CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

DÁMASO RUIZ‑JARABO COLOMER

apresentadas em 16 de Maio de 2006 1(1)

Processos apensos C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04

Procuratore della Repubblica

contra

Massimiliano Placanica, Christian Palazzese y Angelo Sorrichio

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunale di Teramo e pelo Tribunale di Larino (Itália)]

«Admissibilidade das questões prejudiciais: requisitos – Apostas pela Internet – Necessidade de concessão e de autorização prévias – Sanções penais – Restrições à livre prestação de serviços – Condições»





I –    Introdução

1.        «Rien ne va plus». O Tribunal de Justiça não pode protelar mais a análise aprofundada das repercussões das liberdades fundamentais do Tratado CE no sector dos jogos de fortuna e azar.

2.        É a terceira vez que é chamado a pronunciar‑se sobre esta matéria a propósito da legislação vigente em Itália. Fê‑lo pela primeira vez a pedido do Consiglio di Stato (Conselho de Estado), no acórdão de 21 de Outubro de 1999, Zenatti (2), declarando que as disposições do Tratado CE sobre a livre prestação de serviços não se opõem a uma legislação como a italiana, que reserva a determinados organismos o direito de gerir apostas relativas a acontecimentos desportivos, se tal legislação se justificar por objectivos de política social destinados a limitar os efeitos nocivos de tais actividades e se as restrições que impõe forem proporcionadas face a tais objectivos.

3.        As indicações fornecidas nesse acórdão não eliminaram as dúvidas que suscitava o regime jurídico desse país e deram origem a um segundo reenvio prejudicial, desta vez do Tribunale di Ascoli Piceno o qual fez referência à livre prestação de serviços e também ao direito de estabelecimento. O acórdão de 6 de Novembro de 2003, Gambelli e o. (3), clarificou o acórdão anterior no sentido de que «uma regulamentação nacional que proíbe – sob pena de sanções penais – o exercício de actividades de recolha, aceitação, registo e transmissão de propostas de apostas, nomeadamente sobre acontecimentos desportivos, sem concessão ou autorização emitida pelo Estado‑Membro em causa, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços previstas respectivamente nos artigos 43.° CE e 49.° CE», competindo ao órgão jurisdicional de reenvio analisar se essa regulamentação, tendo em conta as suas modalidades concretas de aplicação, é justificada e se as restrições que a mesma impõe não se mostram desproporcionadas em relação a esses objectivos.

4.        As questões prejudiciais colocadas pelo Tribunali di Larino e pelo Tribunali di Teramo dão ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar a sua jurisprudência, tendo em conta que a Corte suprema di cassazione (supremo tribunal) considerou que o sistema é compatível com as normas comunitárias e as circunstâncias que rodearam a atribuição das concessões para a gestão de apostas na República Italiana.

5.        Neste contexto, o conteúdo dos referidos acórdãos e das conclusões dos advogados‑gerais permite‑me, sem prejuízo de citações pontuais, omitir alguns detalhes, para me concentrar na análise dos problemas ainda existentes ou dos que surgiram posteriormente com substancialidade própria.

II – Enquadramento jurídico

A –    Direito comunitário

6.        A acção da Comunidade, para alcançar os fins que se propõe, implica, nos termos da alínea c) do artigo 3.° CE, «[u]m mercado interno caracterizado pela abolição, entre os Estados‑Membros, dos obstáculos à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais». Estes três últimos domínios são regulados no título III da terceira parte do Tratado, que dedica o capítulo 2 ao «direito de estabelecimento» e o 3 aos «serviços».

1.      O direito de estabelecimento

7.        As coordenadas deste princípio figuram no artigo 43.° CE:

«No âmbito das disposições seguintes, são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado‑Membro no território de outro Estado‑Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado‑Membro estabelecidos no território de outro Estado‑Membro.

A liberdade de estabelecimento compreende tanto o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício, como a constituição e a gestão de empresas e designadamente de sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 48.°, nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais, sem prejuízo do disposto no Capítulo relativo aos capitais.»

8.        O artigo 46.° CE, n.° 1, prevê várias reservas:

«1. As disposições do presente capítulo e as medidas tomadas em sua execução não prejudicam a aplicabilidade das disposições legislativas, regulamentares e administrativas, que prevejam um regime especial para os estrangeiros e sejam justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública.

[…]»

9.        Para o exercício deste direito, o artigo 48.° CE equipara as pessoas colectivas às pessoas singulares:

«As sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado‑Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na Comunidade são, para efeitos do disposto no presente Capítulo, equiparadas às pessoas singulares, nacionais dos Estados‑Membros.

Por ‘sociedades’ entendem‑se as sociedades de direito civil ou comercial, incluindo as sociedades cooperativas, e as outras pessoas colectivas de direito público ou privado, com excepção das que não prossigam fins lucrativos.»

2.      A livre prestação de serviços

10.      O princípio geral é enunciado no artigo 49.° CE, primeiro parágrafo:

«No âmbito das disposições seguintes, as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados‑Membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação.

[…]»

11.      Importa atender igualmente ao artigo 50.° CE:

«Para efeitos do disposto no presente Tratado, consideram‑se ‘serviços’ as prestações realizadas normalmente mediante remuneração, na medida em que não sejam reguladas pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias, de capitais e de pessoas.

Os serviços compreendem designadamente:

a) Actividades de natureza industrial.

b) Actividades de natureza comercial.

c) Actividades artesanais.

d) Actividades das profissões liberais.

Sem prejuízo do disposto no capítulo relativo ao direito de estabelecimento, o prestador de serviços pode, para a execução da prestação, exercer, a título temporário, a sua actividade no Estado onde a prestação é realizada, nas mesmas condições que esse Estado impõe aos seus próprios nacionais.»

12.      O artigo 55.° remete para alguns preceitos que regem o direito de estabelecimento:

«As disposições dos artigos 45.° a 48.°, inclusive, são aplicáveis à matéria regulada no presente Capítulo.»

B –    O direito italiano

13.      A regulamentação nacional coincide em larga medida com a examinada no processo Gambelli, mas convém recordá‑la e actualizá‑la.

1.      As concessões e as autorizações para exercer a actividade

14.      Nos termos do artigo 88.° do Testo Unico delle Leggi di Publica Sicurezza (texto único das leis relativas à segurança pública, a seguir «TULPS») (4), na redacção do n.° 4 do artigo 37.° da Legge financiaria (lei financeira) para 2001 (5), a autorização para a gestão de apostas é concedida exclusivamente a concessionários e a quem um ministério ou outro organismo, ao qual a lei reserve a faculdade para organizar apostas, autorize para esse efeito. Portanto, quem pretenda exercer uma actividade no âmbito das apostas públicas deve obter uma concessão e uma autorização, que o TULPS denomina «de polícia».

a)      As concessões

15.      Compete ao Estado controlar os jogos de fortuna e azar, através do Ministero dell’Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e das Finanças), que utiliza a Amministrazione Autonoma dei Monopoli di Stato (administração autónoma dos monopólios do Estado, a seguir «AAMS») (6).

16.      No entanto, há duas excepções a essa competência exclusiva do Estado, a favor do Comitato olimpico nazionale italiano (comité olímpico nacional italiano, a seguir «CONI») e da Unione italiana per l’incremento delle razze equine (união italiana para o fomento das raças equinas, a seguir «UNIRE») (7), habilitados para organizar apostas (8) e para confiar a sua gestão a terceiros nos domínios que controlam (9).

17.      A atribuição das concessões por estes organismos obedece a normas específicas, que foram alteradas ao longo do tempo. A princípio, a selecção dos beneficiários dependia da transparência da titularidade dos interessados, razão pela qual as sociedades de capitais estavam sujeitas a várias restrições, dado que as acções com direito a voto tinham de estar emitidas em nome de pessoas físicas, de sociedades em nome colectivo ou em comandita e não podiam ser transmitidas por simples endosso (10), com o resultado de que as empresas cotadas na bolsa estavam impedidas de participar nos concursos.

18.      Actualmente, o artigo 22.°, n.° 11, da Legge financiaria para 2003 (11) abre os concursos à participação de qualquer pessoa colectiva, sem limitações quanto à sua forma.

b)      As autorizações de polícia

19.      Para operar no sector das apostas exige‑se, além da concessão, uma autorização (artigo 88.° do TULPS), revogável, que é negada a quem tenha sido condenado em determinadas penas ou por cometer certos crimes, por exemplo, relacionados com a moral pública e os bons costumes ou com a infracção ao regime dos jogos de fortuna e azar (artigos 11.° e 14.° do TULPS).

20.      Após ser emitida, o seu titular deve permitir que as forças da ordem tenham acesso, a qualquer momento, ao local onde exerce a actividade autorizada (artigo 16.° do TULPS).

2.      As sanções

21.      A Lei n.° 401, de 13 de Dezembro de 1989, relativa às intervenções no sector do jogo e das apostas clandestinas destinada a proteger o desenvolvimento normal das competições desportivas (a seguir «Lei n.° 401/89») (12), tipifica alguns comportamentos.

22.      Por força do artigo 4.°, é punido com pena de prisão de seis meses a três anos quem organize ilegalmente lotarias ou apostas reservadas ao Estado ou aos concessionários e quem o faça sobre acontecimentos desportivos organizados pelo CONI ou pela UNIRE; se se tratar de outras competições, é cominada uma pena de prisão de três meses a um ano e multa (n.° 1). É igualmente punível com pena de prisão até três meses e multa a publicidade dos jogos mencionados (n.° 2); e com uma ou outra destas duas últimas sanções, a mera participação (n.° 3).

23.      Os n.os 4 bis e 4 ter (13) do dito artigo 4.° estendem as sanções a quem, sem possuir a autorização prevista no artigo 88.° do TULPS, aceite ou recolha apostas de qualquer tipo, efectuadas em Itália ou no estrangeiro, por via telefónica ou telemática, bem como a quem facilite tais actos –4 bis– e a quem admita bilhetes de lotaria ou de outras apostas pelos mesmos meios, sem licença para os utilizar com tais fins –4 ter.

III – Os antecedentes: o acórdão Gambelli e a resposta da Corte suprema di cassazione

24.      Como indiquei no início destas conclusões, já se colocou ao Tribunal de Justiça a questão da dimensão transfronteiriça dos jogos de fortuna e azar. Aos referidos acórdãos Gambelli e Zenatti, há que acrescentar os acórdãos Schindler (14) e Läärä e o. (15), ainda que, salvo o primeiro, os outros se tenham referido à livre prestação de serviços (16).

25.      O acórdão Schindler tinha por objecto a proibição total das lotarias no Reino Unido; o acórdão Läärä e o. analisou uma regulamentação finlandesa sobre as máquinas de jogo; e no processo Zenatti estava em causa a gestão de apostas por agências italianas por conta de uma empresa estabelecida noutro Estado‑Membro. Este último caso apresentava bastantes semelhanças com o que deu origem ao acórdão Gambelli que, em muitos aspectos, coincide com o presente litígio, especialmente quanto aos factos e ao quadro jurídico comunitário e nacional.

26.      Assim, importa examinar as razões que levaram os órgãos jurisdicionais de reenvio a colocar estas questões prejudiciais, o que torna necessário explicar o acórdão Gambelli e a aplicação dos seus critérios pela Corte suprema di cassazione.

A –    O acórdão Gambelli

27.      P. Gambelli e outros 137 indivíduos foram acusados, no âmbito de um processo penal, de organizar ilegalmente jogos de fortuna e azar não autorizados e de explorar locais onde, sem autorização, as apostas eram processadas por um corretor britânico.

28.      O Tribunale di Ascoli Piceno apresentou ao Tribunal de Justiça as dúvidas que lhe surgiram quanto à compatibilidade dos artigos 43.° e 49.° CE com as normas sancionatórias italianas que devia aplicar (17).

29.      O acórdão Gambelli, após ter exposto as observações apresentadas (n.os 25 a 43), apreciou a questão colocada sob dois ângulos, o do direito de estabelecimento (n.os 44 a 49) e o da livre prestação de serviços (n.os 50 a 58) (18).

30.      Sob o primeiro ângulo, tomou como referência a situação de uma empresa do Reino Unido que actuava em Itália por intermédio de agências italianas (n.° 46), por não lhe ser possível agir directamente, dado que as normas nacionais excluíam a atribuição de concessões a sociedades de capitais cotadas em bolsa noutros Estados‑Membros – o seu caso – o que constituía uma restrição à liberdade de estabelecimento (n.° 48).

31.      Sob o segundo ângulo, aprofundou a análise para precisar que as regras italianas restringiam a livre prestação de serviços em três aspectos: a) o da entidade britânica, que aceitava as apostas procedentes de Itália, o que qualificou como actividade de «serviços» na acepção do artigo 50.° CE (n.° 52), embora fossem enviadas através da Internet (n.os 53 e 54); b) o dos cidadãos italianos que apostavam, a quem eram aplicáveis sanções penais (n.os 55 a 57); e c) o dos intermediários, que também eram punidos (n.° 58).

32.      Como corolário, declarou que o artigo 4.° da Lei n.° 401/89 constituía uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços (n.° 59), sendo necessário examinar se os obstáculos eram justificados por alguma excepção prevista pelos artigos 45.° e 46.° CE ou por razões imperiosas de interesse geral (n.° 60).

33.      Nenhuma destas duas excepções abrange a diminuição de receitas fiscais (n.° 61) ou o financiamento de actividades sociais através de um tributo sobre as receitas, que deve «constituir […] uma consequência benéfica acessória» (n.° 62).

34.      As restrições devem preencher as condições que resultam da jurisprudência (n.° 64). No acórdão Gambelli, após serem indicadas (n.° 65), é atribuída ao juiz nacional a tarefa de apreciar se estão preenchidas no caso em litígio (19) e são fornecidos alguns parâmetros (n.° 66), exigindo‑se que as restrições:

–        sejam justificadas por razões imperiosas de interesse geral, como «a protecção dos consumidores», «a prevenção da fraude», a dissuasão de uma «despesa excessiva ligada ao jogo» ou a prevenção de «perturbações da ordem social», sempre que as medidas adoptadas contribuam para «limitar as actividades de apostas de uma maneira coerente e sistemática» (n.° 67), pelo que, quando um Estado prossegue uma política de forte expansão das apostas, com o fim de obter vantagens económicas, não pode «invocar a ordem pública social ligada à necessidade de reduzir as ocasiões de jogo» (n.os 68 e 69) (20),

–        se apliquem da mesma maneira e com os mesmos critérios a todos os operadores comunitários (n.° 70), violando‑se o princípio da não discriminação se os italianos os puderem preencher mais facilmente (n.° 71);

–        não vão além do necessário para se atingir o objectivo prosseguido. A proporcionalidade deve ser respeitada a nível das sanções a aplicar às pessoas que efectuam apostas (n.° 72) e aos intermediários que facilitem a prestação de serviços por um corretor estabelecido noutro Estado‑Membro (n.° 73), bem como da possibilidade de as sociedades de capitais cotadas nos mercados regulamentados de outros Estados‑Membros obterem concessões para a gestão dos jogos (n.° 74).

B –    A resposta da Corte suprema di cassazione

35.      Alguns meses após a prolação do acórdão Gambelli, a Corte suprema di cassazione teve ocasião de aplicar os seus critérios num recurso do Pubblico ministero (fiscal) contra o despacho do Tribunale di Prato, de 15 de Julho de 2003, que, num processo penal contra Gesualdi e o. pelo crime previsto no artigo 4.°, n.° 4 bis, da Lei n.° 401/89, tinha anulado a apreensão dos centros geridos pelos réus, por entender que a referida disposição violava o direito comunitário (21).

36.      O alto tribunal italiano tinha afirmado, de forma constante, que as normas nacionais eram compatíveis com as comunitárias (22). O acórdão Gambelli implicou que a Sezioni unite penali (plenário das secções criminais) conhecesse do recurso, a pedido da terceira secção na qual estava pendente, tendo proferido o acórdão n.° 111/04, de 26 de Abril de 2004 (a seguir «acórdão Gesualdi») (23).

37.      O acórdão Gesualdi não expressou surpresa acerca das considerações tecidas no acórdão Gambelli, que enquadrou numa jurisprudência uniforme (n.° 11.1), embora destacando duas inovações: a relativa às liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços no âmbito dos jogos de fortuna e azar; e a afirmação expressa de que são restringidas pelo artigo 4.° da Lei n.° 401/89 (n.° 11.2.3).

38.      Em seguida, tomando como ponto de partida que o legislador italiano prossegue, desde há anos, uma política expansiva neste sector para aumentar as receitas do Estado, verificou que tal comportamento era motivado por razões de ordem e segurança públicas que justificam os obstáculos às liberdades comunitárias, pois as disposições sobre o jogo não visam restringir a procura e a oferta, mas sim canalizá‑las para circuitos controláveis para evitar crimes (n.° 11.2.3).

39.      Neste contexto, avançou o argumento de que o corretor britânico estava já sujeito ao controlo de um Estado‑Membro, dado que a autorização emitida por esse país tinha carácter territorial e que a aplicação de um regime de concessões às apostas não tinha sido discutida no plano comunitário (n.° 11.2.4).

40.      Notou igualmente que o sistema italiano assenta em dois pilares: a concessão e a autorização. As razões de interesse geral que explicam as restrições à concessão são evidentes, pelo menos em parte. Mas, as relativas à autorização decorrem de um conjunto de condições subjectivas que visam um controlo preventivo e uma vigilância permanente para combater actos criminosos como a fraude, a lavagem de dinheiro ou a usura (n.° 11.2.5).

41.      Ao apreciar a adequação e a proporcionalidade das restrições, o acórdão Gesualdi distinguiu entre as licenças e as sanções penais, indicando que não incumbe aos juízes decidir sobre a procedência ou a intensidade destas últimas (n.° 12).

42.      Negou igualmente o carácter discriminatório das normas nacionais, pois as que garantem a transparência do accionariado dos concessionários afectam quer os italianos quer os estrangeiros. Além disso, após 1 de Janeiro de 2004, todas as sociedades de capitais podem participar nos concursos, tendo sido eliminados os obstáculos existentes nesse âmbito (n.° 13).

43.      Por último, negou pertinência ao alegado sobre o reconhecimento mútuo de diplomas, certificados ou outros títulos, mencionado no artigo 47.° CE (n.° 14).

44.      Atendendo a estas considerações, declarou que as disposições do artigo 4.° da Lei n.° 401/89 e, em especial, o seu n.° 4 bis conjugado com o artigo 88.° do TULPS não são incompatíveis com os princípios comunitários da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços (n.° 15) (24).

IV – Os factos nos processos principais

45.      A semelhança entre os elementos dos processos Zenatti e Gambelli e os factos nos processos principais que deram origem a estas questões prejudiciais facilita a descrição do contexto fáctico, que pode ser resumido com algumas indicações sumárias.

46.      Os «centros de transmissão de dados» funcionam em locais abertos ao público, oferecendo diversos instrumentos telemáticos que permitem aceder aos servidores de companhias de apostas estabelecidas noutros Estados‑Membros. Nestas instalações, o interessado faz as suas apostas, recebe a aceitação, paga e, se ganhar, recebe o prémio.

47.      Estas empresas são geridas por operadores independentes, que se limitam a transmitir as apostas, actuando como intermediários entre os particulares e os corretores, com os quais estão contratualmente vinculados (25).

48.      M. Placanica, C. Palazzese e A. Sorrichio gerem instalações deste tipo por conta da Stanley International Betting Ltd., com sede em Liverpool; esta empresa está autorizada a exercer a sua actividade no Reino Unido e no estrangeiro através de uma licença emitida pelas autoridades dessa cidade (26), não dispondo de uma autorização italiana, que lhe permitiria exercer esta actividade comercial durante seis anos, renováveis por outros seis, e que tinha tentado obter através do concurso efectuado nesse país em 1999, do qual foi excluída por ser uma sociedade de capitais cotada em bolsa.

49.      O Pubblico ministero instaurou no Tribunale di Larino um processo penal contra M. Placanica, acusando‑o da prática do crime previsto no artigo 4.°, n.° 4 bis, da Lei n.° 401/89, porquanto como administrador único da companhia Neo Service Srl., recolhia por via telemática apostas desportivas e de outros tipos, sem ter para tanto licença, para a Stanley Internacional Betting Ltd.

50.      No Tribunale di Teramo Algo foram instaurados processos semelhantes contra C. Palazzese e A. Sorricchio, que também geriam apostas por conta da companhia inglesa embora, antes de iniciarem esta actividade, tenham requerido uma autorização à Questura (polícia) di Atri, sem obterem resposta.

V –    As questões prejudiciais e a tramitação do processo no Tribunal de Justiça

51.      O Tribunale di Larino suspendeu a instância, pois duvida que o sistema de concessões se justifique para orientar os jogos de fortuna e azar para caminhos controláveis. No despacho de 8 de Julho de 2004, que deu lugar ao processo C‑338/04, coloca ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Solicita‑se ao Tribunal de Justiça que aprecie a conformidade da disposição do artigo 4.°, n.° 4 bis, da Lei n.° 401/89 com os princípios constantes dos artigos 43.° e 49.° do Tratado CE, em matéria de direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços transfronteiriços, designadamente na perspectiva da divergência interpretativa entre a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (nomeadamente no acórdão Gambelli) e o acórdão do Plenário da Suprema Corte di Cassazione n.° 23271/04; que, em especial, esclareça a aplicabilidade no Estado italiano [do regime sancionatório] invocad[o] na acusação contra Massimiliano Placanica.»

52.      O Tribunale di Teramo, em dois despachos de conteúdo semelhante, de 23 de Julho de 2004, que deram origem aos processos C‑359/04 e C‑360/04, suspendeu igualmente a instância e, do ponto de vista das condições de participação nos concursos para atribuição das concessões, colocou a seguinte questão:

«Os artigos 43.°, primeiro parágrafo, e 49°, primeiro parágrafo, do Tratado CE podem ser interpretados no sentido de ser permitido aos Estados‑Membros derrogar transitoriamente (por um período de 6 a 12 anos) o regime de liberdade de estabelecimento e de livre prestação de serviços no âmbito da União Europeia:

1)      atribuindo concessões a algumas pessoas para o exercício de determinadas actividades de prestação de serviços, válidas por 6/12 anos, com base num regime normativo que [tenha] conduzido à exclusão do concurso para atribuição da concessão alguns tipos de concorrentes (não italianos);

2)      modificando [esse] regime jurídico, por ter posteriormente tomado consciência da sua não conformidade com os princípios referidos nos artigos 43.° e 49.° do Tratado, no sentido de permitir no futuro a participação das pessoas que foram entretanto excluídas;

3)      não procedendo à revogação das concessões atribuídas com base no regime legal anterior, considerado lesivo dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, nem à organização de um novo concurso aplicando o novo regime legal, que [...] respeita os referidos princípios;

4)      continuando, pelo contrário, a perseguir criminalmente quem quer que opere em ligação com as pessoas que, embora habilitadas pelo Estado‑Membro de origem, foram excluídas do concurso precisamente por causa das proibições constantes das anteriores normas legais, entretanto revogadas?»

53.      Por despacho de 14 de Outubro de 2004, o presidente do Tribunal de Justiça ordenou a apensação dos processos C‑359/04 e C‑360/04 e, por despacho de 27 de Janeiro de 2006, do processo C‑338/04 (27).

54.      No processo C‑338/04, M. Placanica, os Governos belga, alemão, espanhol, francês, italiano, austríaco, português, e finlandês e a Comissão apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça dentro do prazo fixado pelo artigo 23.° do seu Estatuto; nos processos C‑359/04 e C‑360/04 o mesmo foi feito por C. Palazzese, A. Sorricchio, pelos Governos espanhol, italiano, austríaco e português, bem como pela Comissão.

55.      Os representantes de M. Placanica, C. Palazzese e A. Sorrichio, dos Governos belga, espanhol, francês, italiano, português e da Comissão compareceram para alegações na audiência realizada em 7 de Março de 2006.

56.      É também de notar que está pendente no Tribunal de Justiça o processo C‑260/04, que teve origem numa acção por incumprimento intentada pela Comissão contra a República Italiana, no qual se debate o sistema de concessões dos serviços de recolha e aceitação das apostas hípicas (28).

VI – Admissibilidade das questões prejudiciais

A –    Sentido das questões prejudiciais

57.      Os dois órgãos jurisdicionais de reenvio têm o mesmo ponto de partida, um processo penal instaurado devido à prática de actividades de intermediação de apostas sem concessão nem autorização, e de destino, a determinação da compatibilidade das normas nacionais com as liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços, embora sigam por vias diferentes.

58.      O Tribunale di Larino discorda da aplicação da jurisprudência Gambelli pela Corte suprema di cassazione, pois não parece estar convencido de que a regulamentação estatal vise proteger a ordem pública nem que evite discriminações contra os operadores de outros Estados‑Membros.

59.      O Tribunale di Teramo dedica especial atenção às circunstâncias que impedem o corretor de apostas por conta do qual os arguidos operavam de obter uma concessão até que caduquem as concedidas em 1999. Se este lapso de tempo implicar uma «derrogação temporária» às liberdades fundamentais comunitárias, duvida da sua viabilidade jurídica.

60.      Estes esclarecimentos facilitam o exame dos obstáculos levantados pelos aspectos não substantivos dos reenvios prejudiciais.

B –    Argumentos

61.      Os Governos que apresentaram observações no processo C‑338/04, com excepção do Governo belga, consideram que a questão prejudicial é inadmissível, embora por razões diferentes. Os agentes dos Governos português e finlandês entendem que não contém os elementos suficientes para dar uma resposta; segundo os representantes dos Governos alemão, espanhol, francês e italiano, a questão incide sobre a interpretação do direito nacional e não do direito comunitário; o representante austríaco crê que ela coincide com a que foi tratada no acórdão Gambelli, propondo que se profira um despacho nos termos do artigo 104.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, sugestão que, subsidiariamente, é feita também pela Alemanha, Itália e Finlândia.

62.      Nos processos C‑359/04 e C‑360/04, os Governos espanhol e italiano repetem as alegações apresentadas no outro processo em defesa da inadmissibilidade e o Governo italiano sugere, subsidiariamente, que seja proferido o despacho previsto no artigo 104.°, n.° 3, do Regulamento de Processo.

63.      Neste contexto, importa examinar se o Tribunal de Justiça deve admitir as questões prejudiciais.

C –    Os fundamentos de inadmissibilidade alegados

1.      A correcção formal do despacho que coloca a questão prejudicial

64.      O Tribunal de Justiça declarou frequentemente que tem o dever de responder às questões prejudiciais, salvo quando a interpretação ou a apreciação da validade da norma comunitária solicitadas não tenham qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio principal, quando digam respeito a um problema de natureza hipotética ou quando o Tribunal não disponha dos elementos de facto ou de direito necessários para responder utilmente (29).

65.      Convém recordar que, para facilitar uma interpretação eficaz, o juiz nacional deve definir o quadro factual e normativo em que as questões se inserem ou, pelo menos, explicar os pressupostos em que essas questões se baseiam (30), indicando os motivos que o levaram a formular o pedido de decisão prejudicial com um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições comunitárias cuja interpretação pede e sobre a sua ligação com a legislação nacional (31).

66.      Estes requisitos visam garantir que o Tribunal de Justiça possa dar uma resposta válida (32) e que os Governos dos Estados‑Membros e os interessados apresentem observações nos termos do artigo 23.° do Estatuto (33).

67.      No presente processo, os despachos de reenvio satisfazem as condições referidas, pois analisam os aspectos tácticos e jurídicos da origem da questão. É verdade que não transcrevem as regras italianas de referência, mas esta omissão pode ser facilmente suprida, recorrendo ao acórdão Gambelli. Além disso, sublinham o núcleo do dilema, centrado na divergência entre esse acórdão do Tribunal de Justiça e as considerações da Corte suprema di cassazione, especificando deste modo em que medida a interpretação que solicitam é relevante para o processo pendente.

2.      A aplicação das normas nacionais

68.      Segundo jurisprudência assente, no quadro da repartição de funções entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, compete a estes últimos interpretar e aplicar o direito nacional, apreciando o seu alcance e a sua compatibilidade com o ordenamento comunitário (34), sem prejuízo do caso particular que se verifica quando o legislador nacional, para regular matérias puramente nacionais, remete para as disposições comunitárias (35).

69.      Não penso que as questões colocadas devam ser julgadas inadmissíveis, embora os termos do despacho do Tribunale di Larino pareçam corresponder à hipótese avançada pelos Estados acima referidos.

70.      Com efeito, uma mera alteração na ordem dos termos utilizados reformula a questão desde o ponto de vista comunitário, de modo que não se trata de analisar se o artigo 4.°, n.° 4 bis, da Lei n.° 401/89 é compatível com os artigos 43.° CE e 49.° CE – teor literal do despacho – mas sim do significado destes preceitos do Tratado para os relacionar com as normas internas e as circunstâncias na origem do litígio, embora o problema que será analisado mais adiante derive, na realidade, da divergência entre um órgão jurisdicional italiano e a Corte suprema di cassazione.

71.      Por sua vez, o Tribunale di Teramo alude à modificação do sistema nacional de atribuição de concessões para a gestão de apostas, de modo a permitir que quaisquer sociedades de capitais possam participar em concursos futuros, quando tenham caducado as concessões adjudicadas na sequência das licitações em que não foram autorizadas a participar. Estes aspectos estão relacionados com as liberdades comunitárias e não foram abordados no acórdão Gambelli.

72.      Além disso, compete ao órgão jurisdicional comunitário fornecer todos os elementos sobre as normas europeias que facilitem a sua apreciação no processo em causa (36).

3.      A decisão da questão prejudicial por despacho

73.      O artigo 104.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, permite, no interesse da economia processual, proferir um despacho fundamentado, quando uma questão prejudicial for idêntica a outra já decidida, quando a resposta a essa questão possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando não suscite nenhuma dúvida razoável.

74.      O Tribunal de Justiça utiliza este mecanismo com precaução (37), dado que implica a supressão de trâmites que asseguram possibilidades de defesa. Por este motivo, não deve ser aplicado, sendo desnecessário determinar se estão preenchidos os requisitos indicados.

75.      Nestas conclusões referi a existência de certas semelhanças com o processo Gambelli, mas a sua constatação não basta para justificar um despacho que ponha termo ao processo prejudicial, repetindo decisões anteriores. Os órgãos jurisdicionais de reenvio não pedem algo que já conhecem, pretendendo sim obter esclarecimentos sobre o acórdão Gambelli que, recorde‑se, foi proferido na esteira do acórdão Zenatti. As dificuldades com que se deparam os juízes italianos subsistirão caso o Tribunal de Justiça se limite a recordar a sua jurisprudência (38).

D –    Competência do Tribunal de Justiça

76.      Em minha opinião, o verdadeiro dilema é determinar se o Tribunal de Justiça tem competência para responder às questões prejudiciais, quando estas são suscitadas pela divergência entre os tribunais hierarquicamente inferiores e a Corte suprema di cassazione quanto à aplicação dos critérios do acórdão Gambelli (39). Por outras palavras, há que esclarecer se entre as competências do Tribunal de Justiça figura a de dirimir as divergências entre os órgãos jurisdicionais nacionais acerca da interpretação das normas comunitárias para verificar a sua compatibilidade com as internas, quando já delineou os parâmetros que devem reger tais aspectos.

77.      Há vários argumentos a favor de uma resposta negativa a este dilema: em primeiro lugar, no âmbito do reenvio, a interpretação da norma nacional compete aos juízes do país membro, que estão em melhores condições para o fazer, atendendo sempre ao processo pendente, de acordo com os critérios hermenêuticos fornecidos pelo Tribunal de Justiça.

78.      Em conformidade com esta ideia, o acórdão Gambelli declarou expressamente que cabe aos tribunais italianos apreciar se as disposições do seu direito respeitam as liberdades comunitárias (40).

79.      Em segundo lugar, se os juízes chegam a resultados diferentes ou contraditórios, cabe ao seu próprio ordenamento jurídico fornecer os instrumentos para harmonizar a jurisprudência. Neste sentido, a decisão de um tribunal supremo vincula os subordinados, que não podem recorrer per saltum para a justiça europeia, pois o Tratado não prevê qualquer recurso directo das decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais, mesmo quando estes se pronunciem em última instância aplicando de forma errada o direito da União (41).

80.      Mas, apesar da sua relativa simplicidade, a solução apontada suscita objecções importantes.

81.      Por um lado, quando o Tribunal de Justiça incumbe os juízes dos países membros de examinarem a compatibilidade das normas nacionais com o direito comunitário, não abdica da sua competência neste domínio (42), mas põe em prática os princípios que inspiram o diálogo prejudicial, reconhecendo as vantagens da proximidade com o litígio, conservando porém a decisão definitiva nessa matéria. Assim, admitiu novas questões quando o juiz nacional depare com dificuldades de compreensão ou de aplicação do acórdão do Tribunal de Justiça, quando coloca ao Tribunal uma nova questão de direito ou ainda quando lhe apresente novos elementos de apreciação susceptíveis de conduzir a uma resposta diferente (43).

82.      O mesmo é válido quando os obstáculos decorrem de um acórdão de um tribunal nacional superior que aplica as directrizes do Tribunal de Justiça.

83.      Se os juízes italianos se vissem impedidos de recorrer ao Tribunal de Justiça em situações como as que estão em causa, os desvios só seriam corrigidos através de uma acção por incumprimento, à semelhança do que sucedeu no acórdão de 9 de Dezembro de 2003, Comissão/Itália (44).

84.      Esta opção gera algumas perturbações: 1.°) deixa a quem tem legitimidade para recorrer a ponderação da infracção (45) e do momento de a denunciar ao Tribunal de Justiça, encontrando‑se os juízes nacionais em boas condições para efectuar ambas as operações; 2.°) permite que, na fase pré‑contenciosa da acção por incumprimento, face aos pedidos da Comissão, os poderes legislativo e executivo do Estado‑Membro condicionem o judicial, com o risco de afectar a sua independência; e 3.°) leva a reflectir sobre o conteúdo e sobre as consequências da declaração de incumprimento, pois o referido acórdão Comissão/Itália justificou‑se, em parte, pela presença no ordenamento jurídico estatal de uma norma que tolerava uma interpretação contrária ao espírito comunitário.

85.      Também não se deve esquecer os particulares, que podem requerer que seja apresentada uma questão prejudicial, embora a decisão deva ser tomada pelo juiz que conhece do litígio (46). Se souberem de antemão que o reenvio é inadmissível, só lhes restará invocar a responsabilidade patrimonial, proclamada no acórdão Köbler, já referido (47).

86.      A utilização deste mecanismo é também insatisfatória pois, sendo concebido para salvaguardar o direito comunitário em casos especialmente graves (48), está subordinado a requisitos muito rigorosos (49), como o do «carácter manifesto» da violação, constituindo uma solução complicada que, com frequência, desemboca numa questão prejudicial semelhante à que se pretende impedir.

87.      Há que ter em conta outro argumento mais importante. A função primordial do Tribunal de Justiça consiste em garantir, com carácter exclusivo, a coerência da interpretação e da aplicação das normas europeias. Nos termos do acórdão de 24 de Maio de 1977, Hoffmann‑La Roche, o reenvio prejudicial visa «evitar que se estabeleça em qualquer Estado‑Membro uma jurisprudência nacional em desacordo com as regras de direito comunitário» (50). Um meio directo para tal pode ser o de intervir na disputa jurídica entre os órgãos jurisdicionais de um país acerca da interpretação do direito da União realizada por um tribunal superior.

88.      Nesta linha de pensamento, o acórdão de 16 de Janeiro de 1974, Rheinmühlen Düsseldorf (51), reconheceu que o reenvio prejudicial tem como função essencial assegurar que o direito instituído pelo Tratado produza o mesmo impacto em todo o território da Comunidade; acrescentou que também pretende assegurar a aplicação uniforme, «ao facultar ao juiz nacional um meio para eliminar as dificuldades que a exigência de dar ao direito comunitário o seu pleno efeito no âmbito dos sistemas jurisdicionais dos Estados‑Membros poderia suscitar» (n.° 2), com uma faculdade ilimitada de recorrer ao Tribunal de Justiça (n.° 3), de modo que «o órgão jurisdicional que não decide em última instância deve ser livre de submeter ao Tribunal de Justiça as questões que o preocupam, se considerar que a orientação adoptada por um órgão jurisdicional superior poderia levá‑lo a proferir uma decisão contrária ao direito comunitário», dado que, se se encontrasse vinculado, sem colocar a questão, a competência do Tribunal de Justiça e a aplicação do direito comunitário a todos os níveis dos sistemas jurisdicionais nacionais «ficariam seriamente comprometidas», excepto se as questões «fossem materialmente idênticas» às formuladas pelo órgão jurisdicional de última instância (n.° 4) (52).

89.      Não há dúvida de que a proposta tem inconvenientes, como a multiplicação do número de questões prejudiciais ou a aparente ruptura da hierarquia judicial no Estado. A primeira desvantagem não é relevante, pois o aumento da carga de trabalho não deve condicionar a opção jurídica adequada (53). A segunda ignora a função do Tribunal de Justiça como intérprete supremo na ordem jurídica europeia, vértice essencial para a existência de uma verdadeira comunidade de direito. Em todo caso, os problemas seriam menores se fosse adoptada qualquer outra alternativa.

90.      Estou também ciente de que, face às indefinições na configuração do poder judicial na União, alguns transtornos são causados pelo próprio Tribunal de Justiça, pois não é fácil alcançar em cada caso o grau adequado de precisão, tendo em conta que no direito o decisivo é encontrar os limites.

VII – Exame das questões prejudiciais

91.      Se o Tribunal de Justiça admitir as questões prejudiciais do Tribunale di Larino e do Tribunale di Teramo, é necessário reflectir sobre o direito, o jogo e as apostas.

A –    O direito, o jogo e as apostas

92.      Actualmente, nada é mais estranho à noção de «direito» que a de «azar», pois não procede da vontade humana nem de convicções gerais; também não actua de modo intencional, mas sim caprichoso e arbitrário (54). Mas, em épocas passadas, existia uma clara interdependência entre ambos os conceitos já que, para conservar a paz social, as decisões judiciais exigiam acatamento e quem as tomava era investido de um poder «mágico» ou «sacerdotal» (55).

93.      Os ordálios ou juízos de Deus, de origem muito antiga (56), demonstram esta simbiose, dependendo a decisão de um acontecimento fortuito. Mais tarde, as sentenças começam a ser fundadas em critérios racionais, até que as ordens jurídicas modernas excluíram, salvo em algumas situações, tais caprichos do destino (57).

94.      É possível entrever essa relação paradoxal noutras áreas, como as obrigações naturais, de que a aposta constitui um bom exemplo, os negócios sujeitos a condição, quando o acontecimento futuro e incerto depende do acaso, o caso fortuito ou, como aqui em debate, os contratos aleatórios.

95.      Ao longo da história, o jogo, como actividade lúdica, subsistiu em todas as sociedades, sendo possível distinguir quatro níveis diferentes de projecção jurídica. No primeiro, encontra‑se a manifestação mais espontânea e elementar, puro entretenimento e diversão (58). No segundo, surge a competição, que proporciona ao vencedor, além do prazer de competir com outros, auto‑estima e prestígio social. No terceiro, não basta o entretenimento ou a exibição de habilidades, há um interesse financeiro (59). No quarto, situam‑se as apostas que, além de arriscarem quantias em dinheiro, se tornaram numa dependência (60).

96.      Desses quatro níveis, o primeiro é alheio ao mundo jurídico e o segundo praticamente também. Porém, quando um capital é arriscado no jogo, o legislador intervém apoiado em duas razões. Por um lado, acautelando as repercussões sobre o património (61) e velando pela saúde do participante (62), bem como pela estabilidade da sua família; por outro lado, considerando o carácter mercantil dos centros onde decorre.

97.      Estas razões explicam a atenção que a lei dispensa aos jogos de fortuna e azar e o seu impacto no direito comunitário. Neste plano, o Tribunal de Justiça decidiu «que as actividades de lotaria (sorteios) constituem actividades económicas, na acepção do Tratado» (63), dado que «são o fornecimento de um serviço determinado mediante remuneração» (64), incluindo‑as entre as prestações de serviços (65). Não se exclui que sejam afectados outros domínios como, no mesmo sector económico, o direito de estabelecimento ou, fora do contexto financeiro, os aspectos humanos já referidos.

B –    Restrições às liberdades fundamentais

98.      No processo Gambelli, o advogado‑geral S. Alber defende que deve ser apreciada a compatibilidade do regime jurídico nacional com o direito de estabelecimento e não com a livre prestação de serviços, pois o Tratado coloca‑o em posição superior (n.° 76) (66), se bem que os centros de transmissão não devam ser considerados estabelecimentos secundários (n.° 87) porque, nesse caso, a regulamentação violaria o aludido direito (n.° 104), e também a mencionada liberdade (n.° 132).

99.      O Tribunal de Justiça, atendendo aos jogadores, às empresas que se dedicam a esta actividade e aos intermediários, contemplou de forma excludente ambas as liberdades, antes observando, depois de as analisar, que «uma regulamentação nacional como a legislação italiana sobre as apostas, nomeadamente o artigo 4.° da Lei n.° 401/89, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços» (n.° 59), examinando, em seguida, se era possível reconhecer uma derrogação prevista no Tratado ou uma justificação por razões imperiosas de interesse geral (n.° 60).

100. Não convém pôr em causa estas referências, que também constam do acórdão Zenatti quanto à prestação de serviços, mas parece oportuno indagar os elementos limitativos e os sujeitos por eles afectados.

101. Nesta linha, o acórdão Gambelli entendeu que os requisitos impostos pelo direito italiano a quem participe nos concursos para a atribuição de concessões para abrir agências de apostas constituíam entraves ao livre estabelecimento, pois excluíam algumas estruturas societárias (n.os 46 a 48), e qualificou como restrições à prestação de serviços aqueles com que se deparava um prestador estabelecido num Estado‑Membro distinto para exercer a sua actividade (n.° 54), bem como os impostos aos cidadãos a nível da participação em apostas organizadas noutros países da Comunidade (n.° 57) e a quem facilitava a actividade dos operadores instalados nesses territórios (n.° 58), nestes dois últimos casos sob a ameaça penal (67).

102. É surpreendente que, embora a questão prejudicial resultasse de processos penais contra os agentes do corretor, a análise tenha atendido à tripla órbita pessoal referida (68). Mas convém não esquecer a função do Tribunal de Justiça nem o impacto erga omnes dos seus acórdãos prejudiciais, uma vez que se poderia actuar contra os meros apostadores; além disso, a empresa estrangeira não tem a possibilidade de se estabelecer, de modo que exerce a sua actividade através de contratos celebrados com outros comerciantes, que são acusados por cumprirem o acordado.

C –    Quanto à existência de uma justificação

1.      Argumentos

103. Tendo em conta o que foi sugerido pelo advogado‑geral S. Alber nas conclusões, o acórdão Gambelli examinou conjuntamente as restrições constantes da legislação italiana, precisando que, independentemente da liberdade que se entenda ter sido violada, devem preencher certas condições: devem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, ser adequadas para garantir a realização do objectivo que prosseguem, não ultrapassar o necessário para atingir esse objectivo e ser aplicadas de forma não discriminatória (n.° 65) (69).

104. Com mais pormenor que o acórdão Zenatti, o acórdão Gambelli deixa ao juiz nacional a apreciação em concreto do respeito das referidas condições pela regulamentação italiana, embora indicando alguns parâmetros que devem nortear essa tarefa.

105. O Tribunal de Justiça poderia ter sido mais preciso e ter‑se pronunciado acerca do reflexo das liberdades comunitárias sobre as disposições nacionais, como sugerido pelo advogado‑geral, que assinalou as dificuldades que a tarefa atribuída colocava aos tribunais nacionais (70).

106. Não tenho dúvidas de que o acórdão Gambelli calibrou o grau de minuciosidade permitido ao Tribunal de Justiça nos limites das suas competências mas, face ao acórdão Zenatti, que não evitou um novo reenvio, pecou por excesso de prudência, pois dispunha de elementos suficientes para efectuar uma análise mais aprofundada, que teria tornado desnecessário formular as questões dos autos (71).

107. Importa agora dar o passo omitido e formular a resposta para dissipar a incerteza provocada, embora esta tarefa seja mais complexa, porque é necessário investigar se existe alguma justificação para os referidos obstáculos às liberdades comunitárias, examinando se têm carácter discriminatório, adequado e proporcionado.

2.      Razões imperiosas de interesse geral

108. O acórdão Gambelli definiu negativa e positivamente os motivos que justificam os entraves às liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços, excluindo «o financiamento de actividades sociais através de uma imposição sobre as receitas provenientes dos jogos autorizados» (n.os 61 e 62) (72), mas admitindo «a protecção dos consumidores», «a prevenção da fraude e da incitação dos cidadãos a uma despesa excessiva ligada ao jogo», bem como a «necessidade de prevenir as perturbações da ordem social» (n.° 67).

109. Segundo a Corte suprema di cassazione, a legislação italiana parte do princípio de que o controlo das apostas permite reduzir a prática de crimes (73).

110. Para o Governo italiano, o fundamento radica na protecção da ordem pública (74) e dos consumidores, bem como na eliminação de fraudes (75).

111. O Tribunal de Justiça assinalou a contradição entre tentar evitar o prejuízo causado por uma acção e, ao mesmo tempo, fomentá‑la (76), como sucede quando o Estado prossegue uma política de forte expansão do jogo e das apostas (77), pelo que a luta contra a fraude parece ser a única justificação para as restrições controvertidas.

112. A este respeito, não são fornecidos mais esclarecimentos para compreender a incidência dos comportamentos ilícitos, como por exemplo a burla ou a lavagem de dinheiro (78), sobre os jogos de fortuna e azar.

113. No acórdão Läärä e o., já referido, considerou‑se que «uma autorização limitada» das apostas no quadro de direitos exclusivos tem a vantagem de canalizar a vontade de jogar e a exploração dos jogos para um circuito controlado, de prevenir os riscos de tal exploração com fins fraudulentos ou criminosos e de utilizar os benefícios daí resultantes para fins de utilidade pública (n.° 37) (79).

114. Mas, para que as normas comunitárias sejam respeitadas não bastam razões imperiosas que levem a regular o jogo de maneira a que, sem o proibir completamente, o restrinjam de um modo particular, pois as medidas decretadas devem ser também igualitárias, adequadas e proporcionadas.

3.      A eventual discriminação

115. O acórdão Gambelli não se pronunciou sobre o facto de a regulamentação italiana (80) violar o princípio da não discriminação, incumbindo o juiz nacional dessa análise (81).

116. O Tribunale di Teramo completou agora os elementos disponíveis no âmbito desse acórdão, ajudando o Tribunal de Justiça a resolver a questão por si próprio, sem invocar o pretexto de que as reformas legislativas de 2003 alteraram a situação no país, dado que, em seu entender, os efeitos dessas modificações se farão sentir provavelmente até 2011, perdurando as sequelas do regime anterior, com o subsequente reflexo nos processos penais que deram origem aos reenvios. Além disso, as alterações legislativas só afectaram um dos elementos do sistema – a concessão – mas não os restantes – a autorização e a sanção.

117. À luz dos elementos do processo e dos que constam dos acórdãos anteriores, verifica‑se um tratamento desigual em matéria de concessões e de autorizações.

a)      As concessões

118. As sociedades de capitais cotadas em mercados regulamentados da Comunidade não podiam participar nos concursos para a atribuição das concessões. As exigências vinculavam todos os interessados, incluindo os nacionais (82), mas as empresas domiciliadas noutros territórios comunitários encontravam‑se mais expostas às restrições da legislação italiana (83) dado que, se desejassem participar, era necessário adaptar a sua estrutura interna, pelo que não tinham possibilidades reais de se estabelecerem nesse país (84).

119. Esta conclusão é reforçada pela parcimónia demonstrada na atribuição de concessões (85), não justificada por exigências da luta contra a criminalidade (86), dado que para as autorizações existem controlos prévios, mas para a admissão aos procedimentos de adjudicação é suficiente uma caução para garantir o pagamento dos montantes pertinentes ao erário público (87).

120. A desigualdade afecta também os intermediários, que são impedidos, sob ameaça de sanções penais, de prestar serviços a corretores estabelecidos noutro Estado‑Membro, que não podem estabelecer‑se nem obter autorizações para exercer a sua actividade em Itália.

b)      As autorizações

121. Para o Tribunal de Justiça, um regime de autorização administrativa prévia não pode legitimar um comportamento discricionário da parte das autoridades nacionais que prive as disposições comunitárias do seu efeito útil (88). Deve assentar, por um lado, em elementos objectivos, não discriminatórios e conhecidos antecipadamente, de modo a deixar bem delimitado o exercício do poder de apreciação dessas autoridades, excluindo qualquer arbitrariedade; e, por outro lado, num sistema processual acessível que assegure aos interessados que o seu pedido será tratado dentro de um prazo razoável, com neutralidade e imparcialidade (89).

122. À primeira vista, parece que a autorização do artigo 88.° do TULPS reúne os elementos referidos, mas uma análise mais detalhada dos artigos 8.° a 14.° do próprio TULPS revela uma margem de discricionariedade inconciliável com a objectividade, por exemplo, quando o artigo 10.° prevê a revogação em «caso de abuso por parte da pessoa autorizada», sem mais explicações (90). A ausência de regras deduz‑se também do facto de que nem é referido nem é possível inferir que os critérios de indeferimento dessas autorizações tenham carácter exaustivo.

123. Além disso, a autorização de polícia pressupõe a concessão e é afectada pelos vícios de que possa padecer, precisamente devido ao seu carácter prévio.

4.      A adequação e a proporcionalidade

124. As disposições italianas limitam o direito de estabelecimento e a livre prestação de serviços para prosseguir um fim legítimo mas são discriminatórias, o que bastaria para afastar a sua aplicação. Também não são adequadas para realizar os objectivos que prosseguem nem proporcionadas ao bem jurídico a proteger.

a)      As restrições ao direito de estabelecimento

125. A exclusão de algumas estruturas societárias do concurso para atribuição de concessões funda‑se na transparência das empresas, mas há outras soluções menos restritivas e mais conformes com o Tratado (91). Nos termos do acórdão Gambelli, «existem outros meios para controlar as contas e as actividades dessas sociedades» (92), seguindo neste aspecto as conclusões do advogado‑geral S. Alber, o qual indica que é possível comprovar a integridade das companhias, por exemplo, recolhendo informações acerca dos seus representantes ou dos seus accionistas principais (93).

126. Tendo em conta estes argumentos, o Estado italiano não ponderou as medidas denunciadas, comparando‑as com outras, nem demonstrou que constituam as melhores alternativas para realizar o objectivo que prosseguem.

b)      As restrições à livre prestação de serviços

127. A impossibilidade virtual de uma empresa estabelecida num Estado‑Membro exercer a sua actividade comercial noutro, bem como a proibição da intermediação e do recurso aos serviços oferecidos vão além do necessário para atingir as metas fixadas na legislação nacional (94).

128. Ignorar ou silenciar os controlos efectuados e as garantias prestadas noutros países da União com o pretexto, invocado pela Corte suprema di cassazione, do carácter territorial da autorização retarda a construção europeia e atenta contra os seus pilares básicos, violando o disposto no artigo 10.° CE, que impõe a abstenção «de tomar quaisquer medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos do presente Tratado» e o princípio da confiança mútua, que preside às relações intracomunitárias.

129. A este respeito, o acórdão de 4 de Dezembro de 1986, Comissão/Alemanha (95), indicou que a autoridade do Estado destinatário «deve tomar em consideração os controlos e verificações já efectuados no Estado‑Membro do estabelecimento» (n.° 47), reconhecendo o princípio da equivalência (96), e o de 10 de Maio de 1995, Alpine Investments (97), relativo a serviços prestados por telefone a destinatários potenciais de outros países membros, aludiu implicitamente ao princípio da eficiência.

130. Ambos os princípios me levam a partilhar da opinião defendida pelo advogado‑geral S. Alber no n.° 118 das conclusões apresentadas no processo Gambelli, quando indica que o jogo de fortuna e azar é regulado por lei em quase todos os Estados‑Membros e que as razões dessa regulamentação são normalmente concordantes (98). Assim, se um organizador de outro Estado‑Membro preencher as condições vigentes nesse Estado, as autoridades do Estado‑Membro onde o serviço é prestado devem considerar que isso é garantia suficiente da integridade do operador (99).

131. A própria Corte suprema di cassazione indicou que a companhia britânica por conta da qual os arguidos italianos actuam foi autorizada a operar por decisão do Betting Licensing Committee de Liverpool, com base no Betting Gaming and Lotteries Act (lei relativa a apostas e lotarias) de 1963, paga as taxas sobre as apostas (General Betting Duty) e está sujeita ao controlo do fisco inglês (Inland Revenues and Custom & Excise), de auditores privados e dos órgãos de supervisão das sociedades cotadas na bolsa.

132. Nestas circunstâncias, brevemente analisadas pela maior parte dos Estados que apresentaram observações neste processo prejudicial, parece claro que as autoridades britânicas estão em melhores condições que as italianas para determinar a legalidade das actividades, não se vislumbrando argumentos a favor de um controlo duplo (100). O acórdão de 25 de Julho de 1991, Säger (101), tolerou restrições à livre prestação de serviços justificadas pelo interesse geral quando «tal interesse não esteja salvaguardado por normas a que o prestador esteja sujeito no Estado‑Membro onde estiver estabelecido» (n.° 15).

133. Por seu lado, os intermediários obtiveram do Ministero dei Comunicazioni (Ministério das Comunicações) as autorizações necessárias para transmitir dados por via telemática, para o que se devem inscrever na câmara de comércio, obter o certificado nulla osta antimafia e não ter antecedentes penais, submetendo‑se à fiscalização dos correspondentes organismos nacionais. Contudo, são impedidos de prestar serviços em nome de uma sociedade legalmente estabelecida noutro Estado‑Membro.

5.      As normas penais

134. As condutas punidas pelo artigo 4.°, n.os 4 bis e 4 ter, da Lei n.° 401/89 referem‑se ao exercício não autorizado de actividades relacionadas com as apostas. São o corolário do sistema concebido pelo legislador italiano, que se dotou de uma ampla margem de discricionariedade, desde a autorização à proibição (102), de maneira que, atendendo aos aspectos debatidos, ao nível de protecção que entende ser necessária e às peculiaridades do país, escolheu um determinado grau de protecção. Mas a opção deve respeitar o direito comunitário (103).

135. Não se trata, portanto, de questionar o ius puniendi do Estado, que está em melhor posição para apreciar a virtualidade, a adequação e a capacidade de uma reacção repressiva (104), mas sim de que, quando a sanção reprime uma acção contra o direito comunitário, este é, por maioria de razão (105), igualmente violado pela coacção, pois os dois tipos de normas constituem peças de uma engrenagem que deve ser acoplada a outra que lhe é superior e não compartimentos estanques. Não compete ao Tribunal de Justiça escolher (106), mas sim verificar se a escolha efectuada é compatível com o direito comunitário.

136. Num plano global, é de notar que o artigo 4.° da Lei n.° 401/89 impõe uma pena mais pesada se estiverem em causa apostas reservadas ao Estado, ao CONI, à UNIRE ou aos seus concessionários, circunstância que pouco contribui para a prevenção da criminalidade e está mais relacionada com o incentivo económico que o jogo significa para os cofres do Estado.

137. Não obstante, é necessário examinar também a proporcionalidade das sanções, nos termos do acórdão Gambelli, em especial dos n.os 72 e 73, que distinguiu entre o apostador e o intermediário.

138. Para o apostador, recomendou ao juiz nacional que ponderasse as penas aplicadas a quem enviar as apostas desde o seu domicílio em Itália, através da Internet, a um corretor estabelecido noutro Estado‑Membro, apreciando o fomento da participação nos jogos organizados por entidades nacionais autorizadas, para o que invocou vários acórdãos (107).

139. No que toca ao intermediário, incumbiu também o órgão jurisdicional de reenvio de examinar se as penas excediam o necessário para combater a fraude, pois o prestador dos serviços estava sujeito a um regime de controlo e de sanções no Estado‑Membro de estabelecimento.

140. A Corte suprema di cassazione não realizou a tarefa de que foi incumbida, alegando que lhe está vedada. É de estranhar que, embora detectando os três elementos fundamentais do regime jurídico italiano sobre a gestão de apostas, para tomar a sua decisão, se detenha na autorização, excluindo totalmente o exame da sanção e analisando parcialmente a concessão.

141. No presente processo, o Tribunal de Justiça deve pronunciar‑se, pois dispõe de todos os dados necessários para o efeito, e proclamar, sem hesitações, que um castigo que compreende uma pena de prisão até três anos é desproporcionado relativamente às circunstâncias descritas nestas conclusões, em particular, às respeitantes ao bem jurídico protegido com os tipos penais e às da própria actuação do Estado, que incentiva o jogo (108).

142. Além disso, quem é condenado fica com antecedentes criminais o que, por força dos artigos 11.° e 14.° do TULPS, impede que possa obter a autorização de polícia exigida, impossibilitando‑se o exercício de qualquer actividade relacionada com apostas.

143. Lembre‑se também que são afectadas liberdades fundamentais comunitárias, pelo que qualquer excepção deve ser interpretada de forma estrita (109), e que uma pena de prisão cria um entrave à livre circulação de pessoas (110).

D –    Indicação final

144. A falta de direito derivado aplicável aos jogos de fortuna e azar exige uma resposta às questões prejudiciais à luz do direito primário embora, atendendo às esferas afectadas, seja conveniente uma harmonização da matéria nas áreas de competência da Comunidade, para o que não têm faltado oportunidades.

145. Houve uma primeira tentativa em 1991, quando a Comissão, com base no estudo «Gambling in the single market: a study of the current legal and market situation» (111), procurou submeter o jogo ao regime do mercado comum; mas essa tentativa malogrou‑se devido às reticências de alguns Estados‑Membros (112).

146. Outra ocasião surgiu com a Directiva 2000/31, sobre o comércio electrónico (113) que, porém, excluiu expressamente «jogos de azar em que é feita uma aposta em dinheiro em jogos de fortuna, incluindo lotarias e apostas» [artigo 1.°, n.° 5, alínea d), terceiro travessão].

147. Actualmente está em discussão a proposta de uma importante directiva sobre os serviços (114), através da qual se pretende criar um quadro jurídico para «facilitar o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços, bem como a livre circulação dos serviços» (artigo 1.°), que afectará os jogos de fortuna e azar (artigo 2.°, a contrario sensu), embora preveja um período transitório, durante o qual o «princípio do país de origem» (115) não é aplicável «às actividades de jogos a dinheiro, que impliquem uma aposta com valor monetário em jogos de fortuna e azar, incluindo lotarias e apostas» [artigo 18.°, n.° 1, alínea a)], para as quais se prevê uma eventual harmonização complementar, «à luz de um relatório da Comissão e de uma ampla consulta das partes interessadas» (artigo 40.°) (116), dada a transcendência do que deve ser debatido (117).

148. A ser conseguida essa concertação na Comunidade, resolver‑se‑ão muitos dos problemas das apostas pela Internet. Entretanto, as medidas que se adoptem unilateralmente deverão ser analisadas da óptica do Tratado (118).

149. Além disso, a dimensão transfronteiriça destes jogos excede o âmbito territorial da União Europeia, como mostram as fricções no seio da Organização Mundial do Comércio (119), cujas convenções, em particular, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, incidem sobre o direito comunitário se estiver envolvido um Estado terceiro, o que não sucede no presente caso.

VIII – Conclusão

150. Em face do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais colocadas pelo Tribunale di Teramo e pelo Tribunale di Larino, declarando que:

«Os artigos 43.° e 49.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que proíbe, punindo com penas de prisão até três anos, a recolha, a aceitação, o registo ou a transmissão de apostas, sem concessão nem autorização do Estado‑Membro em causa, por conta de uma empresa que foi impedida de as obter para prestar tais serviços nesse país, mas que possui uma autorização para exercer essa actividade, emitida por outro Estado‑Membro, no qual está estabelecida.»


1 – Língua original: espanhol.


2 – Acórdão C‑67/98, Colect., p. I‑7289.


3 – Acórdão C‑243/01, Colect., p. I‑13031.


4 – Aprovado pelo Decreto Real n.° 773, de 18 de Junho de 1931 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 146, de 26 de Junho de 1931).


5 – Lei n.° 388, de 23 de Dezembro de 2000 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 302, de 29 de Dezembro de 2000, supplemento ordinario n.° 219). O texto que aparece no n.° 7 do acórdão Gambelli não contém a modificação, referida no n.° 8 como se se tratasse uma disposição diferente.


6 – Artigo 1.° do Decreto do Presidente da República n.° 33, de 24 de Janeiro de 2002 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 63, de 15 de Março de 2002) e artigo 4.° do Decreto‑Lei n.° 138, de 8 de Julho de 2002 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 158, de 8 de Julho de 2002), convertido na Lei n.° 178, de 8 de Agosto de 2002 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 187, de 10 de Agosto de 2002).


7 – Rossi, G., «Il mercato unico europeo e il monopolio dei CONI sui giuochi e concorsi pronostici connessi alle manifestazioni sportive», Rivista di diritto sportivo, 1992, pp. 229 e segs.


8 – Artigo 6.° do Decreto legislativo n.° 496, de 14 de Abril de 1948 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 118, de 22 de Maio de 1948).


9 – Artigo 3.°, n.° 229, da Lei n.° 549, de 28 de Dezembro de 1995 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 302, de 2 de Novembro de 1995) –CONI–, e artigo 3.°, n.° 78, da Lei n.° 662, de 23 de Dezembro de 1996 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 303, de 28 de Dezembro de 1996) –UNIRE.


10 – Artigo 2.°, n.os 1, alínea a), e 6, do Decreto n.° 174 do Ministero delle Finanze, de 2 de Junho de 1998 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 129, de 5 de Junho de 1998) –CONI–, e artigo 2.°, n.os 1, alínea a), e 8, do Decreto n.° 169 do Presidente da República, de 8 de Abril de 1998 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 125, de 1 de Junho de 1998) –UNIRE.


11 – Lei n.° 289, de 27 de Dezembro de 2002 (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 305, de 31 de Dezembro de 2002, suplemento ordinário n.° 240).


12 –     Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 294, de 18 de Dezembro de 1989.


13 – Acrescentados pelo artigo 37.°, n.° 5, da Lei n.° 388/00, já referida. O n.° 9 do acórdão Gambelli refere o «artigo 4.°‑A» e o «artigo 4.°‑B», quando, na realidade, se trata de dois números do artigo 4.°


14 – Acórdão de 24 de Março de 1994 (C‑275/92, Colect., p. I‑1039).


15 – Acórdão de 21 de Setembro de 1999 (C‑124/97, Colect., p. I‑6067).


16 – O Tribunal examinou igualmente outros domínios: no acórdão de 11 de Setembro de 2003, Anomar e o. (C‑6/01, Colect., p. I‑8621), o das máquinas recreativas; e no acórdão de 13 de Novembro de 2003, Lindman (C‑42/02, Colect., p. I‑13519), o da tributação de ganhos provenientes do jogo na Finlândia. Está pendente o processo C‑89/05, United Utilities, no qual a House of Lords (Reino Unido) pergunta se «a isenção relativa às apostas estabelecida no artigo 13.°, B), alínea f), da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (Directiva 77/388/CEE), relativa a ‘apostas, lotarias e outros jogos de azar ou a dinheiro’, é aplicável nos casos em que uma pessoa (‘mandatário’) presta serviços em nome e por conta de outra pessoa (‘mandante’) […]».


17 – Formulou esta questão: «Há compatibilidade, com os consequentes efeitos a nível do ordenamento jurídico interno, dos artigos 43.° e segs. do Tratado CE, em matéria de liberdade de estabelecimento e de liberdade de prestação de serviços transfronteiriços, uma legislação nacional, como a italiana constante dos artigos 4.°, n.os 1 e segs., 4.°‑A e 4.°‑B da Lei n.° 401 de 13 de Dezembro de 1989 (na versão resultante do artigo 37.°, quinto parágrafo, da Lei n.° 388 de 23 de Dezembro de 2000), que estabelece a proibição – penalmente punida – do desenvolvimento da actividade, por quem e onde quer que se efectue, de angariação, aceitação, reserva e transmissão de propostas de aposta, em especial, relativamente a acontecimentos desportivos, na falta da respectiva concessão ou autorização impostas pelo direito interno?»


18 – Nas suas conclusões, o advogado‑geral S. Alber considera que os centros telemáticos não eram estabelecimentos secundários da empresa britânica, exercendo, ao invés, uma actividade de prestação de serviços (n.° 87), pelo que sugeriu uma resposta circunscrita à livre prestação de serviços.


19 – Em termos similares, no n.° 37 do acórdão Zenatti, o órgão jurisdicional de reenvio é encarregado de verificar se a legislação nacional estava justificada e se as restrições impostas não eram desproporcionadas. O advogado‑geral S. Alber, nas conclusões que apresentou no processo Gambelli, confirma que, até hoje, a apreciação foi deixada aos tribunais nacionais, mas adverte que esta tarefa lhes tem causado «dificuldades manifestas» (n.° 116).


20 – Note‑se que, embora o acórdão tenha confiado ao juiz nacional a tarefa de apreciar se, no processo principal, estavam preenchidos os critérios jurisprudenciais, o próprio Tribunal de Justiça tomou a liberdade de se pronunciar a este respeito.


21 – Segundo se infere do acórdão da Corte suprema di cassazione, porque a legislação interna não era justificada: por um lado, não oferecia nenhuma garantia de protecção da ordem pública dado que, em lugar de reduzir as possibilidades de jogo, incentivava as apostas e as pessoas autorizadas a explorar tal actividade; e por outro lado, também não permitia melhorar a segurança pública, pois carecia de meios para impedir a infiltração de associações criminosas. Para o Tribunale di Prato, essas restrições às liberdades comunitárias foram determinadas apenas pelo interesse financeiro do Estado.


22 – Acórdãos da Sezioni III n.° 124, de 27 de Março de 2000, Foglia, rv. 216223; n.° 7764, de 4 de Julho de 2000, Vicentini, rv. 216986; e n.° 36206, de 6 de Outubro de 2001, Publiese, rv. 220112.


23 – Apresentado como anexo 6 às observações de M. Placanica e pode ser consultado em http://www.ictlex.net/index.php/2004/04/26/cass‑su‑sent‑11104/.


24 – O Consiglio di Stato (Conselho de Estado) pronunciou‑se no mesmo sentido, em decisões de 1 de Março de 2005 (N. 5203/2005, recurso NRG. 4587 de 2004) e de 14 de Junho de 2005 (N. 5898/2005, recurso NRG. 2715 de 1998).


25 – Segundo o Tribunale di Teramo, «na sua agência, (o arguido) recebia da sociedade gestora inglesa listas de eventos desportivos e as respectivas cotações, tornando‑as públicas, aceitando as apostas dos particulares e transmitindo os dados respectivos à referida sociedade».


26 – Os n.os 10 e 11 das conclusões do advogado‑geral S. Alber e os n.os 12 a 14 do acórdão Gambelli expõem detalhadamente as características da referida sociedade e a sua forma de operar no mercado italiano.


27 – Encontram‑se pendentes de decisão outros processos de reenvio semelhantes, iniciados igualmente a pedido de juízes italianos (processos C‑395/05, D’Antonio e o., C‑397/05, Di Maggio e Buecola, e C‑466/05, Damonte).


28 – JO 2004, C 217, p. 14.


29 – Acórdãos de 15 de Dezembro de 1995, Bosman (C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.os 59 a 61); de 5 de Junho de 1997, Celestini (C‑105/94, Colect., p. I‑2971, n.° 22); de 7 de Setembro de 1999, Beck e Bergdorf (C‑355/97, Colect., p. I‑4977, n.° 22); de 13 de Julho de 2000, Idéal tourisme (C‑36/99, Colect., p. I‑6049, n.° 20); de 19 de Fevereiro de 2002, Arduino (C‑35/99, Colect., p. I‑1529, n.os 24 e 25); de 22 de Maio de 2003, Korhonen e o. (C‑18/01, Colect., p. I‑5321, n.os 19 e 20); de 9 de Setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union (C‑137/00, Colect., p. I‑7975, n.° 37); de 25 de Março de 2004, Azienda Agricola Ettore Ribaldi e o. (C‑480/00 a C‑482/00, C‑484/00, C‑489/00 a C‑491/00 e C‑497/00 a C‑499/00, Colect., p. I‑2943, n.° 72); ou de 10 de Novembro de 2005, Stichting Zuid‑Hollandse Milieufederatie (C‑316/04, Colect., p. I‑0000, n.os 29 e 30).


30 – Despacho de 8 de Outubro de 2002, Viacom (C‑190/02, Colect., p. I‑8287, n.° 15); e acórdãos de 17 de Fevereiro de 2005, Viacom Outdoor (C‑134/03, Colect., p. I‑1167, n.° 22); de 12 de Abril de 2005, Keller (C‑145/03, Colect., p. I‑2529, n.° 29); e de 6 de Dezembro de 2005, ABNA e o. (C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04, Colect., p. I‑0000, n.° 45).


31 – Despacho Viacom, já referido, n.° 16; acórdãos de 16 de Dezembro de 1981, Foglia (244/80, Recueil, p. 3045, n.° 17); de 12 de Junho de 1986, Bertini e o. (98/85, 162/85 e 258/85, Colect., p. 1885, n.° 6); de 17 de Maio de 1994, Corsica Ferries (C‑18/93, Colect., p. I‑1783, n.° 14); de 8 de Junho de 2000, Carra e o. (C‑258/98, Colect., p. I‑4217, n.° 19); e de 21 de Janeiro de 2003, Bacardi‑Martini e Cellier des Dauphins (C‑318/00, Colect., p. I‑905, n.° 43).


32 – Acórdão de 26 de Janeiro de 1993, Telemarsicabruzzo e o. (C‑320/90 a C‑322/90, Colect., p. I‑393, n.° 6).


33 – Despachos de 30 de Abril de 1998, Testa e Modesti (C‑128/97 e C‑137/97, Colect., p. I‑2181, n.° 6); de 2 de Março de 1999, Colonia Versicherung e o. (C‑422/98, Colect., p. I‑1279, n.° 5); de 11 de Maio de 1999, Anssens (C‑325/98, Colect., p. I‑2969, n.° 8); de 28 de Junho de 2000, Laguillaumie (C‑116/00, Colect., p. I‑4979, n.° 15); e de 8 de Outubro de 2002, Viacom, antes mencionado, n.° 14; acórdãos de 21 de Setembro de 1999, Albany (C‑67/96, Colect., p. I‑5751, n.° 40); de 11 de Setembro de 2003, Altair Chimica (C‑207/01, Colect., p. I‑8875, n.° 25); e de 12 de Abril de 2005, Keller, já referido, n.° 30.


34 – Acórdãos de 13 de Março de 1986, Sinatra (296/84, Colect., p. 1047, n.° 11); de 21 de Janeiro de 1993, Deutsche Shell (C‑188/91, Colect., p. I‑363, n.° 27); de 7 de Dezembro de 1995, Ayuntamiento de Ceuta (C‑45/94, Colect., p. I‑4385, n.° 26); de 26 de Setembro de 1996, Allain (C‑341/94, Colect., p. I‑4631, n.° 11); de 24 de Outubro de 1996, Dietz (C‑435/93, Colect., p. I‑5223, n.° 39); de 30 de Abril de 1998, Thibault (C‑136/95, Colect., p. I‑2011, n.° 21); ou de 19 de Janeiro de 2006, Bouanich (C‑265/04, Colect., p. I‑0000, n.° 51).


35 – Acórdãos de 26 de Setembro de 1985, Thomasdünger (166/84, Recueil, p. 3001); de 8 de Novembro de 1990, Gmurzynska‑Bscher (C‑231/89, Colect., p. I‑4003); de 24 de Janeiro de 1991, Tomatis e Fulchiron (C‑384/89, Colect., p. I‑127); de 28 de Março de 1995, Kleinwort Benson (C‑346/93, Colect., p. I‑615); de 17 de Julho de 1997, Leur‑Bloem (C‑28/95, Colect., p. I‑4161); também de 17 de Março de 2005, Feron (C‑170/03, Colect., p. I‑2299). Bartoloni, M.E., «La competenza della Corte di giustizia ad interpretare il diritto nazionale ‘modellato’ sulla normativa comunitaria», Il diritto dell’Unione europea, ano VI, n.° 2‑3, 2001, pp. 311 a 349.


36 – Acórdãos de 30 de Abril de 1998, Sodiprem e o. (C‑37/96 e C‑38/96, Colect., p. I‑2039, n.° 22); e de 12 de Julho de 2001, Ordine degli Architetti e o. (C‑399/98, Colect., p. I‑5409, n.° 48).


37 – Constituem exemplos da utilização do artigo 104.°, n.° 3, do Regulamento de Processo os despachos de 26 de Maio de 2005, Sozialhilfeverband Rohrbach (C‑297/03, Colect., p. I‑4305), e de 13 de Dezembro de 2005, Guerrero Pecino (C‑177/05, Colect. p. I‑0000), baseados em que a resposta pode ser claramente deduzida da jurisprudência; e os de 14 de Julho de 2005, Personalrat der Feuerwehr Hamburg (C‑52/04, Colect., p. I‑0000), e de 1 de Dezembro de 2005, Ostermann (C‑447/04, Colect., p. I‑0000), com fundamento na inexistência de uma dúvida razoável. O outro critério previsto no preceito – a identidade entre as questões – raramente é aplicado, como no despacho de 7 de Julho de 1998, Beton Express e o. (C‑405/96 a C‑408/96, Colect., p. I‑4253).


38 – Na sexta parte das observações de M. Placanica e C. Palazzese e na segunda parte, nono capítulo, das de A. Sorrichio são indicadas as divergências interpretativas dos tribunais do país. Na nota 27 menciono outros pedidos de decisão prejudicial de carácter semelhante, formulados igualmente por juízes italianos, que aguardam o desfecho do presente litígio.


39 – O Tribunale di Teramo relativizou essa divergência, introduzindo, como já foi destacado, aspectos novos. A controvérsia foi notada pela doutrina; Botella, A.S., «La responsabilité du juge national», Revue trimestrielle de droit européen, n.° 2, 2004, p. 307, menciona os eventuais desajustes entre ordens jurisdicionais distintas ou entre tribunais da mesma ordem jurisdicional, referindo um exemplo francês.


40 – N.os 66, 71, 73 e 75, especialmente.


41 – O advogado‑geral P. Léger, nas conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 30 de Setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, Colect., p. I‑10239), recorda que, em 1975, na sua análise acerca da União Europeia, o Tribunal de Justiça sugeriu que o Tratado continha uma garantia adequada para proteger os direitos dos particulares face às violações do artigo 234.° CE pelos tribunais supremos (nota 126).


42 – Ossenbühl, F., «Der Entwurf eines Staatsvertrages zum Lotteriewesen in Deutschland – Verfassungs‑ und europarechtliche Fragen», Deutsches Verwaltungsblatt, Julho de 2003, p. 892, sustenta que, embora os tribunais internos possam controlar a veracidade dos pretextos invocados pelos Estados‑Membros para justificar as restrições nacionais e a observância do princípio da proporcionalidade, o Tribunal de Justiça não abdicou completamente desse controlo, declarando que é errada a suposição de que delegou essa competência.


43 – Despacho de 5 de Março de 1986, Wünsche (69/85, Colect., p. 947, n.° 15); acórdãos de 11 de Junho de 1987, Pretore di Salò (14/86, Colect., p. 2545, n.° 12), e de 6 de Março de 2003, Kaba II (C‑466/00, Colect., p. I‑2219, n.° 39), no qual o Immigration Adjudicator colocou uma questão idêntica à que tinha sido resolvida pelo acórdão de 11 de Abril de 2000, Kaba I (C‑356/98, Colect., p. I‑2623), pois discordava de certas considerações aí tecidas.


44 – Acórdão C‑129/00, Colect., p. I‑14637.


45 – A Comissão tem‑se mostrado reticente em demandar os Estados por incumprimentos imputáveis aos seus órgãos jurisdicionais, Cobreros Mendazona, E., «La responsabilidad por actuaciones judiciales. El último gran paso en la responsabilidad de los Estados por el incumplimiento del derecho comunitario», Revista Española de Derecho Europeo, n.° 10, 2004, especialmente pp. 291 a 299; sobre os antecedentes, Ortúzar Andéchaga, L., La aplicación judicial do direito comunitário, Trivium, Madrid, 1992, pp. 184 e 185.


46 – Sem prejuízo de que, caso seja necessário, o Tribunal de Justiça, para comprovar a sua própria competência, examine as circunstâncias em que o juiz nacional formula o pedido (acórdãos Foglia, já referido, n.os 21 e 27; de 26 de Setembro de 2000, Kachelmann, C‑322/98, Colect., p. I‑7505, n.° 17; de 13 de Março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.° 39; de 17 de Maio de 2001, TNT Traco, C‑340/99, Colect., p. I‑4109, n.° 31; e de 16 de Dezembro de 2004, My, C‑293/03, Colect., p. I‑12013, n.° 25).


47 – Martín Rodríguez, P., «La responsabilidad del Estado por actos judiciales en derecho comunitario», Revista de Derecho Comunitario Europeo, n.° 19, 2004, p. 859, destaca, em relação a esse processo, as dificuldades da imputação do incumprimento do direito comunitário, pois caberia atribuí‑lo ao poder legislativo, que adopta a norma que introduz o aspecto discriminatório, ao executivo, na medida em que a administração austríaca devia ter dado primazia às disposições europeias, ou ao judicial, como ocorreu, por não tutelar efectivamente os direitos conferidos ao cidadão pela ordem jurídica comunitária.


48 – Simon, D., «The Sanction of Member States’ Serious Violations of Community Law», in O’Keeffe, ed., Judicial Review in European Law. Liber Amicorum Lord Slynn of Hadley, Kluwer, Haia, 2000, pp. 275 e segs.


49 – O próprio acórdão Köbler qualifica estes casos como «excepcionais» (n.° 53).


50 – Acórdão 107/76, Colect., p. 333, n.° 5.


51 – Acórdão 166/73, Colect., p. 17. Teve a sua origem em pedidos de restituição à exportação indeferidos pelo organismo de intervenção alemão de cereais e forragens e confirmados, por via judicial, pelo Hessische Finanzgericht (tribunal do contencioso tributário de Hesse). Em sede de recurso, o Bundesfinanzhof (tribunal supremo federal em matéria fiscal) colocou várias questões prejudiciais; uma vez respondidas (acórdão de 27 de Outubro de 1971, Rheinmühlen Düsseldorf, 6/71, Colect., p. 823), deu provimento parcial ao recurso, devolvendo o processo ao tribunal de primera instância para que se pronunciasse novamente mas, antes de o fazer, o Hessische Finanzgericht colocou ao Tribunal de Justiça algumas questões mediante um despacho recorrido no Bundesfinanzhof que, por sua vez, voltou a consultar o Tribunal de Justiça, dando lugar ao acórdão que comento – as questões do Hessische Finanzgericht foram examinadas no acórdão de 12 de Fevereiro de 1974, Rheinmühlen Düsseldorf, 146/73, Colect., p. 139.


52 – O Tribunal de Justiça declarou que «a existência no direito interno de uma regra que vincula os órgãos jurisdicionais à orientação adoptada por um órgão jurisdicional superior não pode, por este simples facto, privá‑los da faculdade, prevista no artigo [234.° CE] de recorrer ao Tribunal de Justiça».


53 – Embora a escolha se preste a discussões, uma alteração normativa pode atribuir apenas aos tribunais de última instância a possibilidade de colocar questões prejudiciais, à semelhança do que acontece em certos domínios (artigo 68.° CE).


54 – Rivas Torralba, R. A., Juegos de azar, Real Academia de Legislación y Jurisprudencia de Murcia, Murcia, 1996, p. 11.


55 – Díez Picazzo, L., Experiencia jurídica y teoría del derecho, Ariel, Barcelona, 1987, pp. 18 e 21.


56 – O Código de Hamurabi, em pleno apogeu do império babilónico durante o século XVIII a.C., recorre com frequência ao ordálio da água: o acusado era lançado ao rio e, se sobrevivesse, era proclamado inocente.


57 – Habitualmente utiliza‑se o «sorteio» para escolher os membros de um júri ou para nomear peritos judiciais. Por vezes, impõem‑se soluções extremas, como no caso U.S. versus William Holmes, no qual, após um naufrágio, a tripulação tinha lançado borda fora catorze passageiros de um barco salva‑vidas sobrecarregado, decidindo o juiz que todos, marinheiros e passageiros, tinham que ter participado no dramático sorteio para escolher as vítimas.


58 – Muitas vezes, a aposta é utilizada apenas para dar uma resposta ou ridicularizar o interlocutor, como quando D. Quixote assegura ao seu escudeiro: «Eu era capaz de fazer uma aposta contigo, Sancho, em como te não dói nada em todo o corpo, agora que estás falando sem que ninguém te vá à mão.» (Cervantes Saavedra, M., O engenhoso fidalgo Don Quixote de la Mancha, segunda parte, capítulo XXVIII, Livros de bolso Europa‑América, 2001, p. 177).


59 – Kant, I., refere‑se a estas facetas ao narrar que os jogos das crianças, a bola, a luta, as corridas, os soldados, visam o entretenimento e facilitam o desenvolvimento pessoal; depois, os do adulto, o xadrez, o jogo de cartas, buscam simultaneamente o puro ganho; finalmente, os do cidadão, que testa a sua sorte em colectividades públicas com a roleta ou os dados, todos eles impelidos, inconscientemente, pela natureza humana (Antropologia de um ponto de vista pragmático, Alianza Editorial, Madrid, 1991, p. 216).


60 – Dostoyevski, F., jogador compulsivo notório, descreve magistralmente os que estão presos nas suas redes: «[…] no mundo do jogo é bem sabido que um jogador, quando se sente envolvido em tão singular combate contra o azar, pode permanecer até vinte e quatro horas seguidas sentado a uma mesa sem desviar os olhos, nem por um segundo, das cartas ou da roda que gira» (O Jogador, Ed. Bruguera, Barcelona, 1974, p. 247), acrescentando que, «num momento percebi que já não me importava o dinheiro, mas apenas a sensação de risco, a sensação de aventura de ir contra toda a lógica. Desde então pensei muito sobre esta singularidade e cheguei à conclusão de que, possivelmente, ao passar por tantas sensações, longe de amolecer, o espírito excita‑se mais e exige sensações cada vez mais fortes, até chegar a uma inércia definitiva» (p. 274). O mesmo sentimento está subjacente ao texto de Gabriel y Galán, J. A., «[…] era verdade que passava o dia a pensar em dinheiro, dependendo dele, vivendo ao seu ritmo e, no entanto, como todos os jogadores, não tinha qualquer apego ao dinheiro, mas sim às fichas […]» (Muitos anos depois, Alfaguara, Madrid, 1992, p. 324). Chateaubriand, F., confessa uma comoção semelhante depois de perder a maior parte do dinheiro que acabara de receber emprestado: «Nunca antes tinha jogado: o jogo produziu em mim uma espécie de embriaguez dolorosa; se esta paixão me tivesse dominado teria afectado as minhas faculdades mentais» [Memórias de Além Túmulo (livros I‑XXIV), El Acantilado, Barcelona, 2004, p. 385].


61 – Dostoyevski faz o protagonista do seu romance divagar: «Por que motivo deve o jogo ser pior que qualquer outro meio de adquirir dinheiro, como o comércio, por exemplo? É certo que de cem jogadores só ganha um, mas [...] que me importava este detalhe se me sentia predestinado a ganhar?» (O jogador,op. cit., p. 68).


62 – O famoso personagem de José Zorrilla, D. Juan Tenorio, mostra esta preocupação quando, ao sair vencedor de uma aposta, é desafiado pelo vencido respondendo‑lhe: «quer dizer/porque ganhei a aposta/quereis que acabe a festa/com um duelo?» (D. Juan Tenorio, Alianza, Madrid, 1998, primeira parte, quarto acto, cena VI).


63 – Acórdãos Schindler, n.° 19; e Anomar e o., n.° 46, ambos já referidos.


64 – Acórdão Anomar e o., n.° 47; no mesmo sentido, acórdão Zenatti, n.° 24, ambos já referidos.


65 – Acórdãos Schindler, n.os 25 e 34; Läärä e o., n.° 27; e Anomar e o., n.° 52, já referidos.


66 – Apoiando‑se no acórdão de 30 de Novembro de 1995, Gebhard (C‑55/94, Colect., p. I‑4165, n.° 22).


67 – Korte, S., «Das Gambelli‑Urteil des EuGH», Neue Zeitschrift für Veraltungsrecht, 2004, p. 1449, escreve que estas ameaças por se cooperar em actividades de organização de apostas formam uma barreira ao mercado de serviços.


68 – Korte, S., op. cit., p. 1451.


69 – Acórdãos de 31 de Março de 1993, Kraus (C‑19/92, Colect., p. I‑1663, n.° 32); e Gebhard, já referido, n.° 37.


70 – N.° 116 das conclusões apresentadas pelo advogado‑geral S. Alber no processo Gambelli; no n.° 120 insiste na ideia, dado que, se os factos conhecidos forem suficientes para que o Tribunal de Justiça se pronuncie, nada deveria impedir que este o faça.


71 – Brouwer, L., e Docquir, B., ao comentarem o acórdão Gambelli en Revue de droit comercial belge, n.° 3, 2004, p. 314, n.° 7, sustentam que o Tribunal de Justiça não deixou lugar a dúvidas: embora a apreciação da compatibilidade deva, em princípio, ser efectuada pelo tribunal de reenvio, entendeu claramente que a legislação italiana não cumpria os requisitos exigidos pelo direito comunitário.


72 – O Tribunal de Justiça não admitiu como razões de ordem pública, no sentido do artigo 46.° CE, os objectivos de natureza económica (v., entre outros, acórdãos de 25 de Julho de 1991, Collectieve Antennevoorziening Gouda, C‑288/89, Colect., p. I‑4007, n.° 11; e de 29 de Abril de 1999, Ciola, C‑224/97, Colect., p. I‑2517, n.° 16).


73 – Acórdão Gesualdi, já referido, n.° 11.2.3. Na doutrina, Beltrani, S., La disciplina penale dei giochi e delle scommesse, Giuffrè, Milão, 1999, p. 313, sustenta que o sistema visa, sobretudo, a salvaguarda dos interesses financeiros e fiscais do Estado; igualmente, Coccia, M., «‘Rien ne va plus’: la corte di giustizia pone um freno alla libera circolazione dei giochi d’azzardo», Foro italiano, 1994, p. 521.


74 – N.° D), alínea a), das observações escritas apresentadas no processo Placanica e nos processos Palazzese e Sorricchio.


75 – N.° D), alínea b), das mesmas observações.


76 – Acórdão Gambelli, n.os 68 e 69.


77 – No acórdão Gesualdi, n.° 11.2.3, a Corte suprema di cassazione mencionou as lotarias «Gratta e vinci», introduzida em 1994 pela AAMS; «Totogol», lançada pelo CONI também em 1994; «SuperEnalotto», concedida à sociedade Sisal em Outubro de 1997; «Totosei», iniciada pelo CONI em 1998; «Formula 101», regulada por um decreto de Agosto de 1999 e iniciada pelo Ministero dell’Economia em Abril de 2000; «Totobingol», organizada pelo CONI a partir de Janeiro de 2001; e «Bingo», autorizada pelo Ministero dell’Economia em 2000.


78 – A prevenção da criminalidade pressupõe para Buschle, D., «‘Der Spieler’ – Schreckgespenst des Gemeinschaftsrechts», European Law Reporter, n.° 12, 2003, p. 471, um motivo de ordem pública e, simultaneamente, uma razão imperiosa de interesse geral.


79 – Os acórdãos Zenatti, n.° 35; e Anomar e o., n.° 74, reiteraram esta ideia.


80 – O advogado‑geral S. Alber expõe, nos n.os 95 a 97 das conclusões, vários argumentos que demonstram a infracção.


81 – N.os 70 e 71.


82 – Acórdão Zenatti, n.° 26.


83 – Como recordaram os acórdãos Schindler, n.° 43, e Anomar e o., n.° 65, o direito comunitário também se opõe a uma legislação nacional que, embora não atendendo à nacionalidade, possa impedir ou entravar as actividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste serviços análogos. Nos termos do acórdão Zenatti, n.° 27, a legislação italiana impedia «os operadores dos outros Estados‑Membros, directa ou indirectamente, de procederem eles próprios à recepção de apostas no território italiano».


84 – Korte, S., op. cit., p. 1450. A este respeito, ao responder a uma das questões que lhe coloquei na audiência, o representante do Governo italiano confessou que eram oito as empresas estrangeiras que tinham obtido uma concessão, na maioria através de compra ao adjudicatário.


85 – O CONI atribuiu 1.000 concessões em 1998; o ministro delle Finanze e o ministro per le Politiche Agricole, no âmbito das suas competências, licitaram 671 novas e renovaram automaticamente as 329 existentes. Este último comportamento levou a Comissão a intentar uma acção por incumprimento contra a Itália – processo C‑260/04, actualmente pendente – que já referi.


86 – As convocatórias para as concessões das apostas hípicas efectuadas no Decreto ministerial de 7 de Abril de 1999, Approvazione del piano di potenziamento della rete di raccolta ed accettazione delle scommesse ippiche (Gazzeta ufficiale della Repubblica italiana n.° 86, de 14 de Abril de 1999), sugerem que a quantidade foi determinada atendendo a outros parâmetros.


87 – Esta nota consta do despacho do Tribunale di Teramo que coloca a questão prejudicial C‑359/04.


88 – Acórdãos de 23 de Fevereiro de 1995, Bordessa e o. (C‑358/93 e C‑416/93, Colect., p. I‑361, n.° 25); de 14 de Dezembro de 1995, Sanz de Lera e o. (C‑163/94, C‑165/94 e C‑250/94, Colect., p. I‑4821, n.os 23 a 28); de 20 de Fevereiro de 2001, Analir e o. (C‑205/99, Colect., p. I‑1271, n.° 37); e de 12 de Julho de 2001, Smits e Peerbooms (C‑157/99, Colect., p. I‑5473, n.° 90).


89 – Acórdão Smits e Peerbooms, já referido, n.° 90.


90 – A Comissão menciona o artigo 11.°, segundo parágrafo, do TULPS, que permite negar a autorização caso surjam dúvidas quanto à boa conduta, mas a Corte constituzionale (tribunal constitucional), em acórdão de 16 de Dezembro de 1994, n.° 440, declarou que a frase não é conforme com a Constituição, pois impõe ao interessado o ónus da prova.


91 – Hoeller, B., e Bodemann, R., «Das ‘Gambelli’‑Urteil des EuGH und seinen Auswirkungen auf Deutschland», Neue Juristische Wochenschrift, 2004, p. 125, alegam, relativamente à legislação alemã – de certo modo semelhante à italiana – que uma regulamentação que não autoriza que toda e qualquer empresa, independentemente da sua forma jurídica, tenha acesso ao mercado de apostas, deve ser considerada uma ingerência desproporcionada na liberdade de estabelecimento.


92 – N.° 74.


93 – N.° 99.


94 – Brouwer, L., e Docquir, B., op. cit., p. 314, n.° 8.


95 – Acórdão 205/84, Colect., p. 3755.


96 – O advogado‑geral A. La Pergola, no n.° 36 das conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão Läärä e o., chama a atenção para este critério, embora depois o Tribunal de Justiça não o tenha mencionado.


97 – Acórdão C‑384/93, Colect., p. I‑1141; especialmente, n.os 46 a 49.


98 – Este aspecto é especificado nos primeiros números das conclusões do advogado‑geral C. Gulmann, apresentadas no processo que deu origem ao acórdão Schindler, já referido.


99 – Num plano mais amplo, o relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu – situação do mercado interno dos serviços – Relatório apresentado no âmbito da primeira fase da estratégia do mercado interno para os serviços [COM(2002) 441 final], especialmente pp. 36 e segs.


100 – Para Schütz, H.‑J., Bruha, T., e König, D., Europarecht Casebook, Munique, 2004, p. 752, a introdução por um Estado‑Membro de condições mais restritivas exige um rigoroso exame da proporcionalidade, especialmente quanto à prova de que não há medidas menos limitativas.


101 – Acórdão C‑76/90, Colect., p. I‑4221.


102 – Acórdãos Schindler, n.° 61; Läärä e o., n.° 35; Zenatti, n.° 33; e Anomar e o., n.os 79 e 87, já referidos.


103 – Como indica o advogado‑geral A. La Pergola no n.° 34 das conclusões apresentadas no processo que deu origem ao referido acórdão Läärä e o., «[e]mbora sendo de natureza discricionária, as medidas restritivas adoptadas continuam controláveis ao nível jurisdicional; a sua adequação às exigências de interesse geral é, com efeito, susceptível de constituir objecto de um controlo por parte do juiz nacional chamado a aplicá‑las, o qual, no quadro desta análise, deverá referir‑se às normas de justificação – incluindo o princípio da proporcionalidade – que foram elaboradas pela jurisprudência comunitária quanto aos limites que podem legalmente acompanhar o exercício dos direitos e liberdades decorrentes do Tratado». O que, como indiquei, não exclui a verificação pelo Tribunal de Justiça.


104 – Como referi no n.° 48 das conclusões apresentadas no processo que deu origem ao acórdão de 13 de Setembro de 2005, Comissão/Conselho (C‑176/03, Colect., p. I‑0000).


105 – Expressão utilizada pelo advogado‑geral S. Alber nos n.os 97 e 99 das conclusões do processo Gambelli.


106 – Acórdão Schindler, já referido, n.° 32.


107 – Acórdãos de 29 de Fevereiro de 1996, Skanavi e Chryssanthakopoulos (C‑193/94, Colect., p. I‑929, n.os 34 a 39); e de 25 de Julho de 2002, MRAX (C‑459/99, Colect., p. I‑6591, n.os 89 a 91).


108 – Korte, S., op. cit., p. 1451, expressa sérias dúvidas sobre a utilidade das sanções penais, ao constatar a política expansiva sobre o jogo em Itália; Mignone, C. I., «La Corte di giustizia si pronuncia sul gioco d’azzarso nell’era di Internet», Diritto pubblico comparato ed europeo, 2004, p. 401, interroga‑se sobre a proporcionalidade entre os interesses protegidos e a liberdade pessoal que se sacrifica; Hoeller, B., e Bodemann, R., op. cit., p. 125, entendem que, no direito alemão, a desproporção é manifesta na medida em que o Estado contraria os seus próprios objectivos.


109 – Nomeadamente, acórdão de 19 de Janeiro de 1999, Calfa (C‑348/96, Colect., p. I‑11, n.° 23), referindo‑se, em concreto, à excepção de «ordem pública».


110 – Acórdãos de 3 de Julho de 1980, Pieck (157/79, Colect., p. 2171, n.° 19); de 12 de Dezembro de 1989, Messner (C‑265/88, Colect., p. 4209, n.° 14), e Skanavi e Chryssanthakopoulos, já referido, n.° 36.


111 – Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, Luxemburgo, 1991. Foi comentado pelo advogado‑geral C. Gulmann nas conclusões que apresentou no processo Schindler, já referido.


112 – Coccia, M., op. cit., p. 524. A Comissão alegou o princípio da subsidiariedade para paralisar a iniciativa (Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Edimburgo de 11 e 12 de Dezembro de 1992, anexo 2 da parte A: «Subsidiariedade – Exemplos do reexame de propostas pendentes e de legislações vigentes», divulgadas na publicação periódica Boletim das Comunidades Europeias, n.° 2, 1992).


113 – Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno (directiva sobre o comércio electrónico) (JO L 178, p. 1).


114 – Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos serviços no mercado interno [COM(2004) 2 final].


115 – No que toca a este princípio, o prestador do serviço fica sujeito unicamente à lei do Estado‑Membro em que está domiciliado, que é responsável pelo controlo mesmo quando a actividade é exercida noutro Estado‑Membro (artigo 16.°).


116 – Não ignoro que a liberalização do sector está longe de ser pacífica. Por exemplo, Ohlmann, W., «Lotterien, Sportwetten, der Lotteriestaatsvertrag und Gambelli», Wettbewerb in Recht Und Praxis, n.° 1, 2005, pp. 55 e 58, sustenta que não deve existir concorrência; Walz, S., «Gambling um Gambelli? – Rechtsfolgen der Entscheidung Gambelli für das staatliche Sportwettenmonopol», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 2004, p. 524, tem reticências quanto à validade das autorizações estrangeiras; e Campegiani, C., e Pati, C., «Il sistema di monopolio statale delle scommesse e la sua compatibilità con la normativa comunitaria in materia di libertà di stabilimento e di libera prestazione di servizi (arts. 43 e 49 CE)», Giustizia civile, 2004‑I, p. 2532, justificam uma regulamentação estatal da organização do jogo. A favor da criação de um mercado liberalizado, sujeito ao controlo de uma legislação supranacional ou internacional com regras estritas para prevenir o crime, inclina‑se Geeroms, S., «Cross‑Border Gambling on the Internet under the WTO/GATS and EC Rules Compared: A Justified Restriction on the Freedom to Provide Services?», Cross‑Border Gambling on the Internet – Challenging National ant International Law, Zurique/Basileia/Genebra, 2004, p. 180.


117 – Buschle, D., op. cit., p. 471, assinala que, na Alemanha, existem entre 90 000 e 500 000 pessoas dependentes de jogos de fortuna e azar, dois terços das quais são homens com baixos rendimentos. Segundo o jornal El País, que transcreve dados da empresa de consultadoria Christiansen Capital Advisors, há entre 1 800 e 2 500 sítios Internet dedicados a jogos de fortuna e azar, que facturam mais de 8 200 milhões de dólares em todo o mundo, montante que ascenderá a 23 500 milhões em 2009 (Ciberpaís, 13 de Outubro de 2005).


118 – Por agora, o debate segue o seu caminho. Os tribunais franceses depararam, recentemente, com dificuldades semelhantes às dos seus colegas italianos face às apostas hípicas organizadas na Internet pela empresa Zeturf, matriculada em Malta; o acórdão proferido pelo Cour d’appel (tribunal de recurso) de Paris, em 4 de Janeiro de 2006, confirmou o acórdão do Tribunal de grande instance (tribunal de primeira instância) de Paris e, sem ter colocado uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, afirmou a compatibilidade da legislação nacional com a comunitária, o que já deu origem às primeiras críticas (Verbiest, T., «Paris hippiques en ligne: la Cour d’appel de Paris confirme la condamnation de Zeturf», Droit et Nouvelles Technologies, http://www.droit‑technologie.org/1_2.asp?actu_id=1150).


119 – Por exemplo, o conflito entre os Estados Unidos e Antígua, que foi resolvido pelo relatório do Órgão de Recurso da referida organização, Estados Unidos – Medidas que afectam a prestação transfronteiriça de serviços de jogos de fortuna e azar e apostas, WT/DS285/AB/R, adoptado em 7 de Abril de 2005.