Processo C‑411/04 P

Salzgitter Mannesmann GmbH, anteriormente Mannesmannröhren‑Werke GmbH

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado dos tubos de aço sem costura – Processo equitativo – Elementos de prova de origem anónima – Coima – Cooperação – Igualdade de tratamento»

Conclusões do advogado‑geral L. A. Geelhoed apresentadas em 12 de Setembro de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 25 de Janeiro de 2007 

Sumário do acórdão

1.     Concorrência – Processo administrativo – Direito a um processo equitativo

2.     Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Apreciação errada dos factos – Inadmissibilidade – Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos elementos de prova – Exclusão excepto em caso de desvirtuação

(Artigo 225.° CE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 51.º)

3.     Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Competência do Tribunal de Justiça

(Artigo 81.º, n.º 1, CE; Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)

4.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação da Comissão 96/C 207/04, ponto D 2)

1.     O princípio nos termos do qual qualquer pessoa tem direito a um processo equitativo é um princípio geral de direito comunitário.

Este princípio inspira‑se nos direitos fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais de direito comunitário, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, inspirando‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros bem como nas indicações fornecidas, nomeadamente, pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Nos processos do direito comunitário da concorrência, a prova testemunhal apenas desempenha um papel acessório, ao passo que os documentos escritos desempenham um papel principal.

A produção de prova nos processos do direito comunitário da concorrência caracteriza‑se pelo facto de os documentos examinados conterem muitas vezes segredos comerciais ou outras informações que não podem ser divulgadas ou que só o podem ser sob reserva de importantes restrições.

Nestas condições específicas aos inquéritos da Comissão relativos às práticas anticoncorrenciais, o princípio de que qualquer pessoa tem direito a um processo equitativo não pode ser interpretado no sentido de que os documentos que contêm elementos de prova de uma acusação devem automaticamente ser excluídos como meio de prova quando determinadas informações deverem permanecer confidenciais. Esta confidencialidade pode igualmente incidir sobre a identidade dos autores dos documentos, bem como das pessoas que os transmitiram à Comissão.

(cf. n.os 40‑44)

2.     No âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal de Justiça não tem competência para apurar os factos nem, em princípio, para examinar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou determinantes no apuramento desses factos. Com efeito, quando estas provas tiverem sido obtidas regularmente e tendo sido respeitados os princípios gerais de direito e as regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova, é da competência exclusiva do Tribunal de Primeira Instância apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Esta apreciação não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados ao Tribunal de Primeira Instância, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça.

(cf. n.o 55)

3.     Embora, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, por motivos de equidade, o Tribunal de Justiça não se possa substituir ao Tribunal de Primeira Instância quando este se tenha pronunciado, no exercício da sua competência de plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido à violação, por estas, do direito comunitário, em contrapartida, o exercício dessa competência não pode implicar, no momento da fixação do montante dessas coimas, uma discriminação entre as empresas que participaram num acordo ou numa prática concertada contrária ao artigo 85.°, n.° 1, CE.

No entanto, o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, sob pena de inadmissibilidade do referido fundamento.

(cf. n.os 68, 69)

4.     Na aplicação da Comunicação da Comissão sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas, é necessário efectuar uma distinção entre, por um lado, o reconhecimento expresso de uma infracção e, por outro, a simples não contestação da mesma, que não contribui para facilitar a tarefa da Comissão que consiste em detectar e reprimir as infracções às regras comunitárias da concorrência, pelo que o tratamento diferente dado a duas empresas que participaram na mesma infracção, uma das quais procedeu ao referido reconhecimento e outra não, não pode constituir uma discriminação.

(cf. n.o 71)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de Janeiro de 2007 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado dos tubos de aço sem costura – Processo equitativo – Elementos de prova de origem anónima – Coima – Cooperação – Igualdade de tratamento»

No processo C‑411/04 P,

que tem por objecto um recurso nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 23 de Setembro de 2004,

Salzgitter Mannesmann GmbH, anteriormente Mannesmannröhren‑Werke GmbH, com sede em Mülheim an der Ruhr (Alemanha), representada por M. Klusmann e F. Wiemer, Rechtsanwälte,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Whelan e H. Gading, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑J. Freund, Rechtsanwalt, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, K. Lenaerts, E. Juhász, K. Schiemann e M. Ilešič (relator), juízes,

advogado‑geral: L. A. Geelhoed,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Dezembro de 2005,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de Setembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       Através do presente recurso, a sociedade Salzgitter Mannesmann GmbH, antiga Mannesmannröhren‑Werke GmbH e, anteriormente ainda, Mannesmannröhren‑Werke AG (a seguir «Mannesmann» ou «recorrente»), pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 8 de Julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão (T‑44/00, Colect., p. II‑2223, a seguir «acórdão recorrido»), na medida em que este negou provimento ao recurso por ela interposto da Decisão 2003/382/CE da Comissão, de 8 de Dezembro de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo IV/E‑1/35.860‑B – Tubos de aço sem costura) (JO 2003, L 140, p. 1, a seguir «decisão controvertida»).

 Decisão controvertida

 Acordo

2       A decisão controvertida da Comissão das Comunidades Europeias tem por destinatárias oito empresas produtoras de tubos de aço sem costura. Entre estas empresas figuram quatro sociedades europeias (a seguir «produtores comunitários»): a Mannesmann, a Vallourec SA (a seguir «Vallourec»), a Corus UK Ltd (anteriormente British Steel Ltd, a seguir «Corus») e a Dalmine SpA (a seguir «Dalmine»). As outras quatro destinatárias da referida decisão são sociedades japonesas (a seguir «produtores japoneses»): a NKK Corp., a Nippon Steel Corp., a Kawasaki Steel Corp. e a Sumitomo Metal Industries Ltd (a seguir «Sumitomo»).

3       Os tubos de aço sem costura são utilizados na indústria petrolífera e do gás e abrangem duas grandes categorias de produtos.

4       A primeira dessas categorias é a dos tubos de sondagem, normalmente denominados «Oil Country Tubular Goods» ou «OCTG». Estes tubos podem ser vendidos sem rosca («tubos lisos») ou com rosca. A roscagem é uma operação destinada a permitir a junção dos tubos OCTG. Pode ser realizada em conformidade com os padrões adoptados pelo American Petroleum Institute (API), sendo os tubos roscados segundo este método denominados «tubos OCTG comuns», ou efectuada segundo técnicas especiais, normalmente protegidas por patentes. Neste último caso, fala‑se de roscagem ou, sendo necessário, de «juntas de primeira qualidade» ou «premium», sendo os tubos roscados segundo este método denominados «tubos OCTG premium».

5       A segunda categoria de produtos é constituída por tubos de transporte de petróleo e de gás («line pipe»), entre os quais se encontram, por um lado, os fabricados em conformidade com normas‑padrão e, por outro, os realizados por medida no âmbito de projectos específicos (a seguir «tubos de transporte ‘projecto’»).

6       Em Novembro de 1994, a Comissão decidiu proceder a um inquérito sobre a existência de práticas anticoncorrenciais relativas a esses produtos. Em Dezembro do mesmo ano, procedeu a verificações junto de várias empresas, entre as quais a Mannesmann. Entre Setembro de 1996 e Dezembro de 1997, a Comissão procedeu a verificações complementares junto da Vallourec, da Dalmine e da Mannesmann. Numa verificação efectuada junto da Vallourec em 17 de Setembro de 1996, o presidente da Vallourec Oil & Gas, P. Verluca, fez determinadas declarações (a seguir «declarações de P. Verluca»). Numa verificação junto da Mannesmann em Abril de 1997, o dirigente desta empresa, Sr. Becher, também fez declarações (a seguir «declarações do Sr. Becher»).

7       A Comissão enviou igualmente pedidos de informações a várias empresas, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22). A Dalmine recusou‑se a comunicar determinadas informações solicitadas, pelo que lhe foi dirigida a Decisão C(97) 3036 da Comissão, de 6 de Outubro de 1997, relativa a um processo de aplicação do artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17. A Dalmine interpôs recurso de anulação dessa decisão, o qual foi declarado manifestamente inadmissível por despacho do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Junho de 1998, Dalmine/Comissão (T‑596/97, Colect., p. II‑2383). A Mannesmann recusou‑se igualmente a fornecer algumas das informações solicitadas pela Comissão. Não obstante a adopção, a seu respeito, da Decisão C(98) 1204 da Comissão, de 15 de Maio de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17 (a seguir «decisão de 15 de Maio de 1998»), a Mannesmann manteve a recusa. A Mannesmann interpôs recurso desta decisão no Tribunal de Primeira Instância. Por acórdão de 20 de Fevereiro de 2001, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão (T‑112/98, Colect., p. II‑729), o Tribunal de Primeira Instância anulou parcialmente a referida decisão e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

8       Tendo em conta as declarações de P. Verluca e do Sr. Becher, bem como outros elementos de prova, a Comissão concluiu, na decisão controvertida, que as oito empresas destinatárias desta tinham celebrado um acordo que tinha por objectivo, nomeadamente, o respeito mútuo dos mercados nacionais. Nos termos deste acordo, cada empresa tinha‑se obrigado a não vender tubos OCTG comuns e tubos de transporte «projecto» no mercado nacional de outra parte no referido acordo.

9       O acordo foi celebrado no âmbito de reuniões entre produtores comunitários e japoneses, conhecidas pelo nome de «clube Europa‑Japão».

10     O princípio do respeito dos mercados nacionais era designado pela expressão «regras fundamentais» («fundamentals»). A Comissão observou que as regras fundamentais tinham sido efectivamente respeitadas e que, portanto, o acordo em questão produziu efeitos anticoncorrenciais no mercado comum.

11     O acordo incluía, no total, três vertentes, sendo a primeira representada pelas regras fundamentais relativas ao respeito dos mercados nacionais, a que se aludiu supra, as quais constituem a infracção considerada no artigo 1.° da decisão controvertida, a segunda constituída pela fixação dos preços para os concursos públicos e de preços mínimos para os «mercados especiais» («special markets») e a terceira consistia na repartição dos outros mercados mundiais, com excepção do Canadá e dos Estados Unidos da América, através de chaves de repartição («sharing keys»).

12     Quanto à existência das regras fundamentais, a Comissão baseou‑se num feixe de indícios documentais enumerados nos n.os 62 a 67 dos fundamentos da decisão controvertida e no quadro que consta do seu n.° 68. Resulta deste quadro que a quota do produtor nacional nos fornecimentos efectuados pelas destinatárias da decisão controvertida no Japão e no mercado nacional de cada um dos quatro produtores comunitários é bastante elevada. Daí a Comissão infere que, no conjunto, os mercados nacionais foram efectivamente respeitados pelas partes no acordo.

13     Os membros do clube Europa‑Japão reuniram‑se em Tóquio, em 5 de Novembro de 1993, para tentar chegar a um novo acordo de repartição dos mercados com os produtores da América Latina. O conteúdo do acordo concluído nessa ocasião figura num documento remetido à Comissão em 12 de Novembro de 1997, por um informador terceiro no processo, que contém, designadamente, uma «chave de repartição» (a seguir «documento ‘chave de repartição’»).

 Duração do acordo

14     O clube Europa‑Japão reuniu‑se a partir de 1977, cerca de duas vezes por ano, isto até 1994.

15     No entanto, a Comissão considerou que havia que tomar o ano de 1990 como ponto de partida do acordo para efeitos da fixação do montante das coimas, tendo em conta a existência, entre 1977 e 1990, de acordos de autolimitação das exportações celebrados entre a Comunidade Europeia e o Japão. Segundo a Comissão, a infracção terminou em 1995.

 Coimas

16     Para efeitos da fixação do montante das coimas, a Comissão qualificou a infracção de muito grave, com base no facto de o acordo visar o respeito dos mercados nacionais e prejudicar, deste modo, o bom funcionamento do mercado interno. Em contrapartida, observou que as vendas de tubos de aço sem costura pelas empresas destinatárias da decisão controvertida nos quatro Estados‑Membros em causa ascendiam apenas a cerca de 73 milhões de euros por ano.

17     Face a estes elementos, a Comissão fixou o montante da coima, pela gravidade da infracção, em 10 milhões de euros para cada uma das oito empresas. Sendo todas elas de grande dimensão, a Comissão considerou que não havia, por conseguinte, motivo para uma diferenciação entre os montantes decididos.

18     Considerando que a infracção foi de duração média, a Comissão aplicou uma majoração de 10%, por ano de participação no acordo, ao montante decidido a título da gravidade para fixar o montante de base da coima aplicada a cada empresa em causa. No entanto, tendo em conta que o sector dos tubos de aço registou uma situação de crise prolongada e tendo em conta que a situação deste sector se deteriorou a partir de 1991, a Comissão reduziu os referidos montantes de base em 10%, a título de circunstâncias atenuantes.

19     Por último, a Comissão aplicou uma redução de 40% ao montante da coima aplicada à Vallourec, bem como uma redução de 20% ao montante da aplicada à Dalmine, ao abrigo do ponto D 2 da Comunicação da Comissão sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»), de modo a ter em conta o facto de estas duas empresas terem cooperado com a Comissão na fase do procedimento administrativo.

 Parte decisória da decisão controvertida

20     Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da decisão controvertida, as oito empresas suas destinatárias «[…] infringiram o disposto no n.° 1 do artigo 81.° do Tratado CE, ao participarem […] num acordo que previa, nomeadamente, o respeito do mercado nacional respectivo no que se refere aos tubos OCTG […] comuns e aos [tubos de transporte ‘projecto’] sem costura».

21     O artigo 1.°, n.° 2, dessa decisão dispõe que a infracção se verificou entre 1990 e 1995, no que diz respeito à Mannesmann, à Vallourec, à Dalmine, à Sumitomo, à Nippon Steel Corp., à Kawasaki Steel Corp. e à NKK Corp. Quanto à Corus, indica‑se que a infracção se verificou entre 1990 e Fevereiro de 1994.

22     As outras disposições pertinentes da parte decisória da decisão controvertida têm a seguinte redacção:

«Artigo 2.°

1.      A [Mannesmann], a Vallourec [...], a [Corus] e a Dalmine [...] infringiram o disposto no n.° 1 do artigo 81.° do Tratado CE, ao concluírem, no âmbito da infracção mencionada no artigo 1.°, contratos que deram origem a uma repartição dos fornecimentos de tubos OCTG lisos à [Corus] (Vallourec [...] a partir de 1994).

2.      Quanto à [Corus], a infracção verificou‑se entre 24 de Julho de 1991 e Fevereiro de 1994. Quanto à Vallourec [...], a infracção verificou‑se entre 24 de Julho de 1991 e 30 de Março de 1999. No que diz respeito à Dalmine [...], a infracção verificou‑se entre 4 de Dezembro de 1991 e 30 de Março de 1999. Em relação à [Mannesmann], a infracção verificou‑se entre 9 de Agosto de 1993 e 24 de Abril de 1997.

[...]

Artigo 4.°

São aplicadas às empresas enunciadas no artigo 1.°, devido à infracção declarada no referido artigo, as seguintes coimas:

1.      [Mannesmann] 13 500 000 EUR

2.      Vallourec [...] 8 100 000 EUR

3.      [Corus] 12 600 000 EUR

4.      Dalmine [...] 10 800 000 EUR

5.      Sumitomo [...] 13 500 000 EUR

6.      Nippon Steel [...] 13 500 000 EUR

7.      Kawasaki Steel [...] 13 500 000 EUR

8.      NKK [...] 13 500 000 EUR.»

 Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

23     Por petições que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, sete das oito empresas punidas pela decisão controvertida, entre as quais a Mannesmann, interpuseram recurso, pedindo todas elas a anulação, total ou parcial, dessa decisão e, a título subsidiário, a anulação da coima que lhes foi aplicada ou a redução do seu montante.

24     No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância:

–       anulou o artigo 1.°, n.° 2, da decisão controvertida, na parte em que considerou provada a existência da infracção imputada por este artigo à Mannesmann antes de 1 de Janeiro de 1991;

–       fixou o montante da coima aplicada à Mannesmann em 12 600 000 EUR;

–       negou provimento ao recurso quanto ao restante;

–       condenou cada uma das partes no pagamento das respectivas despesas.

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

25     Em sede de recurso, a Mannesmann concluiu pedindo que o Tribunal de Justiça:

–       anule o acórdão recorrido na parte em que negou provimento ao recurso interposto contra a decisão controvertida;

–       anule a decisão controvertida;

–       a título subsidiário, reduza a coima fixada no artigo 4.° da decisão controvertida e os juros de mora fixados no seu artigo 5.°;

–       ainda a título subsidiário, remeta o processo para o Tribunal de Primeira Instância, para efeitos de pronúncia, por este, de uma nova decisão com base na decisão do Tribunal de Justiça;

–       condene a Comissão nas despesas.

26     A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao presente recurso e que condene a recorrente nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

27     A Mannesmann alega três fundamentos de anulação, relativos, respectivamente, à violação do direito a um processo equitativo, à aplicação incorrecta do artigo 81.° CE ao artigo 2.° da decisão controvertida e à violação do princípio da igualdade de tratamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do direito a um processo equitativo

 Argumentos das partes

28     Segundo a Mannesmann, o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que o documento «chave de repartição», mencionado no n.° 13 do presente acórdão e no qual a Comissão baseou a decisão controvertida, nomeadamente os n.os 85 e 86 dos seus fundamentos, era admissível enquanto elemento de prova de acusação.

29     O Tribunal de Primeira Instância violou assim o direito a um processo equitativo. Com efeito, uma vez que esse documento foi entregue à Comissão por um terceiro desconhecido da Mannesmann, esta última não pôde verificar a autenticidade do referido documento e não pôde defender‑se utilmente.

30     Por outro lado, uma vez que esse terceiro afirmou à Comissão que tinha obtido o documento «chave de repartição» de um agente comercial de uma das empresas em causa, sem o identificar, a Comissão também não conhece a identidade da pessoa que está na origem do documento.

31     Segundo a Mannesmann, resulta da jurisprudência que um elemento de prova não é aproveitável se o seu autor não for revelado. O Tribunal de Primeira Instância não interpretou correctamente essa jurisprudência, segundo a qual, na apreciação dos elementos de prova, há que verificar a sua origem. A este respeito, a Mannesmann observa que não está excluído que terceiros transmitam à Comissão elementos de prova falsificados, para prejudicar uma empresa por motivos pessoais ou comerciais. Por conseguinte, a empresa em causa deve poder tomar posição sobre a credibilidade do informador.

32     A Mannesmann invoca igualmente a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao direito a um processo equitativo, que está consagrada no artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Segundo esta jurisprudência, o arguido deverá não só poder contestar a autenticidade das declarações anónimas mas também a credibilidade da pessoa protegida pelo anonimato. Além disso, esta jurisprudência confirma que, embora a utilização de declarações anónimas seja admissível na fase de investigação de um processo, tais declarações não podem ser utilizadas como elementos de prova contra o acusado.

33     A recorrente invoca igualmente os artigos 46.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice em 7 de Dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1, a seguir «Carta»), que correspondem ao artigo 6.° da CEDH e garantem o direito a um processo equitativo. Salienta que, por força do seu artigo 52.°, n.° 3, a Carta deve ser interpretada pelos órgãos jurisdicionais de forma a garantir um nível de protecção não inferior ao oferecido pela CEDH.

34     Além disso, a Mannesmann considera que a utilização de um elemento de prova de origem anónima é incompatível com o princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 6.°, n.° 1, UE. Com efeito, se não se puder verificar que o referido elemento de prova foi efectivamente transmitido à Comissão por um terceiro, há um risco de manipulação e de arbitrariedade.

35     Segundo a Comissão, este fundamento é inadmissível porque a recorrente suscita, pela primeira vez, uma violação da CEDH, ao passo que no Tribunal de Primeira Instância alegou, de forma geral, a violação dos direitos de defesa. Além disso, a Mannesmann não pode acusar a Comissão de ter violado a Carta, uma vez que esta apenas foi proclamada em 7 de Dezembro de 2000, ao passo que a decisão controvertida tem a data de 8 de Dezembro de 1999.

36     Em todo o caso, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem referida pela Mannesmann não é pertinente para o presente processo, uma vez que se refere à utilização de declarações anónimas no âmbito de um processo penal, ao passo que o presente processo diz respeito à aplicação de uma coima no âmbito do direito da concorrência.

37     Em seguida, a Comissão alega que só se pode considerar que há violação dos direitos de defesa se o Tribunal de Primeira Instância puder apreciar os elementos de prova que lhe são submetidos, com base em informações a respeito das quais a defesa não se pôde pronunciar. Ora, a Mannesmann pôde pronunciar‑se sobre os argumentos alegados pela Comissão nos n.os 121 e 122 da decisão controvertida, relativos à autenticidade do documento em questão. Além disso, o anonimato do autor deste documento e do terceiro que o transmitiu à Comissão não impediu a recorrente de verificar a plausibilidade e a pertinência do conteúdo do referido documento.

38     A Comissão acrescenta que o Tribunal de Primeira Instância só atribuiu ao documento em questão uma fiabilidade limitada, porque, precisamente, o contexto da sua redacção era amplamente desconhecido. Se o Tribunal de Primeira Instância reconheceu, contudo, determinado valor probatório a esse documento, isso deveu‑se ao facto de este conter informações especiais que coincidiam com as informações contidas noutros documentos.

39     Por último, a Comissão alega que, mesmo que não estivesse habilitada a utilizar o referido documento como prova de acusação, esta circunstância em nada alteraria a constatação das infracções descritas nos artigos 1.° e 2.° da decisão controvertida. Com efeito, a exclusão de determinados documentos utilizados pela Comissão em violação dos direitos de defesa só teria importância na medida em que as acusações formuladas pela Comissão só pudessem ser provadas por referência a esses documentos, o que não se verifica no presente processo.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

40     O Tribunal de Justiça reconheceu o princípio geral de direito comunitário nos termos do qual qualquer pessoa tem direito a um processo equitativo (acórdãos de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 21; de 11 de Janeiro de 2000, Países Baixos e Van der Wal/Comissão, C‑174/98 P e C‑189/98 P, Colect., p. I‑1, n.° 17; e de 2 de Maio de 2006, Eurofood IFSC, C‑341/04, Colect., p. I‑3813, n.° 65).

41     O Tribunal de Justiça também decidiu que esse princípio se inspira nos direitos fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais de direito comunitário, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, inspirando‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros bem como nas indicações fornecidas, nomeadamente, pela CEDH (acórdão Eurofood IFSC, já referido, n.° 65).

42     No entanto, como a Comissão alega com razão, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem referida pela recorrente não é determinante no caso vertente. Com efeito, como referiu o advogado‑geral nos n.os 54 a 56 das suas conclusões, esta jurisprudência diz respeito, em especial, à prova testemunhal em processos penais, ao passo que o presente processo diz respeito a um documento escrito no âmbito de um processo de aplicação do artigo 81.° CE. Ora, nos processos do direito comunitário da concorrência, a prova testemunhal apenas desempenha um papel acessório, ao passo que os documentos escritos desempenham um papel principal.

43     Como o advogado‑geral igualmente referiu nos n.os 57 a 60 das suas conclusões, a produção de prova nos processos do direito comunitário da concorrência caracteriza‑se pelo facto de os documentos examinados conterem muitas vezes segredos comerciais ou outras informações que não podem ser divulgadas ou que só o podem ser sob reserva de importantes restrições.

44     Nestas condições específicas aos inquéritos da Comissão relativos às práticas anticoncorrenciais, o princípio de que qualquer pessoa tem direito a um processo equitativo não pode ser interpretado no sentido de que os documentos que contêm elementos de prova de uma acusação devem automaticamente ser excluídos como meio de prova quando determinadas informações deverem permanecer confidenciais. Esta confidencialidade pode igualmente incidir sobre a identidade dos autores dos documentos, bem como das pessoas que os transmitiram à Comissão.

45     Vistas as considerações expostas, o Tribunal de Primeira Instância decidiu legitimamente:

«84      No que respeita à admissibilidade do documento ‘chave de repartição’ como prova da infracção referida no artigo 1.° da decisão recorrida, […] que o princípio que prevalece no direito comunitário é o da livre administração das provas e que o único critério pertinente para apreciar as provas apresentadas reside na sua credibilidade […]. Acresce que pode ser necessário à Comissão proteger o anonimato dos informadores […], e essa circunstância não basta para obrigar a Comissão a prescindir de uma prova que tem na sua posse.

85      Por conseguinte, embora os argumentos da Mannesmann possam ser pertinentes para apreciar a credibilidade e, como tal, a força probatória do documento ‘chave de repartição’, não há que considerar que o mesmo seja uma prova inadmissível que deva ser desentranhada dos autos.»

46     Além disso, decorre do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância, na sua apreciação da credibilidade do documento «chave de repartição», tomou em consideração a origem anónima deste. Com efeito, decidiu, no n.° 86 do acórdão recorrido, que, «na medida em que a Mannesmann extrai dos argumentos relativos à admissibilidade do referido documento uma crítica à sua credibilidade, verifica‑se que a credibilidade desse documento é inegavelmente reduzida pelo facto de o contexto em que se insere a sua redacção ser em larga medida desconhecido e por as afirmações da Comissão a este respeito não poderem ser verificadas».

47     Além disso, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu que um elemento de prova de origem anónima, como o documento «chave de repartição», não pode, por si só, provar a existência de uma infracção ao direito comunitário da concorrência. Com efeito, decidiu, no n.° 87 do acórdão recorrido, que apenas «na medida em que o documento ‘chave de repartição’ contém informações específicas que correspondem às contidas noutros documentos, nomeadamente nas declarações de P. Verluca, deve considerar‑se que esses elementos podem reforçar‑se mutuamente». Já nos n.os 81 e 82 do referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância tinha sublinhado que o documento «chave de repartição» fazia parte de um feixe de elementos de prova e que apenas tinha uma importância acessória. Esta apreciação surge igualmente no n.° 94 do mesmo acórdão, em que o Tribunal de Primeira Instância concluiu que o referido documento conserva apenas valor probatório «para corroborar, no âmbito de um feixe de indícios concordantes considerado pela Comissão, algumas das afirmações essenciais constantes das declarações de P. Verluca».

48     Tendo em consideração os limites assim fixados pelo Tribunal de Primeira Instância ao valor probatório do documento «chave de repartição», há que concluir que não foi cometido nenhum erro de direito na análise da admissibilidade e da utilidade desse documento enquanto elemento de prova.

49     De resto, é pacífico que a Mannesmann teve a possibilidade de tomar posição sobre o documento «chave de repartição» e de argumentar contra o valor probatório deste documento, atendendo à sua origem anónima.

50     Tendo em conta o exposto, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente, sem que seja necessário decidir quanto à questão de saber se a Mannesmann tinha invocado, essencialmente, o direito a um processo equitativo perante o Tribunal de Primeira Instância, nem quanto à questão de saber se a Mannesmann podia, no presente processo, invocar a Carta, que foi proclamada posteriormente à adopção da decisão controvertida.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à aplicação incorrecta do artigo 81.° CE ao artigo 2.° da decisão controvertida

 Argumentos das partes

51     Segundo a Mannesmann, o Tribunal de Primeira Instância confirmou erradamente a existência da violação do direito da concorrência descrita no artigo 2.° da decisão controvertida. A Comissão não demonstrou que, ao celebrar um contrato de fornecimento com a Corus em 1983, a Mannesmann tinha concluído um acordo horizontal com a Vallourec e a Dalmine ou acordado uma prática concertada com estas empresas. A Comissão não demonstrou, nomeadamente, que a Mannesmann tinha conhecimento da existência do contrato de fornecimento celebrado entre a Corus e a Vallourec, bem como do contrato celebrado entre a Corus e a Dalmine, e do plano global alegadamente elaborado pela Vallourec. O Tribunal de Primeira Instância confirmou esta produção de prova incorrecta e incompleta da Comissão.

52     Além disso, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro ao não ter em conta o facto de que os contratos de fornecimento em questão não foram celebrados ao mesmo tempo, ao considerar que a sua duração relativamente longa demonstrava a existência de um acordo horizontal e ao decidir que nenhuma derrogação se aplicava ao caso vertente.

53     Quanto a este último ponto, a recorrente salienta que o Tribunal de Primeira Instância afastou de forma errada os seus argumentos relativos à aplicabilidade, às relações verticais entre a Corus e a Mannesmann, do Regulamento (CE) n.° 2790/1999 da Comissão, de 22 de Dezembro de 1999, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 81.° do Tratado CE a determinadas categorias de acordos verticais e práticas concertadas (JO L 336, p. 21). Além disso, o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta o Regulamento (CEE) n.° 1983/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado a certas categorias de acordos de distribuição exclusiva (JO L 173, p. 1; EE 08 F2 p. 110), nem o Regulamento (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado a certas categorias de acordos de compra exclusiva (JO L 173, p. 5; EE 08 F2 p. 114), e não afastou, com esta base, a aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE ao contrato entre a Mannesmann e a Corus.

54     A Comissão considera que esse fundamento é inadmissível, uma vez que diz respeito à apreciação de factos. Por outro lado, mesmo que esse fundamento fosse admissível e procedente, só poderia conduzir à anulação do acórdão recorrido e da decisão controvertida na medida em que estivesse em causa o artigo 2.° da referida decisão.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

55     Há que recordar que, no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal de Justiça não tem competência para apurar os factos nem, em princípio, para examinar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou determinantes no apuramento desses factos. Com efeito, quando estas provas tiverem sido obtidas regularmente e tendo sido respeitados os princípios gerais de direito e as regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova, é da competência exclusiva do Tribunal de Primeira Instância apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos (acórdão de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n.° 22). Essa apreciação não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuação dos elementos de prova apresentados ao Tribunal de Primeira Instância, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (acórdãos de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, C‑53/92 P, Colect., p. I‑667, n.° 42, e de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 49).

56     Não se pode deixar de observar que, através da sua análise da existência da infracção descrita no artigo 2.° da decisão controvertida, o Tribunal de Primeira Instância fixou elementos de facto cuja fiscalização escapa à competência do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância. Por conseguinte, dado não ter sido alegada uma desvirtuação dos elementos de prova, uma inexactidão material ou uma violação das regras em matéria de ónus e de produção da prova, a argumentação da recorrente relativa à questão de saber, por um lado, se tinha concluído um acordo horizontal ou instituído uma prática concertada com a Vallourec e a Dalmine e, por outro, se tinha conhecimento dos contratos celebrados entre essas outras empresas ou de um plano global elaborado pela Vallourec, deve ser julgada inadmissível. O mesmo ocorre relativamente ao seu argumento segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância deveria ter apreciado de forma diferente determinadas circunstâncias de facto, como a duração dos contratos em causa e o facto destes não terem sido celebrados ao mesmo tempo.

57     No que respeita aos Regulamentos n.os 1983/83 e 1984/83, há que observar que são invocados pela primeira vez em sede do presente recurso. Por conseguinte, a acusação baseada nestes regulamentos é inadmissível.

58     Na medida em que a recorrente invoca o Regulamento n.° 2790/1999, basta referir que o Tribunal de Primeira Instância decidiu correctamente, no n.° 171 do acórdão recorrido, que «esse regulamento não pode ser aplicado directamente no caso em apreço, pois a decisão [controvertida] foi adoptada em 8 de Dezembro de 1999 e o seu artigo 2.° refere‑se, no que respeita à Mannesmann, ao período compreendido entre 1993 e 1997, ou seja, a um período anterior à entrada em vigor das disposições relevantes do Regulamento n.° 2790/1999, em 1 de Junho de 2000». No n.° 172 do mesmo acórdão, o Tribunal de Primeira Instância acrescentou, também com razão, que, «atendendo a que esse regulamento pode, contudo, ser relevante a título indicativo no caso em apreço, na medida em que constitui uma tomada de posição por parte da Comissão em Dezembro de 1999 relativamente à natureza pouco prejudicial dos acordos verticais para a concorrência, importa observar que esse regulamento aplica o artigo 81.°, n.° 3, CE. Ora, decorre do artigo 4.° do Regulamento n.° 17 que os acordos entre empresas só podem beneficiar de uma isenção a título individual ao abrigo dessa disposição se tiverem sido notificados à Comissão para esse efeito, o que não sucedeu no caso em apreço».

59     Decorre do exposto que o segundo fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

 Argumentos das partes

60     A Mannesmann alega que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio da igualdade de tratamento ao não lhe ter concedido uma redução da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação.

61     A este respeito, a Mannesmann recorda que, com as declarações do Sr. Becher, contribuiu para o apuramento dos factos e que não contestou os factos dados como provados na comunicação de acusações. Salienta que a Vallourec obteve uma redução de 40% do montante da coima, a título de cooperação, dado que, através das declarações de P. Verluca, tinha contribuído para o apuramento dos factos e que a Dalmine obteve uma redução de 20%, uma vez que não tinha contestado os factos. Por conseguinte, não conceder uma redução à Mannesmann constitui uma desigualdade de tratamento.

62     A recorrente contesta igualmente a apreciação que o Tribunal de Primeira Instância fez do alcance do seu recurso, mencionada no n.° 7 do presente acórdão, dirigida contra a decisão de 15 de Maio de 1998.

63     Considera, antes de mais, que os fundamentos do acórdão recorrido relativos a esse recurso são estranhos ao presente processo.

64     Além disso, o Tribunal de Primeira Instância teria retirado consequências erradas do encerramento do litígio sobre a decisão de 15 de Maio de 1998. A este respeito, a recorrente salienta que só aceitou retirar o seu recurso interposto contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância nesse processo, após ter chegado a um compromisso com a Comissão, segundo o qual esta renunciava ao seu pedido de informações.

65     A Mannesmann recorda igualmente que foi dado provimento parcial ao recurso que interpôs contra a decisão de 15 de Maio de 1998. Por último, salienta que, contrariamente ao que o Tribunal de Primeira Instância observou no n.° 310 do acórdão recorrido, não se pode criticá‑la por ter mantido a sua recusa de prestar as informações pedidas.

66     A Comissão considera que o presente fundamento diz respeito à apreciação dos factos e que é portanto inadmissível. A este respeito, salienta que a recorrente não alega que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou factos ou elementos de prova ao concluir, no n.° 309 do acórdão recorrido, que a Mannesmann não tinha demonstrado que a sua cooperação facilitara efectivamente a tarefa da Comissão que consiste em detectar e reprimir as infracções.

67     Quanto ao mérito, a Comissão indica que o Tribunal de Primeira Instância concluiu legitimamente, nos n.os 302 e 305 do acórdão recorrido, que as informações prestadas pela Mannesmann à Comissão não são comparáveis às prestadas pela Vallourec e que, contrariamente à Dalmine, a Mannesmann não indicou expressamente que não contestava os factos.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

68     Importa recordar que, embora, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, por motivos de equidade, o Tribunal de Justiça não se possa substituir ao Tribunal de Primeira Instância quando este se tenha pronunciado, no exercício da sua competência de plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas devido à violação, por estas, do direito comunitário, em contrapartida, o exercício dessa competência não pode implicar, no momento da fixação do montante dessas coimas, uma discriminação entre as empresas que participaram num acordo ou numa prática concertada contrária ao artigo 85.°, n.° 1, CE (acórdãos de 16 de Novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colect., p. I‑9991, n.os 96 e 97, e de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.° 617).

69     No entanto, o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, sob pena de inadmissibilidade do referido fundamento (acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido, n.° 618).

70     Não se pode deixar de observar que, na medida em que a recorrente contesta a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, formulada no n.° 301 do acórdão recorrido pelas razões expostas nos n.os 297 a 300 deste, segundo a qual «a utilidade da declaração do Sr. Becher assenta exclusivamente no facto de corroborar, em certa medida, as declarações de P. Verluca, das quais a Comissão já dispunha e que, por consequência, essa declaração não facilitou a tarefa da Comissão de forma significativa e, por isso, suficiente para justificar a redução do montante da coima a título da cooperação», a sua argumentação é de natureza factual e deve, portanto, ser julgada inadmissível. Por conseguinte, não compete ao Tribunal de Justiça, no âmbito do presente recurso, fiscalizar a conclusão efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, no n.° 302 do acórdão recorrido, segundo a qual «as informações prestadas à Comissão pela Mannesmann antes da remessa da [comunicação de acusações] não são comparáveis às prestadas pela Vallourec» e que, «[e]m qualquer caso, essas informações não são suficientes para justificar a redução do montante da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação».

71     No que respeita, em seguida, à comparação com a cooperação da Dalmine, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, nos n.os 303 a 305 do acórdão recorrido, que, «para beneficiar de uma redução do montante da coima por não contestação dos factos, em conformidade com o ponto D 2 da comunicação sobre a cooperação, a empresa deve informar expressamente a Comissão de que não pretende contestar a materialidade dos factos, após ter tomado conhecimento da comunicação de acusações». Esta apreciação do Tribunal de Primeira Instância é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual é necessário efectuar uma distinção entre, por um lado, o reconhecimento expresso de uma infracção e, por outro, a simples não contestação da mesma, que não contribui para facilitar a tarefa da Comissão que consiste em detectar e reprimir as infracções às regras comunitárias da concorrência (acórdão de 14 de Julho de 2005, ThyssenKrupp/Comissão, C‑65/02 P e C‑73/02 P, Colect., p. I‑6773, n.° 58). Por conseguinte, sem esse reconhecimento expresso da recorrente, a argumentação desta última relativa a uma discriminação em relação à Dalmine deve ser julgada improcedente.

72     No que respeita ao recurso interposto pela Mannesmann contra a decisão da Comissão adoptada nos termos do artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, nos n.os 310 e 311 do acórdão recorrido, que, mesmo que «a iniciativa da Mannesmann de impugnar a legalidade da decisão de 15 de Maio de 1998 [seja] perfeitamente legítima e não se po[ssa] considerar que consubstancie uma falta de cooperação», não é menos verdade que o seu recurso a este respeito foi julgado improcedente quase na totalidade pelo acórdão de 20 de Fevereiro de 2001, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, já referido, com fundamento em que «a maior parte dos dados que a Mannesmann se recusou a apresentar [tinha sido] pedida pela Comissão de forma legítima».

73     Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância pôde concluir legitimamente, no n.° 312 do acórdão recorrido, que, «devido ao comportamento ilegal da Mannesmann, a Comissão nunca dispôs de um conjunto importante de dados cuja apresentação tinha legalmente pedido na fase do procedimento administrativo» e que, em consequência, «não se pode considerar que, no caso em apreço, a atitude da Mannesmann na fase do procedimento administrativo, apreciada globalmente, consubstancie um comportamento de cooperação efectiva». Esta conclusão não é, de resto, infirmada pelo facto de o recurso inicialmente interposto pela Mannesmann contra o acórdão de 20 de Fevereiro de 2001, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, já referido, ter sido objecto de cancelamento na sequência de um acordo entre as partes.

74     Resulta do exposto que o terceiro fundamento deve igualmente ser julgado improcedente.

75     Uma vez que nenhum dos fundamentos alegados pela recorrente foi acolhido, há que negar provimento ao presente recurso.

 Quanto às despesas

76     Por força do artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça, quando nega provimento ao recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, decide igualmente sobre as despesas. Por força do artigo 69.°, n.° 2, do referido regulamento, aplicável ao recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Mannesmann e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Salzgitter Mannesmann GmbH é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.