ministério da Energia francês.

11

A EDF foi criada pela Lei n.o 46-628, de 8 de Abril de 1946, relativa à nacionalização da electricidade e do gás (JORF de , p. 2651), que nacionalizou o sector da electricidade em França. Foi criada com o estatuto de estabelecimento público industrial e comercial.

12

O artigo 36.o da Lei n.o 46-628 estabeleceu o princípio da transferência para a EDF das concessões de electricidade nacionalizadas, ficando a concessionária incumbida de respeitar os novos cadernos de encargos tipo cujo estabelecimento estava previsto no artigo 37.o da referida lei.

13

As várias concessões de transporte de electricidade atribuídas pelo Estado foram unificadas em 1958 numa concessão única, dita da «rede de alimentação geral» (a seguir «RAG»), cujo caderno de encargos foi aprovado pelo Decreto n.o 56-1225, de 28 de Novembro de 1956 (JORF de , p. 11562).

14

O artigo 2.o deste caderno de encargos pormenoriza os bens que fazem parte da concessão (linhas, postes, etc.) e o seu artigo 8.o esclarece que a EDF está obrigada a executar, «a suas expensas, todos os trabalhos de reparação e de renovação necessários à manutenção das instalações da concessão em bom estado de funcionamento».

15

Na sequência de uma alteração introduzida pelo Decreto de 23 de Dezembro de 1994 (JORF de , p. 18564), o artigo 2.o deste caderno de encargos passou a ter a seguinte redacção:

«Fazem parte da concessão as linhas, os postes e, de um modo geral, as instalações eléctricas existentes e a construir, necessárias ao exercício, pela concessionária, da sua actividade de transporte e fornecimento de energia eléctrica, com exclusão das instalações de produção.

[…]»

16

Porém, a RAG distinguia-se, no passado, de outras formas de concessão, nomeadamente pelo facto de, em primeiro lugar, não estar definido o regime de propriedade dos bens em concessão, em segundo lugar, não comportar uma cláusula que regulasse o sistema de retrocessão dos bens concedidos e, em terceiro lugar, ter a duração excepcionalmente longa de 75 anos.

17

Na ausência de regras contabilísticas específicas para as concessões e de acordo com o Conselho Nacional da Contabilidade (CNC), a EDF foi considerada proprietária da RAG a contar de 1946.

18

Assim, os bens que fazem parte da RAG foram inscritos como bens próprios da EDF no activo do seu balanço e foram objecto de um tratamento contabilístico de direito comum, tendo a amortização sido efectuada por aplicação do «método do custo histórico», que conduziu a uma amortização linear sobre toda a duração de vida das instalações, e isto até 1986.

19

A aplicação à EDF do plano geral de contabilidade de 1982, que incluía regras contabilísticas específicas para as concessões, levou, a partir de 1987, à alteração do tratamento contabilístico da RAG, a fim de tomar em conta as recomendações formuladas em 1975 pelo CNC no seu «Guia das Concessões».

20

Tratava-se de ter em conta as limitações específicas a que estão sujeitos os concessionários, sobre os quais pesa uma obrigação de restituição dos bens concedidos em bom estado de funcionamento no termo da concessão, por força do «princípio da perenidade dos serviços públicos».

21

Para além de impor ao concessionário a obrigação de registar numa rubrica específica do activo do seu balanço as imobilizações atribuídas em concessão, o plano geral de contabilidade de 1982 enunciava o seguinte princípio:

«A manutenção ao nível exigido pelo serviço público do potencial produtivo das instalações concedidas deve ser procurada por meio de amortizações ou, eventualmente, de provisões adequadas. Na medida em que o valor útil de uma instalação pode ser mantido através da sua conveniente conservação, a referida instalação não é objecto, a nível dos encargos de exploração do concessionário, de dotações destinadas às amortizações por depreciação. As provisões que podem ser utilizadas para efeitos da manutenção do potencial produtivo são as provisões para renovação.»

22

Em aplicação do plano geral de contabilidade de 1982, estabeleceu-se um plano de contabilidade próprio à EDF. Este plano de contabilidade foi objecto de parecer favorável do CNC em 19 de Dezembro de 1984 e, seguidamente, foi aprovado por despacho interministerial de (JORF de , p. 15794).

23

Em aplicação do plano de contabilidade específico da EDF, a RAG foi inscrita no activo do balanço da EDF na rubrica intitulada «Imobilizações corpóreas do domínio concedido».

24

Provisões específicas a título da renovação das imobilizações concedidas foram aditadas à amortização linear resultante da aplicação do «método do custo histórico», provisões destinadas a permitir à concessionária entregar ao concedente esses bens em perfeito estado no fim da concessão.

25

As provisões para renovação foram constituídas entre 1987 e 1996.

26

As despesas de renovação efectuadas pela EDF foram registadas no balanço na rubrica intitulada «Contravalor dos bens atribuídos em concessão».

27

Esta rubrica, igualmente denominada «Direitos do concedente», representava uma dívida da EDF para com o Estado Francês, relacionada com a entrega gratuita dos bens substituídos no fim da concessão.

28

Porém, num relatório de 1994, o Tribunal de Contas francês considerou o seguinte:

«Os princípios contabilísticos derrogatórios do direito comum fundam-se no facto de existir um verdadeiro prazo para o contrato de concessão o qual, só por si, permite diferenciar imobilizações renováveis de imobilizações não renováveis. A tomada em conta deste prazo constitui a razão de ser do mecanismo contabilístico. Condiciona a possibilidade de entrega das imobilizações do domínio concedido à autoridade concedente e justifica a existência dos direitos do concedente no passivo do balanço. Serve de base à existência e à dedutibilidade da provisão para renovação, a qual permite determinar o encargo que constitui para o concessionário a entrega ao concedente da última imobilização tornada não renovável […]

Na presença de um estabelecimento público concessionário permanente do Estado em razão da própria lei de nacionalização, apenas nos podemos interrogar sobre a realidade da distinção operada na contabilidade entre património da concessão e património do concessionário e salientar que a ausência de um prazo para a concessão não permite a aplicação das recomendações do guia contabilístico das empresas concessionárias.»

29

O Tribunal de Contas francês salientou igualmente o carácter irregular do desagravamento fiscal de que tinha beneficiado a EDF na sequência da criação irregular das provisões para renovação da RAG.

30

Posto isto, o Estado Francês decidiu proceder a uma clarificação do estatuto patrimonial da RAG, bem como a uma reestruturação do balanço da EDF.

31

O contrato de empresa «Estado-EDF 1997-2000», assinado em 8 de Abril de 1997, previa uma normalização das contas da empresa e das suas relações financeiras com o Estado, na perspectiva da abertura do mercado da electricidade prevista pela Directiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de , que estabelece regras comuns para o mercado interno da electricidade (JO 1997, L 27, p. 20):

«O mercado da electricidade está […] em plena mutação. Na União Europeia, acabam de ser definidas regras de funcionamento do mercado interno da electricidade […]

Finalmente, os compromissos assumidos com este contrato visam igualmente estabilizar as relações financeiras entre o Estado e a EDF e clarificar o exercício da tutela do Estado sobre a EDF, assegurando a autonomia da empresa no quadro de um projecto partilhado […]

O balanço da EDF será reestruturado, com a dupla finalidade de reforçar a situação líquida da empresa e de estabilizar a relação financeira entre o Estado e a empresa em bases próximas do direito comum. Em 1997, será apresentada ao Parlamento uma medida legislativa, de modo a que a data da produção dos efeitos desta reestruturação seja 1 de Janeiro de 1997.»

32

Foi nesta perspectiva que foi adoptada a Lei n.o 97-1026.

33

Antes da adopção desta lei, o balanço da EDF apresentava-se do seguinte modo:

no activo, uma rubrica intitulada «Imobilizações corpóreas do domínio concedido» no valor de 285,7 mil milhões de francos franceses (FRF), dos quais cerca de 90 mil milhões de FRF a título da RAG;

no passivo, uma rubrica intitulada «Provisões», das quais cerca de 38,5 mil milhões de FRF a título da RAG, bem como uma rubrica intitulada «Contra-valor dos bens atribuídos em concessão», que registava as despesas de renovação realizadas. Esta rubrica elevava-se a 145,2 mil milhões de FRF, dos quais 18,3 mil milhões a título da RAG.

34

Na sequência da adopção da lei n.o 97-1026 e em aplicação do seu artigo 4.o, foi decidido o seguinte:

em primeiro lugar, os bens que constituem a RAG foram reclassificados, num valor de 90,325 mil milhões de FRF, como «bens próprios» e perderam, pois, a qualificação de «bens atribuídos em concessão»;

em segundo lugar, as provisões para renovação da RAG não utilizadas, num montante de 38,521 mil milhões de FRF, foram contabilizadas como lucro não distribuído sem transitar pelo balanço de lucros e perdas e foram reclassificadas, num montante de 20,225 mil milhões de FRF, em nova afectação às perdas, ficando assim apurada esta conta e sendo o saldo de 18,296 mil milhões de FRF afectado às reservas. Apesar de não terem transitado pelo balanço dos resultados, estas reclassificações levaram ao apuramento de uma matéria colectável, tributada à taxa de 41,66%, em aplicação do artigo 38.o, n.o 2, do Código Geral dos Impostos;

em terceiro lugar, os «direitos do concedente» foram afectados directamente à rubrica das dotações em capital num montante de 14,119 mil milhões de FRF (num total de 18,345 mil milhões de FRF) sem transitar pelo balanço dos resultados, sendo o saldo inscrito nas várias contas de reavaliação.

35

Esta reestruturação do alto balanço da EDF está explicada no anexo 1 do ofício do ministro francês da Economia, das Finanças e da Indústria e dos secretários de Estado franceses do Orçamento e da Indústria dirigida à EDF em 22 de Dezembro de 1997.

Procedimento administrativo

36

Por ofícios de 10 de Julho e , a Comissão convidou as autoridades francesas a fornecer-lhe certas informações a respeito de várias medidas tomadas em relação à EDF e susceptíveis de conter elementos de auxílios de Estado.

37

As autoridades francesas comunicaram um certo número de informações à Comissão por ofícios de 12 de Outubro de 2001 e . Por ofício de , forneceram esclarecimentos, incluídos numa nota da Direcção-Geral de Impostos do Ministério da Economia, das Finanças e da Indústria francês (a seguir «Direcção-Geral de Impostos»), na qual se indicava nomeadamente o seguinte:

«A argumentação segundo a qual o novo tratamento contabilístico e fiscal das provisões para renovação referentes à [RAG] operado em 1997 teria permitido a consolidação de um benefício fiscal injustificado não pode ser aceite. Importa a este respeito distinguir o novo tratamento das provisões para renovação utilizadas que figuravam, segundo as informações fornecidas pela EDF, na rubrica ‘[D]ireitos do concedente’ por um montante de 14,119 [mil milhões de FRF] e não de 18,345 [mil milhões de FRF], do das provisões ainda não utilizadas num montante de 38,5 [mil milhões de FRF].

Os direitos da entidade autora da concessão aferentes à RAG representam uma dívida indevida que a incorporação no capital isentou de imposto de maneira injustificada.

Estas provisões foram incorporadas no capital sem incidência fiscal, não estando a RAG abrangida pelo regime fiscal e contabilístico das concessões. Sendo a RAG constituída de bens próprios, a EDF não estava obrigada perante o Estado a restituir estes bens, pelo que os montantes correspondentes que figuram na rubrica ‘[D]ireitos do concedente’ constituem, não um passivo real, mas uma reserva não livre de imposto. Nestas condições, esta reserva devia ter sido, previamente à sua incorporação no capital, transferida do passivo do estabelecimento em que figurava erradamente para uma conta de situação clara, implicando assim uma variação positiva de activo líquido tributável em aplicação do artigo 38.o [n.o 2], já citado.

A vantagem em impostos assim obtida pode ser avaliada em 5,88 [mil milhões de FRF] (14,119 × 41,66%).

Paralelamente, cabe observar que a regularização realizada pela afectação directa na conta ‘nova afectação’ sem transitar pelo balanço dos resultados levou, contudo, à verificação de uma matéria colectável de 38,5 mil milhões de FRF (5,869 mil milhões de euros), em aplicação do artigo 38.o, n.o 2, do Código Geral dos Impostos. Donde resulta que o benefício fiscal decorrente da dedução, no momento da sua constituição, das provisões não utilizadas foi efectivamente neutralizado.

[…]

Donde decorre que, em todo o caso, mesmo devendo a reclassificação em capital das provisões para renovação já utilizadas e que figuram na rubrica ‘[D]ireitos do concedente’ transitar pelo resultado fiscal, tal foi mais do que amplamente compensado, relativamente ao mesmo ano, pela reintegração das provisões para renovação não utilizadas.

Uma vez que a abordagem global das operações não evidencia uma vantagem injustificada, os novos tratamentos de natureza contabilística e fiscal operados em 1997 não constituem, para a EDF, um auxílio susceptível de reforçar indevidamente a sua posição concorrencial.»

38

Por ofício de 6 de Maio de 2002, a Comissão indicou que continuavam a faltar determinadas informações, apesar dos seus pedidos anteriores, e, além isso, solicitou esclarecimentos a respeito das últimas informações que lhe tinham sido apresentadas.

39

Por ofício de 28 de Junho de 2002, as autoridades francesas transmitiram certas informações adicionais e foi realizada uma reunião em .

40

A Comissão notificou às autoridades francesas três decisões conjuntas a respeito da EDF, por ofício de 16 de Outubro de 2002, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em (JO C 280, p. 8) na língua que faz fé (francês), precedido de um resumo nas outras línguas oficiais.

41

Por um lado, a Comissão propôs às autoridades francesas, em conformidade com o artigo 88.o, n.o 1, CE, a supressão, a título de medida adequada, da garantia ilimitada do Estado de que a EDF beneficiava relativamente a todos os seus compromissos, por força do seu estatuto de estabelecimento público industrial e comercial, que implica a não aplicação da legislação em matéria de recuperação e liquidação judiciais das empresas em dificuldade. Por outro lado, em conformidade com o artigo 88.o, n.o 2, CE, a Comissão deu início ao procedimento formal de exame sobre a vantagem resultante do não pagamento pela EDF do imposto sobre as sociedades devido relativamente à parte das provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal destinadas à renovação da RAG (a seguir «decisão de início»). Por último, solicitou às autoridades francesas que lhe fornecessem determinadas informações necessárias ao exame desta vantagem fiscal.

42

As autoridades francesas comunicaram à Comissão as suas observações por ofício de 11 de Dezembro de 2002, no qual contestaram ter a EDF beneficiado de uma vantagem fiscal em 1997.

43

Foi realizada uma reunião técnica em 12 de Fevereiro de 2003 a respeito da vantagem fiscal de que terá beneficiado a EDF em 1997, na qual participaram a Comissão e as autoridades francesas.

44

Por ofício de 12 de Junho de 2003, as autoridades francesas transmitiram à Comissão as suas observações no quadro do procedimento formal de exame.

45

Em 17 de Novembro de 2003, foi organizada uma nova reunião técnica entre a Comissão, as autoridades francesas e os representantes da EDF a respeito da vantagem fiscal de que terá beneficiado a EDF em 1997. As autoridades francesas enviaram informações adicionais sobre esta questão por ofício de .

46

Em 16 de Dezembro de 2003, a Comissão adoptou a decisão relativa aos auxílios estatais concedidos pela França à EDF e ao sector industrial da electricidade e do gás (C 68/2002, N 504/2003 e C 25/2003) (a seguir «decisão impugnada»).

Decisão impugnada

47

A decisão impugnada versa, respectivamente, sobre um regime de «garantia ilimitada» concedido pela República Francesa à EDF, sobre determinados aspectos do regime de pensões do sector das indústrias da electricidade e do gás e sobre o não pagamento pela EDF, em 1997, do imposto sobre as sociedades relativamente a uma parte das provisões criadas com isenção fiscal destinadas à renovação da RAG.

48

O artigo 3.o da decisão impugnada dispõe:

«O não pagamento pela EDF, em 1997, do imposto sobre as sociedades relativamente à parte das provisões criadas com isenção fiscal destinadas à renovação da RAG, correspondente a 14,119 mil milhões de [FRF] de direitos da entidade autora da concessão reclassificados nas dotações de capital, constitui um auxílio estatal incompatível com o mercado comum.

O elemento de auxílio implicado no não pagamento do imposto sobre as sociedades ascende a 888,89 milhões de euros.»

49

O artigo 4.o da decisão impugnada prevê:

«A França tomará todas as medidas necessárias para recuperar junto da EDF o auxílio referido no artigo 3.o e já ilegalmente posto à sua disposição.

A recuperação terá lugar nos termos dos procedimentos do direito nacional, na medida em que permitam a execução imediata e efectiva da presente decisão. O auxílio a recuperar dá lugar a juros a partir da data em que foi posto à disposição da EDF, até à data da sua recuperação efectiva. Os juros são calculados com base na taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente-subvenção e numa base composta em conformidade com a comunicação da Comissão sobre as taxas de juro aplicáveis em caso de recuperação de auxílios ilegais.»

50

A respeito da vantagem fiscal de que terá beneficiado a EDF em 1997, a Comissão considerou o seguinte:

«84.

Uma vez que a Lei [n.o 97-1026] estabeleceu que a EDF era reputada proprietária da RAG desde 1956, é conveniente verificar se esta lei não implica uma transferência de propriedade da RAG.

85.

De acordo com as informações apresentadas pelas autoridades francesas, a EDF pode razoavelmente ser considerada como a proprietária da RAG desde o primeiro caderno de encargos de 1956. Esta conclusão baseia-se nos elementos seguintes: as características dos diferentes tipos de contratos de concessão em direito francês, as características específicas da concessão original à EDF, que não incluía qualquer cláusula precisa de retrocessão, o procedimento de aquisição dos activos em causa, relativamente aos quais a EDF teve que pagar um direito semelhante a uma indemnização de expropriação, e as condições de financiamento da manutenção e do desenvolvimento da RAG à custa da EDF. Por conseguinte, a Comissão considera que a ‘clarificação’ sobre a propriedade da RAG, efectuada pela Lei [n.o 97-1026], não contém em si qualquer elemento de auxílio estatal.

86.

Doravante, é necessário examinar se a Lei [n.o 97-1026] tirou todas as consequências fiscais desta ‘clarificação’ e se, caso contrário, não conferiu uma vantagem de natureza fiscal a favor da EDF.

87.

Durante o período de 1987-1996, a EDF criou provisões com isenção fiscal destinadas à renovação da RAG. Na sequência da [L]ei [n.o 97-1026] reputando a EDF proprietária da RAG a partir de 1956, estas provisões deixaram de ter objecto e tiveram, por conseguinte, de ser reclassificadas noutras rubricas do balanço.

88.

A carta do ministro da Economia, que estabelece as consequências fiscais da reestruturação do balanço da EDF, mostra que as provisões destinadas à renovação da RAG não utilizadas foram sujeitas pelas autoridades francesas ao imposto sobre as sociedades à taxa de 41,66%, taxa aplicável em 1997.

89.

Pelo contrário, em conformidade com o artigo 4.o da Lei [n.o 97-1026], uma parte destas provisões, os direitos da entidade autora da concessão, correspondente às operações de renovação já realizadas foi reclassificada em dotações em capital no montante de 14,119 mil milhões de FRF sem ser sujeita ao imposto sobre as sociedades. As autoridades francesas reconhecem o carácter ilegal desta operação. Numa nota da Direcção-Geral de Impostos, de 9 de Abril de 2002, dirigida à Comissão, as autoridades francesas indicam que ‘os direitos da entidade autora da concessão aferentes à RAG representam uma dívida indevida que a incorporação no capital isentou de imposto de maneira injustificada’ e que ‘esta reserva devia ter sido, previamente à sua incorporação no capital, transferida do passivo do estabelecimento em que figurava erradamente para uma conta de situação clara implicando assim uma variação positiva de activo líquido tributável em aplicação do artigo 38.o-2’ do código geral dos impostos. Declaram que ‘a vantagem em impostos assim obtida [em 1997 pela EDF] pode ser avaliada em 5,88 mil milhões de FRF (14,119 × 41,66%)’, isto é, 888,89 milhões de euros.

90.

Por um lado, a Comissão considera que, em conformidade com o parecer do [CNC], as correcções dos erros devem ser contabilizadas no resultado do exercício durante o qual os erros são detectados. Por outro lado, embora as provisões não utilizadas que tinham sido criadas com isenção fiscal num montante de 38,5 mil milhões de FRF tenham sido sujeitas ao imposto sobre as sociedades à taxa de 41,66% em 1997, a Comissão considera que não existe qualquer razão objectiva para não ter tributado a outra parte das provisões criadas com isenção fiscal à mesma taxa.

91.

A Comissão considera que os direitos da entidade autora da concessão deviam ter sido tributados ao mesmo tempo e à mesma taxa que as outras provisões contabilísticas criadas com isenção fiscal. Tal significa que os 14,119 mil milhões de FRF de direitos da entidade autora da concessão deviam ter sido adicionados aos 38,5 mil milhões de FRF de provisões não utilizadas para serem tributados à taxa de 41,66% aplicada à reestruturação do balanço da EDF pelas autoridades francesas. Ao não pagar a totalidade do imposto sobre as sociedades devido na altura da reestruturação do seu balanço, a EDF economizou 888,89 milhões de euros.

92.

A Comissão entende que, de facto, o auxílio foi concedido em 1997 porque o montante de 14,119 mil milhões de FRF era nesta data uma dívida ao Estado, registada no balanço como direitos da entidade autora da concessão, que o Estado abandonou pela Lei [n.o 97-1026].

93.

As autoridades francesas afirmam que, mesmo na ausência de dotações em provisões para a renovação da RAG, a EDF não teria tido condições para pagar o imposto sobre as sociedades de 1987 a 1996 devido aos reportes fiscais deficitários. A Comissão considera que este argumento não é pertinente, uma vez que a vantagem fiscal data de 1997, e não dos anos anteriores. Além disso, a Comissão sublinha que, na ausência destas dotações em provisões, os reportes fiscais deficitários terão progressivamente desaparecido de 1987 a 1996 e, por conseguinte, que em 1997 o montante do imposto devido pela EDF teria sido claramente superior.

94.

As autoridades francesas estimam igualmente que, embora a constituição das provisões destinadas à renovação da RAG se tenha traduzido numa vantagem, esta deveria ser considerada anulada pelo aumento do imposto sobre as sociedades pago em 1997. A Comissão rejeita este argumento. Como acaba de o demonstrar e como as próprias autoridades francesas indicam na sua nota de 9 de Abril de 2002, apesar de as provisões destinadas à renovação não utilizadas terem sido tributadas normalmente, os direitos da entidade autora da concessão foram reclassificados em dotações em capital sem serem sujeitos ao imposto sobre as sociedades. O imposto pago pela EDF em 1997 é, por conseguinte, inferior ao imposto normalmente devido.

95.

As autoridades francesas argumentam, além disso, que a reforma contabilística de 1997 equivale a uma dotação complementar de capital num montante igual à isenção parcial do imposto. Por conseguinte, tratar-se-ia da sua parte de um investimento e não de um auxílio. Afirmam igualmente que no período de 1987-1996 a EDF globalmente pagou ao Estado uma soma superior ao imposto sobre as sociedades que teria pago uma sociedade de direito comercial que não tivesse constituído provisões destinadas à renovação da RAG e que tivesse pago ao seu accionista um dividendo igual a 37,5% do resultado líquido depois de impostos.

96.

A Comissão rejeita estes argumentos recordando que o princípio do investidor privado só pode ser aplicado no quadro do exercício de actividades económicas e não no quadro do exercício de poderes de regulação. Uma autoridade pública não pode utilizar o argumento dos eventuais lucros económicos que pudesse auferir enquanto proprietário de uma empresa para justificar um auxílio concedido de forma discricionária através das prerrogativas de que dispõe enquanto autoridade fiscal face a esta mesma empresa.

97.

De facto, se um Estado-Membro pode, para além do exercício da sua função de poder público, actuar como um accionista, o mesmo não pode misturar as suas funções de Estado exercendo o poder público e de Estado accionista. Autorizar os Estados-Membros a utilizar as suas prerrogativas de poder público ao serviço dos seus investimentos em empresas activas em mercados abertos à concorrência privaria de qualquer efeito útil as regras comunitárias em matéria de auxílios estatais. Além disso, se o Tratado, por força do seu artigo 295.o, é neutro relativamente à propriedade do capital, também as empresas públicas devem ser sujeitas às mesmas regras que as empresas privadas. Ora, deixaria de haver igualdade de tratamento entre as empresas públicas e as empresas privadas se o Estado utilizasse em proveito das empresas de que é accionista as suas prerrogativas de poder público.

98.

As autoridades francesas afirmam que a taxa do imposto sobre as sociedades que devia ter sido aplicada à reestruturação do balanço da EDF é a de 1996, e não a de 1997. Como indicado anteriormente, a Comissão sublinha, por um lado, que o [CNC] considera que os erros contabilísticos devem ser corrigidos durante o exercício contabilístico em que foram detectados. Uma vez que as provisões para renovação da RAG se tornaram sem objecto, na sequência da Lei [n.o 97-1026], era de facto durante o exercício contabilístico de 1997 que deviam ser reclassificadas e, por conseguinte, tributadas à taxa do imposto sobre as sociedades durante este exercício. Por outro lado, a Comissão declara que as autoridades francesas aplicaram a taxa do imposto sobre as sociedades de 1997 à parte das provisões que foi tributada.

99.

O não pagamento pela EDF, em 1997, de 888,89 milhões de euros de imposto constitui, por conseguinte, uma vantagem para o grupo. A EDF pôde utilizar o montante equivalente ao não pagamento do imposto para reforçar os seus capitais próprios sem recorrer a recursos financeiros externos. A vantagem é necessariamente selectiva, uma vez que o não pagamento do imposto sobre as sociedades relativamente a uma parte destas provisões contabilísticas constitui uma excepção ao tratamento fiscal normalmente aplicável a uma operação deste tipo. O facto de a vantagem ter sido concedida à EDF através de um acto legislativo específico, a saber, a Lei [n.o 97-1026], atesta o seu carácter único e exorbitante.

[…]

154.

Por conseguinte, com base nestas considerações, a Comissão considera que o auxílio examinado constitui um auxílio ao funcionamento que tem por efeito reforçar a posição concorrencial da EDF face aos seus concorrentes. Tal é incompatível com o mercado comum.

155.

Por último, a Comissão considera que, contrariamente à afirmação das autoridades francesas, neste caso não se aplica a regra da prescrição. É certo que a EDF criou as provisões contabilísticas com isenção fiscal de 1987 a 1996. Porém, salienta-se, por um lado, que, segundo o [CNC], as correcções de erros que, pela sua própria natureza, digam respeito à contabilização das operações passadas devem ser contabilizadas no resultado do exercício durante o qual os erros são detectados e, por outro, que data de 10 de Novembro de 1997 a lei que dispõe a reclassificação dos direitos da entidade autora da concessão em dotações em capital sem serem sujeitos ao imposto sobre as sociedades. Por conseguinte, a vantagem fiscal data de 1997 e a prescrição não se aplica a um auxílio novo concedido naquela data.»

51

Tendo em conta os juros calculados em aplicação do artigo 4.o da decisão impugnada, o montante total cuja restituição foi pedida à EDF ascende a 1,217 mil milhões de euros. A EDF reembolsou esta quantia ao Estado Francês.

Tramitação processual e pedidos das partes

52

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de Abril de 2004, a EDF interpôs o presente recurso.

53

Por acto apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de Agosto de 2004, a República Francesa pediu que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da EDF. Por despacho de , o presidente da Terceira Secção do Tribunal Geral admitiu esta intervenção. A República Francesa apresentou as suas alegações nos prazos fixados.

54

Por carta de 18 de Fevereiro de 2005, a Comissão requereu ao Tribunal Geral a adopção de uma medida de organização do processo destinada a que um relatório intitulado «Relatório Oxera», junto pela EDF às suas observações sobre as alegações de intervenção da República Francesa, seja retirado dos autos devido a tratar-se de um novo elemento de prova que será inadmissível nesta fase do processo.

55

Por carta de 25 de Abril de 2005, a EDF requereu ao Tribunal Geral a adopção de uma medida de organização do processo destinada a convidar a Comissão a pronunciar-se sobre o conteúdo do referido relatório. A Comissão apresentou as suas observações sobre este pedido por carta de .

56

O Tribunal Geral (Terceira Secção) convidou as partes a responderem por escrito às questões que lhes foram notificadas pela Secretaria em 12 de Junho de 2006. As partes satisfizeram este pedido no prazo fixado.

57

Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de Março de 2008, a Iberdrola, SA pediu que fosse admitida a sua intervenção neste processo em apoio dos pedidos da Comissão.

58

Embora o pedido de intervenção tenha sido apresentado após a expiração do prazo de seis semanas estabelecido no artigo 115.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a Iberdrola foi admitida a intervir em apoio dos pedidos da Comissão e a apresentar as suas observações na fase oral, por despacho de 5 de Junho de 2008.

59

O Tribunal Geral (Terceira Secção) convidou as partes a responderem por escrito às questões que lhes foram notificadas pela Secretaria em 14 de Maio de 2008. As partes satisfizeram este pedido no prazo fixado.

60

Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 25 de Novembro de 2008.

61

A EDF, apoiada pela República Francesa, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular os artigos 3.o e 4.o da decisão impugnada;

condenar a Comissão nas despesas.

62

A Comissão, apoiada por Iberdrola, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar o recurso improcedente;

condenar a EDF nas despesas.

63

Nas suas observações sobre as alegações de intervenção da República Francesa, a Comissão concluiu igualmente pedindo que o Tribunal se digne condenar a República Francesa nas despesas.

Questão de direito

64

A título principal, a EDF invoca, essencialmente, três fundamentos.

65

Com o seu primeiro fundamento, por um lado, a EDF alega que a Comissão violou as disposições do artigo 20.o do Regulamento n.o 659/1999 ao não lhe permitir apresentar observações úteis sobre a «inversão de análise» ocorrida entre a decisão de início e a decisão impugnada.

66

Por outro lado, a EDF sustenta que o facto de não ter sido informada, no decurso do procedimento, de uma «alteração fundamental de análise» constitui uma violação dos seus «direitos de defesa».

67

Com o seu segundo fundamento, a EDF alega, essencialmente, que a Comissão cometeu vários erros de direito na interpretação da noção de «auxílio de Estado» e que a decisão impugnada comporta, além disso, várias lacunas em matéria de fundamentação.

68

Em primeiro lugar, a «sub-compensação» dos custos de serviço público suportados pela EDF, que terão aumentado muito significativamente a partir de 1997, anula qualquer «vantagem hipotética» de que tivesse podido beneficiar.

69

Em segundo lugar, as medidas em causa deveriam ter sido qualificadas de dotação em capital e analisadas num contexto global de clarificação das relações financeiras entre o Estado e a EDF. Quando implementou estas medidas, o Estado comportou-se como um investidor privado avisado em economia de mercado.

70

Em terceiro lugar, a Comissão deveria ter tomado em conta o contexto global da reestruturação das relações financeiras entre o Estado e a EDF em 1997, para concluir pela inexistência de uma vantagem global conferida à EDF.

71

Em quarto lugar, as medidas em causa não terão afectado as trocas comerciais entre os Estados-Membros.

72

Com o seu terceiro fundamento, a EDF alega que a Comissão violou o dever de fundamentação, pois não motivou a sua decisão de rejeitar o argumento que qualificava as medidas em causa de operação de recapitalização.

73

A EDF alega ainda que a Comissão terá dado uma errada interpretação aos aspectos fiscais da operação implementada em 1997.

74

A EDF invoca, além disso, dois fundamentos a título subsidiário.

75

Com o seu primeiro fundamento apresentado a título subsidiário, a EDF alega que as medidas em causa — supondo que possam ser qualificadas de auxílios — devem, na sua maior parte, ser consideradas auxílios existentes, em aplicação do artigo 1.o, alínea b), v), do Regulamento n.o 659/1999, na medida em que foram implementadas antes da liberalização efectiva do sector da electricidade. Além disso, na sua maioria, deveriam ser consideradas auxílios existentes na acepção do artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, relativo à prescrição.

76

Com o seu segundo fundamento apresentado a título subsidiário, a EDF sustenta que, em todo o caso, a decisão impugnada contém vários erros de cálculo que ferem a sua validade.

77

A República Francesa intervém em apoio, em primeiro lugar, da parte do segundo fundamento que respeita à não aplicação do critério do investidor privado pela Comissão, em segundo lugar, do terceiro fundamento relativo à violação do dever de fundamentação e, em terceiro lugar, dos fundamentos apresentados a título subsidiário pela EDF.

Quanto ao primeiro fundamento, relativo, por um lado, à violação do artigo 20.o do Regulamento n.o 659/1999 e, por outro, à violação dos direitos de defesa

Argumentos das partes

78

No quadro da primeira parte do seu primeiro fundamento, a EDF sustenta que, na decisão impugnada, a Comissão adoptou uma posição radicalmente diferente da que tinha tomado na decisão de início no que respeita mais especificamente à qualificação das medidas em causa.

79

A EDF sustenta que, nos termos da decisão de início, o elemento de auxílio alegado resulta da criação das provisões para renovação da RAG durante o período compreendido entre de 1987 e 1996, partindo-se do pressuposto de que estas provisões forneceram anualmente à EDF uma vantagem fiscal indevida durante este período, vantagem que terá sido parcialmente anulada pelos ajustamentos e as reclassificações contabilísticas efectuadas em 1997. A EDF remete, a este propósito, para os n.os 45, 49, 52, 56 e 84 da decisão de início.

80

A EDF entende que resulta claramente dos n.os 45 e 49 da decisão de início que as disposições da Lei n.o 97-1026 são analisadas pela Comissão como tendo diminuído as vantagens obtidas anteriormente e não como tendo constituído as referidas vantagens.

81

Considera, além disso, que foi somente através do recurso à noção de «consolidação dos auxílios anteriores» — noção que, de resto, será inédita e estranha ao Regulamento n.o 659/1999 — que a Comissão pareceu pretender associar artificialmente apenas ao ano de 1997 as alegadas vantagens, relativamente às quais sustentava, aliás, que tinham sido obtidas durante o período de 1987-1996. A EDF remete mais especificamente, a este respeito, para o n.o 71 da decisão de início.

82

A EDF sustenta que, na decisão impugnada, a Comissão alterou a sua posição, quando considerou que as disposições da Lei n.o 97-1026, que, até então, tinha apresentado como tendo reduzido o montante das vantagens por si obtidas, eram, na realidade, o elemento constitutivo do auxílio alegado. A EDF baseia-se, a este propósito, nos termos do artigo 3.o da decisão impugnada.

83

A EDF considera, além disso, que esta alteração de análise teve influência na qualificação de novo auxílio dado às medidas em causa e na recusa de tomar em consideração o facto de que se tratava, eventualmente, de auxílios existentes.

84

A EDF sustenta que, uma vez decidida a abertura do procedimento de exame, a Comissão tem o dever de colocar o Estado, bem como os terceiros interessados, na posição de poderem apresentar as suas observações.

85

A EDF reconhece que, no estado actual da jurisprudência — remete a este respeito para o acórdão do Tribunal Geral de 14 de Dezembro de 2000, UFEX e o./Comissão (T-613/97, Colect., p. II-4055) — a finalidade desta fase do procedimento não é tanto a de salvaguardar os «direitos de defesa», mas é sobretudo a de permitir à Comissão recolher os elementos úteis à sua análise.

86

A EDF recorda que o considerando 8 do Regulamento n.o 659/1999 indica porém que, «quando na sequência do exame prévio, a Comissão não puder considerar o auxílio compatível com o mercado comum, deve ser dado início a um processo formal de investigação que lhe permita recolher todas as informações necessárias para apreciar a compatibilidade do auxílio e que permita às partes interessadas apresentarem as suas observações; que os direitos das partes interessadas podem ser mais bem acautelados no quadro do processo formal de investigação previsto no n.o 2 do artigo [88.o] [CE]».

87

Especificamente com base no último período deste considerando, a EDF entende que os terceiros interessados gozam de direitos que o procedimento formal de exame visa garantir. Estes direitos consistem na possibilidade de fornecer à Comissão todas as informações que lhe permitam levar a sua análise a bom termo.

88

Por conseguinte, na medida em que a decisão de iniciar um procedimento formal é susceptível de afectar a situação jurídica do beneficiário do auxílio e de lhe causar prejuízo (acórdão do Tribunal Geral de 30 de Abril de 2002, Government of Gibraltar/Comissão, T-195/01 e T-207/01, Colect., p. II-2309, n.o 85), a EDF deveria ter sido colocada na posição de, no decurso de todo o procedimento administrativo, dar utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, bem como sobre as acusações e as circunstâncias alegadas pela Comissão (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de , Fiskano/Comissão, C-135/92, Colect., p. I-2885, n.o 40, e do Tribunal Geral de , Kish Glass/Comissão, T-65/96, Colect., p. II-1885, n.o 32), e isto tanto mais quanto o montante das quantias em jogo era considerável e havia apenas um único beneficiário em causa.

89

A EDF alega que a Comissão, não tendo informado os terceiros interessados da «alteração fundamental» que sofreu a sua análise, não a colocou na posição de poder apreciar a amplitude do impacto financeiro da decisão impugnada, nem de lhe fornecer informações úteis à correcta compreensão da situação.

90

Ora, segundo a EDF, uma vez que os direitos dos terceiros interessados são limitados, importa que seja assegurado um respeito «particularmente atento» e, por conseguinte, é necessário que o único direito que lhes é reconhecido — que é o de poder comunicar documentos e informações que possam ser úteis à Comissão — possa ser exercido, no mínimo, com o pleno conhecimento da análise levada a cabo pela Comissão, sob pena de ficar esvaziado da sua substância.

91

Segundo a EDF, tal não se verificou no caso em apreço, pois não foi informada da alteração da análise operada pela Comissão e não pôde, pois, fornecer as informações e elementos úteis que teriam podido, por exemplo, levar a Comissão a não abandonar a sua análise inicial, a qual teria podido conduzir a atribuir a qualidade de auxílios existentes à maioria das medidas em causa.

92

Assim, a Comissão terá violado o artigo 20.o do Regulamento n.o 659/1999.

93

No quadro da segunda parte do seu primeiro fundamento, a EDF convida o Tribunal a interrogar-se sobre o «rigor da jurisprudência actual» em matéria de «direitos de defesa dos terceiros interessados» — e, mais especificamente, do beneficiário do auxílio alegado — no âmbito dos procedimentos em matéria de auxílios de Estado.

94

A EDF lembra que, no seu acórdão de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, dito «Tubemeuse» (C-142/87, Colect., p. I-959), o Tribunal de Justiça enunciou que o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e susceptível de culminar num acto que a afecte constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser assegurado, mesmo não existindo qualquer regulamentação relativa ao procedimento em causa (n.o 46 do acórdão).

95

No domínio dos auxílios de Estado, só aos Estados-Membros podem ser reconhecidos «verdadeiros direitos de defesa» no sentido desta jurisprudência, pois o procedimento é iniciado a seu respeito e não contra os terceiros beneficiários.

96

Ora, segundo a EDF, tal abordagem é, no essencial, dificilmente conciliável com o facto de serem os terceiros beneficiários os visados por uma injunção de reembolso, sendo, pelo contrário, o Estado-Membro o beneficiário desta injunção em termos financeiros. Portanto, será possível que se verifique um «conflito de interesses» entre o Estado-Membro e o beneficiário.

97

A EDF sustenta, essencialmente, que esta situação de «potencial conflito de interesses», por um lado, realça a necessidade de proteger os raros direitos reconhecidos aos terceiros interessados no quadro dos procedimentos relativos aos auxílios de Estado — e, especialmente, o direito que lhes é reconhecido pelo artigo 20.o do Regulamento n.o 659/1999 — e, por outro, justifica, mesmo para além do previsto nesta disposição, o reconhecimento aos terceiros interessados ou, no mínimo, aos beneficiários do auxílio de um «esboço de verdadeiros direitos de defesa».

98

A EDF considera, a este propósito, que o respeito dos direitos dos terceiros interessados em geral e dos direitos do beneficiário do auxílio em particular impõe que a Comissão lhes permita dar a conhecer utilmente o respectivo ponto de vista e impõe, pois, que publique uma nova comunicação caso tencione alegar na sua decisão final factos, acusações, análises ou circunstâncias substancialmente diferentes dos que constavam da comunicação que foi feita aos referidos terceiros.

99

Ora, no presente caso, o facto de a Comissão ter «fundamentalmente» alterado a sua análise da natureza das medidas em causa na sua decisão final e de não ter sido publicada uma segunda comunicação no Jornal Oficial constitui, segundo a EDF, uma violação grave dos seus «direitos de defesa».

100

A Comissão contesta esta argumentação.

Apreciação do Tribunal

— Quanto à violação dos direitos de defesa

101

Importa recordar que, segundo jurisprudência bem assente, o respeito dos direitos da defesa em qualquer processo dirigido contra uma pessoa e susceptível de levar à adopção de um acto que lese os interesses desta constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação específica. Este princípio exige que a pessoa interessada tenha sido colocada em condições, desde a fase do procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e circunstâncias alegadas e os documentos a que a Comissão atendeu para justificar a sua alegação a respeito da existência de uma violação do direito comunitário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 40/85, Colect., p. 2321, n.o 28, e do Tribunal Geral de , Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein-Westfalen/Comissão, T-228/99 e T-233/99, Colect., p. II-435, n.o 121).

102

Todavia, o procedimento administrativo em matéria de auxílios de Estado é exclusivamente instaurado contra o Estado-Membro em causa. As empresas beneficiárias dos auxílios apenas são consideradas «interessados» nesse procedimento. Não podem exigir a sua participação num debate contraditório com a Comissão, como o que é aberto a favor do referido Estado-Membro (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C-74/00 P e C-75/00 P, Colect., p. I-7869, n.os 81 e 83).

103

Assim, esta jurisprudência confia essencialmente aos interessados o papel de fontes de informação para a Comissão no quadro do procedimento administrativo iniciado ao abrigo do artigo 88.o, n.o 2, CE. Daqui resulta que os interessados, longe de poderem invocar os direitos de defesa reconhecidos às pessoas contra quem está aberto um procedimento, gozam exclusivamente do direito a serem associados ao procedimento administrativo na medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (v. acórdãos do Tribunal Geral de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T-371/94 e T-394/94, Colect., p. II-2405, n.os 59 e 60 e jurisprudência aí indicada, e Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein-Westfalen/Comissão, n.o 101 supra, n.o 125).

104

É, pois, imperativo concluir que a recorrente não pode alegar uma violação dos seus direitos de defesa, não lhe sendo tais direitos reconhecidos no quadro do procedimento administrativo, e isto mesmo apesar de ser com acerto que sustenta que o Estado-Membro que concedeu o auxílio e o respectivo beneficiário podem ter interesses divergentes no âmbito dos procedimentos instaurados pela Comissão em matéria de auxílios de Estado.

105

Há, pois, que rejeitar a primeira parte do primeiro fundamento.

— Quanto à violação dos direitos processuais do beneficiário do auxílio como parte interessada

106

Constitui jurisprudência assente que, na fase de exame a que se refere o artigo 88.o, n.o 2, CE, a Comissão tem o dever de dar um prazo aos interessados para apresentarem as suas observações (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 2008, Ferriere Nord/Comissão, C-49/05 P, não publicado na Colectânea, n.o 68 e jurisprudência aí indicada).

107

Embora estes interessados não possam invocar os direitos de defesa, dispõem, em contrapartida, do direito a serem associados ao procedimento administrativo seguido pela Comissão na medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (acórdão Ferriere Nord/Comissão, n.o 106 supra, n.o 69).

108

Acresce que a Comissão deve abrir um procedimento formal de exame, determinando que os interessados sejam informados, sempre que, após uma investigação preliminar, tenha sérias dúvidas quanto à compatibilidade da medida financeira em causa com o mercado comum. Daqui resulta que a Comissão não pode ser obrigada a apresentar uma análise cabal do auxílio em causa na sua comunicação relativa à abertura desse procedimento, mas basta que defina suficientemente o âmbito do seu exame, para não esvaziar de sentido o direito dos interessados a apresentarem as suas observações [acórdão do Tribunal Geral de 31 de Maio de 2006, Kuwait Petroleum (Nederland)/Comissão, T-354/99, Colect., p. II-1475, n.o 85].

109

Importa, por outro lado, recordar que, em conformidade com o artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999, sempre que a Comissão decide dar início a um procedimento formal de investigação, a decisão de início se pode limitar a resumir os elementos pertinentes de facto e de direito, a incluir uma avaliação preliminar da medida estatal em causa para decidir se tem natureza de auxílio e a expor as razões que incitam a duvidar da sua compatibilidade com o mercado comum (acórdão do Tribunal Geral de 23 de Outubro de 2002, Diputación Foral de Guipúzcoa e o./Comissão, T-269/99, T-271/99 e T-272/99, Colect., p. II-4217, n.o 104).

110

Assim, a decisão de dar início ao procedimento deve dar oportunidade às partes interessadas de participarem eficazmente no procedimento formal de exame, no qual terão a possibilidade de invocar os seus argumentos. Para o efeito, basta que as partes interessadas conheçam o raciocínio que levou a Comissão a considerar provisoriamente que a medida em causa podia constituir um auxílio novo incompatível com o mercado comum (v. acórdão do Tribunal Geral de 22 de Outubro de 2008, TV 2/Danmark e o./Comissão, T-309/04, T-317/04, T-329/04 e T-336/04, Colect., p. II-2935, n.o 139 e jurisprudência aí indicada).

111

Cabe constatar que, no presente caso, tanto na decisão de início como na decisão impugnada, a Comissão examinou o tratamento fiscal dos direitos do concedente no momento da reestruturação do balanço da EDF operada pela Lei n.o 97-1026 (a seguir «medida controvertida») e que, portanto, a este respeito, o âmbito do exame é o mesmo nestas duas decisões.

112

Além disso, tanto no n.o 51 da decisão de início como no considerando 89 da decisão impugnada, a Comissão referiu-se ao cálculo do imposto que teria sido devido, como tinha sido apresentado pelas autoridades francesas, cálculo segundo o qual o desagravamento fiscal de que tinha beneficiado a EDF podia ser avaliado em 5,883 mil milhões de FRF.

113

Há, pois, que considerar que, através da decisão de início, a EDF teve um conhecimento suficiente do âmbito do exame pertinente, bem como do raciocínio que levou a Comissão a considerar provisoriamente que a medida controvertida podia constituir um auxílio incompatível com o mercado comum, a fim de poder apresentar utilmente as suas observações a este respeito.

114

Portanto, mesmo supondo-os comprovados, os argumentos avançados pela EDF, segundo os quais a Comissão teria procedido, de um ponto de vista fiscal e contabilístico, a uma análise da medida controvertida que difere da seguida provisoriamente na decisão de início, devem ser rejeitados como inoperantes.

115

Há, pois, que julgar improcedente o primeiro fundamento invocado pela EDF.

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 87.o CE pela Comissão

Quanto à primeira parte, relativa à não tomada em consideração da «sub-compensação» dos custos de serviço público suportados pela EDF

— Argumentos das partes

116

A EDF sustenta, essencialmente, que as obrigações de serviço público impostas à empresa pelos poderes públicos cresceram de modo muito significativo a partir de 1997. Ora, estes encargos suplementares não foram compensados pelas tarifas de venda de electricidade, pois estas diminuíram muito durante o mesmo período.

117

A EDF alega, essencialmente, que o agravamento dos encargos de serviço público resultante da reestruturação das relações entre ela e o Estado faz parte do equilíbrio financeiro que foi definido pelo contrato de empresa de 8 de Abril de 1997 (v. n.o 31 supra).

118

A fim de demonstrar esta alegação, a EDF baseia-se na obrigação de serviço público de compra de electricidade que lhe foi imposta em benefício dos produtores que tenham realizado instalações de cogeração, a obrigação mais importante no período considerado.

119

Ora, segundo a EDF, esta obrigação basta por si só para demonstrar que os correspondentes encargos excedem nitidamente a vantagem fiscal que teria obtido.

120

A EDF alega que, na sua Decisão C (2003) 2508, de 23 de Julho de 2003, de não levantar objecções a respeito do aumento de capital de La Poste SA/NV pelo Estado Belga, a Comissão considerou, no tocante às obrigações de serviço público suportadas pela La Poste, que sendo a «sub-compensação histórica» do custo líquido adicional das actividades de serviço de interesse económico geral superior ao fornecimento de capital notificado pelo Estado, este não constituía só por si um auxílio de Estado, pois não conferia uma vantagem à La Poste ou constituía um auxílio de Estado compatível com o mercado comum. A Comissão entendeu, pois, que, na medida em que o fornecimento de capital notificado era, assim, compatível com o mercado comum, não era necessário analisar se a decisão do Estado de fornecer o capital em causa correspondia ao comportamento que teria tido um investidor privado avisado numa economia de mercado.

121

Segundo a EDF, cabe pois considerar, por analogia com esta decisão da Comissão, que o fornecimento de capital de que foi objecto não constitui por si só um auxílio, porquanto não confere uma vantagem ou constitui um auxílio de Estado compatível com o mercado comum.

122

A EDF sustenta ainda, essencialmente, que a Comissão teve o cuidado de rejeitar, no n.o 79 da decisão de início, o argumento de uma eventual «sub-compensação» dos custos de serviço público, mas fê-lo invocando o conjunto dos auxílios examinados, incluídos aqueles relativamente aos quais a qualificação de auxílio acabou por ser abandonada.

123

A EDF sustenta, além disso, essencialmente, que, caso se venha a considerar que a República Francesa omitiu comunicar à Comissão as informações solicitadas por esta no referente aos eventuais custos de serviço público durante o procedimento formal de exame e que, portanto, os argumentos que sejam aduzidos no âmbito do presente recurso não podem ser tomados em consideração, uma vez que a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão pôde dispor no momento em que a adoptou e que as apreciações complexas efectuadas pela Comissão devem ser examinadas unicamente em função dos elementos de que dispunha no momento em que as efectuou, isso conduzirá a que, não tendo participado no procedimento administrativo, a EDF ficará privada do direito de invocar esta parte do seu fundamento. Ora, isto confirma a violação dos seus «direitos de defesa», posto que, não tendo sido informada «de modo sincero e completo» pela Comissão durante o procedimento administrativo, não foi colocada em condições de apreciar a necessidade de desenvolver esta argumentação e encontra-se presentemente impedida de o fazer.

124

A Comissão contesta esta argumentação.

— Apreciação do Tribunal

125

Há que recordar que, segundo jurisprudência assente, no âmbito de um recurso de anulação, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de informação existentes na data em que o acto foi adoptado. Em particular, as apreciações complexas efectuadas pela Comissão devem ser examinadas apenas em função dos elementos de que dispunha no momento em que as efectuou (v. acórdão do Tribunal Geral de 23 de Novembro de 2006, Ter Lembeek/Comissão, T-217/02, Colect., p. II-4483, n.o 82 e jurisprudência aí indicada).

126

A este respeito, a Comissão não pode ser acusada de não ter tido em conta eventuais elementos de informação que lhe podiam ter sido apresentados durante o procedimento administrativo, mas que não o foram, pois não é obrigada a examinar oficiosamente e mediante presunção quais os elementos que lhe poderiam ter sido fornecidos (acórdão Ter Lembeek/Comissão, n.o 125 supra, n.o 83).

127

Tendo em conta o teor do n.o 79 da decisão de início e do considerando 153 da decisão impugnada, bem como da nota inserida nesse considerando, há que concluir que é de modo juridicamente correcto que a Comissão sustenta que não podia nem devia examinar os eventuais custos de serviço público na falta de informações sobre esta matéria provenientes das autoridades francesas e dos interessados e que não podia tomar em conta, no momento da adopção da decisão impugnada, os elementos que só foram trazidos ao seu conhecimento no quadro do presente recurso.

128

Quanto ao argumento relativo à violação dos direitos de defesa avançado pela EDF, há que rejeitá-lo, na medida em que, apesar de terem sido convidadas a apresentar informações sobre esta matéria no âmbito do procedimento administrativo, a República Francesa e a EDF entenderam ser inútil fazê-lo. Assim, a EDF não pode sustentar, no quadro do seu recurso para o Tribunal, que não foi colocada em condições de poder apreciar a necessidade de desenvolver uma argumentação a esse respeito e que os seus direitos de defesa serão violados caso, presentemente, estes argumentos nessa matéria não forem examinados.

129

Importa realçar que as eventuais divergências de análise entre a decisão de início e a decisão impugnada não são de natureza a afectar esta apreciação, na medida em que a Comissão tinha indicado na decisão de início que considerava que o tratamento dado às provisões contabilísticas para a renovação da RAG podia constituir um novo auxílio. Incumbia, consequentemente, à República Francesa e à EDF retirar as consequências processuais que para elas podiam resultar de tal análise e fornecer os elementos de informação úteis à defesa da sua posição, o que não fizeram.

130

Quanto ao argumento segundo o qual a Comissão terá, apesar de tudo, tratado esta questão no n.o 79 da decisão de início, mas tendo-se limitado a sublinhar que «os auxílios examinados […] conferiram à EDF uma vantagem operacional que, nesta fase, parece ter ultrapassado os custos de qualquer serviço público», cabe observar que a frase da qual a EDF apenas citou extractos deve, na realidade, ser reposta no seu contexto:

«A EDF é um fornecedor de serviços públicos no tocante a uma parte de das suas actividades. Importa notar que, embora, até ao momento, não tenham invocado a este respeito a aplicação do artigo 86.o, n.o 2, [CE], as autoridades francesas salientaram o facto de a EDF estar obrigada a cumprir missões de serviço público. Porém, as autoridades não forneceram qualquer estimativa do custo ocasionado à EDF por estas obrigações. É, pois, impossível verificar a correspondência entre os diversos auxílios de Estado de que beneficia este operador e os custos das missões de serviço público que lhe são impostas. Em todo o caso, parece que os auxílios examinados no caso em apreço, que revestem essencialmente a forma de derrogações excepcionais às disposições normalmente aplicáveis no domínio contabilístico e comercial, conferiram à EDF uma vantagem operacional que, nesta fase, parece ter ultrapassado os custos de qualquer serviço público. Desde há muito tempo que a EDF não recebia dotações em capital. Os auxílios examinados contribuíram, de facto, para o financiamento da expansão agressiva da EDF através da aquisição de participações no estrangeiro. Esta utilização desses fundos parece exorbitar do quadro do que é possível considerar como uma missão de serviço público admissível.»

131

Tratava-se, pois, de uma apreciação provisória e de um convite, dirigido à República Francesa e à EDF, para que fornecessem os elementos de informação necessários à eventual inversão desta primeira análise. A recorrente não pode, pois, daí retirar um argumento.

132

De igual modo, não pode ser criticado à Comissão o facto de o n.o 79 da decisão de início versar sobre o conjunto dos auxílios por si examinados e não unicamente sobre o auxílio que finalmente declarou ser incompatível com o mercado comum, ordenando a sua recuperação nos artigos 3.o e 4.o da decisão impugnada, a saber, a medida controvertida.

133

A primeira parte do segundo fundamento deve, pois, ser rejeitada.

Quanto à segunda parte, relativa à ausência de afectação das trocas comerciais entre os Estados-Membros

— Argumentos das partes

134

A EDF sustenta que a medida controvertida não afectou as trocas comerciais entre os Estados-Membros na acepção do artigo 87.o, n.o 1, CE, na medida em que, por um lado, à luz da jurisprudência comunitária, a noção de «trocas comerciais» deve ser interpretada como «sinónima» da noção de «concorrência» e em que, por outro lado, as trocas comerciais entre os produtores nacionais históricos, que à época beneficiavam de uma situação de monopólio nos seus respectivos países, não podem ser equiparadas a uma situação de concorrência.

135

A EDF alega que o Tribunal Geral associou claramente a noção de «trocas comerciais entre os Estados-Membros» à noção de «concorrência» e lembra, a este propósito, que o Tribunal Geral já enunciou que, em matéria de auxílios de Estado, as condições relativas, respectivamente, à incidência nas trocas comerciais entre Estados-Membros e à distorção da concorrência encontram-se, regra geral, indissociavelmente ligadas (acórdãos do Tribunal Geral de 15 de Junho de 2000, Alzetta e o./Comissão, T-298/97, T-312/97, T-313/97, T-315/97, T-600/97 a T-607/97, T-1/98, T-3/98 a T-6/98 e T-23/98, Colect., p. II-2319, n.o 81, e de , Regione autonoma Friuli-Venezia Giulia/Comissão, T-288/97, Colect., p. II-1169, n.o 44).

136

A EDF defende que esta análise foi confirmada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 23 de Outubro de 1997, Comissão/França (C-159/94, Colect., p. I-5815), no qual este rejeitou o argumento da Comissão segundo o qual a abolição dos direitos exclusivos de importação e de exportação da EDF e da Gaz de France (GDF) teria por consequência favorecer o desenvolvimento das trocas comerciais no interesse da Comunidade Europeia e enunciou que a Comissão estava obrigada a definir previamente o interesse da Comunidade à luz do qual havia que avaliar o desenvolvimento das trocas comerciais. Assim, o Tribunal de Justiça ligou claramente, segundo a EDF, a noção de «distorção da concorrência» e a noção de «trocas comerciais entre os Estados-Membros».

137

A EDF sustenta que, apesar de a Comissão evocar longamente na decisão impugnada as trocas comerciais que podem ter existido entre os operadores eléctricos, a maior parte dos quais em situação de monopólio nos Estados-Membros antes da liberalização deste sector, é todavia manifesto que não existia qualquer «verdadeira situação de concorrência» antes desta liberalização, a qual só foi progressivamente iniciada com a transposição da Directiva 96/92.

138

No que respeita mais especificamente à França durante o período em causa (1986-1997), a EDF defende que o sector da electricidade estava claramente fechado à concorrência. Apesar de terem sido adoptadas algumas directivas durante este período [Directiva 90/547/CEE do Conselho, de 29 de Outubro de 1990, relativa ao trânsito de electricidade nas grandes redes (JO L 313, p. 30), e Directiva 96/92], a sua transposição sofreu porém atraso em vários Estados-Membros «devido à situação inicial complexa e à disparidade das estruturas de electricidade na Comunidade», como reconheceu K. Van Miert, à época membro da Comissão encarregado da concorrência.

139

A EDF considera, pois, que não é possível sustentar que existia uma «verdadeira situação de concorrência» em França, ou, de resto, na quase totalidade dos países europeus, nos anos de 1987 a 1996.

140

A EDF refere, a este respeito, que um grande número dos exemplos fornecidos pela Comissão na decisão impugnada para concluir pela existência de trocas comerciais entre Estados-Membros com produção de efeitos na concorrência respeita a períodos posteriores a 1997: assim, nomeadamente, a aquisição de um terço do capital da empresa alemã EnBW Energie Baden-Württemberg AG e das capacidades de produção e de distribuição da London Electricty, a tomada de controlo da empresa Fenice, da instituição de uma parceria com a Fiat para aquisição da Montedison e de uma parceria com a Véolia Environnement através da sociedade Dalkia.

141

Em conclusão, a EDF considera que, apesar de ter realizado, entre 1987 e 1996, trocas comerciais com outros produtores nacionais europeus, a maior parte das quais relacionadas com contratos a longo prazo que frequentemente permitiram que estes operadores ficassem dispensados de realizar investimentos para fins de produção, uma vez que a grande maioria das «contrapartes» da EDF gozavam de uma situação de monopólio nos seus países respectivos, estas trocas em nada afectaram a concorrência a nível intracomunitário.

142

A Comissão contesta esta argumentação.

— Apreciação do Tribunal

143

O artigo 87.o, n.o 1, CE proíbe os auxílios que afectem as trocas comerciais entre Estados-Membros e falseiem ou ameacem falsear a concorrência.

144

Para efeitos da qualificação de uma medida como auxílio de Estado, não é necessário demonstrar uma incidência real do auxílio sobre as trocas comerciais entre Estados-Membros e uma distorção efectiva da concorrência, mas apenas examinar se o auxílio é susceptível de afectar essas trocas e de falsear a concorrência (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C-222/04, Colect., p. I-289, n.o 140 e jurisprudência aí indicada).

145

Acresce que, se a Comissão expôs correctamente por que forma os auxílios litigiosos eram susceptíveis de produzir tais efeitos, não lhe compete proceder a uma análise económica da situação real do mercado em causa, da parte de mercado das empresas beneficiárias dos auxílios, da posição das empresas concorrentes e das correntes de trocas comerciais em causa entre os Estados-Membros, (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 29 de Setembro de 2000, CETM/Comissão, T-55/99, Colect., p. II-3207, n.o 102, e de , Itália e Wam/Comissão, T-304/04 e T-316/04, não publicado na Colectânea, n.o 64).

146

Quando um auxílio concedido por um Estado-Membro reforça a posição de uma empresa relativamente às demais empresas concorrentes nas trocas comerciais intracomunitárias, deve entender-se que tais trocas comerciais são influenciadas pelo auxílio (v. acórdão Cassa di Risparmio di Firenze e o., n.o 144 supra, n.o 141 e jurisprudência aí indicada).

147

A este respeito, a circunstância de um sector económico ter sido liberalizado a nível comunitário é susceptível de caracterizar uma incidência real ou potencial dos auxílios na concorrência, bem como o seu efeito nas trocas comerciais entre Estados-Membros (v. acórdão Cassa di Risparmio di Firenze e o., n.o 144 supra, n.o 142 e jurisprudência aí indicada).

148

Por outro lado, não é necessário que a própria empresa beneficiária participe nas trocas comerciais intracomunitárias. De facto, quando um Estado-Membro concede um auxílio a uma empresa, a produção interna pode ser mantida ou aumentada, daí resultando que as hipóteses de as empresas estabelecidas noutros Estados-Membros penetrarem no mercado deste Estado-Membro são diminuídas. Além disso, um reforço de uma empresa que, até então, não participava nas trocas comerciais intracomunitárias pode colocá-la numa situação que lhe permita entrar no mercado de outro Estado-Membro (v. acórdão Cassa di Risparmio di Firenze e o., n.o 144 supra, n.o 143 e jurisprudência aí indicada).

149

No caso em apreço, há que observar que a Comissão realçou, nos considerandos 104 a 112, 114 e 115 da decisão impugnada, que existia, mesmo independentemente das directivas que visam liberalizar o sector da electricidade, um certo grau de concorrência neste sector, pelo menos, em alguns mercados, designadamente, tanto naqueles em que a EDF então operava, como, em certos Estados-Membros, noutros mercados ainda não inteiramente abertos à concorrência.

150

Estes elementos não são contestados pela EDF.

151

A EDF também não contestou ser exportadora de electricidade para outros Estados-Membros nos quais a abertura do mercado tinha já sido realizada.

152

Supondo-o estabelecido, o facto de o mercado interno francês, ou, pelo menos, de uma parte deste, ter estado fechado à concorrência, não assumiria, pois, qualquer relevância.

153

Consequentemente, há que concluir que não se pode criticar à Comissão não ter caracterizado mais aprofundadamente a possibilidade de a medida controvertida ter podido afectar as trocas comerciais intracomunitárias.

154

Portanto, a argumentação da EDF sobre esta matéria não pode prosperar.

155

Em conclusão, a segunda parte do segundo fundamento deve, pois, ser rejeitada.

Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa, por um lado, à qualificação das medidas em causa como dotação em capital e, por outro, ao comportamento de investidor privado avisado em economia de mercado adoptado pelo Estado no quadro da sua implementação

— Argumentos das partes

156

A EDF lembra que, em 1997, o Estado era o seu único accionista. À época, a EDF estava «fortemente subcapitalizada» e o seu balanço era «manifestamente desequilibrado». Os seus capitais próprios ascendiam a 24,2 mil milhões de FRF, tinha contraído dívidas por empréstimos num montante de 131,9 mil milhões de FRF (ou seja, um rácio dívida líquida/capitais próprios de 480%) e dispunha de um activo líquido de 696,4 mil milhões de FRF.

157

A EDF sustenta que, consequentemente, o Estado pretendeu reforçar os capitais próprios da empresa pública e alterar os equilíbrios financeiros existentes entre ambos, procurando aproximar a sua situação à dos seus grandes concorrentes no sector europeu da electricidade, a fim de lhe permitir preparar-se para a «completa alteração do seu ambiente económico e regulamentar». Assim, o Estado agiu como teria feito um investidor privado avisado, devendo esta noção, segundo a EDF, ser interpretada em função das características muito específicas do sector económico no qual opera a empresa.

158

A EDF alega que, neste contexto, foi decidido, em 1997, clarificar o estatuto patrimonial da RAG, pondo termo às «ambiguidades» que o caracterizavam e, concomitantemente, ao seu tratamento contabilístico específico que tinha sido objecto das críticas do Tribunal de Contas francês, e proceder simultaneamente à reestruturação do balanço da EDF.

159

Este duplo objectivo de clarificação do estatuto patrimonial da RAG, com as consequências contabilísticas daí resultantes, e de reestruturação do balanço da EDF figurava no contrato de empresa de 8 de Abril de 1997 (v. n.o 31 supra) e foi apresentado «sem qualquer ambiguidade» no quadro dos trabalhos preparatórios da Lei n.o 97-1026.

160

A EDF, apoiada pela República Francesa, alega, essencialmente, que a reclassificação dos direitos do concedente que decorre da Lei n.o 97-1026 constitui uma dotação em capital, esclarecendo que esta posição foi sempre a sustentada pela República Francesa durante o procedimento administrativo, mas que a Comissão rejeitou esta argumentação sem examinar a sua substância, pelos dois motivos que figuram nos considerandos 96 e 97 da decisão impugnada.

161

Segundo a EDF, a Comissão dá, assim, testemunho de uma «manifesta incompreensão» da natureza económica da operação de recapitalização. Violou, por esse motivo, a noção de «auxílio de Estado» e infringiu o artigo 87.o CE.

162

A EDF sustenta, essencialmente, que a operação de recapitalização — efectuada pela afectação directa dos direitos do concedente da rubrica do passivo intitulada «Contravalor dos bens atribuídos em concessão» à rubrica do passivo intitulada«Dotações em capital» por um montante de 14,119 mil milhões de FRF à data de 31 de Dezembro de 1996 — foi efectuada através de «meios neutros» de um ponto de vista económico e fiscal e pela «via que neste caso era a mais natural», ou seja, a via legislativa, recorrendo, em nome da eficácia, à mesma lei que era necessária para conferir à EDF a propriedade da RAG.

163

A EDF salienta que, com efeito, estes ajustamentos contabilísticos, pela sua própria natureza, requeriam a intervenção da lei. A dotação em capital do contravalor dos bens em espécie atribuídos em concessão competia, efectivamente, ao domínio legislativo, posto que o capital da EDF estava definido no artigo 16.o da Lei n.o 46-628, o qual dispõe que este «pertence à nação», que «é inalienável» e que, «em caso de perdas de exploração, deve ser reconstituído mediante os resultados dos exercícios ulteriores». Segundo o artigo 1.o do Decreto n.o 56-493, de 14 de Maio de 1956, relativo às dotações em capital atribuídas à EDF e à GDF (JORF de , p. 4613), estas foram sujeitas às mesmas regras que tinham sido fixadas pelo artigo 16.o da Lei n.o 46-628.

164

A EDF, apoiada pela República Francesa, afirma — e foi o que confirmaram no quadro das respostas que apresentaram às questões escritas que lhes foram colocadas pelo Tribunal — que o Estado podia optar entre duas soluções (denominadas «esquema curto» e «esquema longo» pela EDF) que conduziam a resultados estritamente equivalentes: ou efectuar uma dotação complementar em capital, procedendo directamente, por efeito da lei, à reclassificação de uma parte das provisões contabilísticas para a renovação da RAG com isenção de imposto, ou começar por afectar ao capital da EDF um montante líquido após aplicação do imposto sobre as sociedades, solicitar à EDF o pagamento de um imposto correspondente à variação do activo líquido e proceder a uma dotação complementar em capital de um montante igual ao imposto pago.

165

Segundo a EDF, o Estado concluiu que a primeira solução era «economicamente lógica e financeiramente tão neutra» quanto a segunda e que esta abordagem tinha, além disso, sido aprovada pelo Tribunal de Contas francês.

166

Decorre claramente da argumentação avançada pela Comissão que se o Estado tivesse optado pela segunda solução para proceder à injecção de capital, a Comissão teria aplicado o critério do investidor privado avisado. Isto demonstra, segundo a EDF, que foi unicamente a escolha do meio utilizado pelo Estado para proceder ao aumento de capital que levou a Comissão a afastar, por princípio, a aplicação do critério do investidor privado.

167

A EDF alega que, com efeito, resulta do considerando 96 da decisão impugnada e das alegações da Comissão que o que esta critica é a escolha do meio utilizado para proceder ao aumento de capital. Ora, tal argumentação é «puramente formalista e totalmente desprovida de pertinência».

168

Segundo a EDF, a afirmação, na decisão impugnada, de que a Comissão «rejeita estes argumentos [relativos à recapitalização]», sustentando que o princípio do investidor privado «só pode ser aplicado no quadro do exercício de actividades económicas e não no quadro do exercício de poderes de regulação», constitui, por um lado, uma intromissão nos procedimentos de direito interno, que são estranhos ao direito comunitário, e corresponde, por outro, a um formalismo que é estranho ao direito da concorrência.

169

A EDF reconhece ser certo que o Estado, para proceder ao aumento de capital, recorreu a um meio que não se encontrava à disposição das sociedades de direito comum, a saber, a reclassificação dos direitos do concedente por intermédio de uma lei. Porém, não agiu no quadro dos seus poderes de regulação ou das suas prerrogativas de poder público.

170

Em primeiro lugar, considerar o contrário seria desprezar o facto de que tanto o próprio estatuto como a definição do capital da EDF integram o domínio legislativo.

171

A EDF esclarece, essencialmente, que incumbia ao Estado recorrer à lei para proceder a esta operação, tendo em conta a especial natureza da empresa. Entende que, uma vez que era necessária uma lei para atribuir à EDF a propriedade ab initio da RAG, não se vê a razão pela qual o legislador se deveria ter abstido de «ir até ao fim da lógica» descrita no contrato de empresa de 8 de Abril de 1997 (v. n.o 31 supra), reestruturando o balanço da empresa através da alteração do artigo 16.o da Lei n.o 46-628.

172

Em segundo lugar, a EDF alega, essencialmente, que, ao fazê-lo, o Estado se comportou na realidade como um «accionista avisado» da empresa, nas condições normais de mercado, as quais devem necessariamente ser apreciadas por referência aos elementos objectivos e verificáveis que estão disponíveis (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 2003, Chronopost e o./Ufex e o., C-83/01 P, C-93/01 P e C-94/01 P, Colect., p. I-6993, n.o 38).

173

Em terceiro lugar, a EDF sustenta que, negando a priori ao Estado Francês o direito de proceder a uma recapitalização de um estabelecimento público pela via que julga ser a mais adequada, a Comissão comete além disso um erro de direito, em violação do artigo 295.o CE, o qual consagra «a neutralidade do direito comunitário no que respeita ao regime da propriedade nos Estados-Membros».

174

Em quarto lugar, a EDF considera que, mesmo supondo que poderia ter sido escolhida outra via, nada justificaria o formalismo excessivo de que fez prova a Comissão, a qual rejeitou, sem sequer o discutir, o argumento relativo à recapitalização da empresa, pelo único motivo de o meio pelo qual esta foi realizada qualificar «por princípio» de auxílio de Estado a intervenção deste último. Ora, segundo a EDF, a indiferença da forma que pode assumir uma medida para a sua eventual qualificação como auxílio de Estado constitui, pelo contrário, o cerne da jurisprudência comunitária.

175

A EDF alega essencialmente que, para a qualificação de uma medida como auxílio de Estado, a jurisprudência não atribui qualquer importância à forma que possa assumir ou à autoridade estatal que a tenha decidido, sendo estas considerações estranhas à análise a efectuar para efeitos do artigo 87.o, n.o 1, CE.

176

Além disso, a EDF argumenta que, segundo a própria Comissão, na análise da compatibilidade dos auxílios com o mercado comum, esta «examina a compatibilidade dos auxílios não em função da sua forma, mas sim dos seus efeitos» [n.o 7 da Comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas (JO 1998, C 384, p. 3)]. Assim sendo, a Comissão não deveria ter rejeitado, sem o examinar, o argumento de que a operação constituía uma recapitalização, com fundamento numa consideração de mera forma, a saber, o meio utilizado para proceder a esta recapitalização.

177

A EDF entende que, sendo a forma como uma medida é realizada indiferente para a sua qualificação como auxílio de Estado, esta forma também não pode ser invocada pela Comissão como argumento — e, a fortiori, como único argumento — para rejeitar a demonstração destinada a contestar essa mesma qualificação de auxílio de Estado.

178

Em quinto lugar, a EDF lembra que a Comissão já considerou, em numerosos procedimentos, que o fornecimento de capital podia assumir diversas formas: a subscrição de obrigações da empresa [Decisão 94/662/CE da Comissão, de 27 de Julho de 1994, relativa à subscrição pela CDC-Participations de obrigações emitidas pela Air France (JO L 258, p. 26)], a anulação de uma dívida utilizada para proceder a uma injecção de capital [Decisão 89/58/CEE da Comissão, de , relativa ao auxílio concedido pelo Governo do Reino Unido ao grupo Rover, empresa fabricante de veículos a motor (JO 1989, L 25, p. 92)], a conversão de empréstimos em capital [Decisão 90/224/CEE da Comissão, de , relativa aos auxílios concedidos pelo Governo italiano à Aluminia e à Comsal, duas empresas da indústria do alumínio integradas no sector público (JO 1990, L 118, p. 42)], a conversão de dívidas em participações, considerada equivalente a uma injecção de capital do mesmo montante [Decisão 94/696/CE da Comissão, de , relativa aos auxílios concedidos pelo Estado grego à companhia Olympic Airways (JO L 273, p. 22)], o «estorno» de provisões constituídas para a cobertura de futuras despesas com as reformas e a sua transferência para uma reserva de valor acrescentado [decisão C (2003) 2508 (v. n.o 120 supra)].

179

Segundo a EDF, acresce que a Comissão já aplicou o critério do investidor privado em economia de mercado a uma medida realizada através de uma lei e, portanto, a uma medida decorrente do exercício das prerrogativas do Estado, como no procedimento relativo à Siciliana Acque Minerali [Decisão 2000/648/CE da Comissão, de 21 de Junho de 2000, relativamente ao auxílio estatal previsto pela Itália a favor da empresa Siciliana Acque Minerali Srl (JO L 272, p. 36)].

180

Concluindo sobre esta matéria, o facto de uma dotação em capital ter sido realizada através de uma lei não é, pois, de natureza a impedir a aplicação do critério do investidor privado a esta medida.

181

Segundo a EDF, a Comissão tinha, consequentemente, o dever de examinar se as medidas adoptadas na sequência da Lei n.o 97-1026 constituíam, como sustentava o Estado Francês, «um aumento de capital legítimo no que toca às suas modalidades e ao seu montante».

182

Quanto ao mais, a EDF lembra que, segundo o Tribunal de Justiça, para apreciar se uma medida estatal constitui um auxílio, há que determinar se a empresa beneficiária recebe uma vantagem económica que não teria obtido em condições normais de mercado (acórdão Chronopost e o./Ufex e o., n.o 172 supra, n.o 38).

183

Segundo a EDF, a noção de «condições normais de mercado» constitui igualmente um elemento central quando se trata de aplicar o princípio da igualdade de tratamento no confronto de medidas que beneficiam a uma empresa pública. Efectivamente, resulta do princípio da igualdade de tratamento entre as empresas públicas e privadas que os capitais colocados, directa ou indirectamente, à disposição de uma empresa pelo Estado, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não podem ser considerados auxílios de Estado (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2002, França/Comissão, C-482/99, Colect., p. I-4397, n.o 69).

184

Ora, segundo a EDF, a admitir-se a abordagem seguida pela Comissão, a EDF não poderia invocar a aplicação desta jurisprudência, pois as circunstâncias em que a medida controvertida interveio não correspondem às condições normais de mercado, unicamente pelo motivo de o recurso, pelo Estado, ao seu poder fiscal exorbitar do direito comum. Porém, a EDF alega que, embora não negue que o meio utilizado pelo Estado exorbita do direito comum, a qualificação de auxílios de Estado não se pode limitar unicamente a este aspecto formal e dispensar assim o debate de fundo.

185

A EDF considera ainda que o acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2003, Alemanha/Comissão (C-334/99, Colect., p. I-1139), que é invocado pela Comissão nas suas alegações escritas — acórdão que enuncia que há que fazer uma distinção entre as obrigações que o Estado deve assumir enquanto accionista de uma sociedade e as obrigações que sobre ele podem impender enquanto poder público — conforta, na realidade, a sua posição, na medida em que pressupõe que se proceda a uma comparação dos comportamentos respectivos do Estado, agindo como investidor, e de um investidor privado nas condições normais de mercado. Ora, na decisão impugnada, a Comissão recusou-se ab initio a proceder a tal análise, o que é contrário ao princípio da neutralidade.

186

Em resposta à argumentação da Comissão segundo a qual se tratará unicamente de uma «oferta fiscal» ou de uma «renúncia de dívida» da qual terá beneficiado a EDF, esta sustenta que um accionista privado pode, também ele, proceder a um aumento de capital de uma filial pelo mecanismo da incorporação de um crédito no capital, mecanismo que na sua substância é perfeitamente comparável, no plano económico, à «renúncia de dívida» criticada pela Comissão.

187

Com efeito, segundo a recorrente, uma empresa-mãe que possua um crédito sobre a sua filial pode optar por proceder a uma simples renúncia ao seu crédito, gerando assim um lucro para a filial, lucro esse que será em princípio tributável à filial, salvo se existirem reportes fiscais deficitários. Após tributação, este montante poderá ser afectado pela filial, em função das suas opções, ao pagamento do dividendo, à constituição de reservas, etc. Todavia, a empresa-mãe poderá igualmente optar por subscrever um aumento de capital da filial num montante correspondente ao seu crédito. Ora, segundo a EDF, apoiada pela República Francesa, este último mecanismo não gera, em direito fiscal francês, qualquer lucro tributável à filial.

188

A EDF sustenta que, apesar de este mecanismo ser distinto da operação de recapitalização controvertida no que toca ao meio utilizado, é também verdade que, essencialmente, o Estado mais não fez, no caso em apreço, do que proceder ao que economicamente pode ser equiparado a um aumento de capital por incorporação de crédito. Ora, este mecanismo também está à disposição de uma empresa privada.

189

A EDF sustenta que, por conseguinte, para determinar a existência de «condições normais de mercado», a Comissão não se podia limitar artificialmente apenas ao exame formal do meio utilizado, mas devia, pelo contrário, examinar a sua essência, ou seja, a racionalidade económica da operação, devendo esta análise ser efectuada no contexto da época e devendo a Comissão abster-se de qualquer apreciação baseada numa situação posterior.

190

A EDF esclarece que, no seu acórdão Chronopost e o./Ufex e o., n.o 172 supra (n.o 38), o Tribunal de Justiça enunciou que, na ausência de qualquer possibilidade de comparar a situação de La Poste com a de um grupo privado de empresas que não operasse num sector reservado, as «condições normais de mercado», que são necessariamente hipotéticas, devem ser apreciadas por referência aos elementos objectivos e verificáveis que estão disponíveis.

191

A EDF alega que, no processo que conduziu ao acórdão Chronopost e o./Ufex e o., n.o 172 supra (n.o 38), se tratava de comparar os custos, ao passo que, no presente caso, se trata de comparar as condições de mercado nas quais se verificou um aumento de capital. Todavia, as condições normais de mercado, segundo os próprios termos do acórdão Chronopost e o./Ufex e o., já referido, devem ser apreciadas por referência aos elementos objectivos e verificáveis disponíveis. Donde resulta, segundo a EDF, que a Comissão não podia, sem cometer um erro de direito e sem desvirtuar a noção de «auxílio de Estado», «esquivar» esta análise com o pretexto puramente formal do meio utilizado pelo Estado para proceder a esse aumento de capital.

192

Por último, a EDF alega, essencialmente, que o critério do investidor privado teria sido observado se a Comissão o tivesse aplicado.

193

Em apoio da sua argumentação a este respeito, como desenvolvida na petição e na réplica, a EDF juntou, no momento da apresentação das suas observações sobre as alegações de intervenção da República Francesa, o «Relatório Oxera», o qual fornecerá ao Tribunal elementos de análise complementares que permitirão confirmar que o critério do investidor privado teria sido observado se tivesse sido aplicado pela Comissão.

194

A Comissão continua a defender que o critério do investidor privado não podia ser aplicado no caso em apreço.

195

A Comissão entende que, através da adopção das disposições da Lei n.o 97-1026, o Estado agiu como poder regulador, a fim de isentar a EDF do pagamento de uma parte dos impostos devidos. Não agiu como Estado accionista da EDF que procurasse retirar lucros desta empresa a médio ou a longo prazo.

196

A Comissão argumenta que, se estivesse obrigada a seguir a lógica preconizada pela EDF, permitiria que o Estado, enquanto autoridade fiscal, instituísse livremente todo o tipo de «discriminações» por intermédio do instrumento fiscal de que dispõe, diversamente dos investidores privados. Com efeito, estes últimos só podem mobilizar capitais para realizarem investimentos após terem liquidado as suas obrigações fiscais.

197

A Comissão sustenta ainda, essencialmente, que permitir que o Estado invoque a aplicação do critério do investidor privado quando actua na sua qualidade de regulador que utiliza o seu poder fiscal provocaria uma «situação perigosa», pois o Estado poderia assim argumentar que todas as isenções fiscais concedidas a empresas públicas economicamente sãs deveriam escapar à qualificação de auxílios de Estado, uma vez que satisfazem o critério do investidor privado. Tal situação provocaria uma «discriminação das empresas que não tivessem a sorte de ter o Estado como accionista e/ou investidor».

198

Segundo a Comissão, o raciocínio seguido pela EDF é, consequentemente, contrário ao artigo 87.o CE, pois privaria de qualquer efeito útil esta disposição, como decorre do considerando 97 da decisão impugnada.

199

Segundo a Comissão, a própria base de toda a argumentação da recorrente assenta numa premissa errada, que consiste em considerar que é possível aplicar o critério do investidor privado ao conjunto da operação, ou seja, não apenas à alegada dotação em capital, mas também à fase precedente, quando o Estado interveio como autoridade fiscal para introduzir a «isenção fiscal» que constitui a medida controvertida.

200

Ora, segundo a Comissão, caso se devesse comparar o comportamento do Estado Francês com o de um investidor privado, as provisões irregularmente criadas pela EDF a respeito dos direitos do concedente deveriam ter sido previamente sujeitas ao imposto sobre as sociedades antes de serem eventualmente injectadas no capital da EDF. Somente esta tributação das provisões poderia colocar «em pé de igualdade» o Estado Francês com um investidor privado e teria permitido que a Comissão encarasse proceder à comparação do comportamento do Estado Francês com o de um operador privado. Na medida em que não existia tal premissa, a Comissão não podia ter procedido a tal comparação.

201

A Comissão alega que, efectivamente, caso se colocasse «em pé de igualdade» o Estado Francês com um investidor privado, seria incontestável que uma «oferta fiscal» do «Estado ‘regulador’» não tem o mesmo custo que um investimento do «Estado ‘investidor’». No primeiro caso, para fazer beneficiar uma empresa de 100 euros, bastaria que o Estado renunciasse à tributação da mesma quantia. Em contrapartida, para que uma empresa beneficiasse da mesma quantia por parte de um investidor privado, seria necessário, nomeadamente, acrescentar os encargos fiscais suportados sobre estas quantias para que delas pudesse dispor livremente. Assim, no caso em apreço, esta quantia de 100 euros deveria ter sido sujeita ao imposto sobre as sociedades à taxa de 41,66%. Donde resultaria que, para conceder 100 euros, um investidor privado teria que ter mobilizado na realidade 141,66 euros.

202

Neste contexto, a Comissão sustenta que os exemplos apresentados pela EDF a respeito da renúncia ao crédito de uma empresa-mãe sobre a sua filial não se situam no quadro dos poderes que se inscrevem no poder público, mas respeitam a instrumentos que podem ser utilizados por um investidor privado no mercado: com efeito, trata-se de créditos de natureza comercial e não fiscal. Não se tratará, pois, de uma mera distinção formal, na medida em que o custo teria sido necessariamente menos elevado para o Estado do que para o investidor privado.

203

A Comissão lembra que, por força do princípio da neutralidade relativamente ao regime da propriedade das empresas consagrado no artigo 295.o CE, a sua acção não pode favorecer nem colocar em desvantagem os poderes públicos quando procedam a fornecimentos de capitais a favor das empresas. Ora, segundo a Comissão, nem ela nem, com seu conhecimento, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral alguma vez admitiram que um Estado accionista, fazendo uso do seu poder fiscal, que exorbita do direito comum, seja equiparável a um investidor privado.

204

A Comissão realça, essencialmente, que o facto de não aceitar as «ofertas fiscais» não é ditado por uma mera preocupação formal, antes se justifica pelo facto de, juridicamente, um auxílio poder assumir a forma de uma subvenção directa, bem como da renúncia a um crédito. A proibição a priori de tais «ofertas fiscais» corresponderá unicamente à aplicação do princípio da neutralidade antes referido, admitido pelo Tribunal de Justiça, segundo o qual «há que fazer uma distinção entre as obrigações que o Estado deve assumir enquanto accionista de uma sociedade e as obrigações que sobre ele podem impender enquanto poder público» (acórdão Alemanha/Comissão, n.o 185 supra, n.o 134).

205

A Comissão salienta que, nesse processo, a questão suscitada era a de saber se o «Estado ‘investidor’» podia utilmente invocar a aplicação do critério do investidor privado para escapar à aplicação do artigo 87.o, n.o 1, CE. Para tal, teria sido necessário demonstrar que o Estado agiu em condições que seriam consideradas normais para um investidor privado. Ora, segundo a Comissão, o Tribunal de Justiça recordou nesse acórdão que o exercício de uma prerrogativa do poder público não é uma condição normal do mercado.

206

A Comissão recorda ainda que, numa nota da Direcção-Geral de Impostos transmitida em 9 de Abril de 2002, esta última considerou que «os direitos da entidade autora da concessão aferentes à RAG representam uma dívida indevida que a incorporação no capital isentou de imposto de maneira injustificada». Donde resulta claramente que se tratava de uma «oferta fiscal» e não de um investimento.

207

A Comissão argumenta que, contrariamente ao que afirma a EDF, a operação controvertida nada tem a ver com uma operação de renúncia de crédito através da sua incorporação no capital da empresa e que é indevidamente que a EDF tenta reduzir o debate a uma mera abordagem formal da Comissão sem análise da racionalidade económica da operação.

208

Após recordar que o raciocínio subjacente à aplicação do critério do investidor privado consiste em evitar qualquer «discriminação» entre as empresas públicas e privadas com vista à correcta aplicação das disposições do Tratado CE em matéria de auxílios de Estado, a Comissão realça que, segundo jurisprudência assente, «o critério relativo ao comportamento de um investidor privado que opera em condições normais de uma economia de mercado é uma emanação do princípio da igualdade de tratamento entre os sectores público e privado, princípio segundo o qual os capitais disponibilizados, directa ou indirectamente, a uma empresa, pelo Estado, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não poderão ser qualificados de auxílios de Estado» (acórdão França/Comissão, n.o 183 supra, n.o 69, e acórdão do Tribunal Geral de 12 de Dezembro de 2000, Alitalia/Comissão, T-296/97, Colect., p. II-3871, n.o 80).

209

Assim, no quadro da aplicação do critério do investidor privado, embora seja indubitável que o Estado pode disponibilizar capitais a uma empresa, tal operação só poderá escapar à qualificação de auxílio de Estado na condição de as circunstâncias em que é efectuada «corresponde[rem] às condições normais do mercado».

210

Segundo a Comissão, resulta claramente desta jurisprudência que o critério do investidor privado só é aplicável nos casos em que as circunstâncias nas quais o Estado agiu são comparáveis às que correspondem às condições normais do mercado. Donde decorre igualmente que os meios utilizados pelo Estado fazem parte integrante das referidas circunstâncias, e isto tanto mais quanto a natureza e as características dos meios utilizados não se encontram à disposição de um investidor privado agindo nas condições normais do mercado.

211

Acresce que uma isenção fiscal produz, por natureza, efeitos que, em todo o caso, não são separáveis do papel do Estado enquanto único detentor do poder soberano de cobrar e de redistribuir o imposto. Sendo este poder a «expressão mais absoluta do poder público», o seu exercício — tributação ou isenção — não tem equivalente na esfera de um investidor privado.

212

No tocante ao acórdão Chronopost e o./Ufex e o., n.o 172 supra, a Comissão realça que surge como uma contradição argumentar, por um lado, que devia aplicar o critério do investidor privado no caso em apreço, e, por outro, invocar este acórdão no qual o Tribunal de Justiça, na ausência de qualquer comparabilidade possível, seguiu uma lógica diametralmente oposta à das condições normais do mercado. A Comissão recorda que só o Estado pode agir umas vezes como autoridade fiscal e outras como investidor.

213

Por último, a Comissão sustenta essencialmente, a título subsidiário, que, em todo o caso, a medida controvertida não teria satisfeito o critério do investidor privado se tivesse sido aplicado.

214

Em resposta às questões escritas colocadas pelo Tribunal, a Comissão confirma, essencialmente, por um lado, que considera que não havia que aplicar o critério do investidor privado e, por outro, que convém retirar dos autos o «Relatório Oxera» devido, nomeadamente, à intempestividade da sua junção pela EDF.

215

Por outro lado, na audiência, a Comissão apresentou vários argumentos complementares.

216

Em primeiro lugar, sustentou que nenhum investidor privado teria podido mobilizar tais capitais ao mesmo custo. Não existiria, pois, em todo o caso, um investidor privado de referência.

217

Seguidamente, em resposta aos argumentos da EDF e da República Francesa segundo os quais o custo resultante da aplicação de cada uma das duas soluções que o Estado tinha a possibilidade de adoptar (v. n.o 164 supra) era idêntico, a Comissão argumenta que o custo não seria o mesmo no «esquema longo». Com efeito, segundo a Comissão, no «esquema longo», a EDF teria previamente pago os impostos devidos e a apreciação do seu valor financeiro teria sido diferente no momento da aplicação do critério do investidor privado. Portanto, a aplicação deste «esquema longo» teria — verosimilmente — produzido resultados diferentes se o critério do investidor privado tivesse sido aplicado.

218

Finalmente, foi igualmente sustentado pela Comissão, na audiência, que teria sido necessário que o montante do imposto tivesse sido entregue ao Estado — ainda que por um breve período — antes de ser entregue de novo à EDF e que o imposto que era devido aparecesse no balanço da EDF.

219

A Comissão salienta ainda que, caso o Tribunal acolha a tese segundo a qual a medida controvertida constitui um investimento na forma de dotação em capital que deveria ter sido examinado aplicando o critério do investidor privado, o que contesta, o Tribunal deverá então anular a decisão impugnada por manifesto erro de apreciação sem, no entanto, analisar se o comportamento do Estado Francês satisfazia ou não este critério, devendo esta segunda fase do exame da medida controvertida ser efectuada na decisão que caberá à Comissão tomar na sequência do acórdão que anule a decisão impugnada. Com efeito, o Tribunal não pode proceder ao exame desta questão, não cabendo tal análise na competência do juiz comunitário.

220

Na audiência, a Iberdrola, remetendo nomeadamente para as conclusões de 14 de Janeiro de 2003 do advogado-geral Léger no processo na origem do acórdão do Tribunal de Justiça de , Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C-280/00, Colect., p. I-7747, I-7788), sustentou que o critério do investidor privado avisado em economia de mercado não podia, por princípio, ser aplicado quando um Estado concede um auxílio fazendo uso de prerrogativas do poder público. Segundo a interveniente, a aplicação deste critério visa assegurar a igualdade de tratamento entre as empresas públicas e privadas. Ora, a aplicação deste critério à conversão de uma dívida fiscal em dotação em capital teria por efeito conferir às empresas públicas uma vantagem da qual nunca poderiam beneficiar as empresas privadas. Donde resultaria uma ruptura da igualdade de tratamento unicamente em benefício das empresas públicas, ligada à forma do auxílio concedido. Segundo a interveniente, este aspecto formal é, pois, determinante e, em tal caso, o critério do investidor privado nunca pode ser aplicado.

— Apreciação do Tribunal

221

Há que recordar que o artigo 87.o CE tem por objecto evitar que as trocas comerciais entre Estados-Membros sejam afectadas por benefícios concedidos pelas autoridades públicas que, sob diversas formas, falseiem ou ameacem falsear a concorrência ao favorecer certas empresas ou certas produções. O conceito de «auxílio» pode, por isso, abranger não só prestações positivas, como subsídios, empréstimos ou tomadas de participação no capital de empresas, mas também intervenções que, sob diversas formas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por essa razão, não sendo subsídios na acepção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 2003, Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão, C-328/99 e C-399/00, Colect., p. I-4035, n.o 35 e jurisprudência aí indicada). Na apreciação de uma medida à luz do artigo 87.o CE, importa ter em conta todos os elementos pertinentes e o seu contexto (acórdão Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein-Westfalen/Comissão, n.o 101 supra, n.o 270).

222

De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a intervenção dos poderes públicos no capital de uma empresa, seja por que forma for, pode constituir um auxílio de Estado quando as condições estabelecidas no artigo 87.o, n.o 1, CE se encontram preenchidas (v. acórdão Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão, n.o 221 supra, n.o 36 e jurisprudência aí indicada). Todavia, tal não poderá ser o caso, em aplicação do princípio da igualdade de tratamento entre empresas públicas e privadas, quando os capitais postos à disposição de uma empresa, directa ou indirectamente, pelo Estado, o sejam em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado (v. acórdão Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão, n.o 221 supra, n.o 37 e jurisprudência aí indicada).

223

Resulta da jurisprudência que, no domínio dos auxílios de Estado, o Tribunal de Justiça faz uma distinção entre duas categorias de situações: aquelas em que a intervenção do Estado tem um carácter económico e aquelas em que a intervenção do Estado se insere em actos de poder público (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C-278/92 a C-280/92, Colect., p. I-4103, n.o 22, e Alemanha/Comissão, n.o 185 supra, n.o 134; conclusões do advogado-geral Léger no processo na origem do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, n.o 220 supra, n.o 20).

224

O critério do operador privado aplica-se unicamente na primeira categoria de situações que abrange os casos em que as autoridades públicas participam no capital de uma empresa (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colect., p. 2263, n.o 14; Tubemeuse, n.o 94 supra, n.o 26, e de , Itália/Comissão, dito «Alfa Romeo», C-305/89, Colect., p. I-1603, n.o 19), concedem empréstimos a certas empresas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de , França/Comissão, dito «Boussac», C-301/87, Colect., p. I-307, n.os 38 a 41, e do Tribunal Geral de , Cityflyer Express/Comissão, T-16/96, Colect., p. II-757, n.os 8 e 51), prestam uma garantia de Estado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de , EPAC/Comissão, T-204/97 e T-270/97, Colect., p. II-2267, n.os 67 e 68), vendem bens ou oferecem serviços no mercado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de , Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n.os 28 a 30; de , Bélgica/Comissão, C-56/93, Colect., p. I-723, n.o 10, e de , SFEI e o., C-39/94, Colect., p. I-3547, n.os 59 a 62), ou concedem facilidades para o pagamento das contribuições para a segurança social (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de , Espanha/Comissão, C-342/96, Colect., p. I-2459, n.o 46) ou para o reembolso de encargos salariais. Neste tipo de situações, o critério do operador privado é pertinente porque o comportamento do Estado pode ser adoptado, pelo menos em princípio, por um operador privado com fim lucrativo (v., neste sentido, conclusões do advogado-geral Léger no processo na origem do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, n.o 220 supra, n.os 20 e seguintes).

225

Em contrapartida, o critério do operador privado não é pertinente quando a intervenção do Estado não tem qualquer carácter económico. É esse o caso quando as autoridades públicas pagam uma subvenção directa a uma empresa, concedem uma isenção fiscal (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C-387/92, Colect., p. I-877, n.o 14; de , Itália/Comissão, C-6/97, Colect., p. I-2981, n.o 16, e de , Alemanha/Comissão, C-156/98, Colect., p. I-6857, n.os 25 a 28) ou autorizam uma redução dos encargos sociais (acórdãos do Tribunal de Justiça de , Bélgica/Comissão, C-75/97, Colect., p. I-3671, n.os 24 e 25, e do Tribunal Geral de , Ladbroke Racing/Comissão, T-67/94, Colect., p. II-1, n.o 110).

226

Neste tipo de situações, a intervenção do Estado não pode ser adoptada por um operador privado com fim lucrativo, mas integra actos de poder público do Estado, como a política fiscal ou a política social (v., neste sentido, conclusões do advogado-geral Léger no processo na origem do acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, n.o 220 supra, n.os 20 e seguintes).

227

O mesmo vale no tocante aos encargos do Estado relacionados com o despedimento de trabalhadores, pagamentos de subsídios de desemprego e outras prestações sociais (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 21 de Janeiro de 1999, Neue Maxhütte Stahlwerke e Lech-Stahlwerke/Comissão, T-129/95, T-2/96 e T-97/96, Colect., p. II-17, n.o 119), bem como aos auxílios à recuperação do tecido industrial, aos empréstimos concedidos pelo Estado em condições inabituais ou ainda aos custos da reabilitação de um terreno necessária à criação de um parque tecnológico (v., neste sentido, acórdãos de , Espanha/Comissão, n.o 223 supra, n.o 22, e de , Alemanha/Comissão, n.o 185 supra, n.o 140; acórdão do Tribunal Geral de , Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, T-198/01, Colect., p. II-2717, n.o 108).

228

Com efeito, as intervenções do Estado que visam honrar as obrigações que lhe incumbem como poder público não podem ser comparadas às de um investidor privado em economia de mercado.

229

Para apreciar se as medidas tomadas pelo Estado se inserem nas suas prerrogativas de poder público ou resultam das obrigações que deve assumir como accionista, importa apreciar estas medidas, não em função da sua forma, mas sim em função da sua natureza, do seu objecto e das regras às quais estão sujeitas, tendo simultaneamente em conta o objectivo prosseguido pelas medidas em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 1994, SAT Fluggesellschaft, C-364/92, Colect., p. I-43, n.o 30).

230

Portanto, no caso de uma empresa cujo capital social é detido pelas autoridades públicas, há que apreciar se, em circunstâncias similares, um investidor privado de dimensão comparável à dos organismos que gerem o sector público poderia ter sido levado a proceder a entradas de capitais da mesma importância, com base nas possibilidades de rentabilidade previsíveis e abstraindo de qualquer consideração de carácter social ou de política regional ou sectorial (v., neste sentido, acórdãos de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, n.o 224 supra, n.o 14, e Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão, n.o 221 supra, n.o 38 e jurisprudência aí indicada).

231

Por último, cabe esclarecer que a circunstância de o comportamento do Estado accionista dever ser apreciada por comparação com o comportamento do investidor privado avisado, ao passo que o comportamento de um qualquer investidor privado não está sujeito a tal obrigação, não constitui uma ruptura da igualdade de tratamento entre o Estado e tal investidor privado, posto que o Estado accionista não se encontra na mesma situação que o investidor privado. Com efeito, diversamente do investidor privado que só pode contar com os seus próprios recursos para financiar os seus investimentos, o Estado tem acesso a recursos financeiros que resultam do exercício do poder público, designadamente aos provenientes dos impostos (acórdão Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein-Westfalen/Comissão, n.o 101 supra, n.os 271 e 272).

232

Consequentemente, a simples circunstância de o Estado ter acesso a recursos financeiros que resultam do exercício do poder público não permite justificar, por si só, que as actuações do Estado sejam consideradas inseridas nas suas prerrogativas de poder público. Com efeito, em semelhante hipótese, a aplicação do critério do investidor privado avisado ao comportamento do Estado accionista correria o risco de ficar reduzida a nada ou, no mínimo, de ser restringida de modo desproporcional, posto que, enquanto Estado, recorre necessariamente a recursos financeiros que resultam do exercício do poder público, em especial, a recursos fiscais.

233

Vistas as precedentes considerações, há que apurar, tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto, se a participação ou a intervenção pública no capital da empresa beneficiária prossegue um objectivo económico que poderia igualmente ser prosseguido por um investidor privado, e é, pois, efectuada pelo Estado enquanto operador económico ao mesmo título que um operador privado, ou se, pelo contrário, está justificada pela prossecução de um objectivo de interesse público e deve ser considerada uma forma de intervenção do Estado como poder público, caso em que o comportamento do Estado não pode ser comparado ao de um operador ou de um investidor privado em economia de mercado.

234

Assim, há que considerar que, se a intervenção do Estado, à luz da sua natureza e do seu objecto e tendo em conta o objectivo prosseguido, não constitui um investimento realizável por um investidor privado, esta intervenção é susceptível de constituir uma intervenção do Estado enquanto poder público, excluindo, pois, a aplicação do critério do investidor privado avisado.

235

Em contrapartida, se a intervenção do Estado, à luz da sua natureza e do seu objecto e tendo em conta o objectivo prosseguido, constitui um investimento comparável àquele que realizaria um investidor privado, há que examinar esta intervenção aplicando o critério do investidor privado avisado. Este exame visa verificar se tal investidor teria procedido, em circunstâncias similares e com base nas possíveis previsões de rentabilidade, a um fornecimento de capital de igual importância, e isto independentemente da forma que assume esta intervenção do Estado e do facto de que tem acesso a recursos que decorrem do exercício do poder público, tais como os provenientes dos impostos, aos quais um investidor privado não poderia ter acesso.

236

Por outras palavras, importa examinar a medida, não em função unicamente da sua forma, mas em função da sua natureza, do seu objecto e dos seus objectivos, o que pressupõe considerá-la na integralidade dos seus aspectos, bem como tomar em consideração o contexto no qual se inscreve.

237

Donde resulta, por outro lado, que o facto de a intervenção do Estado assumir a forma de uma lei não pode bastar, por si só, para concluir pela impossibilidade de a intervenção do Estado no capital de uma empresa prosseguir um objectivo económico que poderia igualmente prosseguir um investidor privado.

238

No caso em apreço, está assente que a República Francesa era o único accionista da EDF em 1997.

239

Importa ainda recordar que, antes da adopção da Lei n.o 97-1026, o balanço da EDF se apresentava do seguinte modo:

figurava no activo uma rubrica intitulada «Imobilizações corpóreas do domínio concedido» com um montante de 285,7 mil milhões de FRF, dos quais cerca de 90 mil milhões de FRF a título da RAG;

figuravam no passivo, por um lado, uma rubrica intitulada «Provisões», na qual cerca de 38,5 mil milhões de FRF a título da RAG, que registava montantes destinados a despesas de renovação a realizar no futuro, e, por outro, uma rubrica intitulada «Contra-valor dos bens atribuídos em concessão», que registava as despesas de renovação efectivamente realizadas. Esta rubrica — que correspondia a uma dívida da EDF para com o Estado - elevava-se, antes da adopção da Lei n.o 97-1026, a 145,2 mil milhões de FRF, dos quais 18,3 mil milhões a título da RAG.

240

Está assente que, com a Lei n.o 97-1026, a República Francesa reestruturou o balanço da EDF e procedeu a uma recapitalização da empresa. Assim, na sequência desta operação, em primeiro lugar, os bens que constituem a RAG foram reclassificados, na medida de 90,325 mil milhões de FRF, como «bens próprios» da empresa. Em segundo lugar, as provisões para renovação da RAG não utilizadas, num montante de 38,521 mil milhões de FRF, foram contabilizadas como lucro não distribuído sem transitar pelo balanço de lucros e perdas e foram reclassificadas, na medida de 20,225 mil milhões de FRF, em nova afectação às perdas, ficando assim apurada esta conta e sendo o saldo de 18,296 mil milhões de FRF afectado às reservas. Estas reclassificações conduziram a uma tributação, em aplicação do artigo 38.o, n.o 2, do Código Geral dos Impostos. Por último, em terceiro lugar, os «direitos do concedente» - ou seja, o «Contra-valor dos bens atribuídos em concessão» - foram afectados directamente à rubrica das dotações em capital por um montante de 14,119 mil milhões de FRF (num total de 18,345 mil milhões de FRF) sem transitar pelo balanço dos resultados, sendo o saldo inscrito nas várias contas de reavaliação.

241

Porém, foi unicamente a não tributação dos «direitos do concedente» antes da dotação em capital que foi considerada um auxílio de Estado pela Comissão. Com efeito, nem o facto de se ter considerado a EDF proprietária da RAG desde 1956 de modo retroactivo, nem a reclassificação das provisões não utilizadas, a partir do momento em que tinham sido sujeitas ao imposto, nem a dotação em capital num montante de 14,119 mil milhões de FRF foram considerados um auxílio de Estado pela Comissão.

242

Importa observar que as partes, no seu conjunto, concordam que seria devido imposto sobre o montante de 14,119 mil milhões de FRF antes de este ser inscrito na rubrica intitulada «Dotação em capital». Independentemente do acerto desta análise, há que constatar que o regime fiscal que importava, em princípio, aplicar aos direitos do concedente não é, pois, colocado em causa pelas partes.

243

Há, porém, que referir que o artigo 4.o da Lei n.o 97-1026 tem por objecto reestruturar o balanço da EDF e aumentar os seus fundos próprios. Não se trata, pois, de disposições que tenham, em si, natureza fiscal, mas de disposições de natureza contabilística com incidências fiscais, como atesta o ofício enviado à EDF pelo ministro da Economia, das Finanças e da Indústria e os secretários de Estado do Orçamento e da Indústria em 22 de Dezembro de 1997.

244

Cabe, além disso, observar que a Comissão apenas examinou as incidências fiscais do artigo 4.o da Lei n.o 97-1026 e que esclareceu que não lhe incumbia ter em conta o aumento de capital realizado através destas disposições da lei, nem as explicações da República Francesa que visavam justificar a racionalidade económica da operação considerada no seu conjunto.

245

A Comissão justifica esta atitude com o carácter fiscal da vantagem que identificou e esclarece — e isto resulta tanto da decisão impugnada como dos seus articulados e das suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal — que o critério do investidor privado nunca poderia ser aplicado a um aumento de capital realizado pela via da renúncia a um crédito fiscal, resultando tal renúncia do exercício, pelo Estado, dos seus poderes de regulação ou ainda das suas prerrogativas de poder público.

246

Importa, consequentemente, examinar se um Estado-Membro, que é simultaneamente credor fiscal de uma empresa pública e seu único accionista, pode validamente invocar a aplicação do critério do investidor privado quando realiza um aumento de capital dessa empresa por renúncia a esse crédito fiscal ou se há que considerar que, tendo em conta a natureza fiscal do crédito e o facto de que o Estado fez uso das suas prerrogativas de poder público ao renunciar a este crédito, a Comissão tinha o direito de afastar a aplicação deste critério no tocante ao aumento de capital em causa.

247

A este respeito, há que considerar que, tendo em conta o objectivo de recapitalização da EDF prosseguido pela Lei n.o 97-1026, a simples natureza fiscal do crédito detido pelo Estado Francês face a esta empresa e o simples facto de ter recorrido à lei não permitem que a Comissão se recuse a verificar se, em circunstâncias similares, um investidor privado poderia ter sido levado a proceder a um aumento de capital da mesma importância e, portanto, se os capitais foram fornecidos pelo Estado em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado.

248

Conclui-se que a aplicação do critério do investidor privado não podia ser afastada apenas pelo motivo de o aumento de capital da EDF resultar da renúncia do Estado a um crédito fiscal que detinha sobre ela.

249

Com efeito, incumbia à Comissão, em tais circunstâncias, verificar se um investidor privado teria procedido, em circunstâncias similares, a um investimento comparável no tocante ao seu montante, independentemente da forma da intervenção do Estado para aumentar o capital da EDF e da eventual utilização de recursos fiscais para esse efeito, e isto a fim de verificar a racionalidade económica deste investimento e de o comparar ao comportamento que teria tido tal investidor no tocante à mesma empresa nas mesmas circunstâncias.

250

Esta obrigação da Comissão de verificar se os capitais foram fornecidos pelo Estado em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado existe, com efeito, independentemente da forma como estes capitais foram fornecidos pelo Estado, quer esta seja semelhante ou não àquela que teria podido ser utilizada por um investidor privado.

251

A apreciação das condições normais do mercado assenta numa análise económica comparativa do investimento realizado pelo Estado. A este respeito, importa analisar se um investidor privado teria efectuado um investimento de um montante similar perante perspectivas financeiras e de rentabilidade comparáveis. A forma através da qual é realizado este investimento — injecção directa de capital, por meio de fundos provenientes do imposto ou de empréstimos contraídos pelo Estado, ou conversão de dívidas em capital — é, com efeito, indiferente. Em contrapartida, não é possível excluir que, como sustentou a Comissão na audiência, a forma assumida pelo investimento conduza a diferenças em termos de custo de mobilização do capital e de rendimento deste último, que possam levar a considerar que um investidor privado não teria realizado tal investimento em condições comparáveis. Todavia, tal pressupõe uma análise económica no quadro da aplicação do critério do investidor privado à qual a Comissão deliberadamente renunciou no presente caso.

252

Ora, essa análise justificava-se, tendo em conta as circunstâncias do presente caso, uma vez que, por um lado, como argumentaram a EDF e a República Francesa e não contestou a Comissão, um aumento de capital pode resultar da incorporação de um crédito detido por um accionista privado sobre a empresa, o que concretamente permite o direito francês, e que, por outro lado, o recurso para esse efeito a uma lei podia ser considerado uma consequência necessária do facto de as próprias regras relativas ao capital da EDF estarem fixadas por lei, o que não foi contestado pela Comissão. Efectivamente, esta última circunstância, que caracteriza a natureza da medida controvertida, não era susceptível de pôr em causa a aplicação do critério do investidor privado ao caso em apreço.

253

Tendo em conta a necessidade de apreciar a medida controvertida no seu contexto, a Comissão não podia, por conseguinte, limitar-se a examinar as incidências fiscais das disposições adoptadas pela República Francesa sem examinar, simultaneamente — e, eventualmente, rejeitar no termo deste exame — o mérito da argumentação da República Francesa segundo a qual a renúncia ao crédito de imposto no quadro da operação de reestruturação do balanço e de aumento do capital da EDF, que constituía o objecto do artigo 4.o da Lei n.o 97-1026, podia ser considerada uma operação que satisfazia o critério do investidor privado.

254

A este respeito, em primeiro lugar, não pode ser acolhido o argumento da Comissão segundo o qual, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo Alemanha/Comissão (C-334/99, n.o 185 supra), o critério do investidor privado não podia ser aplicado, uma vez que o Estado Francês tinha exercido no caso em apreço as suas prerrogativas de poder público, tendo recorrido a uma lei para renunciar à cobrança de um crédito fiscal, e não se tinha, pois, comportado como um accionista privado.

255

É certo que resulta da jurisprudência que, para efeitos da aplicação do critério do investidor privado, há que fazer uma distinção entre as obrigações que o Estado deve assumir enquanto accionista de uma sociedade e as obrigações que sobre ele podem impender enquanto poder público (acórdão de 28 de Janeiro de 2003, Alemanha/Comissão, n.o 185 supra, n.o 134).

256

Mais especificamente, resulta dos acórdãos em que este critério foi aplicado (acórdãos de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, n.o 223 supra; de , Alemanha/Comissão, n.o 185 supra, e Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, n.o 227 supra) que, nos processos que conduziram a estes acórdãos, o facto de se tratar de obrigações que incumbiam ao Estado na sua qualidade de poder público não permitia a aplicação do critério do investidor privado no tocante aos encargos daí decorrentes. Com efeito, estes encargos referiam-se a custos resultantes do despedimento de trabalhadores, a pagamentos de subsídios de desemprego, a auxílios à reconstituição do tecido industrial, a empréstimos concedidos pelo Estado em condições inabituais e, por último, à reabilitação de um terreno para permitir a realização de um parque tecnológico. Não podiam, pois, ser tomados em conta no momento da apreciação do custo da liquidação de uma empresa em comparação com o da retoma dessa empresa, na medida em que resultavam de obrigações que não incumbiriam a um accionista privado.

257

Porém, no presente caso, diversamente das situações descritas no n.o 256 supra, como admitiu a Comissão na audiência, não existia uma obrigação em sentido estrito que incumbisse ao Estado enquanto poder público na acepção desta jurisprudência e não se tratava de apreciar determinados custos que decorressem para o Estado das suas obrigações de poder público.

258

Efectivamente, quando, como no caso em apreço, o Estado, único accionista de uma empresa, procede a um aumento do capital desta, a fim, nomeadamente, de remediar os desequilíbrios que afectam o balanço da empresa, é forçoso concluir que adopta um comportamento que poderia ter um investidor privado e não se pode excluir a priori que possa agir com uma finalidade comparável àquela que teria tal investidor. É a fim de estabelecer se tal é realmente o caso, o que permitiria excluir a qualificação de auxílio para a medida controvertida, que haverá que verificar se o critério do investidor privado está ou não satisfeito, o que a Comissão se recusou a fazer.

259

A este respeito, importa recordar que, por um lado, o artigo 4.o da Lei n.o 97-1026 tinha por finalidade reestruturar o balanço e aumentar os capitais próprios da EDF, o que tende a demonstrar que o Estado prosseguia um objectivo de investimento susceptível de ser comparado ao de um investidor privado, e que, por outro, o facto de o aumento de capital em causa resultar, em parte, da renúncia a um crédito fiscal e de ter, assim, incidências fiscais não justificava, por si só, o afastamento da aplicação do critério do investidor privado. Nestas circunstâncias, e tendo em conta o facto de que a intervenção da lei era necessária para efectuar os ajustamentos contabilísticos que conduziram à modificação dos capitais próprios da empresa, não se podia considerar no presente caso que a forma de intervenção do Estado excluía desde logo a aplicação do critério do investidor privado.

260

Em segundo lugar, há igualmente que rejeitar a argumentação da Comissão que consiste em sustentar que o critério do investidor privado não podia ser aplicado à conversão em capital de um crédito fiscal, pois um investidor privado nunca poderia deter tal tipo de crédito sobre uma empresa, mas unicamente um crédito de natureza cível ou comercial, e que haveria uma ruptura da igualdade de tratamento entre o Estado e esse investidor caso se procedesse a uma comparação destas duas situações. Acolher tal argumentação traduzir-se-ia em considerar que é unicamente no caso de o Estado deter um crédito de natureza cível ou comercial sobre uma empresa que poderá realizar tal operação em condições comparáveis às de um investidor privado.

261

Ora, o critério do investidor privado tem precisamente por objectivo verificar se, apesar do facto de o Estado dispor de meios de que não dispõe um investidor privado, este último teria, nas mesmas circunstâncias, tomado uma decisão de investimento comparável à do Estado. A natureza do crédito convertido em capital e, portanto, o facto de um investidor privado não poder deter um crédito fiscal são, pois, indiferentes no que respeita à questão de saber se o critério do investidor privado deve ou não ser aplicado.

262

O que conduz igualmente a rejeitar a argumentação da Comissão segundo a qual a operação se resume a uma «oferta fiscal» dada à EDF e não pode ser considerada um investimento. Efectivamente, como qualquer outro credor proprietário de uma sociedade, o Estado pode renunciar a um crédito convertendo esse crédito em capital de montante equivalente. Esta operação, por meio da qual o proprietário de uma sociedade aumenta o respectivo capital por renúncia a um crédito que detém sobre essa sociedade, constitui uma compensação que um investidor privado avisado é também susceptível de efectuar nas condições normais do mercado.

263

Por conseguinte, tendo em conta o conjunto das circunstâncias do caso em apreço, foi erradamente que a Comissão rejeitou a tese da República Francesa e a aplicação do critério do investidor privado com base na sua argumentação a que se refere o n.o 262 supra.

264

Em terceiro lugar, no que respeita à argumentação da Comissão segundo a qual um investidor privado deveria, por seu turno, ter pago o imposto numa situação comparável, por um lado, importa constatar que a decisão impugnada se limita a indicar que «[a] vantagem é necessariamente selectiva, uma vez que o não pagamento do imposto sobre as sociedades relativamente a uma parte destas provisões contabilísticas constitui uma excepção ao tratamento fiscal normalmente aplicável a uma operação deste tipo».

265

Por outro lado, cabe referir que, nos seus articulados e nas respostas às questões colocadas pelo Tribunal, a Comissão argumentou que um investidor privado deveria ter pago previamente o imposto se pretendesse proceder a um aumento de capital por incorporação do crédito que detinha sobre uma empresa da qual era accionista. Segundo a Comissão, daí teria necessariamente resultado um custo superior para o investidor privado, pois que, para entregar 100 euros, um investidor privado deveria na realidade mobilizar 141,66 euros. Segundo a Comissão, só o pagamento prévio deste imposto teria permitido a aplicação do critério do investidor privado para examinar a dotação em capital de 5,6 mil milhões de FRF.

266

Embora importe referir que tanto a República Francesa como a EDF reconheceram que, no caso em apreço, era devido um imposto pela EDF, há que realçar que contestam a interpretação dada pela Comissão ao direito fiscal francês e ao artigo 38.o, n.o 2, do Código Geral dos Impostos, em especial no que respeita às consequências fiscais de um fornecimento de capital realizado através da incorporação de um crédito pelo accionista de uma sociedade.

267

Com efeito. a República Francesa e a EDF sustentaram, nas suas respostas e nas suas alegações, que, nos termos do artigo 38.o, n.o 2, do Código Geral dos Impostos, a variação de activo líquido provocada por um aumento de capital por incorporação de um crédito detido sobre uma empresa por um accionista dessa empresa não deve ser tomada em conta no cálculo do imposto sobre as sociedades e que, consequentemente, nos termos desta disposição, esta conversão do crédito em capital não conduz a uma tributação que tenha como matéria colectável o montante desse crédito.

268

Como primeiro ponto, cabe recordar que, no n.o 51 da decisão de início, a própria Comissão considerou que, «dado […] que os aumentos de capital não são considerados um aumento do património líquido da sociedade para efeitos do cálculo do imposto sobre as sociedades, [a] requalificação [dos direitos do concedente em dotação em capital] consolidou o desagravamento fiscal do qual [beneficiou a EDF sobre estas provisões durante os anos de 1987-1996]».

269

Consequentemente, verifica-se que, neste número da decisão de início, a Comissão partilhava, pelo menos de um modo geral, da análise da República Francesa e da EDF sobre as consequências fiscais de uma variação do activo líquido resultante de um aumento de capital por incorporação de um crédito. Nesta perspectiva, o custo para um investidor privado em economia de mercado e o custo para o Estado revelam-se idênticos.

270

Como segundo ponto, a argumentação da Comissão conduz na realidade a examinar o custo global que suporta um investidor privado para investir 14,119 mil milhões de FRF — montante correspondente aos direitos do concedente — ao passo que a reclassificação dos direitos do concedente, por um montante de 14,119 mil milhões de FRF, não foi considerado pela Comissão como constituindo um auxílio — como também não o foi o facto de se considerar a EDF proprietária da RAG, que originariamente pertencia ao Estado — tendo na decisão impugnada sido tomada em consideração unicamente a renúncia à cobrança do imposto sobre estes mesmos direitos. A argumentação da Comissão, que conduz na realidade em integrar na análise o montante de 14,119 mil milhões de FRF, entra, de resto, em contradição com a vantagem identificada por esta na decisão impugnada. Esta argumentação deve, pois, ser rejeitada.

271

Como terceiro ponto, importa observar que a argumentação da Comissão é, em todo o caso, incoerente. Com efeito, a Comissão admite que teria examinado a dotação complementar em capital de 5,6 mil milhões de FRF se a EDF tivesse previamente pago este montante a título de imposto e seguidamente a República Francesa lhe tivesse restituído este mesmo montante, porque o custo respectivo para o Estado e para o investidor privado teria então — e somente então — podido ser comparado.

272

Ora, há que salientar que, nessa hipótese, o custo teria, na realidade, sido o mesmo para o Estado e o montante recebido pela EDF teria sido o mesmo que recebeu no quadro da solução pela qual optou a República Francesa na Lei n.o 97-1026. Com efeito, através desta lei, o Estado procedeu a uma dotação em capital que ascendeu a 14,119 mil milhões de FRF. Seguindo-se o raciocínio da Comissão, o custo desta operação seria unicamente de 14,119 mil milhões de FRF, ao passo que, se a EDF tivesse pago o imposto, o custo para o Estado teria sido diferente e o critério do investidor privado teria podido ser aplicado. Porém, é forçoso constatar que, se o Estado tivesse injectado 14,119 mil milhões de FRF no capital da EDF, tivesse seguidamente cobrado um imposto no montante de 5,6 mil milhões de FRF, antes de devolver este mesmo montante à EDF, o custo global para o Estado teria sido sempre de 14,119 mil milhões de FRF — sendo o montante do imposto cobrado neutralizado pelo montante idêntico restituído à EDF. Quanto à EDF, teria recebido um total de 14,119 mil milhões de FRF, ou seja, um montante idêntico ao que recebeu em aplicação da Lei n.o 97-1026.

273

Como quarto ponto, supondo que a interpretação do direito fiscal francês avançada pela Comissão — e, em especial, a interpretação do artigo 38,.o, n.o 2, do Código Geral dos Impostos — é exacta e que a interpretação dada pelas autoridades francesas a este mesmo direito está errada, haveria que considerar que o custo da dotação em capital por incorporação do crédito feita por um investidor privado, se este estava efectivamente obrigado a pagar o imposto em tal caso, seria, para ele, de 5,6 mil milhões de FRF.

274

Todavia, há que observar que, com a renúncia à cobrança de um imposto no montante de 5,6 mil milhões de FRF, no momento da reclassificação dos direitos do concedente em dotação em capital, o Estado teria suportado um custo que teria ascendido de modo absolutamente evidente também a 5,6 mil milhões de FRF, não estando a renúncia a um crédito fiscal desprovida de custos para o Estado, contrariamente ao que sustenta a Comissão. Teria, pois, resultado indubitavelmente um custo idêntico ao suportado pelo investidor privado. Consequentemente, a diferença do custo alegada pela Comissão não está estabelecida, tal como também não estão as consequências que ela daí retira no respeitante à aplicação do critério do investidor privado.

275

Cabe ainda observar que só a aplicação do critério do investidor privado permitiria verificar e, eventualmente, estabelecer a existência de uma eventual diferença do custo.

276

Como quinto ponto, mesmo que o custo de uma recapitalização de 14,119 mil milhões de FRF — que não constitui um auxílio segundo a Comissão — fosse de 0 FRF para o Estado e fosse de 5,6 mil milhões de FRF para um investidor privado, esta diferença do custo não impediria, em todo o caso, a aplicação do critério do investidor privado. Efectivamente, incumbiria nesse caso à Comissão verificar, por aplicação deste critério, se tal investidor privado teria suportado um custo de 5,6 mil milhões de FRF para proceder a tal recapitalização e não estaria excluído que, no termo deste exame, a Comissão chegasse à conclusão de que não era esse o caso, embora isso implique que tivesse previamente procedido a tal análise.

277

Finalmente, na medida em que, com este argumento, a Comissão procure na realidade, por um lado, demonstrar que daí teria resultado um custo diferente para a EDF, obrigada a pagar o imposto num caso e não no outro, o que poderia afectar o valor da empresa e, por outro lado, em caso de pagamento do imposto, a excluir que um investidor privado tivesse efectivamente investido esse montante na empresa enquanto o Estado se teria contentado em renunciar ao seu crédito fiscal, é imperioso observar que tal argumento tem por objecto estabelecer que o custo do investimento e as suas eventuais perspectivas de rendimento eram diferentes para o Estado e para um investidor privado. Ora, para tomar este elemento em consideração, teria sido necessário aplicar o critério do investidor privado, o que a Comissão se recusou a fazer.

278

Em quarto lugar, deve ser rejeitado o argumento apresentado na audiência pela Comissão, segundo o qual não existiria um investidor privado de referência que pudesse mobilizar capitais tão importantes como o Estado, pois, antes de mais, a Comissão não estabeleceu de modo algum a inexistência de um investidor privado de referência com o qual comparar, no presente caso, o investidor público. Seguidamente, a inexistência de um investidor privado de referência não impede que seja necessário examinar a operação à luz das «condições normais do mercado», devendo estas, que são necessariamente hipotéticas, ser apreciadas por referência aos elementos objectivos e verificáveis disponíveis (v., neste sentido, acórdão Chronopost e o./Ufex e o., n.o 172 supra, n.o 38).

279

Em quinto lugar, há que constatar que a Comissão não aduziu qualquer elemento para alicerçar a sua argumentação — desenvolvida pela primeira vez na audiência e contestada pela República Francesa — segundo a qual um aumento de capital não podia, em direito francês, ser realizado por incorporação de um crédito fiscal. Esta argumentação não pode, pois, ser acolhida.

280

Em sexto lugar, a argumentação da Comissão — apresentada igualmente pela primeira vez na audiência — segundo a qual o imposto deveria ter aparecido no balanço da empresa, deve ser rejeitada por duas razões.

281

Por um lado, esta argumentação visa na realidade imputar à República Francesa um incumprimento da Directiva 80/723/CEE da Comissão, de 25 de Junho de 1980, relativa à transparência das relações financeiras entre os Estados-Membros e as empresas públicas (JO L 195, p. 35; EE 08 F2 p. 75). Supondo que tal incumprimento pode ser imputado à República Francesa, é também verdade que não tem qualquer relação com a argumentação desenvolvida pela Comissão nos considerandos 96 e 97 da decisão impugnada e em nada influi a questão de saber se havia que aplicar o critério do investidor privado.

282

Por outro lado, a Comissão não conseguiu explicar em que balanço deveria ter aparecido o imposto que era devido. Efectivamente, antes de ter sido adoptada a Lei n.o 97-1026 e a EDF ter sido considerada proprietária da RAG, não era devido nenhum imposto. Seguidamente, tendo a República Francesa renunciado a cobrar o imposto, este já não era devido e, consequentemente, não teria podido aparecer no balanço como uma dívida da empresa.

283

Finalmente, em sétimo lugar, no que concerne à argumentação da Comissão segundo a qual admitir a aplicação do critério do investidor privado poderá conduzir a validar todas as formas de isenção fiscal instituídas pelos Estados-Membros, pois satisfarão sempre este critério, como primeiro ponto, há que recordar que não estamos na presença de uma simples isenção fiscal concedida a uma empresa, mas sim da renúncia a um crédito fiscal no quadro de um aumento de capital de uma empresa da qual o Estado é o único accionista. Como segundo ponto, não é possível antecipar o resultado da aplicação deste critério, pois, se assim não fosse, seria inútil ou inadequado. Como terceiro ponto, não se pode excluir, de qualquer maneira, que, no presente caso, a aplicação do critério do investidor privado possa conduzir a considerar que a intervenção do Estado não correspondia ao comportamento que teria podido ter um investidor privado. A argumentação da Comissão está, pois, desprovida de pertinência.

284

Em conclusão, nenhum argumento aduzido pela Comissão, apoiada pela Iberdrola, pode ser acolhido e há que considerar que, tendo recusado examinar a medida controvertida no seu contexto e aplicar o critério do investidor privado, a Comissão cometeu um erro de direito e violou o artigo 87.o CE.

285

Uma vez que o Tribunal Geral concluiu que foi erradamente que a Comissão rejeitou a aplicação deste critério, incumbe a esta instituição tomar as medidas que comporta a execução do acórdão. O juiz comunitário, conhecendo de um recurso de anulação, não é, com efeito, competente, em matéria de auxílios de Estado, para reformar as decisões cuja legalidade fiscaliza e, concretamente, para proceder ele próprio à análise que implica a aplicação do critério do investidor privado. Se entender que há motivo para tal, incumbe, pois, à Comissão adoptar uma nova decisão no respeito das considerações desenvolvidas nos n.os 220 a 253 supra.

286

Atentas as precedentes considerações, há que anular os artigos 3.o e 4.o da decisão impugnada por violação do artigo 87.o CE, sem que haja necessidade de examinar os outros fundamentos e partes de fundamentos invocados pela recorrente, nem os pedidos de medidas de organização do processo relativos ao «Relatório Oxera».

Quanto às despesas

287

Nos termos do artigo 87.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas da recorrente, em conformidade com os pedidos desta.

288

Nos termos do artigo 87.o, n.o 4, primeiro parágrafo, os Estados-Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Donde resulta que a República Francesa deve suportar as suas próprias despesas.

289

Nos termos do artigo 87.o, n.o 4, terceiro parágrafo, o Tribunal pode determinar que um interveniente suporte as respectivas despesas. No presente caso, a Iberdrola, que interveio em apoio da Comissão, suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

 

1)

Os artigos 3.o e 4.o da decisão da Comissão relativa aos auxílios estatais concedidos pela França à EDF e ao sector industrial da electricidade e do gás (C 68/2002, N 504/2003 e C 25/2003), adoptada em 16 de Dezembro de 2003, são anulados.

 

2)

A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas e as da Electricidade de France (EDF).

 

3)

A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

 

4)

A Iberdrola, SA suportará as suas próprias despesas.

 

Azizi

Cremona

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Dezembro de 2009.

Assinaturas

Índice

 

Quadro jurídico

 

Regras do Tratado CE

 

Regulamento (CE) n.o 659/1999

 

Direito francês aplicável

 

Factos na origem do litígio

 

Contexto geral do processo

 

Procedimento administrativo

 

Decisão impugnada

 

Tramitação processual e pedidos das partes

 

Questão de direito

 

Quanto ao primeiro fundamento, relativo, por um lado, à violação do artigo 20.o do Regulamento n.o 659/1999 e, por outro, à violação dos direitos de defesa

 

Argumentos das partes

 

Apreciação do Tribunal

 

— Quanto à violação dos direitos de defesa

 

— Quanto à violação dos direitos processuais do beneficiário do auxílio como parte interessada

 

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 87.o CE pela Comissão

 

Quanto à primeira parte, relativa à não tomada em consideração da «sub-compensação» dos custos de serviço público suportados pela EDF

 

— Argumentos das partes

 

— Apreciação do Tribunal

 

Quanto à segunda parte, relativa à ausência de afectação das trocas comerciais entre os Estados-Membros

 

— Argumentos das partes

 

— Apreciação do Tribunal

 

Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa, por um lado, à qualificação das medidas em causa como dotação em capital e, por outro, ao comportamento de investidor privado avisado em economia de mercado adoptado pelo Estado no quadro da sua implementação

 

— Argumentos das partes

 

— Apreciação do Tribunal

 

Quanto às despesas


( *1 ) Língua do processo: francês.