CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 19 de Outubro de 2006 1(1)

Processo C‑391/04

Ypourgos Oikonomikon

Proïstamenos DOY Amfissas

contra

Charilaos Georgakis

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Symvoulio tis Epikrateias (Grécia)]

«Operações de iniciados – Directiva 89/592/CEE – Transacções de valores inscritos em Bolsa – Conceitos de ‘informação privilegiada’ e de ‘exploração de informação privilegiada’»





I –    Introdução

1.        No presente processo, o Tribunal de Justiça é convidado, pelo Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado) (Grécia), a pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial referente à interpretação das disposições da Directiva 89/592/CEE do Conselho, de 13 de Novembro de 1989, relativa à coordenação das regulamentações respeitantes às operações de iniciados (2).

2.        Mais concretamente, o Tribunal é chamado a interpretar os conceitos de posse e de exploração de informação privilegiada, na acepção da Directiva 89/592.

II – Quadro jurídico

A –    Regulamentação comunitária: a Directiva 89/592/CEE

3.        Face ao importante papel desempenhado pelo mercado secundário dos valores mobiliários no financiamento dos agentes económicos, o quarto considerando da Directiva 89/592/CEE dispõe que o bom funcionamento desse mercado depende, em grande medida, da confiança que inspire aos investidores.

4.        O quinto considerando da Directiva 89/592 estabelece que essa confiança assenta, nomeadamente, na garantia dada aos investidores de que estão colocados num plano de igualdade e que serão protegidos contra a utilização ilícita de informação privilegiada.

5.        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/592, entende‑se por «informação privilegiada» «toda a informação que não tenha sido tornada pública, que tenha um carácter preciso e seja relativa a uma ou várias entidades emitentes de valores mobiliários ou a um ou vários valores mobiliários e que, caso fosse tornada pública, seria susceptível de influenciar de maneira sensível a cotação desse ou desses valores mobiliários».

6.        Segundo o disposto no n.° 2 deste artigo, os «valores mobiliários» são definidos como incluindo, nomeadamente, «as acções e as obrigações, bem como os valores equiparáveis a acções e obrigações [...] quando [a]s mesm[a]s sejam admitid[a]s à transacção num mercado regulamentado e fiscalizado por autoridades reconhecidas pelos poderes públicos, de funcionamento regular e directa ou indirectamente acessível ao público».

7.        O artigo 2.° da Directiva 89/592 prevê:

«1.      Cada Estado‑Membro proibirá às pessoas que:

–        devido à sua qualidade de membros dos órgãos administrativos, directivos ou de fiscalização do emitente,

–        devido à sua participação no capital do emitente, ou

–        porque têm acesso a essa informação devido ao desempenho do seu trabalho, da sua profissão ou das suas funções,

disponham de uma informação privilegiada que adquiram ou cedam, em seu nome ou em nome de outrem, quer directa quer indirectamente, valores mobiliários do emitente ou emitentes a quem a informação diz respeito, explorando com conhecimento de causa essa informação privilegiada.

2.      Quando as pessoas referidas no n.° 1 forem sociedades ou quaisquer outras pessoas colectivas, a proibição prevista nesse número aplica‑se às pessoas singulares que participaram na decisão de proceder à transacção por conta da pessoa colectiva em questão.

3.      A proibição prevista no n.° 1 aplica‑se a qualquer aquisição ou cessão de valores mobiliários efectuada com a intervenção de um intermediário profissional.

Cada Estado‑Membro pode prever que essa proibição não se aplique às aquisições ou cessões de valores mobiliários efectuadas sem intervenção de um intermediário profissional, fora de um mercado, tal como definido no ponto 2, in fine, do artigo 1.°

4.      […]»

8.        O artigo 3.° da Directiva 89/592 impõe que os Estados‑Membros proíbam que as pessoas sujeitas à proibição referida no artigo 2.° da mesma directiva que disponham de uma informação privilegiada, que:

«a)      Comuniquem essa informação privilegiada a um terceiro, salvo no âmbito normal do desempenho do seu trabalho, da sua profissão ou das suas funções;

b)      Recomendem a um terceiro, com base nessa informação privilegiada, que adquira ou ceda ou mande um terceiro adquirir ou ceder valores mobiliários admitidos à transacção no respectivo mercado de valores mobiliários, tal como definido no ponto 2, in fine, do artigo 1.°»

9.        O artigo 4.° da Directiva 89/592 exige que os Estados‑Membros imponham igualmente a proibição prevista no artigo 2.° a qualquer pessoa, além das referidas nesse mesmo artigo 2.°, que, com conhecimento de causa, esteja na posse de uma informação privilegiada cuja fonte directa ou indirecta só possa ser uma pessoa referida no artigo 2.°

10.      O artigo 6.° da Directiva 89/592 admite que os Estados‑Membros podem estabelecer disposições mais rigorosas do que as previstas na presente directiva ou disposições suplementares, desde que essas disposições sejam de aplicação geral.

11.      O décimo primeiro considerando da Directiva 89/592 prevê que, «uma vez que a aquisição ou a cessão de valores mobiliários supõe necessariamente uma decisão prévia de aquisição ou de cessão por parte da pessoa que procede a qualquer uma dessas operações, o facto de efectuar essa mesma aquisição ou cessão não constitui, por si só, utilização de uma informação privilegiada».

12.      O décimo segundo considerando da Directiva 89/592 recorda que «a operação de iniciados implica a exploração de uma informação privilegiada» e que, desde logo, «é conveniente […] considerar que o facto de se proceder a transacções com o único objectivo de regularizar a cotação de valores mobiliários recentemente emitidos ou negociados no âmbito de uma oferta secundária não constitui por si só utilização de uma informação privilegiada».

B –    Regulamentação nacional

13.      O Decreto Presidencial grego n.° 53/1992, aplicável às operações das pessoas em poder de informação privilegiada e que transpõe a Directiva 89/592 (a seguir «Decreto n.° 53/1992»), em vigor no momento dos factos, dispõe, no seu artigo 1.°, que tem como objectivo a adaptação da legislação aplicável às Bolsas de valores à referida directiva.

14.      Os artigos 2.°, 3.°, 4.° e 5.° do Decreto n.° 53/1992 transcrevem, respectivamente, os artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da Directiva 89/592.

15.      O Decreto n.° 53/1992 não contém disposições que confiram mais amplitude às noções e proibições previstas na Directiva 89/592. A República Helénica não utilizou, assim, a possibilidade oferecida pelo artigo 6.° da Directiva 89/592.

16.      O artigo 11.° do Decreto n.° 53/1992 prevê que, em caso de violação do disposto nos artigos 3.°, n.os 1 e 2, 4.° e 5.° do decreto, além das sanções previstas no artigo 30.°, n.os 1 e 3, da Lei n.° 1806/1998, é aplicada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários uma multa de, pelo menos, 10 000 000 de dracmas até 1 000 000 000 de dracmas, ou de montante igual ao quíntuplo do lucro obtido por aquele que tiver beneficiado das informações privilegiadas.

17.      O artigo 30.° da mesma lei prevê igualmente a aplicação de sanções penais às pessoas em poder de informações confidenciais privilegiadas que as utilizem de forma ilegal.

18.      Além disso, o artigo 34.° da Lei n.° 3632/1928 sujeita a pena de prisão e a multa até 50 000 dracmas ou a apenas uma destas penas, aquele que, com a finalidade de obter um lucro ilícito, utilizar, com conhecimento de causa, meios susceptíveis de induzir o público em erro a fim de influenciar as cotações da bolsa.

19.      Por outro lado, a Lei n.° 1969/1991 dispõe, no seu artigo 72.°, n.° 1, que aquele que difunde, com conhecimento de causa, na imprensa ou por qualquer outro meio, informações falsas ou inexactas, que possam influenciar a cotação de um ou de vários valores mobiliários cotados na Bolsa, é punido com pena de prisão e com multa até 100 000 000 de dracmas.

20.      Finalmente, o artigo 76.°, n.° 10, da mesma lei prevê que, sem prejuízo da aplicação das disposições penais na matéria, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários é competente para aplicar multas até 100 000 000 de dracmas às empresas que violem as disposições legais sobre o mercado de capitais ou as decisões da referida Comissão.

III – O processo principal e a questão prejudicial

21.      No início de 1996, C. Georgakis e membros da sua família, descritos pelo órgão jurisdicional de reenvio como o «grupo Georgakis», eram os principais accionistas da sociedade Parnassos. A Parnassos e a sua filial, a sociedade Syrios AVEE, detinham a maioria das acções, todas nominativas, da sociedade ATEMKE. A maioria dos membros do grupo Georgakis pertencia ao conselho de administração das sociedades Parnassos e ATEMKE, nas quais ocupavam cargos de direcção.

22.      Os membros do grupo Georgakis decidiram então apoiar a cotação do título da sociedade Parnassos, por sugestão dos seus consultores financeiros. A fim de garantir a maioria legalmente exigida pela legislação grega para adoptar este decisão em assembleia geral, decidiram adquirir acções por forma a obterem 75% do capital social da referida sociedade, para imporem esta decisão aos outros accionistas.

23.      Entre Maio e Dezembro de 1996, os membros do grupo Georgakis realizaram operações de bolsa sobre acções das sociedades Parnassos e ATEMKE. Venderam acções da sociedade ATEMKE à sociedade Parnassos e, com a liquidez assim obtida, adquiriram acções da Parnassos. Em Outubro de 1996, a sociedade Parnassos cedeu 835 000 acções da sociedade ATEMKE à Merrill Lynch Capital Markets plc, com uma cláusula de reaquisição que não foi comunicada ao mercado. Esta operação permitiu à Parnassos financiar, a curto prazo, a aquisição de acções próprias, servindo as acções da sua filial ATEMKE de garantia.

24.      A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários grega aplicou a C. Georgakis uma multa no valor total de 70 000 000 de dracmas por ter participado nas operações acima descritas visto possuir uma informação privilegiada que obteve, ou directamente, como accionista e director das referidas sociedades, ou indirectamente, através de outras pessoas que ocupavam lugares na administração das mesmas sociedades, em violação do disposto no artigo 3.°, n.° 1, e nos artigos 4.° e 5.° do Decreto n.° 53/1992. C. Georgakis opôs‑se à notificação de cobrança.

25.      Em primeira instância, o Trimeles Dioikitiko Protodikeio (Tribunal Administrativo) de Livadia considerou, designadamente, que C. Georgakis tinha beneficiado de informações privilegiadas nas operações entre os membros do grupo Georgakis, destinadas a provocar um aumento artificial do volume das trocas de títulos da sociedade Parnassos, com o objectivo de dar uma imagem errónea do respectivo valor, sem qualquer correspondência com o valor que seria atingido caso essas operações não tivessem sido realizadas. A primeira instância confirmou, portanto, a multa aplicada pela Comissão do Mercado de Capitais.

26.      Na sequência da apresentação de um recurso interposto por C. Georgakis, o Dioikitiko Efeteio Peiraios (o Tribunal Administrativo de Segunda Instância do Pireu) deu provimento ao referido recurso e anulou a decisão de primeira instância, bem como o aviso de cobrança.

27.      Este órgão jurisdicional considerou que a aplicação da multa era ilegal, na medida em que as disposições da Directiva 89/592, acolhidas no ordenamento interno através do Decreto n.° 53/1992, se referem a operações realizadas por pessoas que dispõem de informações privilegiadas com investidores terceiros e pressupõem o aproveitamento de informações privilegiadas, sendo inimaginável esse aproveitamento no caso da aquisição ou cessão previamente acordada entre duas pessoas de um grande volume de acções, na medida em que ambos têm conhecimento do objectivo e das circunstâncias da operação. O Dioikitiko Efeteio Peiraios entendeu então que, se a aquisição ou cessão previamente acordada entre duas pessoas de um grande volume de acções não pode ser considerada, por si só, consequência do aproveitamento de informações privilegiadas, as manobras que o recorrente efectuou com os membros do grupo Georgakis não se enquadram no âmbito de aplicação da referida directiva e do Decreto n.° 53/1992.

28.      A administração fiscal interpôs recurso de anulação deste acórdão no Symvoulio tis Epikrateias (Conselho de Estado).

29.      Resulta das informações constantes da decisão de reenvio do Symvoulio tis Epikrateias que as operações realizadas entre os membros do grupo Georgakis foram previamente acordadas e que esses membros sabiam que a cotação das acções da sociedade Parnassos tinha evoluído sob a influência de uma procura artificial que eles próprios tinham criado e que assentava num financiamento de grande envergadura em que eram utilizados diversos métodos.

30.      A propósito da qualificação dos comportamentos em questão, como resultantes do aproveitamento de informações privilegiadas, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a interpretação das disposições da Directiva 89/592 em causa no processo principal dava azo a dúvidas razoáveis, nomeadamente no que respeita aos conceitos de informação privilegiada e de possuidor de informação privilegiada, bem como quanto ao alcance da proibição de esse possuidor efectuar determinadas operações. Assim, o Symvoulio tis Epikrateias decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal a seguinte questão prejudicial:

«No caso de serem efectuadas, entre pessoas ou grupos de pessoas que tenham algumas das características referidas no artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 89/592 […], operações de bolsa previamente acordadas que provocam uma apreciação ou um aumento artificial do preço dos valores mobiliários transferidos, deve considerar‑se que aqueles que efectuam as operações em questão dispõem de informações privilegiadas na acepção dos artigos 1.° e 2.° da directiva referida, fazendo com que tais operações caiam sob a alçada da proibição, prevista nos artigos 2.°, 3.° e 4.° da directiva [89/592], de exploração de informações privilegiadas?»

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

31.      O réu no processo principal, os Governos grego e italiano, bem como a Comissão das Comunidades Europeias apresentaram observações escritas ao Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça. As referidas partes foram igualmente ouvidas na audiência realizada em 13 de Julho de 2006, com excepção do Governo italiano, que não se fez representar.

V –    Análise da questão prejudicial

32.      A título liminar, importa destacar alguns elementos que aparecem de forma constante quando da leitura da questão prejudicial e da decisão de reenvio.

33.      Antes de mais, os factos em apreço, ocorridos em 1996, decorreram unicamente sob a égide da Directiva 89/592 e da regulamentação grega de transposição. O Tribunal não é, pois, directamente convidado a interpretar as disposições da Directiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (3), a qual, tendo entrado em vigor em 12 de Abril de 2003, revogou a Directiva 89/592 nessa mesma data, nos termos dos seus artigos 20.° e 21.°

34.      Em seguida, é um facto que os membros do grupo Georgakis se encontram abrangidos pelo âmbito de aplicação pessoal da Directiva 89/592 e da legislação nacional que a transpõe, seja devido à sua qualidade de membros dos órgãos de administração ou de direcção das sociedades Parnassos e ATEMKE, seja devido à sua participação no capital social das mesmas sociedades.

35.      Além disso, as acções objecto das operações em apreço no processo principal são efectivamente valores mobiliários, nos termos da definição dada pelo artigo 1.°, n.° 2, da directiva.

36.      Finalmente, resulta dos factos expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio que as operações realizadas entre as pessoas em causa e previamente acordadas conduziram a um aumento artificial do preço dos valores mobiliários negociados.

37.      Esclarecidos estes aspectos, a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio convida, no essencial, o Tribunal de Justiça a indicar se pessoas, susceptíveis de ser consideradas iniciadas, na acepção da Directiva 89/592, possuem ou exploram uma informação privilegiada, na acepção da mesma directiva, pelo facto de realizarem operações de Bolsa acordadas previamente que implicam um aumento artificial do preço dos valores mobiliários cedidos.

38.      Importa, antes de mais, recordar que não é a posse de uma informação privilegiada pelas pessoas indicadas no artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 89/592 que é, por si só, proibida pela referida directiva, mas sim a exploração, com conhecimento de causa, dessa informação privilegiada (4). O Tribunal de Justiça recordou‑o, de resto, no acórdão Verdonck e o. (5).

39.      Resulta, em particular, do artigo 2.°, n.° 1, da directiva que a exploração de uma informação privilegiada assenta necessariamente na existência material da referida informação. A informação privilegiada deve, pois, existir previamente à sua exploração. Assim, apenas pode explorar uma informação privilegiada uma pessoa que, previamente, possua tal informação, independentemente de essa mesma pessoa ser um iniciado dito «primário», isto é, possuir uma das qualidades elencadas no artigo 2.°, n.° 1, da directiva, ou um iniciado dito «secundário», a que se refere o artigo 4.° da directiva.

40.      As partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça opõem‑se relativamente à questão de saber se pessoas que realizaram operações como as descritas no processo principal possuem uma informação privilegiada, na acepção da Directiva 89/592, cuja exploração é proibida por essa mesma directiva.

41.      Tanto para C. Georgakis, réu no processo principal, como para a Comissão, uma situação como a descrita no presente processo não integra no âmbito de aplicação da Directiva 89/592.

42.      Segundo C. Georgakis, a Directiva 89/592 pretende excluir a possibilidade de as pessoas que possuem, em virtude das suas funções, uma informação privilegiada, a explorarem em proveito próprio e em detrimento de terceiros que com eles tratem. Assim, uma condição para a aplicabilidade destas disposições é que o detentor da informação privilegiada tenha um co‑contratante que ignore essa informação. Não é isto que se verifica no processo principal. Com efeito, neste processo, todos os co‑contratantes que participam na operação em causa são co‑possuidores, e também autores, de uma informação comum relativa ao título de bolsa. Consequentemente, por um lado, esta informação deixa de ser privilegiada no que lhes diz respeito e, por outro lado, o conhecimento privilegiado de um não pode ser explorado em detrimento do outro.

43.      A Comissão defende, por seu lado, que não resulta dos factos, conforme expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio, que informações privilegiadas tenham incitado os membros do grupo Georgakis a realizar as operações em causa. Em contrapartida, refere que essas operações foram realizadas com base na decisão do grupo Georgakis em apoiar o título da sociedade Parnassos, por sugestão dos seus consultores financeiros. Portanto, essas operações, por si só, não se traduzem na utilização de uma informação privilegiada. A Comissão acrescenta que operações realizadas com fundamento na decisão de certos membros do conselho de administração de um emitente de apoiar a cotação de um título em Bolsa integra o âmbito da Directiva 2003/6, na medida em que respeita a operações de manipulação de mercado, a qual, porém, não é aplicável no caso concreto.

44.      Em contrapartida, os Governos grego e italiano defendem que uma situação como a que se verifica no processo principal integra o âmbito da Directiva 89/592.

45.      O Governo grego insiste no facto de as trocas concertadas de acções da mesma sociedade ou as aquisições e cessões fictícias entre as mesmas pessoas para aumentar a negociabilidade e o preço das acções constituírem uma informação de importância decisiva, cuja exploração pode prejudicar seriamente a transparência do mercado. O elemento decisivo de informação privilegiada que detêm os membros de um grupo que se tenha concertado é o facto de saber que a cotação actual do título resulta de um aumento artificial da procura pelos próprios membros do grupo e não de uma evolução ou de uma perspectiva de evolução favorável dos parâmetros financeiros da sociedade em questão, e que não é evidentemente o resultado de uma maior negociabilidade do título introduzido em Bolsa. Segundo este governo, a noção de posse de uma informação privilegiada abrange não só a sua aquisição mas também a sua criação. A aplicação da legislação relativa às operações de iniciados não deve ser afastada quando as pessoas que exploram a informação privilegiada estão na sua origem. Na audiência, o Governo grego acrescentou que uma situação como a que é objecto do processo principal poderia enquadrar‑se tanto na exploração de uma informação privilegiada como na manipulação de mercado.

46.      O Governo italiano considera, no essencial, que, à luz dos objectivos da Directiva 89/592, de obter a máxima transparência no funcionamento dos mercados financeiros e de assegurar que os investidores sejam colocados em pé de igualdade, as pessoas que tenham decidido realizar uma operação ou uma série de operações destinadas a apoiar de forma artificial a cotação de um título em Bolsa devem igualmente ser consideradas detentoras da informação relativa a essas operações, a saber, o programa de venda e aquisição de valores mobiliários, acordado previamente, destinado a apoiar artificialmente a cotação de um título cotado em Bolsa sem conhecimento do público. Este programa constitui certamente, na opinião deste governo, uma informação privilegiada na acepção da referida Directiva 89/592, cuja exploração é proibida.

47.      Sublinhe‑se igualmente que as partes que participaram na audiência estão de acordo em considerar que as operações realizadas pelo grupo Georgakis se incluem na da prática dita de «painting the tape».

48.      No mundo financeiro e da Bolsa, esta prática é geralmente definida como aquela através da qual alguns investidores procedem entre si a uma séria de operações sobre determinados valores mobiliários, criando a ilusão de um elevado volume de trocas e de um interesse significativo dos investidores nos referidos valores, susceptível de incitar os investidores terceiros a adquirir os valores mobiliários em questão e de permitir assim um aumento da cotação desses mesmos valores (6).

49.      Pelas razões adiante expostas, inclinamo‑nos a considerar que, atentos os elementos factuais de que dispomos, uma situação como a descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio não integra o âmbito da Directiva 89/592.

50.      Importa recordar que o artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 89/592 proíbe a exploração, com conhecimento de causa, de informação privilegiada. Na nossa opinião, «a exploração com conhecimento de causa» de informação privilegiada caracteriza‑se pela presença de dois elementos distintos: por um lado, um elemento moral e, por outro, um elemento material. O elemento moral consiste na intenção (ou decisão) de explorar conscientemente a informação cuja natureza privilegiada se conhece. O elemento material consubstancia‑se na execução dessa intenção ou dessa decisão através de transacções de valores mobiliários, seja directamente, seja através de um intermediário financeiro (7).

51.      Neste contexto, já que, como sublinhámos no n.° 39 supra, a existência de informação privilegiada é, por definição, prévia à exploração da mesma, a informação privilegiada deve preceder tanto o elemento moral de exploração dessa informação, ou seja, a intenção ou a decisão de explorar a informação, como o seu elemento material, ou seja, a execução da referida intenção ou decisão.

52.      Ora, segundo os factos descritos na decisão de reenvio, a decisão dos membros do grupo Georgakis, tomada no início de 1996, de proceder a operações para «apoiar» a cotação das acções da sociedade Parnassos foi tomada na sequência de uma sugestão dos seus consultores financeiros. Na falta de outros elementos factuais, a decisão dos membros do grupo Georgakis não parece, pois, ter sido tomada com base numa informação privilegiada, na acepção da Directiva 89/592. Da decisão de reenvio também não resulta que a proposta dos consultores financeiros do grupo Georgakis foi apresentada com base numa informação privilegiada, na acepção da directiva.

53.      Assim, numa situação como a em apreço no processo principal, as pessoas que realizaram as operações em causa não se encontravam, em princípio, numa situação de exploração de uma informação privilegiada, pois a exposição dos factos apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio não permite identificar a informação privilegiada que as teria levado a realizar essas operações.

54.      Além disso, a tese dos governos intervenientes, que defendem, essencialmente, que a decisão dos membros do grupo Georgakis de efectuar operações que tinham por objectivo apoiar artificialmente a cotação das acções sem conhecimento do público constitui, por si só, uma informação privilegiada cuja exploração lhes é proibida, não convence.

55.      Com efeito, considerar a própria decisão dos membros do grupo Georgakis de realizar as operações em causa no processo principal como sendo, por si só, uma informação privilegiada, parece‑nos ser contrariado pela ideia que subjaz aos décimo primeiro e décimo segundo considerandos da Directiva 89/592.

56.      Recorde‑se que, de acordo com o décimo primeiro considerando da Directiva 89/592, «uma vez que a aquisição ou a cessão de valores mobiliários supõe necessariamente uma decisão prévia de aquisição ou de cessão por parte da pessoa que procede a qualquer uma dessas operações, o facto de efectuar essa mesma aquisição ou cessão não constitui, por si só, utilização de uma informação privilegiada».

57.      Quanto ao décimo segundo considerando da directiva, o mesmo sublinha que «a operação de iniciados implica a exploração de uma informação privilegiada» e que, portanto, «é conveniente […] considerar que o facto de se proceder a transacções com o único objectivo de regularizar a cotação de valores mobiliários recentemente emitidos ou negociados no âmbito de uma oferta secundária não constitui por si só utilização de uma informação privilegiada».

58.      Ora, na nossa opinião, importa interpretar estes considerandos de forma a que, nas duas situações acima descritas, a decisão prévia de proceder às operações em causa não possa, por si só, ser considerada uma informação privilegiada.

59.      Defender o contrário equivaleria a impedir os investidores, as sociedades emitentes de valores mobiliários ou os seus órgãos, de executarem as suas decisões de proceder às transacções em causa, fazendo recair sobre esses operadores uma suspeição de princípio de que estariam a explorar uma informação privilegiada quando procedem às referidas transacções. Esta interpretação prejudicaria, sem dúvida, o bom funcionamento do mercado dos valores mobiliários. Ora, não é esse seguramente o objectivo prosseguido pela Directiva 89/592.

60.      É verdade que uma situação como a em causa no processo principal não é totalmente equiparável às situações a que se referem os décimo primeiro e décimo segundo considerandos da Directiva 89/592.

61.      Contudo, não somos de opinião que, ao limitar‑se a mencionar as duas situações referidas nos décimo primeiro e décimo segundo considerandos da Directiva 89/592, o legislador comunitário pretendeu que, a contrario, em todas as outras situações, inclusive numa situação como a em apreço no processo principal, a decisão prévia de realizar operações de valores mobiliários devia ser considerada, por si só, uma informação privilegiada.

62.      É assim pouco convincente a alegação apresentada neste sentido pelo Governo italiano, segundo a qual, ao apenas visar a aquisição «ou» a cessão de valores mobiliários, o décimo primeiro considerando não abrangeria as situações em que se realizam uma pluralidade de operações de bolsa e que, portanto, deveria considerar‑se, por esse motivo, que as transacções realizadas pelo grupo Georgakis constituem a exploração de uma informação privilegiada. Com efeito, a utilização da conjunção «ou» no décimo primeiro considerando da directiva não nos parece exclusiva, mas antes exemplificativa, o que parece confirmar a utilização, no plural, do termo «transacções» no décimo segundo considerando.

63.      Acresce que o facto de as transacções em causa terem sido acordadas previamente também não nos parece dever implicar que a decisão do grupo Georgakis seja considerada uma informação privilegiada. Com efeito, o critério da planificação prévia de operações de bolsa, no mínimo, também está presente na situação em que se pretende uma (verdadeira) regulação da cotação dos valores mobiliários, a qual é justamente mencionada no décimo segundo considerando da directiva.

64.      Parece‑nos, em contrapartida, que os décimo primeiro e décimo segundo considerandos da Directiva 89/592 têm por objectivo ilustrar a ideia de que a decisão prévia de efectuar transacções de valores mobiliários não é, por si só, uma informação privilegiada.

65.      Todavia, essa decisão é susceptível de constituir o elemento intencional da exploração de uma informação privilegiada se essa decisão se fundar na referida informação. Além disso, na presença de transacções escalonadas no tempo, o surgimento de uma informação privilegiada, apta a alterar a decisão inicialmente tomada pelos investidores, também pode conduzir a que as transacções realizadas após o conhecimento dessa informação, e utilizando‑a, constituam a exploração da referida informação, na acepção da Directiva 89/592.

66.      Contudo, e conforme já acima referimos, no que toca aos factos expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio, não detectamos a existência de uma informação privilegiada na situação objecto do processo principal.

67.      Esta apreciação não pode, em nosso entender, ser posta em causa pelo argumento aduzido pelos governos intervenientes, segundo o qual os objectivos de transparência do mercado e de igualdade de oportunidades entre os investidores, prosseguidos pela Directiva 89/592, devem permitir incluir uma situação como a do processo principal no âmbito de aplicação da Directiva 89/592.

68.      Embora o juiz comunitário tenha, por diversas vezes, recorrido ao método da interpretação teleológica das disposições de actos comunitários, não se pode, em nosso entender, neste caso, alargar o âmbito de aplicação material da Directiva 89/592 à luz dos objectivos muito genéricos enunciados no seu preâmbulo. Com efeito, mesmo que a situação em causa no processo principal pusesse garantidamente em causa o bom funcionamento do mercado, a abordagem sugerida pelos governos intervenientes equivaleria a desprezar as condições inerentes à aplicabilidade da Directiva 89/592, nomeadamente a relativa à existência de uma informação privilegiada que está na origem da exploração, na sua dimensão intencional e material, da referida informação.

69.      Além disso, o âmbito de aplicação de um acto comunitário é normalmente definido pelas suas próprias disposições e não pode, em princípio, ser alargado a situações distintas das que pretendeu abranger (8). Ora, no caso concreto, não parece que a Directiva 89/592 tenha pretendido visar uma situação resultante da prática dita de «painting the tape» e, mais genericamente, da manipulação de mercado.

70.      A este respeito, chamamos a atenção para o facto de que, com a adopção da Directiva 2003/6, a qual prossegue os mesmos objectivos de transparência e de integridade do mercado que a Directiva 89/592 (9), o legislador comunitário pretendeu, precisamente, ao substituir esta última e ao incluir no âmbito de aplicação da nova directiva a luta contra as manipulações de mercado, fazer progredir a harmonização das legislações dos Estados‑Membros, punindo comportamentos que a experiência demonstrou poderem abalar a confiança do público e, por essa razão, prejudicar o bom funcionamento dos mercados (10).

71.      Ora, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2003/6, entende‑se por «manipulação de mercado», nomeadamente, a «[r]ealização de operações ou emissão de ordens [...] que assegurem, por acção de uma pessoa, ou pessoas agindo de forma concertada, o preço de um ou mais instrumentos financeiros a um nível anormal ou artificial, a menos que a pessoa que realizou as operações ou emitiu as ordens faça prova da legitimidade das razões que a levaram a realizar essas operações ou a emitir essas ordens e da conformidade das operações e ordens com as práticas de mercado aceites no mercado regulamentado em questão». Esta definição parece pois cobrir práticas como a dita «painting the tape» (11).

72.      À luz do processo legislativo comunitário no domínio dos abusos de mercado(12), não parece possível acolher o argumento dos governos intervenientes, que consiste em alargar o âmbito da Directiva 89/592 ou, segundo a matriz apresentada pelo Governo grego na audiência, «dar [a este acto] uma interpretação mais flexível», de forma a que esta directiva proíba práticas como as em causa no processo principal.

73.      Com efeito, a abordagem dos governos intervenientes equivale menosprezar o carácter fragmentário do quadro regulamentar comunitário que existia no momento da aplicação da Directiva 89/592, dando a esta última um alcance susceptível de se sobrepor à competência residual dos Estados‑Membros em sede de regulamentação e punição das manipulações de mercado.

74.      Cabe‑nos salientar que, no momento da ocorrência dos factos objecto do processo principal, a República Helénica (13), bem como a grande maioria dos Estados‑Membros, regulamentava e punia penalmente as práticas de manipulação de mercado (14).

VI – Conclusão

75.      Atentas as considerações que antecedem, propomos ao Tribunal de Justiça que se pronuncie da seguinte forma sobre a questão prejudicial do Symvoulio tis Epikrateias:

«Pessoas ou grupos de pessoas, que possuam uma das qualidades previstas no artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 89/592/CEE do Conselho, de 13 de Novembro de 1989, relativa à coordenação das regulamentações respeitantes às operações de iniciados, que realizem operações de bolsa previamente acordadas, que impliquem um aumento artificial do preço dos valores mobiliários cedidos, não devem ser consideradas como dispondo de informações privilegiadas na acepção do artigo 2.° da referida directiva.»


1 – Língua original: francês.


2 – JO L 334, p. 30.


3 – JO L 96, p. 16.


4 – Artigo 2.°, n.° 1, da directiva.


5 – Acórdão de 3 de Maio de 2001, Verdonck e o. (C–28/99, Colect., p. I‑3399, n.° 29).


6 – V., nomeadamente, as definições constantes dos sítios www.investorwords.com e www.investopedia.com.


7 – A este respeito, é indiferente que os dois elementos, moral e material, ocorram em momentos muito próximos no tempo, ou mesmo quase em simultâneo. Além disso, o elemento moral da exploração de uma informação que se sabe ser privilegiada não implica que haja intenção de realizar lucro.


8 – V. a propósito de um regulamento, acórdão de 12 de Dezembro de 1985, Krohn, 165/84, Recueil, p. 3997, n.° 13 e jurisprudência aí referida.


9 – V., nomeadamente, segundo, décimo primeiro, décimo segundo, décimo quinto, vigésimo sétimo, quadragésimo primeiro e quadragésimo terceiro considerandos da directiva.


10 – V., neste sentido, décimo terceiro considerando da directiva. V., igualmente, décimo primeiro considerando que dispõe que «[o] actual enquadramento jurídico comunitário para proteger a integridade do mercado está incompleto».


11 – De salientar, a este respeito, que na proposta de directiva, a Comissão tinha sugerido fortalecer a definição de «manipulação de mercado» com exemplos concretos, juntos ao texto da proposta de directiva, com vista a facilitar a interpretação desta definição. Sob a rubrica «operações que visam dar uma falsa ideia de actividade» da secção B do anexo encontrava‑se então a prática do «painting the tape» [v. proposta de directiva de 30.05.2001, COM (2001) 281 final, p. 25]. Na sequência da oposição do Parlamento Europeu à utilização do método dito de «comitologia», previsto na proposta de directiva, para alterar as disposições do anexo (v., a este respeito, relatório da Comissão Económica e Monetária do Parlamento, documento A5/2002/69, de 27 de Fevereiro de 2002), o texto que veio a ser adoptado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia não contém nenhum anexo.


12 – Segundo a Directiva 2003/6, os abusos de mercado abrangem tanto as operações de iniciados como as manipulações de mercado.


13 – V., nomeadamente, artigo 34.° da Lei n.° 3632/1928, referido no n.° 18 das presentes conclusões.


14 – Aparentemente, só a República da Áustria e o Reino da Suécia e, em menor medida, o Reino dos Países Baixos, não puniam as manipulações de mercado.