CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
F. G. JACOBS
apresentadas em 26 de Maio de 2005 1(1)
Processos apensos C‑151/04 e C‑152/04
Ministère public
contra
Claude Nadin e Nadin‑Lux SA
e
Ministère public
contra
Jean‑Pascal Durré
1. Nos presentes processos, o Tribunal de police de Neufchâteau (Bélgica), solicita ao Tribunal de Justiça que declare se o direito comunitário permite que uma legislação nacional imponha a um residente a matrícula nesse país de um veículo que lhe é disponibilizado pela empresa para a qual trabalha e que está estabelecida noutro Estado‑Membro, quando o trabalhador for igualmente accionista ou administrador ou administrador‑delegado dessa sociedade e quando o veículo for por si utilizado no exercício da sua actividade profissional.
A legislação nacional
2. O artigo 3.°, n.° 2, ponto 2, do Decreto real belga de 20 de Julho de 2001, que regulamenta a matrícula dos veículos a motor e dos reboques (2), preceitua que, como excepção à regra geral que impõe aos residentes nesse país a obrigação de aí matricularem os veículos que pretendam utilizar na Bélgica, esta matrícula não é obrigatória para o veículo utilizado por uma pessoa singular no exercício da sua profissão e matriculado no estrangeiro em nome de um proprietário estrangeiro, ao qual esta pessoa esteja vinculada por um contrato de trabalho, devendo nesse caso encontrar‑se a bordo do veículo uma declaração passada pela entidade belga competente em matéria de IVA.
3. O artigo 14.° da Circular n.° 1/2000, de 3 de Maio de 2000 (3), que reveste a natureza de fixação da prática administrativa, define as condições para beneficiar daquela excepção. O efeito da aplicação da alínea f) deste artigo 14.° consiste na não emissão dessa declaração quando a entidade patronal seja uma sociedade e o trabalhador seja igualmente administrador ou administrador delegado dessa sociedade, excepto se o trabalhador provar que existe uma verdadeiro vínculo laboral para com a sociedade. Consequentemente, o trabalhador tem de provar que está sujeito à autoridade de outra pessoa que represente a sociedade ou um órgão dessa sociedade (conselho de administração, órgão de gestão, etc.) e que esse órgão ou essa pessoa detém uma posição de autoridade e não está sujeito a influência significativa por parte da entidade patronal/órgão da direcção. Àqueles que gerem uma sociedade unipessoal, aos sócios fundadores da sociedade e aos principais accionistas de uma sociedade não poderá ser emitida essa declaração.
Os factos
4. O processo C‑151/04 respeita a C. Nadin, residente na Bélgica, que é trabalhador e administrador delegado da Nadin‑Lux SA, sociedade estabelecida no Luxemburgo. O processo C‑152/04 respeita a J. P. Durré, que também reside na Bélgica e é trabalhador e administrador da SA Delisalade Lux, também estabelecida no Luxemburgo. Referir‑me‑ei conjuntamente a C. Nadin e a J. P. Durré como «os arguidos».
5. Em dois momentos diferentes de Março de 2002, os arguidos foram alvo na Bélgica de um controlo rodoviário. C. Nadin conduzia um automóvel matriculado no Grão‑Ducado do Luxemburgo e propriedade da Credit Lease SA of Luxembourg, que o deu em leasing à Nadin‑Lux SA. J. P. Durré conduzia um automóvel matriculado em nome da Delisalade Lux SA. Nenhum dos arguidos tinha no veículo a exigida declaração do IVA, tendo ambos afirmado que as autoridades belgas competentes em matéria de IVA se recusaram a passar‑lhes essa declaração. Os arguidos foram acusados de ter infringido o artigo 3.°, n.° 2, ponto 2, do Decreto real belga de 20 de Julho de 2001. No Tribunal de police, os arguidos alegaram que deviam ser considerados trabalhadores à luz do direito comunitário e que o decreto real é incompatível com o princípio da livre circulação dos trabalhadores. O Tribunal de police submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Os artigos 10.° CE, 39.° CE, 43.° CE e 49.° CE opõem‑se a que um Estado‑Membro adopte uma medida que impõe a um trabalhador, [residente] no seu território, que aí matricule um veículo, quando este veículo pertence ao seu empregador, sociedade estabelecida no território de outro Estado‑Membro, sociedade à qual este trabalhador se encontra vinculado por um contrato de trabalho mas onde ocupa paralelamente uma função de accionista, de administrador, de administrador‑delegado para a gestão corrente ou uma função análoga?»
6. A questão que foi submetida é idêntica nos dois processos, não obstante a diferença do regime de propriedade dos veículos em causa. Considero, portanto, que, como sugerido pelo Governo belga, a questão prejudicial seja ligeiramente reformulada de modo a interrogar se o direito comunitário permite que a legislação nacional imponha a um residente a matrícula nesse país do veículo que lhe é disponibilizado pela empresa para a qual trabalha e que está estabelecida noutro Estado‑Membro, em casos em que esse trabalhador também é accionista ou administrador ou administrador‑delegado dessa sociedade.
7. Ademais, a legislação nacional aqui em causa aplica‑se unicamente ao veículo «utilizado por uma pessoa singular no exercício da sua profissão». Nem o órgão jurisdicional nacional nem os arguidos ou o Governo belga suscitaram a questão da utilização privada do veículo. Por conseguinte, entendo que a questão do órgão jurisdicional nacional integra a premissa de que os trabalhadores/administradores em causa utilizam desse modo os veículos que lhes foram disponibilizados.
8. Foram apresentadas observações escritas por cada um dos arguidos, pelos Governos belga, finlandês e do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, tendo estado todos, com a excepção de C. Nadin, representados na audiência.
Apreciação
9. Os arguidos e a Comissão sustentam que a questão submetida deve ser respondida pela afirmativa, ao passo que os três governos que apresentaram observações defendem a opinião contrária.
10. Os arguidos alegam que devem ser considerados «trabalhadores» na acepção do artigo 39.° CE, em conformidade com o enunciado no acórdão conhecido como Lawrie‑Blum (4). Com base nessa premissa, decorre do enunciado nos acórdãos Ledoux (5) e van Lent (6) que a legislação nacional é contrária ao direito comunitário. Mesmo que os arguidos não fossem considerados trabalhadores, a legislação seria contrária ao artigo 43.° CE. Ao que acresce que o Conseil d’Etat belga também considerou que a legislação é contrária aos artigos 39.° CE e 43.° CE (7).
11. O Governo belga alega, em primeiro lugar, que as medidas nacionais controvertidas devem ser lidas em conjugação com os artigos 12 bis e 25 quater do Code belge de la taxe sur la valeur ajoutée (Código belga do Imposto sobre o Valor Acrescentado), que transpôs o artigo 28.°‑A, n.os 5 a 7, da Sexta Directiva IVA (8). Estas disposições equiparam a entrega de bens efectuada a título oneroso à «transferência por um sujeito passivo de um bem da sua empresa com destino a um Estado‑Membro», mas excluem do âmbito das referidas entregas equiparadas as transferências para outros Estados‑Membros que sejam efectuadas a respeito, designadamente, da «utilização temporária desse bem, por um período que não pode exceder 24 meses, no território de outro Estado‑Membro no interior do qual a importação do mesmo bem proveniente de um país terceiro com vista a uma utilização temporária beneficiaria do regime de admissão temporária com total isenção de direitos de importação». Além disso, resulta igualmente do artigo 561.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2454/93, que fixa determinadas disposições de aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (9), que o benefício do regime temporário de importação está subordinado à condição de a pessoa que utiliza o veículo em causa ser empregada do seu proprietário. Na lei belga, este requisito está vertido na previsão do artigo 14.°, alínea f), da Circular n.° 1/2000.
12. O Governo belga alega, seguidamente, que, na medida em que a legislação nacional não exige às pessoas a quem essa lei se aplica que matriculem o veículo na Bélgica, quando demonstrem a existência de uma relação laboral nos termos definidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (10), e uma vez que nas demais situações a empresa que disponibiliza o veículo pode matriculá‑lo na Bélgica, não há qualquer restrição nem à livre circulação dos trabalhadores nem à liberdade de estabelecimento ou à livre prestação de serviços, na acepção dos artigos 39.° CE, 43.° CE e 49.° CE. No entanto e se o Tribunal de Justiça assim não entender, o Governo belga alega que as restrições são totalmente justificadas, na medida em que os Estados‑Membros são competentes para legislar em matéria de matrícula de veículos (11) e que aquelas medidas pretendem prevenir a evasão fiscal, a isto acrescendo que as medidas são proporcionais.
13. Os Governos finlandês e do Reino Unido alegam que o Estado da residência permanente da pessoa que utiliza o veículo tem o direito de aí impor a respectiva matrícula. Este princípio evita a evasão fiscal, facilita o controlo do tráfego e a segurança rodoviária e pode ser utilizado como parte de uma estratégia ambiental (12); o Governo do Reino Unido acrescenta que também consiste num meio de aumentar as receitas fiscais.
14. A Comissão sustenta que cabe ao órgão jurisdicional nacional pronunciar‑se quanto à questão de saber se os arguidos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação dos artigos 39.° CE ou 43.° CE. A característica essencial de uma relação de trabalho consiste em uma pessoa estar sob a direcção de outra (13) ou numa relação de subordinação (14), situações abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 39.° CE. Em todo o caso, a protecção conferida às pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação dos artigos 39.° CE e 43.° CE é a mesma (15). No presente caso, é manifesto desde a prolação do acórdão van Lent (16) que existe uma restrição, e que essa restrição não pode ser justificada com argumentos assentes na segurança rodoviária ou na erosão das receitas fiscais. Além disso, resulta do relatório anexo ao projecto de decreto real que o objectivo explícito daquele decreto consiste em assegurar que as pessoas residentes na Bélgica não escapem ao pagamento dos impostos rodoviários belgas e não na promoção da segurança rodoviária.
15. Começaria desde já por mencionar que os três governos que apresentaram observações referiram que a Comissão reconheceu (17) que uma liberdade total de escolha no que toca ao Estado‑Membro de matrícula de um veículo não seria aceitável, na medida em que tal se traduziria em todos os veículos serem matriculados no Estado‑Membro com o nível de tributação mais baixo, uma situação que o representante do Governo belga descreveu na audiência como a de um «foro shoppin g fiscal». Não creio, no entanto, que esta consideração seja relevante para a questão suscitada nos presentes processos. Não foi alegado que deveria existir a liberdade de matricular veículos como os dos presentes casos em qualquer Estado‑Membro, pelo que a questão se resume simplesmente ao facto de saber se uma empresa, que é proprietária ou que celebrou um contrato de leasing de um veículo que é disponibilizado a um trabalhador/administrador no exercício da respectiva actividade profissional, deve gozar da liberdade de matricular esse veículo no Estado‑Membro no qual se encontra verdadeiramente estabelecida.
16. A legislação nacional controvertida tem essencialmente por efeito impor aos residentes belgas que são trabalhadores de uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro, na qual também ocupam um cargo de responsabilidade societária, a matrícula na Bélgica dos veículos que lhes sejam disponibilizados pela sociedade para serem utilizados durante a respectiva actividade profissional. Partilho da opinião da Comissão de que, para se decidir sobre a compatibilidade desta situação com o Tratado, não é necessário determinar se nos presentes processos os arguidos são, para efeitos do direito comunitário, trabalhadores por conta de outrem ou por conta própria, na medida em que é jurisprudência assente que os artigos 39.° CE e 43.° CE lhes conferem uma protecção jurídica idêntica e que, portanto, a qualificação de uma actividade económica é irrelevante (18). Se fosse necessário proceder a essa determinação, caberia ao órgão jurisdicional nacional pronunciar‑se a esse respeito.
17. Constitui também jurisprudência assente que as disposições nacionais que impedem ou dissuadem um nacional de um Estado‑Membro de abandonar o seu país de origem para exercer o direito de livre circulação constituem entraves a essa liberdade (19). Ademais e no contexto de restrições (decorrentes da aplicação da legislação referente ao imposto sobre o valor acrescentado) respeitantes à utilização privada de um automóvel disponibilizado a um trabalhador em circunstâncias semelhantes às dos presentes casos, o Tribunal de Justiça já declarou que essas restrições têm por efeito «um trabalhador fronteiriço [ficar impedido na prática] de beneficiar de certas vantagens concedidas pela entidade patronal, apenas por ter a sua residência no território do Estado‑Membro da importação temporária [e] ficar [...], assim, prejudicado, no plano das condições de trabalho, relativamente aos seus colegas residentes no país da entidade patronal, o que afecta[...] directamente o exercício do seu direito de livre circulação no interior da Comunidade» (20).
18. Creio que este enunciado se aplica afortiori nos presentes casos, uma vez em que a obrigação de matricular de novo na Bélgica o veículo disponibilizado pela entidade patronal estabelecida noutro Estado‑Membro e que é utilizado no decurso da actividade profissional do trabalhador/administrador é susceptível de dissuadir os residentes belgas de exercerem os seus direitos de livre circulação, independentemente da questão de saber se esse direito deve ser correctamente analisado como decorrendo do artigo 39.° CE ou do artigo 43.° CE. Além disso, este princípio é susceptível de assumir ainda maior relevância no contexto de um Estado‑Membro como a Bélgica, que tem fronteiras terrestres com quatro outros Estados‑Membros e tem, por esse motivo, um número significativo de trabalhadores fronteiriços.
19. Não vislumbro de que modo esta conclusão poderá ser posta em causa pelo argumento do Governo belga assente nas disposições comunitárias sobre as importações temporárias e nas legislações nacional e comunitária referentes ao imposto sobre o valor acrescentado e em matéria aduaneira. Estes regimes são diferentes dos sistemas nacionais de matrícula de veículos. A sua aplicação dependerá de um certo número de factores, como sejam os conceitos de sujeito passivo e de importação temporária (21). Consequentemente, creio que não têm qualquer relação com a questão que foi submetida. É de referir que nenhuma das outras partes que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça se debruçou sobre estes argumentos.
20. No que se refere à questão da justificação, nenhum dos fundamentos invocados pelos governos que apresentaram observações me parece sustentável.
21. O Governo belga invoca, em primeiro lugar, a competência fiscal dos Estados‑Membros em matéria de tributação e matrícula dos veículos, remetendo para o reconhecimento deste princípio pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão Cura Anlagen (22).
22. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que, em termos gerais, a tributação dos veículos automóveis ainda não tinha sido harmonizada, os Estados‑Membros eram livres de exercer os seus poderes nessa matéria. No entanto, o Tribunal de Justiça acrescentou, como condição, serem esses poderes exercidos «no respeito do direito comunitário». Se as medidas nacionais que regulam a matrícula de veículos forem contrárias aos artigos 39.° CE e 43.° CE, é manifesto que essas medidas não respeitam o direito comunitário e os Estados‑Membros não são, portanto, livres de as aplicar desse modo.
23. Os três governos referem todos a necessidade de combater a evasão fiscal como razão justificativa.
24. É verdade que os Estados‑Membros podem negar às pessoas condenadas por abuso ou fraude o gozo dos direitos à livre circulação. No entanto, isto só poderá ser feito caso a caso e se houver provas de tal conduta. Um simples risco de abuso ou fraude não pode justificar uma restrição geral, que impeça o exercício de boa fé dos direitos comunitários (23). Tais restrições são necessariamente desproporcionadas, na medida em que tornam impossível o exercício legítimo dos direitos comunitários.
25. Mais concretamente, é jurisprudência assente que, podendo o objectivo de evitar a evasão fiscal justificar medidas restritivas que têm por objectivo específico excluir de um benefício fiscal os expedientes puramente artificiais cuja finalidade seja a de contornar a lei fiscal nacional, não pode justificar uma legislação que visa de um modo geral todas as transacções que, por qualquer razão, podem ser efectuadas pelos contribuintes (24). Deve referir‑se, quanto a este aspecto, que o representante do Governo belga declarou na audiência que há, provavelmente, situações em que a matrícula no Luxemburgo de um veículo disponibilizado em circunstâncias como as dos casos em apreço será perfeitamente adequada.
26. No que se refere ao argumento de que a medida se justifica por razões atinentes à segurança rodoviária, não partilho da opinião dos governos que apresentaram observações e segundo a qual só as matrículas nacionais e, desse modo, a fiabilidade dos controlos técnicos nacionais, são adequadas para atingir esse objectivo. Como salienta a Comissão, o artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 96/96 do Conselho (25) prevê o reconhecimento mútuo dos controlos técnicos.
27. De qualquer modo e no que se refere à medida nacional controvertida, resulta do relatório para o Rei em anexo ao projecto de decreto real que o objectivo explícito daquele decreto consistia em assegurar que as pessoas residentes na Bélgica não pudessem escapar ao pagamento dos impostos rodoviários belgas e não na promoção da segurança rodoviária.
28. É, além do mais, difícil de enquadrar o argumento de que a medida é necessária no interesse da segurança rodoviária com o facto de que esse decreto isenta da obrigação de matrícula os veículos que tenham sido disponibilizados por uma sociedade estabelecida noutro Estado‑Membro a trabalhadores que não sejam gerentes ou accionistas maioritários.
29. Também não aceito o argumento, invocado pelos Governos finlandês e do Reino Unido, de que só a matrícula nacional permite uma identificação fidedigna dos proprietários dos veículos. Dado que todos os Estados‑Membros possuem um sistema de matrícula dos veículos, deverá ser possível localizar o proprietário de um veículo independentemente do seu local de matrícula na Comunidade. Será provavelmente o que sucede quando um veículo conduzido por um turista ou por um visitante temporário se vê envolvido num acidente rodoviário.
30. O argumento segundo o qual a medida nacional pode ser justificada em razão do aumento das receitas fiscais pode ser apreciado sumariamente. É jurisprudência assente que a perda de receitas fiscais nunca pode constituir uma justificação para uma restrição ao exercício de uma liberdade fundamental (26).
31. Por ultimo, refiro o argumento apresentado pelos Governos finlandês e do Reino Unido, segundo o qual a matrícula pode ser utilizada como parte de uma estratégia ambiental, provavelmente através de um qualquer mecanismo como seja a imposição de taxas diferentes que reflictam o impacto ambiental do tipo de veículo. Isso poderá suceder, e é evidente que o objectivo de proteger o ambiente pode, em princípio, justificar medidas nacionais que, de outro modo, seriam contrárias a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (27). Contudo, os presentes casos respeitam à licitude de uma obrigação de proceder à matrícula num determinado Estado‑Membro. O nível da taxa do imposto a pagar sobre o veículo não foi posto em causa, nem foi de modo algum sugerido que esse imposto é escalonado de modo a incentivar veículos respeitadores do ambiente. Consequentemente, não creio que haja, nos presentes casos, matéria para a invocação da protecção do ambiente como justificação para as restrições às liberdades do Tratado que resultam daquela obrigação.
32. À luz da precedente análise, não se afigura necessário debruçarmo‑nos sobre os artigos 10.° CE e 49.° CE, ambos mencionados na questão submetida, uma vez que a interpretação dos artigos 39.° CE e 43.° CE é suficiente para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio (28). Importa salientar que nenhuma das observações recebidas pelo Tribunal de Justiça inclui argumentos respeitantes quer ao artigo 10.° CE quer ao artigo 49.° CE.
Conclusão
33. Por conseguinte, concluo propondo que as questões submetidas pelo Tribunal de police, Neufchâteau, sejam respondidas do seguinte modo:
«Os artigos 39.° CE e 43.° CE opõem‑se a que a legislação nacional imponha a um residente a matrícula nesse país de um veículo que lhe é disponibilizado pela empresa para a qual trabalha e que está verdadeiramente estabelecida noutro Estado‑Membro, quando o trabalhador for igualmente accionista ou administrador ou administrador‑delegado dessa sociedade.»
1 – Língua original: inglês.
2 – Moniteur belge de 8 de Agosto de 2001, p. 27022.
3 – www.fisconet.fgov.be.
4 – Acórdão de 3 de Julho de 1986, Lawrie‑Blum/Land Baden‑Württemberg (66/85, Colect., p. 2121).
5 – Acórdão de 6 de Julho de 1988, Ledoux (C‑127/86, Colect., p. I‑3741).
6 – Acórdão de 2 de Outubro de 2003, van Lent (C‑232/01, Colect., p. I‑11525).
7 – Parecer 31.530/4 da secção de legislação, Moniteur belge de 8 de Agosto de 2001.
8 – Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), alterada pela Directiva 91/680/CEE do Conselho (JO L 376, p. 1).
9 – Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 253, p. 1), como alterado, em especial, pelo Regulamento (CE) n.° 993/2001 da Comissão, de 4 de Maio de 2001 (JO L 141, p. 1).
10 – Acórdãos de 12 de Maio de 1998, Martínez Sala/Freistaat Bayern ( C‑85/86, Colect., p. I‑2961), e Lawrie‑Blum/Land Baden‑Württemberg, já referido na nota 4, supra.
11 – Acórdão de 21 de Março de 2002, Cura Anlagen (C‑451/99, Colect., p. I‑3193).
12 – Acórdão Cura Anlagen, n.° 59.
13 – Acórdãos Lawrie‑Blum/Land Baden‑Württemberg, já referido na nota 4, supra, n.° 17, e de 27 de Junho de 1996, Asscher/Staatssecretaris van Financiën (C‑107/94, Colect., p. I‑3089, n.° 25).
14 – Acórdão de 20 de Novembro de 2001, Jany e o. (C‑268/99, Colect., p. I‑8615, n.° 34).
15 – Acórdão de 5 de Fevereiro de 1991, Roux (C‑363/89, Colect., p. I‑273, n.° 23).
16 – Já referido na nota 6, supra.
17 – Comunicação interpretativa da Comissão relativa aos processos de recepção e de matrícula de veículos anteriormente matriculados noutro Estado‑Membro (JO 1996, C 143, p. 4). Faz‑se igualmente remissão para uma observação de idêntico efeito constante do n.° 45 das conclusões que apresentei no processo na origem do acórdão Cura Anlagen, já referido na nota 11, supra.
18 – Acórdão Roux, já referido na nota 15, supra, n.° 23.
19 – Acórdão van Lent, n.° 16.
20 – Acórdão Ledoux, já referido na nota 5, supra, n.° 18.
21 – O artigo 561.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2454/93, invocado pelo Governo belga, aplica‑se, na realidade, às situações em que o empregador da pessoa que utiliza o veículo tem sede fora do território aduaneiro da Comunidade.
22 – Já referido na nota 11, supra.
23 – V., por exemplo, acórdãos de 17 de Julho de 1997, Leur‑Bloem (C‑28/95, Colect., p. I‑4161, n.os 39 a 44); de 26 de Setembro de 2000, Comissão/Bélgica (C‑478/98, Colect., p. I‑7587, n.° 45); e de 21 de Novembro de 2002, X e Y (C‑436/00, Colect., p. I‑10829, n.° 62).
24 – V., como exemplo recente, acórdão de 11 de Março de 2004, de Lasteyrie du Saillant (C‑9/02, Colect., p. I‑2409).
25 – Directiva 96/96/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1996, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao controlo técnico dos veículos a motor e seus reboques (JO 1997, L 46, p. 1).
26 – Acórdão de 12 de Dezembro de 2002, de Groot (C‑385/00, Colect., p. I‑11819, n.° 103, assim como os acórdãos aí referidos), e acórdão X e Y, já referido na nota 23, supra, n.° 50.
27 – Acórdãos de 20 de Setembro de 1988, Comissão/Dinamarca (302/86, Colect., p. 4607); de 9 de Julho de 1992, Comissão/Bélgica (C‑2/90, Colect., p. I‑4431); e de 13 de Março de 2001, PreussenElektra (C‑379/98, Colect., p. I‑2099).
28 – Acórdão de 22 de Janeiro de 2002, Dreessen (C‑31/00, Colect., p. I‑663, n.° 30).