Palavras-chave
Sumário

Palavras-chave

1. Concorrência – Posição dominante – Abuso – Descontos por objectivos

(Artigo 82.º CE)

2. Concorrência – Posição dominante – Abuso – Conceito

[Artigos 3.º, n.º 1, alínea g), CE e 82.º CE]

3. Concorrência – Posição dominante – Abuso – Aplicação de condições desiguais a prestações equivalentes

[Artigo 82.º, segundo parágrafo, alínea c), CE]

4. Concorrência – Posição dominante – Abuso – Aplicação de condições desiguais a prestações equivalentes

[Artigos 3.º, n.º 1, alínea g), CE e 82.º, segundo parágrafo, alínea c), CE]

Sumário

1. Para examinar o eventual carácter abusivo, no caso de uma empresa em posição dominante, de um regime de descontos ou de prémios que não constituem nem descontos ou prémios de quantidade, relacionados exclusivamente com o volume das compras, nem descontos ou prémios de fidelidade, uma vez que não implica qualquer compromisso da parte dos co‑contratantes de exclusividade ou de cobertura de uma determinada quota das suas necessidades junto da empresa em posição dominante, é preciso analisar todas as circunstâncias, nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão desses descontos ou prémios. Importa, antes de mais, verificar se os mesmos podem ter um efeito eliminatório, isto é, se podem, por si mesmos, por um lado, restringir ou mesmo suprimir o acesso ao mercado dos concorrentes da empresa em posição dominante e, por outro, a possibilidade de os co‑contratantes desta empresa escolherem entre várias fontes de abastecimento ou vários parceiros comerciais. Há que averiguar se existe uma justificação económica objectiva para os descontos e os prémios concedidos. Com efeito, uma empresa pode demonstrar que o seu regime de prémios, que tem um efeito eliminatório, está economicamente justificado.

Tratando‑se do efeito eliminatório, este pode resultar de descontos ou de prémios por objectivos, cuja concessão depende da realização de objectivos de vendas definidos individualmente, dependendo as percentagens dos prémios da evolução do volume de negócios decorrente das compras ou vendas dos produtos da empresa em situação dominante por cada co‑contratante durante um período determinado.

Os compromissos dos co‑contratantes face à empresa em posição dominante e a pressão exercida sobre estes podem ser particularmente fortes no caso de descontos ou prémios aplicados sobre o volume de negócios global relativo aos produtos desta empresa, ou seja, se esses descontos ou prémios não se referirem apenas ao crescimento das compras ou das vendas desses produtos durante o período tomado em consideração, mas abrangerem igualmente a totalidade destas compras ou destas vendas. Deste modo, mesmo alterações relativamente ligeiras – quer em alta quer em baixa – nas vendas de produtos da empresa em posição dominante têm um impacto desproporcionado sobre os co‑contratantes. É esse o caso quando o cumprimento dos objectivos conduz a um aumento do prémio pago sobre as vendas ou as compras desses produtos durante todo o período tomado em consideração e não só sobre as vendas ou as compras realizadas após terem sido alcançados os referidos objectivos. A natureza progressiva dos prémios majorados tem então efeitos colaterais muito sensíveis, com efeitos radicais sobre as percentagens dos prémios de resultados como consequência de um ligeiro decréscimo do volume de negócios realizado.

A pressão exercida sobre os seus co‑contratantes por uma empresa em posição dominante que concede descontos ou prémios com tais características é ainda reforçada quando esta empresa detém quotas de mercado muito superiores às dos seus concorrentes. Nestas condições, é especialmente difícil para os concorrentes da referida empresa competir com descontos ou prémios concedidos em função do volume de negócios global. Devido à sua quota de mercado sensivelmente mais elevada, a empresa em posição dominante é, em regra, um parceiro obrigatório no mercado. Normalmente, os descontos ou prémios concedidos por uma tal empresa em função do volume total das vendas são, em regra, mais significativos, em valores absolutos, que mesmo as ofertas mais generosas dos seus concorrentes. Para atrair os co‑contratantes da empresa em posição dominante, ou para deles receber um volume suficiente de encomendas, estes concorrentes teriam de lhes oferecer descontos ou prémios nitidamente mais elevados.

No que respeita à apreciação da justificação económica de um regime de descontos ou de prémios criado por uma empresa em posição dominante, a mesma efectua‑se com base em todas as circunstâncias do caso concreto. É necessário determinar se o efeito eliminatório que resulta deste regime, que é nefasto para a concorrência, pode ser compensado ou mesmo superado por ganhos de eficiência susceptíveis de beneficiar também o consumidor. Se o efeito eliminatório deste regime não apresenta qualquer relação com vantagens para o mercado e os consumidores ou vai para além do que é necessário para obter tais vantagens, tal regime deve ser considerado abusivo.

(cf. n. os  65, 67‑75, 86)

2. O artigo 82.° CE não visa apenas as práticas susceptíveis de causar um prejuízo imediato aos consumidores, mas também aquelas que lhes causam prejuízo por impedirem uma estrutura de concorrência efectiva, como se refere no artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE. Daqui resulta que, para apreciar a eventual natureza abusiva de um comportamento de uma empresa em posição dominante, não é necessário examinar se o mesmo causou um prejuízo aos consumidores na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea b), CE, bastando verificar se há um efeito restritivo sobre a concorrência.

(cf. n. os  106‑107)

3. Um regime de descontos ou de prémios por objectivos concedidos por uma empresa em posição dominante que, em caso de realização dos objectivos pelos co‑contratantes, implica um aumento da percentagem dos referidos descontos ou prémios não apenas sobre as compras ou as vendas marginais de produtos da empresa dominante, mas sobre todas as compras ou vendas realizadas durante o período considerado, leva a retribuir a níveis diferentes prestações equivalentes na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE, ou seja, a compra ou a venda de uma mesma quantidade de produtos da empresa dominante, consoante os co‑contratantes tenham ou não atingido os seus objectivos em comparação com o período de referência.

(cf. n. os  138‑139)

4. A proibição específica de discriminação regulada no artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE faz parte do regime pelo qual se garante que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE, a concorrência não é falseada no mercado interno. O comportamento comercial da empresa em posição dominante não deve falsear a concorrência num mercado situado a montante ou a jusante, ou seja, a concorrência entre fornecedores ou entre clientes desta empresa. Ao competir entre si, os parceiros da referida empresa não devem ser favorecidos nem prejudicados. Por conseguinte, para que estejam reunidas as condições de aplicação do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE, é necessário concluir que o comportamento da empresa em posição dominante num mercado é não só discriminatório mas ainda susceptível de falsear esta relação de concorrência, ou seja, de afectar a posição concorrencial de parte dos parceiros comerciais da empresa em posição dominante relativamente aos outros.

A este respeito, nada impede que a discriminação de parceiros comerciais que se encontram numa relação de concorrência possa ser considerada abusiva a partir do momento em que o comportamento da empresa em posição dominante tenda, tomando em conta todas as circunstâncias do caso concreto, a causar uma distorção da concorrência entre esses parceiros comerciais. Nesta hipótese, não é preciso exigir ainda a prova de uma deterioração efectiva quantificável da posição concorrencial dos diferentes parceiros comerciais individualmente considerados.

(cf. n. os  143‑145)